Setembro de 2013 - Vol.18 - Nº 9 Editor: Walmor J. Piccinini - Fundador: Giovanni Torello |
Setembro de 2013 - Vol.18 - Nº 9 Psiquiatria na Prática Médica TRANSTORNOS PSIQUIÁTRICOS EM LÚPUS ERITEMATOSO SISTÊMICO LES Prof. Dra. Márcia Gonçalves* Lúpus Eritematoso Sistêmico (LES) é uma patologia crônica inflamatória, autoimune e de etiologia desconhecida, caracterizada pelo envolvimento de múltiplos órgãos e sistemas. As manifestações clínicas se caracterizam por sintomas como: febre, astenia, perda de peso, podendo se agregar manifestações musculocutâneas, musculoesqueléticas, renais, digestivas, cardíacas, pulmonares, hematológicas e neuropsiquiátricas, estas de particular interesse para nós.1 Sua etiologia é ainda obscura. Hoje, há consenso entre a comunidade científica (2,3,4) quanto à origem multifatorial da doença, envolvendo fatores hormonais (estrogênio), genéticos, ambientais(radiação ultravioleta, medicamento),infecciosos (virais?), e estresse psicológico. Este último fator é considerado, por muitos estudiosos, como de particular importância no desencadeamento da doença e de suas agudizações 2,5,6 O lúpus pode afetar o sistema nervoso central SNC de forma importante,.7 E as alterações de personalidade foram estudadas nessa população. Verificou-se a divergência entre os autores quanto à importância dos traços de personalidade e suas alterações no desencadeamento e evolução da doença lúpica. Há controvérsia ainda, sobre a etiologia das alterações de personalidade no LES , questionando-se se estas ocorreriam pelo estresse psicológico imposto pela patologia, pela atividade da doença no SNC, ou, ainda, pelo uso de medicamentos, como os glicocorticoide. Há necessidade, portanto, de novos estudos que venham a elucidar estas questões. 7 Vários estudos mostram que doenças clínicas podem piorar soba influência de fatores psicologicamente estressantes. Entretanto, poucos estudos foram feitos para estabelecer esta correlação no lúpus eritematoso sistêmico (LES). 8 Nery revisou estudos sobre a associação ou influência de estresse psicológico ou social em pacientes com LES. Os estudos foram identificados por uma busca no Medline, através dos termos “stress”, “lupus”,“disease activity” e “flare”. 8 Foram selecionados 14 artigos que apresentaram uma grande variação na metodologia empregada. A maioria falhou em encontrar associações entre a presença de estresse e a piora da atividade laboratorial ou clínica do LES. 8 Apesar disso, foi identificada uma associação positiva entre presença de estresse e pior percepção da saúde física pelo paciente, através de medidas subjetivas. Três estudos de modelo laboratorial de estresse psicológico mostraram que a resposta biológica ao estresse em pacientes com LES difere de controles normais e pacientes com artrite reumatóide 8 Apenas um estudo mostrou que estresse diário em relações ou obrigações sociais no mês prévio precedia a exacerbação do LES. 8 A influência do estresse no curso de doenças orgânicas, embora desperte interesse e seja de grande importância no acompanhamento destas, é tema pouco explorado na literatura, principalmente no que se refere às doenças reumáticas. Entretanto, nota-se cada vez mais a importância de sua participação pois há evidências de que fatores psicossociais estressantes interferem diretamente numa série de situações patológicas como processos de cicatrização ou no surgimento. 9 Além de fatores psicosocias a comorbidade
entre depressão e outras condições clínicas tem sido objeto de estudo em
diversos centros de pesquisa. Um estudo teve como objetivo investigar a
presença e intensidade de sintomas depressivos em pacientes com Lúpus
Eritematoso Sistêmico (LES). A metodologia do estudo foi a
seguinte: O estudo foi realizado no Ambulatório de Reumatologia do Hospital das
Clínicas da Universidade Federal de Goiás, em Goiânia – GO, Brasil. A amostra
foi constituída por 50 pacientes com diagnóstico de LES (amostra clínica) e 50
indivíduos saudáveis (amostra não-clínica). O instrumento usado para a coleta
de dados foi o Inventário de Depressão de Beck (BDI), usando ponto de corte de
