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Março de 2013 - Vol.18 - Nº 3
Editor: Walmor J. Piccinini - Fundador: Giovanni Torello

Março de 2013 - Vol.18 - Nº 3

Psiquiatria na Prática Médica

PRIMEIROS PASSOS EM DIREÇÃO DA COMPREENSÃO DA NEUROPLASTICIDADE NA ETIOPATOGÊNESE E TRATAMENTO DA DEPRESSÃO

Prof. Dra. Márcia Gonçalves


Atualmente o modelo da patogênese celular e molecular da depressão pode estar incluída no conceito de neuroplasticidade.1

O velho tabu de que a reorganização celular cortical ,  neuroplasticidade não existia em adultos foi derrubado por estudos entre 1980 e 1990, de Merzenich (1984), Pons (1991), entre outros, e revelaram um grau até então não suspeitado de plasticidade cerebral em animais adultos.2-3

Modificações na representação somatotópica das partes corporais envolvidas no córtex sensorial em casos de amputação e lesões  estão sendo avaliadas. Experimentos com animais revelaram, basicamente, que:

1.                 Em caso de amputação de um membro  a sua área de representação somatotópica no córtex sensitivo ou motor não fica estática, mas passa a se relacionar com o coto ou com outras regiões corporais representadas no córtex adjacente.2-4

2.                 Em uma sindactilia artificial, os dígitos (do morcego, por exemplo) deixam de ter representações corticais separadas, passando a compartilhar uma única área cortical no giro pós-central.2-4

3.                 A velocidade dessas modificações pode ocorrer de modo extremamente rápido.

Uma forma eficaz de avaliar os mecanismos neuronais tem sido a  estimulação magnética transcraniana (EMT). Com ela, tornou-se possível o estudo da representação somatotópica no giro pré-central de humanos mediante uma nova técnica não-invasiva.

Descoberta em 1985 por Barker (1985), consiste na aplicação, de pulsos magnéticos rapidamente variáveis no tempo em crânio  normal. , que geram, por indução eletromagnética (Lei de Faraday), pequenas correntes elétricas intra-corticais que despolarizam os motoneurônios. Ao aplicar-se a bobina magnética sobre a região do crânio correspondente à área de representação cortical da mão no giro pré-central, por exemplo, são produzidos movimentos involuntários da mão contralateral.5

Com o mapeamento do córtex motor humano mediante estimulação magnética transcraniana, foram feitas algumas descobertas interessantes:

1.                 Estudos realizados em amputados crônicos, pode-se obervar  um aumento da área de representação cortical motora dos segmentos corporais proximais, do coto (Cohen et al., 1993).

2.                 Em indivíduos paraplégicos, há um aumento da área de representação cortical da musculatura abdominal (Topka et al., 1991).6-8

 Segundo Robert Lent, os neurônios se transformam, e esta transformação é  a  capacidade de adaptação do sistema nervoso, especialmente a dos neurónios, às mudanças nas condições do ambiente que ocorrem no dia a dia da vida dos indivíduos.

Este fenômeno,a neuroplasticidade, ocorre em todos os momentos da vida, e  é uma característica marcante e constante da função neural.9

Um conceito amplo que se estende desde a resposta a lesões traumáticas destrutivas, até as sutis alterações resultantes dos processos de aprendizagem e memória.

 

Também a  energia (ambiente) no sistema nervoso deixa alguma marca, isto é, modifica-o de alguma maneira.

 

Com relação ao conceito de neuroplasticidade podemos enumerar diversos tipos e características.

 

1-                Ontogênica: O grau de neuroplasticidade pode  variar com a idade do indivíduo  e que durante o desenvolvimento Ontogenético (Plasticidade Ontogenética) o SN é mais plástico, ou seja, tudo se molda a partir das informações do genoma e as influências do meio ambiente.9

A plasticidade ontogenética confunde-se com o próprio desenvolvimento, pois seus mecanismos celulares são semelhantes aos mecanismos do desenvolvimento normal.

2-                Crítica: A segunda fase ou período crítico é uma  fase de grande plasticidade. o sn fica mais suscetível a transformações provocadas pelo ambiente externo. Na maturidade (plasticidade adulta) a  capacidade plástica diminui ou se modifica.9

3-                 Morfológica: São mudanças morfológicas resultantes das alterações ambientais, ou seja, novos neurónios gerados numa dada região, ou neurónios que desaparecem por morte celular programada é o terceiro e importante tipo de neuroplasticidade. 9

4-                Funcional: Podemos ter também  a plasticidade funcional onde novos circuitos neurais que se formam pela alteração do trajeto de fibras nervosas e estas adquirem nova configuração da árvore dendrítica do neurónio.

A modificações no número e na forma das sinapses e das espinhas dendríticas são denominadas Plasticidade Funcional .9

5-                Comprotamental: As mudanças estruturais e funcionais do SN produzem efeitos no comportamento e no desempenho psicológico do indivíduo.9

 

Na tabela abaixo estão descritos os tipos de plasticidade e suas associações:

Memória do medo e neuroplasticidade.

