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Volume 22 - Novembro de 2017
Editor: Giovanni Torello

 

Junho de 2014 - Vol.19 - Nº 6

Artigo do mês

SONHOS EM PSIQUIATRIA E EM PSICOTERAPIA – PARTE 6

Carlos Alberto Crespo de Souza*

1.    Introdução.

No artigo anterior – Parte 5 – foi estudado, de maneira sumária, o livro de Medard Boss “Na noite passada eu sonhei...”, referente ao segundo capítulo denominado de “A compreensão fenomenológica ou daseinanalítica dos sonhos”.

Como visto no artigo, um dos pontos essenciais levantados pelo autor foi o de evidenciar que as coisas quantificáveis são consideradas mais verdadeiras do que aquelas apreendidas qualitativamente. Com isto, mostrou o quanto a psiquiatria, com suas qualificações não mensuráveis, é desacreditada pela ciência e de quantos esforços são necessários para criar condições ou métodos interpretativos para a compreensão das fragilidades, doenças ou sofrimento dos seres humanos que possam ser aceitos como verdades e incorporadas por ela.

Por conta de seu ideário, renovo a importância de quanto seu pensamento esteve voltado aos mesmos princípios de Jaspers, como já descrito anteriormente, no sentido de criar, através da fenomenologia, uma nova maneira de apreender os aspectos subjetivos do ser humano.  

Outro ponto a destacar nesse capítulo é o entendimento de Boss sobre o papel do simbolismo, que tem sido expressivo e preponderante nas teorias sobre os sonhos, porém argumenta sua crítica a respeito e procura estabelecer um novo começo na onirocrisia.    

Também se destaca no mesmo capítulo a descrição na qual Boss ilustra sua abordagem dos sonhos de maneira prática, ao registrar inúmeros casos clínicos estudados por ele. Ao todo, foram apresentados e comentados 28 sonhos de pacientes, mostrando estados psicológicos e psicopatológicos diferentes. Na impossibilidade de reproduzi-los, o artigo documentou apenas um caso onírico simples, considerado por mim como capaz de exemplificar o entendimento fenomenológico de Boss. 1 

Neste novo artigo – Parte 6 – em sequência, será apreciado o capítulo três do livro de Boss. Antes, num acréscimo, algumas definições ou conceitos de termos serão descritos.

2.    Definição de termos ou conceitos fundamentais.

Antes de prosseguir, alertado por um colega que leu os artigos anteriores sobre o pensamento de Boss e sentiu-se em dificuldades para compreender alguns termos sobre fenomenologia e existencialismo, refleti sobre elas e decidi emitir definições ou conceitos sobre esse ideário. Percebi que, assim, facilitaria uma melhor compreensão do assunto aqui tratado; aceitei sua queixa construtiva e inclino-me a pedir desculpas por não tê-lo feito anteriormente. Portanto, procurando sanar essa lacuna, faço agora este pequeno remendo ou acréscimo:

·         Dasein = da (aqui) e sein (ser). Ou seja, o “ser que está aí”. O existencialismo fundamenta-se no entendimento de que a existência precede a essência, expressando com isso que se o homem se faz a si mesmo como tal deve primeiro existir para poder fazer-se – ser.

·         Ôntico = pertencente ao ser.

·         A noção de existência = para os existencialistas a existência humana “é a única capaz de relacionar-se consigo mesma e, por outro lado, com os demais”. 2  Em seu entendimento, a existência humana é o verdadeiro tema da filosofia. “Trata-se do núcleo básico do ser humano, o que fica quando foi eliminado todo o circunstancial, tudo o que não seja o existir em si mesmo. Ibid

·         O conceito de transcendência = a existência não é uma coisa estável, mas sim como “uma relação constante consigo mesma e com o mundo, uma relação que se caracteriza por sua transcendência”. Ibid  De acordo com Seguin, para compreender o significado deste termo na filosofia da existência devemos nos referir a sua etimologia. Assim, a palavra existência se deriva do latim existere (existir), palavra formada pela preposição ex que significa, fundamentalmente, fora de, e sistere, por, colocar. Estes termos estão aparentados com os gregos ek e stasis que, através do latim ectasis, deram origem a palavra éxtasis que expressa o fato de “sair-se de si mesmo”. Portanto, a existência, desde esse ponto de vista, não pode ser considerada como uma coisa estável e nem imanente (que existe sempre em um dado objeto e inseparável dele), mas sim como um contínuo sair-se de si mesma, transcendente. Ibid    

