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Abril de 2013 - Vol.18 - Nº 4
Editor: Walmor J. Piccinini - Fundador: Giovanni Torello

Abril de 2013 - Vol.18 - Nº 4

Psiquiatria na Prática Médica

INTERFACE NEUROPSIQUIÁTRICA - CRISES PARCIAIS COMPLEXAS

Prof. Dra. Márcia Gonçalves


Na interface entre a neurologia e psiquiatria, encontramos as crises parciais complexas, ou "epilepsia do lobo temporal".1

São caracterizadas como convulsões que apresentam descargas epileptiformes focais, originando-se de uma porção de um hemisfério cerebral, se disseminando para os dois hemisférios (lobos temporais do cérebro) com rebaixamento da consciência. 1

As epilepsias do lobo temporal constituem o grupo mais freqüente de epilepsias em pacientes adultos, sendo a síndrome da epilepsia mesial do lobo temporal associada à esclerose hipocampal o principal tipo. Com um quadro clínico relativamente estereotipados, sendo freqüente a ocorrência de um episódio precipitante inicial na primeira infância, seguido de um período silente de vários anos e de crises parciais complexas iniciando em geral na adolescência. O quadro clínico é dominado por auras e crises parciais complexas, sendo freqüentes sinais motores associados que em geral tem valor localizatório.2

Diagnóstico

O diagnóstico se baseia no quadro clínico e em exames laboratoriais, especialmente na neuroimagem e eletroencefalografia. O tratamento medicamentoso é frequentemente ineficaz. Nestes casos a maioria dos pacientes pode ser tratada cirurgicamente, com resultados superiores ao tratamento clínico.3

Frequentemente confundidos com esquizofrenia , já que afetam as emoções e os pensamentos , muitas vezes são tratados por psiquiatras com pouco socesso, , principalmente quando as crises ocorrem na ausência de convulsões do tipo grande mal, o que pode confundir ainda mais o diagnóstico. 1

John Hughlings Jackson demosntrou que as crises originadas do lobo temporal medial apresentavam sintomas como num "estado onírico", com  alucinações vívidas do tipo semelhante à memória, algumas vezes acompanhadas por déjà vu ou jamais vu.

Podiam ser vistos sintomas como: "estados mentais altamente elaborados, às vezes chamados de aura intelectual", e  "sonhos misturados com idéias presentes", uma "dupla consciência" e um "sentimento de estar em algum outro lugar". 1

Além destes sintomas  também uma forma peculiar de desconforto abdominal, associado com a perda de contato com os arredores, e automatismos envolvendo a boca e o trato gastrointestinal (lamber, contrair os lábios, grunhir ou fazer outros ruídos).

O "estado onírico", através da estimulação cortical do neocórtex temporal lateral, o hipocampo anterior ou a amígdala em pacientes epilépticos acordados, antes das suas ressecções cirúrgicas foi artificialmente estimulado por Penfield. . Forma denominadas  "ilusões experienciais. Caracterizavam por uma alteração, da relação da pessoa com seu ambiente, bem como uma resposta emocional a esse fato. Ao contrário de pacientes psicóticos, os pacientes de Penfield permaneceram totalmente conscientes de que suas interpretações alteradas eram uma ilusão.1

Uma crise parcial complexa muitas vezes ocorre após uma crise parcial simples de origem no lobo temporal. No entanto, descargas epileptiformes em outras áreas corticais (lobo frontal, e mais raramente lobos parietal e occipital) também podem desencadear crises do tipo parcial complexa. 1

Tipos de crise parcial complexa

Os tipos de crise parcial complexa são basicamente os mesmos tipos de crises parciais simples, com a diferença de as crises complexas serem acompanhadas por perturbação da consciência, enquanto as simples não o são.

1. Motora

É o sintoma mais comum. Caracteriza-se por movimentos tônicos ou clônicos, tendendo a envolver a face, pescoço e/ou extremidades.

2. Sensorial

É representada por alucinações auditivas, gustativas, olfatórias e visuais. As formas mais comumente descritas são aquelas envolvendo sensações de luz, escuridão ou cor e/ou distorções da visão. 1

3. Somatossensorial

Estas crises se caracterizam pelos sintomas de formigamento, adormecimento, queimação, dor, frio, ou sensação de movimento de qualquer parte do corpo.

.4. Autonômica

As crises autonômicas são compostas de manifestações como palidez, ruborização, vômitos, sudorese, piloereção, taquicardia e midríase. 1

5. Psíquica

É aquela na qual surgem as queixas de déjà vu, jamais vu (ausência de familiaridade com algo que deveria ser familiar) e sentimentos afetivos, tais como irrealidade, medo, prazer, etc.

Alguns pacientes descrevem experiências que poderiam ser chamadas de místicas ou paranormais, ou seja, sentimentos de um propósito muito especial na vida, ou a atribuição de um significado grandioso e irreal a eventos comuns. Estes sentimentos não são apenas sensações vagas e generalizadas, mas com freqüência são extremamente intensos, às vezes sendo até mesmo descritos como "mais reais que o real".

Além dessas experiências místicas, outros possíveis aspectos das crises psíquicas são: imaginações aumentadas (especialmente na infância), afeto amplo, sensações vestibulares (flutuação, vibração de baixa freqüência), aromas anômalos e episódios intensos de significação pessoal. 1

6.  Automatismos

Os automatismos (padrões incomuns de comportamento) são características importantes das crises parciais, tanto simples como complexas. Ocorrem após o estado alterado de consciência, e, via de regra, não são lembrados, posteriormente, pelo paciente.

Tendem a ser estereotipados, para cada crise e para cada indivíduo. 1

Podem ser perseverativos (automatismos que consistem na continuação da ação executada imediatamente antes da crise) ou de novo (representando uma nova atividade após o início da crise).

