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Volume 22 - Novembro de 2017
Editor: Giovanni Torello

 

Março de 2014 - Vol.19 - Nº 3

Artigo do mês

A DOENÇA DE SOFRER DE DOENÇA

Luis Arenales
Nelma Botti
Taísa de Souza Machado

            Apesar da palavra “psicossomática” desejar a união dos conceitos – mente e corpo, ela não esgota e não parece a mais adequada para lidar com o complexo tema da relação mente e corpo. Tudo seria fácil se cada alteração fisiológica e disfuncional no corpo produzisse uma específica representação, imagem, pensamento, ou outra atividade na mente. E vice-versa. Teríamos então um mapa perfeito de causa e efeitos no conjunto corpo – mente e vice versa.

Infelizmente (ou felizmente), a natureza não entrega esse segredo tão facilmente. Os caminhos para abordar esta relação passa por conceitos de monismo e materialistas (tudo é cérebro), pelo dualismo (divisão taxativa entre as duas entidades), e teorias que abordam ambas, com o entendimento que a mente está na atividade neural, mas que emerge simultaneamente, não consequentemente da atividade da mente (Domont de Serpa, 2007).

Além da própria dificuldade em lidar com esta dualidade e os nexos, há outro grande problema: a comunicação humana. Estudos revelaram que em mais de 50% das consultas, os médicos e pacientes não entram em acordo sobre a natureza do problema apresentado (Caprara e Rodrigues, 2004). Ou seja, na metade dos encontros clínicos não ocorre o entendimento entre o paciente e o médico.

Em Carta sobre os cegos”, Diderot discorre sobre como nossas ideias dependem dos nossos sentidos, e o como não sabemos quase nada (Diderot, 1988).  Anos se passaram desta carta, mas a dificuldade em capturar conceitos e entender a relação mente e corpo continua a desafiar nossa compreensão. 

Mas a clínica insiste em perguntar-nos o que fazer com uma queixa somática. Imediatamente o médico pensa em uma causalidade proveniente de uma disfunção específica de um órgão somático ou de um conflito psíquico. Mesmo que a medicina não disponha de um corpo teórico perfeito, completo e aplicável à prática clinica diária, o profissional sente-se na obrigação de buscar uma etiologia. O médico tem que extrair esta resposta.  

Neste caminho para a resolução clínica, nosso próprio cérebro divide a mente e corpo. Buscamos uma classificação e consequentemente o tratamento: se o problema é do corpo vai para o médico, se é psíquico vai para o profissional da saúde mental, seja psiquiatra ou psicólogo. Mantemos um desconforto, uma palavra no mínimo cautelosa, para mostrar o quanto somos incapazes de diferenciar os limites do psíquico e do somático, e como se sobrepõem estes constructos (Bombana, 2006; Coelho e Avila, 2007)

Assim, o desconforto percorre a mente do médico que busca obter do paciente a história clínica (queixas com a linguagem verbal); montar um corpo de raciocínio; avaliar a condição do corpo físico (exame físico); utilizar conhecimentos fundamentais; compará-los com o momento histórico em que se encontra (quais classificações estão vigentes); e por fim concluir. É um processo clínico automático, aprendido na formação médica.

Neste caminho para a construção de um diagnóstico clínico, o conceito de psicossomática emergiu. Esta palavra, criada em 1818, tem como campo de trabalho a compreensão e interdisciplinaridade para avaliar os fatores biopsicossociais que afetam a vulnerabilidade individual, o curso e o resultado de qualquer tipo de doença. Busca conceitos holísticos (ecologia); e integração de psicoterapias na prevenção, tratamento e reabilitação de doenças médicas. Exemplos comuns são: as cardiopatias, hipertensão, obesidade, etc.(Fava e Sonino, 2010)

Existe um risco ao aplicar esses amplos conceitos da psicossomática. Passamos a entender todas as doenças na medicina como uma “doença psicossomática”, uma vez que todas apresentam uma característica biopsicossocial. E podemos incorrer no risco de classificar uma úlcera gástrica como proveniente de estresse, quando na verdade o fator predominante em sua gênese é uma bactéria, com seu específico tratamento.