· Ainda no dizer de Seguin, a importância deste conceito está em nos fazer ver que o existir humano é uma criação contínua, não como um ser (palavra que sugere algo estático), mas como um sendo ou como um poder vir a ser. Isto quer dizer que o homem não é um ente criado uma vez e que permanece como tal, mas sim um contínuo criar-se, fazer-se a si mesmo (...). Porém, se está constantemente num processo de fazer-se a si mesmo, esse processo não é determinado por nada, o que quer dizer que o ser humano é livre: elege seu caminho e se determina a si mesmo, portanto, completa e absolutamente responsável por si mesmo; é sua própria existência. Ibid    

·      O ser-no-mundo = o homem não existe só, nem numa relação exclusiva com sua corporeidade. O homem é um ser-no-mundo que cria o mundo, que, ao mesmo tempo, é criado por ele; encontra-se rodeado, confinado e em constante tensão consigo. O homem não pode conceber-se sem o que o rodeia, assim como a luz não existe se não há uma superfície que a reflita. Sua vida é uma luta constante e inútil, não somente por sua limitação insanável na existência, mas sim porque conhece seu fim na morte. Ibid Esta luta perpétua o coloca, pois, só frente ao mundo, para realizar-se e viver sua liberdade. Entretanto, essa solidão existencial não pode tampouco ser plena, já que está contraditada por sua condição de ser-no-mundo. Corre, portanto, o homem, o perigo de renunciar as suas características de existente, a sua liberdade, a sua responsabilidade, a sua solidão e confundir-se com a massa, “cair” no comum, do viver no anonimato, no mundo da existência inautêntica. Ibid      

·    A angústia e o nada = se covardemente deixarmo-nos “cair” na massa, seguir no anonimato, submergirmo-nos na inautenticidade, há algo que nos sacode, nos obriga a “existir”, nos recorda nossa categoria de seres únicos e livres: a angústia. A angústia é um dos temas obrigatórios da filosofia da existência e um dos mais apaixonantes. Não se trata de um sentimento negativo, mas sim de uma experiência valiosa, já que, ao aparecer, nos torna conscientes de nossa existência e nos obriga a vivê-la como tal. Quando se pede a alguém que a tenha sentido e que nos explique essa experiência, é comum ouvir-se: “Tive medo, sem saber do quê; não havia motivo algum, porém sentia medo”. Para os existencialistas, a angústia se produz quando o Nada irrompe e comove nosso ser. O Nada é o que determina a existência do homem como diferente das coisas; é o que permite sua contínua criação e destruição e, portanto, tem uma importância fundamental. 2

 

3.    Capítulo três: A transformação do ser-no-mundo onírico de pacientes, no decorrer da terapia daseinanalítica, em sua concretização ôntica.  

Neste capítulo, Boss apresenta dois casos examinados por ele em terapia mediante a observação e registro de sonhos em sua evolução terapêutica. O primeiro caso corresponde a uma série de sequências oníricas relatada por uma paciente de vinte e seis anos, solteira e estudante de medicina, em diferentes momentos. O segundo caso descrito, também evolutivo na terapia, foi de um engenheiro de quarenta e um anos, em posição de autoridade.

Aqui, neste artigo, apenas o caso da estudante de medicina é ilustrado, considerando que o número de sonhos produzidos por ela foi bem mais reduzido do que os do engenheiro, facilitando sua reprodução em termos de espaço.

O primeiro sonho dessa estudante ocorreu três meses após o início do tratamento, o segundo, dezoito meses depois, e o último, vinte e sete meses após o início da análise e quatro meses antes de ser concluída, a qual obteve êxito.  

Três foram os sonhos, reproduzidos, integralmente, a seguir:

Primeiro sonho: “Na noite passada eu tive um estranho sonho duplo. No meu sonho eu acordei com uma sensação esquisita, como se a minha boca estivesse cheia de grãos. Eu cuspi alguns deles, e fui ficando aterrorizada ao descobrir que não eram grãos, mas que os meus próprios dentes tinham apodrecido e caído. Esse pavor me fez despertar realmente, totalmente. Tive de me certificar que o que eu tinha sonhado não era verdade. Felizmente não era”.  