 A neuroplasticidade pode também ser reconhecida no mecanismo de luta-fuga. O ser vivo memoriza que um estímulo foi agressivo e pode apresentar, prontamente, quando diante de uma nova ameaça, reações nervosas de escape ou fuga, caracterizada por fenômenos motores de retirada e ativação do sistema nervoso simpático. Esse aumento da eficácia da condução sináptica é descrito na literatura como sensibilização, está presente em todo paciente com dor crônica e pode acometer o sistema nervoso central (SNC) ou periférico (SNP)10

 

Um mecanismo de extrema importância: A APOPTOSE

 

A apoptose, ou morte celular programada, é um mecanismo regulado e geneticamente determinado . Ela culmina com a morte da célula sem que ocorra qualquer resposta inflamatória. 1-3

 

Diversos processos celulares dependem da apoptose para a sua realização: destruição programada de células durante a embriogênese e morfogênese; eliminação de células anormais, desnecessárias ou super abundantes, o que permite o controle do número de células e do tamanho dos tecidos 11-15

 

 Patologicamente  a  apoptose não regulada , ou excessiva,  pode contribuir para doenças degenerativas ou imuno-deficiência enquanto que apoptose em defeito pode facilitar processos de carcinogênese ou auto-imunidade.16-18

 

Compreensão da Neuroplasticidade na etiopatogênese e tratamento da Depressão

 Stress citotóxico e depressão:

O stress assume cada vez mais um papel preponderante na patogenia da depressão.

Os seus efeitos deletérios na neuroplasticidade e a apoptose podem ser revertidos pelos antidepressivos.

 

Estímulos como a lesão de DNA, falta de fornecimento metabólico ou agentes de stress oxidativo (citocinas) desencadeiam a morte da célula. 

 

 

 O aumento da neurogênese é mesmo necessário para a ação dos antidepressivos. Este aumento é conseguido, fundamentalmente, com tratamento antidepressivo em uso continuado e não com outros psicotrópicos, sugere uma certa especificidade farmacológica dos antidepressivos. Moléculas como o AMPc, CREB, BDNF e Bcl-2 constituem alvos a atingir na síntese dos antidepressivos. 19

 

Em suma , é exatamente ao nível destes fatores neurotróficos que a apoptose pode ser incluída no modelo da neuroplasticidade e, dessa forma, desempenhar um papel etiopatogénico na expressão da depressão.19

 

Referências

1. ARANTES-GONÇALVES F, SOARES-FORTUNATO JM: A apoptose. Revista da Faculdade de Medicina de Lisboa. Série III.2004; 9(1):13-18

2-MERZENICH, M.M.; NELSON, R.J.; STRYKER, M.P.; CYNDER, M.S.; SHOPPMANN, A.; ZOOK, J.M. Somatosensory cortical map changes following digit amputation in adult monkeys. Journal of Comparative Neurology 1984;224:591-605. [ Links ]

3-PONS, T.P.; GARRAGHTY, P.E.; OMMAYA, A.K.; KAAS, J.H.; TAUB, E.; MISHKIN, M. Massive cortical reorganization after sensory deafferentation in adult macaques. Science 1991;252:1857-60. [ Links ]

4-BARKER, A.T.; JALINOUS, R.; FREESTON, I.L. - Noninvasive magnetic BRASIL-NETO, J.P.; COHEN, L.G.; PASCUAL-LEONE, A.; JABIR, F.L.; WALL, R.T.; HALLETT, M. Rapid reversible modulation of human motor outputs after transient deafferentation of the forearm: a study with transcranial magnetic stimulation. Neurology 1992;42:1302-6. [ Links ]

5-COHEN, L.G.; BRASIL-NETO, J.P.; PASCUAL-LEONE, A.; HALLETT, M. Plasticity of cortical motor output organization following deafferentation, cerebral lesions, and skill acquisition. Advances in Neurology 1993;63:187-200. [ Links ]

6-TOPKA, H.; COHEN, L.G.; COLE, R.A.; HALLETT, M. Reorganization of corticospinal pathways following spinal cord injury. Neurology 1991;41:127683. [ Links ]

7-BRASIL NETO, Joaquim. Neurofisiologia e plasticidade no córtex cerebral pela estimulação magnética transcraniana repetitiva. Rev. psiquiatr. clín., São Paulo, v. 31, n. 5, 2004 .

8- PERDIGÃO C: Implicações clínicas dos novos conceitos em Biologia Celular e Molecular. Revista da Faculdade de Medicina de Lisboa. Série III. 2004;9(1):  

9- Robert  lent in : Neuroplasticidade:

http://heldermauad.com/graduacao/PDF%20FISIO/NEURO/PSICOFISIOLOGIA_NEUROPLASTICIDADE.pdf

10 Kraychete Durval Campos, Calasans Maria Thais de Andrade, Valente Camila Motta Leal. Citocinas pró-inflamatórias e dor. Rev. Bras. Reumatol. [serial on the Internet]. 2006 June [cited 2013 Mar 25] ; 46(3): 199-206.

11. EVAN G, LITTLEWOOD T: A Matter of live and cell death.Science 1998;281:1317-1321

12. FESIK SW: Insights into programmed cell death trought structural biology. Cell 2000;103:273-282

13 GRANVILLE DJ, CARTHY CM, HUNT DWC, MCMANUS BM: Apoptosis: Molecular Aspects of Cell Death and Disease. Lab Invest 1998;87:893-907

14. HENGARTNER M: Death by Crowd Control. Science 1998;281:1298-1299

15. WILLIE AH: Apoptosis: an overview. Brit Med Bull 1997;53(3):451-456

16. JACOBSON MD, Weil M, Raff MC: Programmed cell death in animal development. Cell 1997;88:347-354

17. MEIER P, FINCH A, EVAN G: Apoptosis in development.Nature 2000;407:796-801

18. DIXON SC, SORIANO BJ, LUSH RM, BORNER MM, FIGG WD: Apoptosis: Its role in the development of malignancies and its potencial as a Novel Therapeutic Target. Ann of Pharmacoth 1997;31:76-82

19 FILIPE ARANTES-GONÇALVES, RUI COELHO; Apoptose, Neuroplasticidade e Antidepressivos; DEPRESSÃO E TRATAMENTO, Acta Med Port 2006; 19: 9-20.


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