Outro caminho que a medicina percorre é colocar os pacientes com queixas somáticas sem uma explicação plausível sob a denominação de um Transtorno de Somatização. E neste ponto voltamos a pensar em causalidade. Quem é o pai do problema: o corpo ou a mente?

Em sua obra “Seis personagens em busca de um autor”, Pirandello, mostra a confusão causada pela ausência de um criador. Um texto onde os personagens se antepõem ao autor, e em um ensaio de uma peça teatral chegam seis pessoas que começam a confundir a todos, diretor e os atores. E paulatinamente, participam da peça, modificam-na, mas então se revela que todos são fantasmas de personagens que ainda não existem. Que tentam encontrar um “pai” para a própria existência. Assim são os transtornos somatoformes – eles existem, mas ninguém sabe muito bem quem o criou, onde nasceu, onde foram engendrados: no corpo ou na mente?  O caminho seria “esculpir a natureza” em busca de um quadro compreensível para estes transtornos, e não simplesmente descartar o problema médico e atribuir tudo ao psicológico, e vice-versa (Levenson, 2011).

Podemos “esculpir” essa natureza, mas a relação do corpo e mente ainda permanece bruto, pouco lapidado. E este “lapidar” pode nos afastar do que Hipócrates preconizava: devemos tratar doentes e não doenças. Não podemos moldar a natureza ao nosso gosto, sob o risco de perder suas particulares características, devemos compreendê-la em seu estado bruto.

Na literatura, a relação corpo e mente não é tratada como dualidade, tampouco moldada, ela é uma só entidade. Em “À sombra das raparigas em flor” (Proust, 1992) Proust, que sofria de Asma, nos fala da relação do coração, cafeína, e discórdias com sua amada Gilberte:

“Como tinha palpitações cardíacas cada vez mais violentas, diminuíram-me a dose de cafeína e cessou a anormalidade. E então indaguei como se de certo modo não teria origem na cafeína aquela minha angústia de quando quase briguei com Gilberte, e, que eu atribuía, cada vez que se renovava, à dor de não mais ver a minha amiga ou de correr o risco de tornar a vê-la ainda dominada pelo mesmo mau humor. Mas se aquele medicamento participou de algum modo na origem da minha dor, que então teria sido mal interpretada por minha imaginação... Porque a melhora física que a diminuição da cafeína quase imediatamente me proporcionara não sustou a evolução do mal que a absorção do tóxico agravara, se é que não o havia criado”.

Proust nos mostra o quão complexo é a formação dos nossos sentimentos, onde o corpo atua como um modulador, e até mesmo o criador de sentimentos que se desenvolvem, evoluem, e se transformam em “corpo” próprio. Posteriormente, a neurociência ratificou esta ideia, com o conceito de marcadores somáticos, onde precisamos da percepção do corpo para modular nosso mundo emocional e cognitivo (Damásio, 1995).

            Retomando os conceitos empregados na atualidade na complexa relação mente corpo podemos definir:

Somatização - É a expressão proposta por Steckel em 1921, e se refere a uma comunicação de sofrimento psicológico em forma de sintomas físicos. Pode ocorrer de diferentes formas: como um modo de se expressar (uma variação individual normal), ou indicando uma doença orgânica ainda não diagnosticada, ou como parte de outras patologias psiquiátricas ou propriamente como um transtorno somatoforme em si (Lipowski, 1998).

Conversão - É a apresentação de um conflito psíquico, reprimido, que se expressa no campo sensoriomotor e mental. É o conflito convertido em uma linguagem corporal. Porém, diferente da Somatização, não atinge órgãos e aparelhos regulados pelo sistema neurovegetativo. Sua base teórica é a repressão da energia psíquica (Ramadan, 1985).

