Março de 2013 - Vol.18 - Nº 3 Editor: Walmor J. Piccinini - Fundador: Giovanni Torello |
Março de 2013 - Vol.18 - Nº 3 Psiquiatria Forense PACIENTES PSIQUIÁTRICOS EM UNIDADES PRISIONAIS COMUNS Quirino Cordeiro (1) Há duas espécies de sanções penais no ordenamento
jurídico brasileiro, a saber, a pena e a medida de segurança. As penas são destinadas aos imputáveis e
aos semi-imputáveis, a partir do reconhecimento da culpabilidade do agente. As
penas possuem caráter retributivo e intimidatório, tendo por finalidade maior a reinserção
social do condenado, com um efeito de prevenção geral e especial. As penas são
aplicadas por tempo determinado e proporcional à gravidade do delito e ao bem
jurídico violado. Em contrapartida, as medidas de segurança são destinadas aos
indivíduos inimputáveis e, por vezes, semi-imputáveis,
tendo como objetivo a prevenção especial, por intermédio do tratamento curativo
do agente. No entanto, a despeito do que reza a lei, tem sido
cada vez mais freqüente a presença de pacientes com transtornos mentais graves
condenados e cumprindo pena em unidades prisionais comuns. Existe hoje no
Brasil parcela
considerável de pacientes portadores de transtornos mentais graves que não
estão em medida de segurança recebendo tratamento psiquiátrico, mas sim que
estão apenados e presos em unidades prisionais comuns, na imensa maioria das
vezes sem acesso à assistência para o seu problema de saúde. Em pesquisa conduzida
pelo grupo do Prof. José Geraldo Vernet Taborda, na
população prisional do Estado de São Paulo, mais de 12% dos presos apresentavam
transtornos mentais graves, como esquizofrenia, transtorno afetivo bipolar e
depressão maior. Recentemente, o
primeiro-secretário da Assembléia Legislativa do Estado do Paraná, deputado
Mauro Savi, encaminhou ao Governo daquele Estado
sugestão para que fosse realizado um mutirão com o objetivo de diagnosticar
presos com transtornos mentais graves em unidades prisionais comuns, tamanha
era sua preocupação com a referida questão. Realmente, situação
extremamente grave tem ocorrido nas unidades prisionais brasileiras no que
tange à presença de doentes mentais graves em unidades prisionais comuns. Cada
vez mais pessoas têm sido presas e condenadas, devido a crimes que cometeram em
decorrência da doença psiquiátrica que apresentam. Esse fenômeno cruel, e
ilegal, tem ganhado cada vez mais corpo em nosso país. Diversas são as razões para
explicar essa realidade, a começar pelo desamparo total ao qual são relegados
multidões de pacientes com transtornos metais graves. A política oficial da
denominada “reforma psiquiátrica” brasileira desinternou milhares de pacientes
no país, porém sem oferecer-lhes equipamentos substitutivos apropriados de
tratamento à saúde localizados na comunidade. Além do fechamento indiscriminado
de leitos psiquiátricos, a proibição da abertura de novos leitos também tem
contribuído para que muitos pacientes em situações de crise deixem de receber
assistência adequada a seus problemas de saúde mental, ficando, assim, mais
vulneráveis socialmente, aumentando sua chance de entrarem em conflito com a
lei e serem presos por conta disso. Outro problema de desassistência na área de
saúde mental que tem levado número cada vez maior de pessoas à prisão é aquele
relacionado à dependência química, especialmente ao crack. Dependentes químicos
sem assistência à saúde têm permanecido à sua própria sorte, envolvendo-se em
pequenos tráficos e crimes contra o patrimônio para, assim, bancarem seus
vícios. Tal problema tem sido enfrentado de maneira bastante tímida pelo
sistema público de saúde, tendo se avolumado Brasil afora. Muitos
dos pacientes com transtornos mentais graves, que são presos por cometerem
delitos devido à doença psiquiátrica que apresentam, não são considerados
inimputáveis e encaminhados para a medida de segurança, mas sim são condenados
e enviados ao sistema prisional comum para o cumprimento de pena, muitas vezes sem
acesso à assistência para o seu problema de saúde mental. Tal situação deve-se
ao fato de muitas autoridades apresentarem um entendimento equivocado acerca da
inimputabilidade do doente mental. Para muitos deles, pode soar como impunidade
a absolvição de um indivíduo para a aplicação de medida de segurança,
especialmente em situações nas quais ocorrem delitos com alta comoção social e grande
clamor por justiça. Em momentos assim, muitos pacientes acabam sendo condenados
e não recebem a sanção penal apropriada para seus casos. Se a medida de
segurança fosse aplicada nessas situações, os pacientes não seriam presos em
unidades prisionais comuns, mas sim seriam encaminhados para tratamento em
ambulatórios ou unidades hospitalares forenses. Tudo isso, sem falar nos casos
em que a medida de segurança não é aplicada por puro descaso das autoridades
judiciais. Desse modo, muitos pacientes encontram-se privados do direito de
receber tratamento contra a doença mental que lhes aflige. Tal situação merece
atenção especial por parte de todos que trabalham e militam no sistema
prisional brasileiro, bem como na área da saúde pública. Além do mais, vale
lembrar ainda que unidades prisionais comuns não apresentam condições para
oferecer tratamento psiquiátrico apropriado aos presos. Isso, por conta da
superlotação que marca esses estabelecimentos, pela carência de funcionários
especializados na área de saúde mental, bem como em decorrência da péssimas
condições de suas instalações.
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