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Abril de 2013 - Vol.18 - Nº 4
Editor: Walmor J. Piccinini - Fundador: Giovanni Torello

 

Abril de 2013 - Vol.18 - Nº 4

COLUNA PSIQUIATRIA CONTEMPORÂNEA

NOTAS SOBRE A EVOLUÇÃO DA PSIQUIATRIA CONTEMPORÂNEA

Fernando Portela Câmara
Medico-psiquiatra
Prof. Associado, UFRJ


Summary – A brief review about the contemporary psychiatry development is presented. The introduction of genetic markers called endophenotypes may help us to define the biological basis of mental illness. Keywords: endophenotypes, psychiatry, Jaspers, Schneider.

Desde que Karl Jaspers rejeitou o naturalismo de Bleuler com a publicação do seu livro Psicopatologia Geral em 1913 (Jaspers, 2006), e introduziu a subjetividade na psiquiatria, valorizando a empatia, a linguagem verbal, a expressão, o comportamento e arte como instrumentos de avaliação psicopatológica, a psiquiatria foi deslocada do seu eixo médico é ficou á deriva entre a filosofia, sociologia e psicologia introspectiva. Japers defendia que o acesso ao estado mental do sujeito só era possível por via indireta, e rejeitava toda abordagem objetiva e quantitativa. Ele foi seguido por Kurt Schneider, autor da universalmente conhecida obra Psicopatologia Clínica (Schneider, 1968), que negava o diagnóstico psiquiátrico fundamentado no objetivismo e postulados naturalísticos, e o defendia como um constructo baseado em dados empíricos. Ele concordava que as doenças mentais decorrem em grande parte de fatores neurobiológicos, mas não aceitava que isso determinasse as dificuldades psicossociais desses pacientes. Ele então racionalizou o diagnóstico com base no raciocínio estatístico, estabelecendo o germe das classificações atuais.

A psiquiatria contemporânea experimentou um considerável avanço, especialmente com o desenvolvimento de modernos tratamentos farmacológicos para a depressão, esquizofrenia e doença bipolar, e ferramentas diagnósticas como imagens funcionais do cérebro in vivo, potenciais evocados, testes neuropsicológicos da função executiva, polimorfismo genético, etc. A questão fundamental da psiquiatria atual é se a correlação entre neurobiologia e psicopatologia é consistente, e a resposta a isso não é apenas de interesse acadêmico, mas de interesse geral para a sociedade, pois a relação entre doença mental e responsabilidade pessoal tem um peso significativo na prática da psiquiatria clínica e forense.

O conceito de endofenotipo

Recentemente um novo e importante conceito foi introduzido na psiquiatra, uma noção supostamente unificadora entre a doença mental, comportamento, genética e neurobiologia. Trata-se do conceito de endofenotipo (Gottesman e Gould, 2003; Zobe e Maier, 2004). Um endofenotipo é um “marcador” genético que contribui para o desenvolvimento de uma doença mental, sendo uma característica estável muito pouco influenciada pelo ambiente. Eles servem como pistas para se investigar a biologia dos transtornos mentais. Exemplos de endofenotipos são parâmetros bioquímicos alterados (por exemplo, os altos níveis de colesterol na doença de Alzheimer pela produção da proteína ApoE), alterações em padrões de imagens de ressonância magnética funcional, potenciais evocados alterados (como nas esquizofrenias, juntamente com a lentificação dos movimentos oculares; na dependência de nicotina; na depressão e ansiedade), modificações no EEG (como na dependência ao álcool) ou no ECG, e alterações neuropsicológicas peculiares (déficits cognitivos, déficits de atenção). Hoje está disseminado amplamente o com senso de que a dependência química é um efeitto neurobiológico manifestado por um endofenótipo presente nas doenças mentais (Câmara, 2011).



Um endofenotipo não deve ser visto como o agente etiológico de uma doença mental, mas como um componente biológico que contribui para a predisposição ou evolução da doença, portanto, os genes envolvidos em sua determinação devem ser menos numerosos que os envolvidos no quadro geral do transtorno mental.

O futuro da psiquiatria


A pesquisa para endofenotipos como “marcadores” procura esclarecer mais acuradamente o diagnóstico psiquiátrico e possibilitar a utilização de modelos animais em pesquisa. A baixa confiabilidade do diagnóstico psiquiátrico e o grande desenvolvimento da neurobiologia em nossa época têm influenciado os psiquiatras na busca de ferramentas neurocientíficas para aprimorar o diagnóstico e fazer luz na compreensão da sua natureza. Isso não influenciará ainda as próximas edições da CID-11 e do DSM-5, e ainda há um longo caminho até que se forme uma base de dados suficientemente confiável para se chegar a um consenso neurobiológico unificador das doenças mentais. Se a hipótese dos endofenotipos for solidamente estabelecida, o diagnóstico psiquiátrico atual será desconstruído e a psiquiatria entrará na era da medicina molecular.

Desde Kurt Schneider a psiquiatria não fez nenhum progresso significativo na área do método clínico. As edições da CID e do DSM não são marcas de progresso, mas tentativas de racionalizar o diagnóstico dentro do paradigma tradicional legado por Kraepelin e Schneider. O conceito de endofenotipo é operacional e pode vir a ser um critério unificador entre psicopatologia, neurobiologia e psicofarmacologia, realizando o que Van Praag (1988) preconizou como a evolução da psicopatologia descritiva para uma psicopatologia funcional.

Referências

Câmara FP. O que é patologia dual?, Psychiatry On-Line Brazil, vol. 16 (Junho), 2011, disponível em http//:www.polbr.med.br/ano11/cpc0611.php (acessado em 22/01/2013).

Gottesman II, Gould TD. The endophenotype concept in psychiatry: etymology and strategic intentions, American Journal of Psychiatry, 2003; 160: 636 –45.

Jaspers, Carl. Psicopatologia Geral. 2 v. São Paulo: Atheneu, 2006.

Schneider K. Psicopatologia clínica, Lisboa: Ed. Mestre Jou, 1968.

Van Praag HM. Serotonin disturbances in psychiatric disorders. Functional versus nosological interpretation. In: Selective 5-HT-Reuptake Inhibitors: Novel or Commonplace Agents? Advances in Biological Psychiatry, M. Gastpar e J. Wakelin (eds.), Basiléia: Karger, 1988, pp. 52-7.

Zobe, A, Maier W. Endophenotype - a new concept for biological characterization of psychiatric disorders. Nervenarzt, 2004; 75: 205–14.


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