Dissociação – A dissociação seria a fragmentação ou divisão do campo da consciência, ocorrendo uma perda da unidade psíquica que é própria do ser humano (Dalgalarrondo, 2000). Como disse M. Bleuler: “O homem é seu próprio testemunho, do que sabe e do que faz”.

Hipocondria - Antigamente era dividida em hipocondria maior e hipocondria menor. A menor estaria ligada a sintomas de fadiga, cefaléia, raquialgia, distúrbios neurovegetativos, digestivos e sexuais, consideradas “pequenas dificuldades cotidianas”. Predomina no paciente uma preocupação, medo de que o corpo esteja acometido por alguma doença, incapacitante ou mortal. Na hipocondria maior estaríamos diante de uma patologia grave e delirante. Portanto, a hipocondria pode transitar entre a leve ou grave (Fernandes, 2001).

Simulação – Produção, criação, descrição, relato consciente e intencional de uma doença psíquica e/ou corporal com claros intentos de ganhos secundários, geralmente de origem financeira. A simulação de problemas mentais, em estudos americanos, apresenta alta incidência, chegando até 30% dos casos avaliados (Gold, 2008).

Sintomas sem explicação médica (SEM) - É a essência dos transtornos somatoformes. São sintomas descritos pelos pacientes, mas ao investigarmos, não encontramos explicação médica. Os SEM estão associados a sofrimento mental, ansiedade e depressão. Também estão associados a fatores psicossociais de pobreza, baixa escolaridade, condições de trabalho, e a presença da violência em suas múltiplas formas. O termo é vago, e novamente aponta para o dualismo mente e corpo, mas é a base para toda a clinica médica. Vale lembrar que os sintomas sempre estão presentes na cabeça do paciente, pois tudo é processado no cérebro, seja um sinal de dor proveniente de uma fratura, uma dor lombar ou uma alteração gastrointestinal. Os sintomas são sempre “autênticos” e sentidos pelo paciente. A tarefa do profissional da saúde é diagnosticar a origem dos sintomas e providenciar tratamentos adequados (Dimsdale, 2011; Tófoli e cols., 2011).

Portanto, os SEM seriam a “porta” de entrada dos estudos de qualquer doença. Quando o paciente senta diante do médico ele relata “sintomas sem explicação”. Após o estudo do quadro, classificação e definição da etiologia, o sintoma passa de “sem explicação” para “com explicação”. E com a “explicação”, com o diagnostico clinico, se inicia o tratamento. Na atualidade, estes diagnósticos podem ser resumidos em três categorias:

 

1. Doenças Clínicas conhecidas

            São aqueles pacientes que com suas queixas, história, curso clinico e evolução, conseguimos chegar a um diagnóstico conhecido. Por exemplo: a pneumonia tem sintomas característicos com explicação médica. Ou seja, o mal estar, fadiga e cansaço tem uma explicação: o quadro infecioso que consome aquele indivíduo.

2. Transtornos Psiquiátricos conhecidos

            Neste grupo, encontramos todos os transtornos psiquiátricos, como Demência, Alcoolismo, etc. Entre estes diagnósticos psiquiátricos encontramos os Transtornos Somatoformes (TS), que são quadros mais estáveis e graves de sintomas SEM e com conflitos psíquicos ligados a essas queixas.

3. Síndromes funcionais

É uma “interface”, que utiliza modelos de diagnósticos tanto pela clínica médica, como pela psiquiatria. Trata-se de um grupo de patologias que geram altos custos e incapacitação na prática clínica diária. Como exemplos clássicos: A fibromialgia, a síndrome do intestino irritável e a fadiga crônica. É difícil diferenciar suas características com os transtornos somatoformes. Suas alterações psicopatológicas são desconhecidas, o que gera dificuldades no estudo. Apresentam elevadas comorbidades entre si e com os transtornos psiquiátricos levando ao questionamento de múltiplas ou uma única entidade nosológica (Sperber e Deklel, 2010).