Segundo sonho: “Nós – a minha família, parentes e amigos – estamos saindo da igreja onde tinha acabado de ocorrer a cerimônia do meu crisma. Entramos no Hotel Swan, que ficava nas proximidades, e encontramos a habitual refeição da cerimônia. Quando estou prestes a morder um pedaço de pão, noto que todos os meus dentes incisivos estão faltando. Tudo que resta deles são buracos profundos cercados de protuberâncias pretas e azuis. Só então eu me lembro que tenho de ir ao dentista. Eu me consolo com a promessa do dentista de que quando ele acabar com o serviço, todo o mundo pensará que meus novos dentes postiços são reais”.  

Terceiro sonho: “Eu estou me olhando no espelho para examinar meus dentes. No sonho eu acredito que venho perdendo um dente de leite depois do outro durante os últimos meses. Fico exultante de ver no espelho que em muitos vãos já apareceram as pontas de dentes novos, maiores, mais fortes. Ainda outros vãos já contêm dentes mais poderosos, bem desenvolvidos”.   

     Boss inicia seus comentários sobre esses sonhos afirmando que Freud estava convencido de que a perda de dentes em sonhos deveria ser “interpretada” como um “símbolo masturbatório”, simplesmente porque no dialeto vienense de seus pacientes a frase “arrancar fora” (einen ausreissen) era reservada para descrever a prática do onanismo. Todavia, em seu entendimento, pessoas do mundo inteiro, cujas línguas não fazem tal jogo idiomático com o onanismo, e que durante o tempo em que se encontram justamente no processo de amadurecer através da terapia, continua tendo sonhos de perda de dentes. Conclui que, com base nessa evidência apenas, a “interpretação simbólica” freudiana de tais sonhos não mais deveria ser levada a sério.

     Logo adiante, refere que o ponto de vista fenomenológico prefere identificar a qualidade essencial dos dentes humanos e de sua perda potencial. Isso significa descobrir o como e o quê das coisas, a significância inerente e profunda que as torna aquilo que elas são. A verdadeira natureza da fisicalidade humana, da corporeidade humana, só pode ser adequadamente compreendida como imediatamente pertencente à existência humana, como constituindo uma esfera fundamental do ser-no-mundo; este consiste em nada mais nada menos do que a soma total do potencial inato da pessoa para perceber e responder aos significados dos entes que se lhe deparam no campo aberto do seu mundo. Na sua essência, a fisicalidade é o campo da existência humana que é perceptível aos sentidos, submetido parcialmente a medições, e, portanto, muitas vezes confundido com objetos ou organismos puramente físicos que podem ser encontrados em localizações específicas no espaço.

     Depois, descreve que a corporeidade humana não é apenas mais um objeto materialmente presente, existindo da mesma maneira que outros objetos inanimados, materiais. Ao contrário, todos os fenômenos corporais ou físicos do ser humano nada mais são do que a esfera corporal ou física da relação com o mundo com o qual o ser humano existe num dado momento. Qualquer tentativa de entender a natureza de um fenômeno humano físico deve, portanto, principiar com a busca da relação específica na qual a existência humana em questão acha-se presentemente existindo enquanto ser-no-mundo. Todos os fenômenos físicos seriam, então, vistos simplesmente como campos desta relação com o mundo.

     A seguir, complementa que os dentes servem a um campo muito específico da relação do homem com o mundo, ou seja, o campo associado com apoderar-se, agarrar, capturar, assimilar e ganhar domínio sobre as coisas. Realmente, serão pouco compreendidos se forem considerados apenas como mais um conjunto de objetos físicos. Na verdade, eles estão participando da “corporalização” das nossas relações de apropriar aquilo que podemos comer em nosso meio ambiente. Pode-se dizer também que eles constituem a esfera corporal desta possibilidade de relações de apropriar-se. A isso considerando, Boss enfatiza que “com a percepção adequada da natureza da corporeidade humana, o terapeuta pode adquirir uma compreensão muito mais profunda de qualquer sonho de dentes, e é obvio que esta percepção mais profunda afeta a terapia de forma favorável”.   

     Cabe analisar nesse contexto o entendimento fenomenológico de Boss sobre o primeiro sonho da estudante de medicina. Entre outras sugestões formuladas por ele como perguntas à paciente, assinalo uma delas, por entendê-la como a mais pertinente e exemplar de seu pensamento: “Agora que você está acordada, sente alguma coisa parecida com o pânico que sentiu com a perda dos seus dentes em sonho? Se você sente algo assim, consegue perceber que o pânico que você experiencia agora, à luz mais clara do seu estado desperto, resulta do colapso da sua relação anterior com o mundo, juntamente com a falta de uma maneira nova de lidar com as coisas?”.

