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Dezembro de 2013 - Vol.18 - Nº 12
Editor: Walmor J. Piccinini - Fundador: Giovanni Torello

Dezembro de 2013 - Vol.18 - Nº 12

Psiquiatria na Prática Médica

INTERFACES DA PSICOIMUNOLOGIA E RESPOSTA AO STRESS

Prof. Dra. Márcia Gonçalves*


O desafio desta intrincada rede, apesar de muito ter caminhado ainda é um labirinto misterioso,  que vai sendo desvendado através das pesquisas interdisciplinares.

Vários trabalhos no campo da psiconeuroimunologia apontam a existência de uma comunicação bidirecional entre os sistemas imunológico e neuroendócrino.

O conceito de que o estresse psíquico pode predispor à doença física é de séculos atrás, mas apenas recentemente atraiu a atenção da comunidade científica. Vismari-2008

Alterações em estados comportamentais e emocionais acompanhadas por necessidades adaptativas, geralmente causadas por estresse ou depressão, desencadeiam modelos complexos de alterações neuroendócrinas, os quais são associados a uma maior susceptibilidade ao desencadeamento e progressão de vários processos fisiopatológicos. Várias implicações clínicas direta ou indiretamente relacionadas ao estudo psiconeuroimunológico começam a surgir. Embora os efeitos dos estressores na resposta imune são frequentemente descritos como imunossupressivos, as implicações dos estressores e da depressão na indução de alterações imunológicas não são claras. Blalock JD (1984

 É com base nesse eixo de intercomunicações (comunicação  bidirecional entre os sistemas imunológico e neuroendócrino), que podemos pensar que uma alteração psíquica ocasione modificações do comportamento imune. Os indivíduos deprimidos apresentam alterações neuroquímicas e endócrinas que podem estar relacionadas à baixa imunidade celular e à relativa estimulação da atividade humoral. Bauer -1993.

A dexametasona é um glucocorticoide sintético que suprime a ação do eixo HPA. Uma injeção subsequente de CRH provoca uma elevação do cortisol que, em algumas pessoas, anula o efeito supressor. Esse fenômeno é denominado escape, e constitui o marcador mais sensível da hiperatividade do eixo HPA em casos de depressão. Recentemente, o trauma de infância vem sendo associado com o escape acentuado da supressão da dexametasona em homens adultos, principalmente naqueles em estado depressivo, o que sugere uma redução da sensibilidade a ações de feedback do cortisol sob condições de estimulação. Gillespie-2008

 Berg (2008), afirma que a resistência relativa de regiões do cérebro ao cortisol pode igualmente contribuir para a ausência de efeitos reguladores do cortisol. O cortisol exerce seus efeitos por meio de receptores especiais, que podem diminuir em número ou tornar-se insensíveis. Maior reatividade autônoma ao estresse, associada à sensibilidade insuficiente ao cortisol, pode aumentar a ativação imunológica após um trauma na infância.

Homens que sofrem de depressão e que sofreram traumas graves quando crianças mostram maior ativação imunológica em respostas a estresse psicossocial, de acordo com medidas obtidas por meio de marcadores inflamatórios. 

Nem todos os indivíduos expostos a traumas na infância desenvolvem um distúrbio, mesmo enfrentando outros desafios. Para compreender a relação entre risco e resiliência, pode-se considerar as interações entre estresse precoce e fatores de disposição, tais como variações genéticas nos sistemas neurobiológicos de resposta ao estresse. Kaufman-2004

Muitas hipóteses foram levantadas no correr do tempo para a compreensão dos transtornos psiquiátricos. A hipótese monoaminérgica da depressão não responde a uma série de questões, tais como “quais as causas dos distúrbios monoaminérgicos?”  e “como explicar uma taxa de 30% de refratariedade aos antidepressivos?”. Sendo assim, outras teorias têm sido propostas, entre elas, aquelas que enfocam as participações dos sistemas imune e endócrino. Deitos-1996

Pacientes vítimas de estresse crônico e depressão apresentam ativação das respostas imunoinflamatórias e do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal, os quais, direta ou indiretamente, influenciam a neurotransmissão.Bipolaresery-2008

Nesse sentido, a utilização de antidepressivos não apenas aumenta a disponibilidade de neurotransmissores na Fenda sináptica, mas também induz mudança do padrão de Resposta imune Th 1  – pró-inflamatório – para o Th , que é anti-inflamatório. Caspy-2003

Além disso, sabe-se que pacientes não responsivos aos antidepressivos possuem o sistema imune-inflamatório mais ativo. No entanto, há uma série de dados controversos na literatura, havendo indícios de um perfil imune diferente de acordo com o tipo de depressão.