            Nas síndromes funcionais encontramos espaço para outro termo: “ignorância médica”. Porém, esta ignorância gera e impulsiona as pesquisas na busca do conhecimento fisiopatológico. Historicamente esta busca de explicação modificou a etiologia de diversas patologias. Como por exemplo, a Doença de Parkinson foi a principio classificada como uma neurose (Piñero e Meseguer, 1970); e mais recentemente a Síndrome da Pessoa Endurecida (stiff person syndrome) quadro raro de enrijecimento da musculatura, que lembra sintomas de conversão, mas atualmente é classificada como uma patologia neurológica (Shailesh, 2013).   

            Dentro da psiquiatria os sintomas sem explicação médica são a base para o diagnóstico de Transtornos de Somatização (TS). A psiquiatria conclui o diagnóstico de Transtorno de Somatização (TS) com a seguinte construção: sintomas sem explicação médica; condição psíquica do paciente; repercussão destes fatos na vida cotidiana; e por fim o prejuízo no funcionamento psicossocial.

No Código Internacional de Doenças – 10ª edição – CID 10, encontramos a seguinte classificação dos Transtornos de Somatização e queixas somáticas associadas (OMS, 1993):

1)      Transtorno de Somatização (propriamente dito), com a denominação alfanumérica de F45.0. Caracterizado por uma longa história (mais de dois anos) de múltiplos sintomas físicos (pelo menos dois) de uma lista de sintomas que afetam vários sistemas orgânicos, mutáveis ao longo do tempo, com uma evolução crônica flutuante e marcada por inúmeras tentativas de tratamentos médicos, geralmente ineficazes. Este é o quadro clássico dos TS. No paciente também existe a recusa de aceitar a informação médica de que não há explicação por uma causa orgânica para seus sintomas, ou seja, “você não tem nada” dito pelo médico não ajuda na condução do quadro.

2)                  Transtorno Somatoforme indiferenciado, com a denominação alfanumérica de F45.1. Semelhante ao anterior, mas não preenche todas as características. As queixas podem ser em número restrito, ou tempo curto, ou ainda não ocorrerem comprometimentos sociais e profissionais de monta.

3)                  Transtorno Hipocondríaco, com a denominação alfanumérica de F45.2. É a crença persistente da presença de uma doença séria, mesmo com investigações médicas negativas o paciente persiste com a preocupação. Ou seja, existe a recusa em aceitar “você não tem nada, não tem doença” por parte do médico. Diferencia-se do Transtorno de Somatização, pois existe na hipocondria uma ênfase no transtorno em si e consequências futuras, enquanto no primeiro a preocupação repousa nos sintomas. Medo dos remédios e tratamentos é mais marcante nos pacientes hipocondríacos.

4)                  Disfunção autonômica somatoforme, com a denominação alfanumérica de F45.3. São sintomas somáticos observáveis pelo médico decorrente da excitação do sistema nervoso autônomo (palpitações, sudorese e tremores). E sobre estes sintomas repousam sintomas subjetivos adicionais e a preocupação de que estes sintomas sejam algo sério. Também não responde ao “você não tem nada”, dito pelo médico.

5)                  Transtorno doloroso somatoforme persistente, com a denominação alfanumérica de F45.4. Caracterizado por dor persistente e intensa não atribuível a patologia médica conhecida. Geralmente está associado com os Transtornos Depressivos.

6)                  Outros Transtronos somatoformes, com a denominação alfanumérica de F45.8. Neste grupo, está descrito o globus hystericus, disfagia, torcicolo psicogênico, prurido psicogênico, dismenorreia psicogênica e ranger os dentes.

7)                  Transtorno somatoforme não especificado, com a denominação alfanumérica de F45.9.  Aqui estão incluídos os transtornos psicofisiológicos ou psicossomático não especificado. O que na prática pode ser empregado em pacientes que não se encaixaram nos critérios anteriores.

