Novembro de 2013 - Vol.18 - Nº 11 Editor: Walmor J. Piccinini - Fundador: Giovanni Torello |
Novembro de 2013 - Vol.18 - Nº 11 Psiquiatria na Prática Médica O NOVO SUPER HOMEM DA MODERNIDADE CONSTRUÍDO PELA TECNOLOGIA Prof. Dra. Márcia Gonçalves* Esta é uma reflexão inicial sobre as
novas tendências de comportamento de nossa época, e tenta alinhavar um
raciocínio na busca de compreensão sobre a questão: Existe algum lucro social
secundário entre as pesquisas voltadas para o individualismo e consumismo
estéticos?. Em uma época em que a aparência
física é altamente valorizada, tanto na busca de realizações profissionais como
nas relações afetivas, e a paixão passa a ser mais um “objeto de desejo”, e
sendo os hormônios a chave para a manutenção da forma e do comportamento é
inevitável que eles passem a ser alvo de pesquisas que busquem a obtenção
destes ideais culturais. Oras, a beleza é um dos ingredientes
para se confeccionar o “bolo” de ser apaixonável, sedutor, desejável,
comestível, andrógino e sobretudo, perfeito! O modelo que mais se aproxima do ideal sedutor
da atualidade é aquele onde narcisismo esbarra no conceito de ser completo onde existe uma
associação da beleza estética à auto-suficiência profissional e comportamental.
Esse modelo está refletido no modus vivendi, no
comportamento social, na qualidade de vida e na saúde, ou seja, pessoas
autônomas, livres, belas e com comportamento equilibrado é o modelo utópico do
“new super-homem” da modernidade. Um modelo quase a la Nietchze.
Naturalmente as pesquisas e a
tecnologia de consumo são um aliado imprescindível
para se atingir a meta apoteótica de se tornar o “new
super-homem”. As pesquisas científicas, rendidas a este novo critério de
“necessidades imprescindíveis” já se aliaram a uma nova forma de consumismo,
que objetivam a obtenção do ideal anatômico e comportamental. Não podemos esquecer que além de uma
reconstrução e transformação corporal, o novo modelo visa o equilíbrio
emocional para que o “new super-homem” seja adaptado
e tenha um comportamento cativante. Comportamentos disfuncionais como déficit de atenção e hiperatividade,
agressividade, alteração de humor, entre outros, destoam completamente do ideal
comportamental, e as pesquisas em ritmo acelerado tentam encontrar substâncias
que reorganizem o comportamento disfuncional, além das correções corporais que retardam,
camuflam o envelhecimento. O prazo de validade da beleza
aumentou consideravelmente com as novas tecnologias. E, no novo modelo, Jesus
Cristo jamais poderia ter o acesso de ira diante dos mercadores da fé. No intento de se atingir a forma e o
equilíbrio ideal um aliado essencial é a manipulação dos hormônios corporais, e
estas pesquisas passam a ter um interesse ímpar na medida em que vão propiciar
a almejada “forma perfeita”, bem como, estão sendo correlacionados com
desequilíbrios do comportamento. Nesta linha de pesquisa os
anabolizantes e esteroides passam a exercer um papel
de destaque, pois apresentam efeitos que estimulam o crescimento corporal e o
aumento de massa muscular. Vamos abrir um
parênteses para uma rápida avaliação dos papeis exercidos pelos
hormônios no metabolismo. Estruturalmente, fazem parte da
família dos hormônios esteróides, que são derivados do colesterol e se compõe
por um esqueleto básico de quatro anéis de carbono. Além dos androgênios, fazem
parte desse grupo a progesterona, o estradiol, o
cortisol, a aldosterona, entre outros (Rubinow & Schmidt, 1996). A testosterona é um
esteroide que faz parte do grupo androgênio e é produzido naturalmente pelo
corpo humano, feminino e masculino, mas são mais comumente conhecidos como o hormônio sexual masculino. Existem diferenças entre (anabolizantes) esteroides
e testosterona e os efeitos no organismo humano Esteroide
é um tipo de composto, de quatro anéis cicloalcano
que são unidos uns aos outros. São compostos orgânicos produzidos naturalmente
no corpo. Os hormônios esteróides naturais geralmente são sintetizados a partir
do colesterol nas gônadas e nas glândulas suprarrenais.
Eles aumentam a
síntese de proteínas no interior das células, o que resulta na formação de
tecido celular (anabolismo), especialmente nos músculos.