Desde 1984 Blalock se referia ao Sistema Imunológico como uma espécie de "sexto sentido" orgânico, remetendo informações do ambiente e acessíveis aos cinco sentidos ao cérebro. Para ele, as evidência da interação entre Sistema Imunológico e elementos do Sistema Nervoso Central (SNC) incluem:

1- As alterações psicológicas que ocorrem no início e no curso das doenças infecciosas e cancerígenas, bem como nas alergias e doenças autoimunes;
2- As evidentes influências dos hormônios do estresse (cortisol e adrenalina) na imunidade;
3- Os constatados efeitos dos neurotransmissores e neuropeptídeos na imunidade;
4- Os muitos efeitos experimentais do estresse na imunidade dos animais e dos humanos;
5- Os efeitos de drogas psicoativas sobre a imunidade;
6- A correlação das diferenças psicológicas individuais com as diferenças na imunidade individual;
7- A ocorrência de anormalidades imunológicas em doenças psicoemocionais, como por exemplo na depressão, no estresse e na esquizofrenia

Chistine Heim, em um estudo onde avaliou os Traumas de infância e responsividade de adultos ao estresse enumera diversas conclusões que abaixo foram transcritas:

A autora refere que em comparação com mulheres do grupo de controle, mulheres que foram vítimas de abusos quando crianças apresentam aumento significativo de hormônio do estresse e do ritmo cardíaco em resposta a estresse psicossocial em laboratório, que consiste em falar em público e efetuar cálculos aritméticos mentalmente.

Esse aumento é mais pronunciado em mulheres vítimas de abuso e que naquele momento estão deprimidas. Resultados semelhantes foram relatados por adultos que perderam os pais precocemente, o que sugere que os resultados podem ser aplicados a outras formas de estresse precoce.

Algumas mulheres vítimas de abuso, principalmente aquelas que não apresentam depressão, mostram uma redução relativa na produção do cortisol em condições de repouso, embora os achados não sejam uniformemente consistentes. Sob uma nova situação de estresse, a falta de disponibilidade de cortisol pode favorecer a ativação de sistemas de estresse no cérebro, resultando em reação aumentada ao estresse e em mudanças de comportamento. Heim-2013

Neurologistas e psiquiatras lentamente voltam sua atenção para o processo inflamatório na fisiopatogenia das doenças mentais. O papel das interleucinas e outras citocinas que participam do processo inflamatório está sendo cada vez mais estudado nestas especialidades. Já existem evidências de que as citocinas estão envolvidas em doenças diversas e variadas como diabetes melito tipo 1, artrite reumatóide e asma, bem como esclerose múltipla e doença de Parkinson. Mas outras doenças neuropsiquiátricas como a esquizofrenia, a depressão e a doença de Alzheimer também parecem ter em sua fisiopatogenia uma participação do processo inflamatório que precisa de maiores esclarecimentos. Neste sentido apresentamos uma breve revisão dos possíveis agentes envolvidos nas doenças mentais, como neurotransmissores, estresse oxidativo, excitotoxicidade, apoptose e o processo inflamatório. Lima-2002

 Diversas linhas de pesquisa apresentam as correlações do estresse com a patogênese de várias doenças. Antes, expõem os aspectos fundamentais da Psiconeuroimunologia, para uma compreensão das interconexões no complexo microambiente onde ocorrem as influências do estresse. Concluem que, apesar de todas as implicações do estresse na desestruturação da homeostasia imunológica ainda não estarem completamente definidas, e das limitações metodológicas, há consenso de que fatores estressantes propiciam a vulnerabilidade do organismo a determinadas doenças. Kendler-2005

Mais recentemente, vem sendo estudado o papel das alterações do sistema imune, principalmente citocinas, na patogênese de transtornos psiquiátricos, como depressão maior, transtorno obsessivo-compulsivo e esquizofrenia.

 Citocinas são peptídeos produzidos e liberados por células imunes com Potencial para interferir no metabolismo de sistemas de neurotransmissores, nas atividades neuroendócrina e neuronal, na regulação do crescimento e da proliferação das células da glia. Barbosa (2002)

Embora haja crescentes evidências na literatura correlacionando o TB a alterações imunes, os dados não são ainda conclusivos. Os pacientes bipolares tendem a exibir níveis mais elevados de autoanticorpos circulantes e perfil pró-inflamatório de citocinas, independentemente da fase da doença ou do uso de medicação, quando comparados a controles saudáveis. Isso que poderia sugerir a participação de mecanismos imunes e/ou inflamatórios na fisiopatologia do TB. Seguindo essa linha de evidência, é interessante destacar recentes estudos investigando drogas anti-inflamatórias como nova estratégia terapêutica para pacientes. Lima (2002)

A relação da neuroplasticidade também tem sido alvo de reflexão.

Stein (1997), mostra uma importante correlação onde o hipocampo, que é uma das regiões mais plásticas do cérebro, e está criticamente envolvido no controle do eixo HPA, da memória explícita e do condicionamento ao contexto. A separação da mãe e as injeções de CRH durante o desenvolvimento alteram a estrutura e a plasticidade do hipocampo em animais de laboratório.

Um hipocampo menor que o normal é uma característica fundamental da depressão. Em diversos estudos, os traumas da infância foram associados com hipocampos de pequena dimensão. Driessen -2000

Hipocampos pequenos em pacientes com depressão foram associados a traumas na infância, surtos repetidos de CRH durante o desenvolvimento e/ou reatividade aumentada ao cortisol ao longo do tempo podem contribuir para o tamanho reduzido do hipocampo após traumas sofridos na infância, levando a maior sensibilidade de respostas ao estresse. Vythilingam M, 2002;  Petersen D, 2000.

Referências – com o autor – [email protected]

·        Coordenadora das disiciplinas de Psiquiatria e Psicologia médica - UNITAU


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