8)   Fatores psicológicos ou comportamentais associados a doença ou a transtornos classificados em outra parte,  com a denominação alfanumérica F54. É importante destacar este diagnostico, pois implica dizer que alterações emocionais podem gerar doenças físicas, em outras palavras, o conflito psíquico pode gerar danos ao corpo, ou seja, neste critério podemos empregar a palavra “psicossomática”. Mas a CID recua, e usa a palavra “supor”: “este critério é utilizado quando encontramos uma alteração psicológica ou de comportamento que se supõem tenham desempenhado um papel na etiologia de uma doença classificada”.

            E como exemplo a CID cita a asma, colite mucosa, colite ulcerativa, dermatite, úlcera gástrica, e urticária.      Quando comparamos os critérios diagnósticos, esta classificação é similar ao F45.3 – disfunção autonômica somatoforme, porém implica que o médico precisa diagnosticar uma doença clinica.

            Em suma, esta categoria diagnóstica seria o reconhecimento pela CID que o sofrimento psíquico, a dor emocional pode levar a uma doença clínica. Mas, não é fácil empregar este diagnóstico, pois o CID utiliza a palavra “supor”, ou seja, caberá ao médico julgar que a etiologia psíquica está implícita na gênese de uma doença clínica.

 

9)        Outros transtornos neuróticos especificados - sob a denominação alfanumérica de F48.8. Neste grupo, apesar de não serem classificados como Transtorno de Somatização, encontramos sintomatologia somática marcante e com sobreposição em alguns aspectos. E vale a pena mencionar alguns diagnósticos:

a) Neurastenia: Apesar das discussões e variações culturais, esse transtorno ainda persiste na classificação do Código Internacional de Doenças. O quadro clínico é marcado por sintomas de fadigabilidade, com redução do desempenho profissional e da vida diária, fraqueza corporal ou física e um sentimento de esgotamento após esforços mínimos, acompanhados de um sentimento de dores musculares e incapacidade para relaxar, vertigens, cefaléias tensionais e insônia. O quadro é praticamente similar a um transtorno do humor depressivo.

b) A Psicastenia. É um quadro que pertence a história da psiquiatria, e engloba diversos sintomas. Ao lado da Histeria e Neurastenia, a Psicastenia compõe o quadro mais amplo de condições neuróticas do fim do século XIX e por isso esta última categoria se situa em obras mais dedicadas a esquematizar uma teoria da neurose. O quadro é composto por diversos sintomas mentais, emocionais, perceptivos e volitivos; e os sintomas físicos, como fraqueza, as dores de cabeça, nas costas e insônia (Zorzanelli, 2010).

c) Sincope Psicogência. A síncope é definida como a perda súbita da consciência e de tônus postural com recuperação espontânea. As causas são diversas, sendo a neurocardiogênica uma importante causa. E esta síncope decorre de diversos estímulos, e entre eles a dor, emoções, e estresse (Pachón Mateos e cols, 2009).

d)     Neurose profissional. É definida por uma “uma afecção psicógena persistente, na qual os sintomas são expressão simbólica de um conflito psíquico, cujo desenvolvimento encontra-se vinculado a uma determinada situação organizacional ou profissional”. E no quadro clínico observamos cansaço, irritabilidade, desinteresse, alterações do sono e sintomas físicos, como a câimbra do escrivão (Ministério da Saúde, 2001). Evidente que este quadro está ligado a questões litigiosas de nexo de causalidade entre o trabalho e os danos psíquicos. 

 

12)    Transtorno misto de ansiedade e depressão, sob a denominação alfanumérica de F41.2. Este diagnóstico é pouco empregado na saúde mental. Ele pode ser entendido como o grupo dos Transtornos mentais comuns (TMC), que são quadros frequentes, encontrados na atenção primária. Geralmente é uma mistura de sintomas somáticos, com ansiedade, e depressão, mas que não cumprem todos os critérios diagnósticos. Seriam quadros mais “leves”, e de difícil definição diagnóstica por conterem em seu bojo diversos sintomas de outras patologias. E mesmo não sendo “graves”, estes quadros são mais frequentes na população geral e inspiram cuidados e atenção (Bulbena, 1998).