     Ao comentar os conteúdos dessa pergunta, Boss argumenta que esta abordagem terapêutica evita mais uma vez as conclusões infundadas de outras “interpretações de sonhos” existentes, uma vez que não presumem que a “imagem onírica” já continha desde o início alguma “consciência inconsciente” acerca da compreensão mental, a qual algum ente misterioso, supostamente existente dentro da mente da sonhadora, decidiu disfarçar com a perda dos dentes em sonho. Em sequência, segue com seus argumentos, ao dizer que, uma vez claro que os dentes nada mais são do que a esfera física direta da nossa relação de agarrar, entender o mundo, não constitui surpresa nenhuma que pacientes regularmente sonhem com a perda de dentes sempre que o procedimento terapêutico tenha desafiado tanto sua “visão do mundo” neuroticamente prejudicada, de modo que esta esteja a ponto de ruir. Durante o sonhar, é claro, a “visão” do paciente é tão limitada que ele vê o colapso da sua inteira relação existencial de agarrar, apropriar e entender o mundo, apenas como uma destruição da esfera material, corporal, sensorialmente perceptível desta relação.

     Em relação ao segundo sonho, Boss, além de assinalar que os “insights” mais importantes são dele derivados, igualmente registra quais as questões que poderiam ser formuladas através das perguntas:

a)    Em que medida você ainda pensa em si própria como uma menininha em idade de ser crismada, ainda sob as asas protetoras da sua família?”.

b)   Você ainda tem alguns dentes faltando neste segundo sonhar, embora em número muito menor do que o anterior. Porém, os dentes que faltam são os mais apropriados para agarrar. Você desconfia que, mesmo acordada, a sua capacidade de agarrar e entender seja deficiente, num sentido muito mais amplo, metafórico? Até que ponto você considera deficiente seu potencial comportamental de apropriar, agarrar e entender as coisas do seu mundo?”.   

c)    Ocorre a você que no seu sonhar você é incapaz de melhorar a sua capacidade de morder e mastigar sozinha? Em vez disso, você espera que muito claramente outra pessoa, o dentista, a ajude nisso. Você fica satisfeita em receber um conjunto de dentes falsos. Será que na sua vida desperta existe algo bem similar às suas expectativas oníricas, só que de consequências muito mais amplas? Você perceberia, agora que está acordada, em que medida você espera que a análise seja um processo no qual você simplesmente possa ficar sentada esperando até o seu analista terminar de implantar uma prótese que lhe permita utilizar plenamente a sua capacidade existencial inata de agarrar?”            

Em seus considerandos sobre essa última pergunta formulada por ele mesmo, Boss argumenta: “Uma pergunta como esta última não pressupõe que a paciente tenha tido um sonho de ´transferência`. Não há nada na pergunta que possa sugerir que o dentista sonhado refira-se na verdade ao analista. A única ligação entre ambos, de fato, ocorre porque a análise desperta da paciente afinou a sua existência com a importância do seu tratamento médico. Esta afinação persistiu em sua existência onírica, embora esta última tenha se aberto apenas de modo que as recomendações puramente físicas de um dentista pudessem vir à tona e aparecer. Pois a sonhadora, todavia, ainda não tinha olhos para captar a mudança ao nível existencial, ´imaterial`. Sonhando, ela não podia enxergar a correção da sua deficiência patológica que poderia ter lugar em seu estado desperto no decorrer da Daseinanálise de suas potencialidades existenciais `imateriais`, inobjetificáveis”.

No tocante ao terceiro sonho desta estudante de medicina, o qual ocorreu pouco antes do término exitoso de sua Daseinanálise, Boss refere que seu pânico inicial deu lugar ao oposto. Eis o que disse: “Ela está cheia de alegria com o crescimento de dentes novos e bonitos, mais fortes do que os velhos. É certo que sonhando ela ainda é incapaz de perceber qualquer coisa além da mudança num campo material, sensoriamente perceptível, seus dentes. Todavia, o estado deste campo no sonhar acha-se muito melhorado em comparação com os dentes das suas experiências oníricas anteriores.

Em sequência, complementa: “Só depois de acordar ela podia perceber que o caráter alterado dos seus sonhos de dentes correspondia a um amadurecimento da sua existência imaterial, do anterior desamparo de uma neurótica retraída compulsiva * para a independência e vivacidade de uma mulher jovem ativa e empreendedora. Assim aliviada, ela conseguiu também prescindir da ajuda do analista sem sofrer quaisquer dores de afastamento”. * (Relembro que o texto original foi escrito na vigência das classificações diagnósticas da época).    