14 para a amostra clínica e de 18 para não clínica. Como resultados
foi encontrado que os pacientes
foram predominantemente do sexo feminino (94%), com parceiro fixo (58%), idade
média de 33,42 ± 8,84 anos e o escore final do BDI de 29 (58%) pacientes foi
maior ou igual a 15, sugerindo a presença de sintomas depressivos; dentre
estes, 8 (27,6%) tinham escore entre 15 e 20, indicativo de disforia,
e 21 (72,4%) totalizaram escore maior que 20, sugestivo da presença de
transtorno depressivo. Na amostra não-clínica, 92% dos sujeitos eram do sexo
feminino, com idade média de 33,73 ± 8,98 anos, 56% não tinham parceiro fixo e
escores finais no BDI indicativos de possível transtorno depressivo (maior ou
igual a 19) foram obtidos em 12% dos casos. Concluiu-se que a alta prevalência
de escores indicando a presença de sintomas depressivos em pacientes com LES
confirma a necessidade de maior atenção, por parte do médico clínico, para a
possibilidade de comorbidade entre as duas
patologias. No estudo recomenda-se o fortalecimento do trabalho integrado dos
profissionais das várias especialidades médicas e dos diferentes profissionais
de saúde em benefício da clientela.9 O lúpus eritematoso sistêmico (LES) pode
apresentar manifestações neuropsiquiátricas como psicose, convulsão transtorno de
humor, e cefaleia. Um trabalho conduzido por Cal 10, objetivou descrever a frequência da distimia
das principais comorbidades psiquiátricas em
pacientes com LES, atendidos num centro de referência em Salvador, Bahia. Foram
avaliados 100 pacientes com diagnóstico de LES baseado nos critérios do Colégio
Americano de Reumatologia
e esses foram submetidos a um questionário de avaliação de dados sócio-demográficos.
10 Na avaliação do diagnóstico psiquiátrico,
foi utilizado o Mini International Neuropsychiatric Interview (MINI-Plus), version 5.0. A
frequência da distimia foi de 22%. O número total de
pacientes com depressão, pelo MINI-Plus, foi de 42%, sendo 37% com depressão
maior, 17% apresentaram depressão maior e distimia
concomitantemente (DD). As principais comorbidades
psiquiátricas foram ansiedade, com 74%, principalmente agorafobia
43%, fobia social 22% e
transtorno de ansiedade generalizada
21%. A prevalência da distimia e da depressão maior é
alta em LES, assim como em ambos os tipos de depressão associados. Há ainda
outras comorbidades psiquiátricas, sendo a ansiedade
a mais comum, o que aponta para a necessidade de dispensar-se maior atenção a
esse aspecto. 10 As alterações neuropsiquiátricas aparecem em 14 a 75% dos portadores de lúpus eritematoso disseminado. Entre elas as alterações psiquiátricas são as mais freqüentes e aparecem em 59% dos pacientes. Existem sintomas psíquicos relacionados primariamente à atividade lúpica e outros secundários à uremia, à hipertensão, à infecção e aos corticosteróides; e ainda aqueles relativos à própria doença, que é crônica, estigmatizante, de certa gravidade e que causa inúmeras limitações aos seus portadores. Os autores, neste trabalho, abordando o tema de forma multidisciplinar, fizeram uma imensa revisão a respeito da etiopatogenia, do quadro clínico, do diagnóstico, do diagnóstico diferencial e do tratamento das alterações psíquicas nessa afecçäo, a partir dos dados existentes na literatura 11 Na tese de doutorado de
Constantino quarenta e três pacientes com Lúpus Eritematoso Sistêmico em fase
ativa foram estudados por meio de uma abordagem multidisciplinar, prospectivamente,
com o objetivo de se caracterizar sua psicopatologia e verificar a relação
desta com a atividade da doença e com seu curso clínico.12
A avaliação psiquiátrica consistiu na aplicação de uma
entrevista semi-estruturada e escalas de avalição para sintomas cognitivos,
depressivos e eventos estressantes da vida cotidiana. A avaliação da atividade
sistêmica da doença e da atividade da doença no sistema nervoso central
baseou-se em avaliação clínica reumatológica,
neurológica, oftalmológica, exames séricos, liquóricos
e complementares (tomografia computadorizada de crânio e eletroencefalograma).