 

13)  A neurose de compensação, sob a denominação alfanumérica de F68.0. É descrita como: “Sintomas físicos aumentados por fatores psicológicos”. Esse quadro é classificado quando encontramos sintomas físicos compatíveis com uma doença ou incapacidade, mas é exagerada além de sua intensidade e tempo de duração a partir do estado psíquico do paciente. E como mencionado, está claro a busca de ganhos secundários sobre a doença básica. Este diagnóstico é classificado como uma alteração de personalidade.

14)  Transtornos Factícios, sob a denominação alfanumérica de F68.1. Diferente da neurose de compensação, aqui não existe nenhuma doença física, transtorno ou incapacidade diagnosticada. É: “Produção deliberada ou simulação de sintomas ou de incapacidades, físicas ou psicológicas”.  Neste, encontramos simulação repetida e coerente de sintomas, às vezes com automutilações com o intuito de provocar sinais ou sintomas. A motivação não é consciente, e não há busca de ganhos secundários financeiros. Também classificado como uma alteração da personalidade.

 

Na outra classificação psiquiátrica, a DSM 5 (DSM 5, 2013), a nova classificação americana para os transtornos mentais, os transtornos da somatização são agora denominados Transtornos relacionados a Sintomas Somáticos. E foram divididos em seis categorias: Transtorno dos sintomas somáticos; Transtorno de Ansiedade de Doenças; Transtorno de Conversão (sintomas neurológicos funcionais); Fatores psicológicos afetando outras condições médicas; Transtorno Factício; e Outros Transtornos Relacionados a Sintomas Somáticos.

A DSM 5 mudou a forma de realizar o diagnóstico da metodologia categorial para a dimensional. Essa ideia de visão dimensional das patologias psiquiátricas já havia sido empregada em outros constructos teóricos (Ormel e cols, 1995; Tyrer, 1990).

Na ideia da dimensão, o DSM 5 utiliza como núcleo do diagnóstico as queixas somáticas associadas com sofrimento e perturbação para a vida diária do paciente. Essas queixas podem ser específicas como a dor, ou não tão específica, como a fadiga. O diagnóstico é feito quando observamos excessivos pensamentos, sentimentos ou comportamentos relacionado a sintomas somáticos ou associado a preocupações com a saúde. E aqui está a diferença com a classificação anterior, a DSM IV, onde não é mais necessária uma lista de queixas somáticas. Agora precisamos observar as manifestações no indivíduo, e se estas manifestações apresentarem-se desproporcionais, persistentes, com elevada ansiedade e preocupação para com a saúde e para com os sintomas ao qual o paciente sofre.

Também deve estar implícito um gasto excessivo de tempo e energia para com essas queixas. O quadro deve durar pelo menos seis meses, e pode ser classificado de leve, moderado, ou severo.

Essas manifestações, as queixas somáticas, são os já comentados “Sintomas sem explicação médica”. Mas na DSM 5 os SEM deixam de ser relevantes para o diagnóstico, pois antes era necessário que o sintoma fosse extensivamente investigado (avaliação clinica) para classifica-lo como “sem explicação” e então classificar o paciente como somatizador. Agora o importante é a relevância que o paciente atribui a suas queixas somáticas. A queixa do paciente passa a ser autêntica, com ou sem explicação médica.

 Portanto, podemos classificar como Transtorno dos Sintomas Somáticos mesmo em pacientes com problemas clínicos “com explicação médica”. O critério da DSM entende que a utilização destes critérios diagnósticos estará mais próxima dos clínicos gerais que propriamente dos psiquiatras, pois podemos ter uma sobreposição de diagnósticos entre um infarto do miocárdio e um Transtorno de Sintomas Somáticos.  

 

            Desta forma observamos a seguinte transformação do DSM IV (DSM IV, 2002) para o DSM 5:

DSM IV

 

DSM 5

Transtorno de somatização

Transtorno dos Sintomas Somáticos

Transtorno hipocondríaco

Transtorno de Ansiedade de Doença

Transtorno conversivo

Transtorno conversivo

Transtorno dismórfico corporal

Colocado junto aos Transtornos Obsessivos

Transtorno doloroso

Transtorno de Sintomas Somáticos com predomínio de dor.