Sua ação está associada ao crescimento reprodutivo, síntese de calorias,
regeneração tecidual. Esteróides artificiais (também
conhecidos como corticosteróides), são usados no
tratamento de doenças, tais como:
processos inflamatórios ,
processos alérgicos, estimulação do crescimento e apetite, aumento
de massa muscular, e manipulação das alterações da puberdade em casos de
atrasos. Também existem esteróides e testosterona sintéticos, e frequentemente
são utilizados em academias para aumentar os músculos. Os chamados
anabolizantes são derivados sintéticos da testosterona e foram desenvolvidos
com o objetivo de minimizar seus efeitos masculinizantes, maximizando assim os
efeitos sobre a síntese proteica e o crescimento
muscular (Haupt & Rovere,
1984). São
compostos por dois grupos: derivados esterificados e derivados alcalinizados.
Os primeiros (propionato de testosterona, enantato de testosterona e cipionato
de testosterona) são produtos de administração intramuscular e permanecem
ativos por dias a semanas, enquanto os componentes do segundo grupo devem ser
tomados, por via oral, diariamente (Wilson, 1988). Uma
vez que tanto os androgênios como os anabolizantes não têm efeitos puramente
androgênicos ou anabolizantes, o mais adequado é chamar a todos de esteróides
anabólico-androgênicos (EAA) (“American College of Sports
Medicine _ ACSM”, 1987), denominação que utilizaremos a partir desse ponto. A via de
administração dos esteroides são:
via inalatória,
injetável, oral ou na forma de gel para aplicação tópica. O uso esteroides artificiais pode também apresentar efeitos
colaterais graves, tais
como: danos hepáticos, hipertensão, calvície, insuficiência cardíaca, etc. Nos mamíferos, a testosterona é
secretada principalmente nos testículos (em homens) e nos
ovários (nas mulheres), enquanto pequenas quantidades são também secretadas
pelas glândulas suprarrenais. Machos
produzem testosterona 20 vezes a mais se comparado com o sexo feminino. Nos homens, a testosterona
desempenha um papel importante no desenvolvimento de tecidos reprodutivos
masculinos como os testículos. Existe uma íntima correlação entre
testosterona e sintomas psiquiátricos... Já foram
amplamente descritos os transtornos de humor como depressão,
alterações de humor rápidas e irritação. A
agressividade e os pensamentos suicidas também são descritos. Nas mulheres, elevadas quantidades
de testosterona podem afetar o ciclo menstrual, o ganho de peso e pode causar a
perda de cabelo, entre
outros. Já foi observada
uma correlação entre o transtorno de personalidade e testosterona. Além dos níveis
de testosterona, aspectos biológicos que não são de natureza genética, também
interferem no desenvolvimento da personalidade. Como exemplo, um comportamento
de maior agressividade pode estar relacionado a níveis maiores do hormônio
testosterona. Por outro lado, níveis aumentados de serotonina
podem gerar um comportamento mais sociável. (Morana.H;.C.P.-2006). Outra
importante linha de pesquisa correlaciona o TDAH (transtorno de déficit de
atenção e hiperatividade) com altos níveis de testosterona. A incidência é
maior em meninos, chegando a 80% dos casos, do que em meninas, e por esse
motivo pode estar relacionado ao hormônio masculino, testosterona. Em alguns casos,
meninas com TDAH apresentam gestos masculinos e fala grossa como e um aumento
nessa taxa de hormônio. Uma linha interessante de estudo é aquela que
correlaciona hormônios como a testoterona com a compreensão do “processo” e
entendimento da “paixão”. Segundo pesquisadores a paixão pode ser um indicador de
saúde mental. O psiquiatra James Leckman da Universidade de Yale (USA), afirma
ainda que existem pessoas que nunca se apaixonarão; é o caso de autistas que
desconhecem os sentimentos de ligação com outro ser por exemplo. A psiquiatra e pesquisadora italiana Donatella Marazziti
apresenta um estudo científico, realizado na Universidade de Pisa, em que
explica mudanças nos níveis de testosterona onde o homem apresenta uma
diminuição e a mulher um aumento deste hormônio enquanto estão apaixonados. A estudiosa refere um equilíbrio hormonal que auxilia na
aproximação entre os indivíduos; com menos testosterona os homens ficam menos
agressivos e as mulheres mais confiantes. Trata-se de alterações químicas e hormonais
e podem durar de seis meses a três anos. Os
androgênios são hormônios que têm como função a diferenciação, o crescimento e
o desenvolvimento do trato reprodutivo masculino, assim como o desenvolvimento
e a manutenção das características sexuais secundárias (Veldhuis,
1991). Desta
forma podemos inferir que muitas das pesquisas atuais estão à disposição da
criação do ser “perfeito e apaixonável”, num momento adônico, narcisista dos
padrões sociais, onde a ciência sucumbe impotente diante do consumismo e dos
padrões. Como
tudo cabe no espaço da relatividade, não perdemos a esperança de o verdadeiro espirito da ciência que objetiva o bem comunitário e
humanitário; a sociedade acaba por ter um aproveitamento e um lucro secundário
na melhoria da qualidade de
vida de pessoas com deficiências reais através dessas descobertas
inicialmente voltadas para a vaidade individual.
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