Ao término do capítulo, Boss chama nossa atenção para o fato de que podemos ver claramente a transformação de um único ente do mundo onírico – os dentes da sonhadora – e uma alteração da sua atitude para com esse ente. Através desse processo de mutação fica evidente que os sonhos são úteis não só como material para exercícios visuais na área da experiência onírica, mas também como mais uma prova de utilidade terapêutica da abordagem fenomenológica, daseinanalítica, do sonhar.

Outra importante contribuição desse autor, que merece destaque, diz respeito ao fato de que, segundo seu entendimento, o conteúdo da experiência onírica constitui um indicador excelente da efetividade ou fracasso do tratamento daseinanalítico. De acordo com suas palavras: “Sempre que a terapia está tendo pouco ou nenhum efeito, os entes oníricos, e a atitude do sonhador em relação a eles, geralmente passam por pouca ou nenhuma transformação”.             

4.     Comentários.         

A leitura desse texto de Boss é capaz de falar por si mesma. Pode-se aprender com ele, embora não seja uma tarefa tão fácil. O sonho sobre os dentes clareia seu modo de refletir e de compreender o sentido nele existente, sem dúvida uma nova maneira de realizar a onirocrisia.

Ao ler e absorver seu entendimento permite-me contribuir ao assunto, lembrando uma situação comum, observável, com crianças entre dois e três anos de idade: mordidas nas bochechas de outrem, as quais, com frequência, deixam marcas indeléveis no rosto ou na face dos atingidos. O que isso nos diz, senão que a agressividade ou a defesa – através dos dentes - faz parte de nosso arcabouço instintivo ainda presente nessa fase e que, possivelmente, com a educação, esse gesto ou comportamento agressivo permanece tão somente em outro nível, esse do sonhar? Sem dúvida, trata-se de uma especulação, porém, bem condizente com o significado do que os dentes representam em nossas relações intra ou interpessoais em nosso mundo tão conflitivo.    

Em minha experiência, como psicoterapeuta, tenho observado que muitos pacientes mencionam, em momentos de dificuldades de sua existência, por problemas variados, sonhos em que seus dentes estão moles, quebradiços ou com lacunas por perdas. Usualmente, na vida real, como pode ser constatado, falta-lhes a coragem de mudar, romper, interromper uma determinada situação desagradável em suas vidas. Essa experiência, como profissional, corrobora em muito com o observado e o registrado por Boss.                  

Ao considerar as palavras desse autor e confrontá-las com minha própria experiência, consigo perceber o quanto mais avanço no estudo de seu pensamento, de suas ponderações, como podem ser valiosas suas ideias, principalmente pelo fato de criar novas perspectivas avaliatórias e terapêuticas.

Ao mesmo tempo, creio que cabe enfatizar o que disse sobre o conteúdo da experiência onírica como um indicador preponderante da efetividade ou não de uma terapia daseinanalítica. Trata-se de um entendimento a nos fazer pensar sobre sua aplicabilidade em psicoterapia de natureza mais profunda. Será isso um paradigma a ser adotado de um modo geral ou restrito tão somente à técnica da compreensão fenomenológica? Cada um, com alguma experiência como terapeuta, poderá olhar para traz e refletir se tal indicador é realmente válido.

Dando sequência, no próximo artigo, Parte 7, seguiremos com Boss, estudando o capítulo quatro de seu livro, denominado de “Comparação entre uma compreensão fenomenológica do sonhar e a interpretação de sonhos das psicologias profundas”.

Certamente, seu estudo possibilitará aprofundar e consolidar suas ideias sobre os sonhos.      

5.  Referências.

1.                                                                                                                                                                    Crespo de Souza CA. Sonhos em Psiquiatria e Psicoterapia – Parte 5. Psychiatry on line Brasil. Maio 2014, vol.19, nº 4.  

2.                                                                                                                                                                    Seguin CA. Existencialismo y Psiquiatría. Buenos Aires: Paidos, 1960.

3.                                                                                                                                                                    Boss Medard. Na noite passada eu sonhei... São Paulo: Summus, 2ed., 1979. (Novas buscas em psicoterapia; v. 9).

* Estudo realizado no Departamento de Pesquisa do Centro de Estudos José de Barros Falcão/Clínica São José – Porto Alegre, RS.

** Professor e Doutor em Psiquiatria.

Endereço p/correspondência: [email protected]

 


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