 

Como descrição, a classificação dos seis diagnósticos pela DSM 5, constatamos:

1.      Transtorno dos sintomas somáticos: com a visão dimensional, sem listas para preencher, mas com as queixas somáticas diversas, associada a preocupação com a saúde e comprometimento da vida diária.

2.      Transtorno de Ansiedade de Doenças. Seria a “hipocondria moderna”.

3.      Transtorno de Conversão. Se mantem, igual a classificação anterior, com os sintomas neurológicos funcionais porém incompatíveis com a fisiopatologia neurológica.

4.      Fatores psicológicos afetando outras condições médicas (FPCM). Este grupo é interessante. Nele é obrigatório o diagnóstico de uma patologia médica conhecida, mas o sintoma psicológico ou comportamental detectado influencia o seu curso, gerando riscos, sofrimento, morte, ou incapacidade. Esses sintomas e comportamentos podem ser a negação da doença, ou a baixa aderência ao tratamento. Como exemplo, o livro da DSM cita a ansiedade exacerbando a asma; e manipulação dos medicamentos para diabetes com o intuito de emagrecer.

Esta categoria se assemelha ao da CID 10 de F54 – “Fatores psicológicos ou comportamentais associados à doença ou a transtornos classificados em outra parte”.

No FPCM o DSM 5 cita a miocardiopatia de Takotsubo e o estresse ocupacional que aumenta o risco para hipertensão arterial sistêmica. Desta forma entende-se que a situação psicossocial (estressores) seriam a causa de uma patologia clinica grave. E menciona a “Sindrome do Coração Partido”, ou síndrome de Takotsubo (Golabchi e Sarrafzadegn, 2011). Portanto não é mais uma “suposição”, como na CID, e sim uma afirmação que o psíquico pode gerar doença clinica.

E por fim a DSM menciona as síndromes funcionais e inclui nesta categoria: enxaqueca, síndrome do intestino irritável e a fibromialgia.

5. Transtorno Factício. Não há diferenças com a CID e DSM IV. O diferente é que agora não é uma alteração de personalidade, como na CID, e sim um critério diagnóstico de transtorno.

6. Outros Transtornos Relacionados a Sintomas Somáticos. Esta seria uma categoria diagnóstica que não preenche os critérios anteriores. E o exemplo típico é a pseudociese.

 

 

Conclusão

 

            A relação corpo - mente está longe de ser esclarecida. Trata-se de um terreno de transição, de mútua influência, e áreas de atuação independentes. São “atores”, que podemos entender como genética, desenvolvimento, conflitos e cultura, que ainda não conhecemos seus verdadeiros papéis e como será sua atuação no “teatro”, digo, campo da clínica médica.

Mas está claro que o corpo participa com a psique, não como um personagem a parte, mas em comum. Ele, o corpo, abriga nossa existência. Se a mente emerge, se está à parte, ou se é independente do corpo, ainda é tema de discussões. O fato é que precisamos de nosso corpo para existir, desejar, e nos comunicar com os outros.

Como classificar estas disfunções? Os Transtornos Somatoformes ou Transtornos dos Sintomas Somáticos são, antes de uma classificação, formas específicas de comunicação, de expressão de nossos sofrimentos através de uma linguagem que utiliza o corpo.

O corpo é essencial para descrever nossas emoções, e ao mesmo tempo esse corpo cria emoções que podem caminham sozinhas, sem rumo; e essas emoções buscam um “autor”, uma razão de existir.

 

 

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Autores:

Luis Arenales – CREMESP 56849.

Nelma Botti – CRP 06/26405-3.

Taísa de Souza Machado – CREMESP 60035.

ENDEREÇO: Clinica Selles – Rua Professora Dulce Selles Vieira, 139 – Guaratinguetá – SP – 12.505.509 – Fone: (12) 3133 8677 – www.clinicaselles.com.br


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