Os automatismos podem persistir durante a fase pós-ictal.

São vários os tipos de automatismos descritos nas crises parciais complexas. Os mais comuns são os seguintes:

6.1. Alimentar

Automatismos orais, tais como movimentos dos lábios, abrir e fechar a boca, mastigação, deglutição, salivação excessiva. 1

A presença de automatismos alimentares repetitivos e prolongados, associados a estados de "branco" ou com falta de resposta aos estímulos, quase sempre indicam o diagnóstico de crises parciais complexas em crianças pequenas. 1

6.2. Ambulatório

Consistem no ato de caminhar ou correr de maneira repetitiva e sem direção.

6.3. Gestual

Consiste na manipulação de objetos próximos, ou automatismos gestuais semi-propositados,  sem coordenação e não-planejados, incluindo pegar e puxar as roupas ou os lençóis da cama, ou então esfregar ou acariciar objetos. 1

6.4. Mímica

Automatismos que se caracterizam pela demonstração de expressões faciais emocionais, como, por exemplo, medo. 1

6.5. Verbal

Gritos, riso ou fala repetitiva e estereotipada.

Neurotrofinas na epilepsia

As neurotrofinas NGF, BDNF, NT-3 e NT-4 são os principais representantes da família das neurotrofinas no sistema nervoso central de mamíferos. Presentes em  estágios específicos do crescimento e sobrevivência neuronal como a divisão celular, diferenciação e axogênese e também nos processos naturais de morte celular neuronal. 3

 Existe indícios de que as neurotrofinas tem  um papel chave na plasticidade sináptica relacionada à epilepsia, onde elas poderiam agir tanto como fatores promotores da epileptogênese quanto como substâncias anti-epiléptogênicas endógenas. Além disso a expressão dos genes que codificam os fatores neurotróficos e seus receptores pode ser alterada pela atividade de crises em diversos modelos de epilepsia. 3

Vários estudos têm demonstrado a relação entre a expressão das neurotrofinas e as alterações na plasticidade dos circuitos neuronais que ocorrem após danos cerebrais, tais como a epilepsia. O conhecimento das alterações na expressão das neurotrofinas na plasticidade neuronal pode nos auxiliar a entender como estas moléculas participam dos mecanismos epileptogênicos e dessa forma, dar início ao estudo de novas terapias e ao desenvolvimento de novas drogas que auxiliem no tratamento da epilepsia 3

TRATAMENTO CLÍNICO

As drogas antiepilépticas mais freqüentemente utilizadas no tratamento clínico da ETM são a carbamazepina, oxcarbazepina e fenitoína, sempre que possível em monoterapia.

Uma alternativa eficiente é o fenobarbital. Ele pode ser utilizado por crianças e adultos e além de seu baixo custo tem como vantagem adicional a sua meia vida longa, o que permite posologia única durante o dia. Outras drogas antiepilépticas tais como o ácido lamotrigina, topiramato, ácido valpróico e clobazam são atualmente consideradas drogas de segunda linha, sendo normalmente prescritas somente em caso de impossibilidade de uso ou de insucesso das alternativas anteriores.4,

 

PROGNÓSTICO

O prognóstico da ETM em geral é favorável, porém frequentemente cursa com crises refratárias ao tratamento farmacológico. A remissão ocorre em 20 a 70% dos casos.

Além da persistência das crises podem ainda ocorrer déficits cognitivos progressivos, principalmente na esfera da memória. Deterioração psicossocial afeta aproximadamente um terço dos pacientes e também pode ser progressiva, principalmente quando as crises são intratáveis. Conforme especificamos acima nos casos cirúrgicos a percentagem de êxito é de cerca de 80% de resultados favoráveis, comprovadamente superior ao tratamento medicamentoso em estudos controlados, 5,6, com forte impacto na qualidade de vida dos pacientes.

 

Referências :

1.      Leandro Arthur Diehl, Arnildo Linck Júnior, Eliane Massumi Shibayama, Elisangela Sermidi, Lana Maria Neri, Luciane Saruhashi http://www.profala.com/artneuro3.htm

2.              SAKAMOTO.A.EXPRESSÃO DAS CRISES LÍMBICAS EM ADULTOS; http://www.lasse.med.br/mat_didatico/lasse1/textos/americo02.html

3.              Kandratavicius, Ludmyla, Monteiro, Mariana Raquel, Silva, Raquel Araujo do Val-da, & Leite, João Pereira. (2010). Neurotrofinas na epilepsia do lobo temporal. Journal of Epilepsy and Clinical Neurophysiology, 16(1), 7-12. Retrieved April 25, 2013, from http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1676-26492010000100002&lng=en&tlng=pt. 10.1590/S1676-26492010000100002.

4.              Mikati, M. & Holmes, G. - Temporal lobe epilepsy. In - The Treatment of Epilepsy: Principles and Practice. ed. E. Wyllie, Willians & Wilkins, Baltimore, 2nd ed., 1996, 401-410.

5.              Wiebe S, Blume WT, Girvin JP, Eliasziw M. – A randomized, controlled trial for surgery of temporal lobe epilepsy. New Engl J Med, 2001, 345(5):311-318.

6.              Yasuda CL, Tedes chi H, Oliveira EL, Ribas GC, Costa AL, Cardoso TA, Montenegro MA, Guerreiro CA, Guerreiro MM, Li LM, Cendes F. – Comparison of short-term outcome between surgical and clinical treatment in temporal lobe epilepsy: a prospective study. Seizure 2006, 15(1):35-40.

 

 

·         Professora coordenadora da disciplina de psiquiatria dao departamento de medicina da Universidade de Taubaté ([email protected])


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