Os pacientes foram agrupados segundo a presença de alterações
psicopatológicas maiores (Delirium, Demência, Síndromes Delirantes
Alucinatórias, Síndromes Depressivas Psicóticas - 18 pacientes), menores
(Síndromes Depressivas Leves - 9 pacientes) e ausência dessas alterações (16
pacientes). 12 Esses três grupos foram comparados entre si em
relação às variáveis estudadas e ao seu curso clínico. Concluiu-se que vários tipos
de alteração psicopatológica podem ocorrer como manifestação do lúpus no
sistema nervoso central, incluindo desde alterações cognitivas subjetivas e
sintomas depressivos leves até Delirium, Demência, Síndromes Depressivas
Psicóticas, Síndromes Delirantes Alucinatórias e Síndromes Catatoniformes;
sintomas depressivos leves e alterações cognitivas subjetivas podem ser prodrômicos, seqüelares ou mesmo
representarem uma forma atenuada dessas manifestações. 12 Os Quadros Psicopatológicos Maiores do lúpus estão, em
geral, associados às alterações cognitivas subjetivas, neurológicas,
oftalmológicas e, na tomografia computadorizada de crânio, ao aumento do sistema
ventricular e às calcificações cerebrais. A pesquisa de auto-anticorpos
séricos, inclusive do anti-P ribossomal, não se
associou com a presença de manifestações psicopatológicas nesses pacientes. O
mesmo ocorreu em relação ao estudo do líquido cefalorraquidiano.12
O eletroencefalograma foi pouco sensível como índice de atividade da
doença no sistema nervoso central, nos pacientes com alterações
psicopatológicas. No curso clínico das manifestações psicopatológicas,
observou-se que estas alterações podem ocorrer em qualquer momento, na evolução
da doença, costumam ser recorrentes e podem deixar sequelas (principalmente
sintomas depressivos e cognitivos leves). Mais de uma síndrome psicopatológica
pode ocorrer, num mesmo episódio ou alternadamente. Entre estas, a associação
de Quadros Depressivos (sintomas depressivos leves até
Depressão Psicótica) e Quadros Cognitivos (Delirium, Demência e Transtorno Cognitivo
Leve) foi a mais frequente. 12 A presença de sulcos corticais
alargados foi um achado frequente, ocorrendo, inclusive, em mais da metade dos
pacientes lúpicos sem manifestaçäo
psicopatológica prévia ou atual, sugerindo que pode ocorrer atividade
subclínica no sistema nervoso central, nesta doença .
12 Romero e Saide13 realizaram uma investigação sobre a Delirium e demência em lúpus eritematoso sistêmico Apresentaram um caso-exemplo e realizaram uma revisão bibliográfica
dirigida à compreensão dos fatores que levam a distúrbios de comportamento em
lúpus eritematoso sistêmico (LES). 13 A ênfase ocorreu na questão do delirium e da demência
ligados ao LES. Como resultado observaram que estudos
de casos como este são importantes para confirmar a psiquiatria como parte da
medicina e como seu foco principal são as alterações de funcionamento cerebral
levando a distúrbios de comportamento13. Referências Sato E I. Lúpus
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Eduardo Ferreira Borb,e Francisco Lotufo Neto;
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LÚPUS ERITEMATOSO SISTÊMICO Revista Baiana de Saúde Pública, Vol. 35, No 4
(2011) Miguel Filho, Euripedes Constantino; Pereira, Rosa Maria Rodrigues;
Almeida, Osvaldo Pereira de; Hirsch, Roberto; Lafer, Beny; Fang, Ting; Busatto Filho, Geraldo; Arruda, Paulo Correa Vaz de Alteraçöes neuropsiquiátricas no lúpus eritematoso
disseminado (LED): uma revisäo multidisciplinar Rev. paul. med;108(4):174-82, jul.-ago. 1990. Miguel Filho, Euripedes
Constantino Säo Paulo; s.n; 1992. [183] p. tab, graf. Apresentada a Universidade de Säo Paulo. Faculdade de Medicina para obtenção do grau de
Doutor. Romero L, Saide OL. Delirium
e demência em lúpus eritematoso sistêmico. Casos Clin Psiquiatria [online]. 2011;
13:[11 p.]
www.abpbrasil.org.br/medicos/publicacoes/revista 1 – Professora coordenadora da disciplina de psiquiatria da UNITAU. [email protected]
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