Psyquiatry online Brazil
polbr
Fevereiro de 2013 - Vol.18 - Nº 2
Editor: Walmor J. Piccinini - Fundador: Giovanni Torello

 

Fevereiro de 2013 - Vol.18 - Nº 2

Artigo do mês

INSTITUCIONALIZAÇÃO DO PARADIGMA PSIQUIÁTRICO MANICOMIAL E DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL
INSTITUTIONALIZATION OF ASYLUM PARADIGM AND PSYCHOSOCIAL CARE
INSTITUCIONALIZACIÓN DEL ASILO Y LA ATENCIÓN PSICOSOCIAL

Rozane Pereira de Sousa Acadêmica de Enfermagem, Universidade Federal Campina Grande/UFCG, Cajazeiras (PB), Brasil. Bolsista PROEXT/UFCG. Membro do GPESC. Email: [email protected]
Francisca Bezerra de Oliveira Enfermeira. Professora Doutora Associada da Universidade Federal de Campina Grande/UFCG. Cajazeiras (PB), Brasil. Doutora em Enfermagem pela Universidade de São Paulo/USP. São Paulo (SP), Brasil. Líder do GPESC. Email: [email protected]
Thiago Fernandes de Sousa Acadêmico de Enfermagem, Universidade Federal Campina Grande/UFCG, Cajazeiras (PB), Brasil. Bolsista PROEXT/UFCG. Membro do GPESC. Email: [email protected]
Jesana Sá Damasceno Acadêmica de Enfermagem, Universidade Federal de Campina Grande/UFCG, Cajazeiras (PB), Brasil. Membro do GPESC. Email: [email protected]
Renan Alves Silva Acadêmico de Enfermagem, Universidade Federal Campina Grande/UFCG, Cajazeiras (PB), Brasil. Email: [email protected]
Thaiany Batista Sarmento de Oliveira Acadêmica de Enfermagem, Universidade Federal Campina Grande/UFCG, Cajazeiras (PB), Brasil. Email: [email protected]

 

Resumo

Objetivo: buscou-se efetuar um resgate histórico da constituição do paradigma manicomial e de atenção psicossocial na Paraíba, com ênfase nos serviços assistenciais existentes neste Estado. Método: trata-se de uma pesquisa bibliográfica e histórica com levantamento sobre o referido tema de forma manual, utilizamos também dados fornecidos pela Secretaria de Saúde da Paraíba no tocante aos serviços psiquiátricos existentes neste Estado e informações cedidas pela Coordenação de Saúde Mental da Paraíba. Resultados: os resultados demonstram que apesar do avanço significativo das políticas públicas de saúde mental, com a criação de inúmeros serviços substitutivos, contribuindo para a transformação do modelo manicomial em outro de base comunitária, é perceptível que a Reforma Psiquiátrica na Paraíba apresenta lacunas, contradições e dificuldades.  Conclusão: Ressalta-se que a reforma caminharia de maneira mais rápida se os gestores, os profissionais, os usuários e os familiares se envolvessem de forma mais efetiva nesse processo que é complexo e multidimensional. Descritores: saúde mental; serviços de saúde mental; assistência em saúde mental.

 

Abstract

Objective: we tried to make a historical rescue of the constitution of asylum paradigm and psychosocial care in Paraíba, emphasizing the health care services which exist in this state. Method: This is a bibliographical and historical research including a survey made in a manual way, we also used data provided by the Department of Health of Paraíba about the psychiatric service that exists in this state and informations given by the Coordination of Mental Health of the State of Paraíba. Results: The results show us that despite the meaningful advance of public politics for mental health, through the creation of several alternative services, which contribute to the transformation of asylum model into another one based on a community way, it is perceptible that Psychiatric Reform in Paraíba has its blanks, contradictions and difficulties. Conclusion: We point out that the reform would go faster if managers, professional people, users and their families got involved in a more effective way to this complex and multidimensional process. Descriptors: Mental Health, Mental Health Services, Mental Health Assistance.

 

Resumen

Objetivo: hemos tratado de hacer un paradigma histórico de la constitución del asilo y la atención psicosocial en Paraíba, con énfasis en los servicios de atención de salud existentes en este estado. Método: Se trata de una investigación bibliográfica e histórica con ese tema de forma manual también se utilizan los datos proporcionados por el Departamento de Salud con respecto a los servicios psiquiátricos existentes en  este estado, Y la información proporcionada por la Coordinación de Salud DEl estado mental en Paraíba. Resultados: Los resultados muestran que a pesar del avance significativo de las políticas públicas en materia de salud mental, con la creación de numerosos servicios que  substituyen,  que contribuye a la transformación del asilo en otro basado en la comunidad, se observa que la Reforma Psiquiátrica en Paraíba tiene lagunas, contradicciones y dificultades. Conclusión: Se hace hincapié en que la reforma se movería más rápidamente si los gerentes, profesionales, usuarios y familias a participar más efectivamente en este proceso que es complejo y multidimensional. Descriptores: salud mental, servicios de salud mental, asistencia en salud mental.”

 

Introdução

A desconstrução do paradigma manicomial tem sido objeto de debate em vários campos do conhecimento, especialmente na saúde mental e na psiquiatria. Isto significa negar a instituição asilar, romper com a racionalidade e o saber psiquiátrico acerca da doença mental, questionar o poder dos especialistas (psiquiatra, enfermeiro, psicólogo, terapeuta ocupacional, etc.) no tocante ao paciente e negar o seu mandato social de exclusão. A desconstrução deste modelo supõe a construção de um novo paradigma de atenção psicossocial - ético, estético e político. 

Surgem os questionamentos: Como se constituíram os paradigmas manicomial e de atenção psicossocial?  Quais as características principais destes paradigmas?

O modelo ancorado na exclusão surgiu a partir da Idade Clássica. A loucura, cujas vozes a renascença libertou e cuja violência dominou, foi silenciada por meio de sua inserção nas casas de internamento. A loucura passou a ser percebida como um problema social, como ausência de significação de sua experiência, perdendo qualquer poder de enunciação de verdade. Nesse período a internação não estava fundamentada em conotação de natureza patológica, ou seja, ainda não existia uma concepção médica da loucura como doença1.

            No final do século XVIII e início do século XIX a loucura foi codificada em doença mental, sendo institucionalizados os saberes e as práticas psiquiátricas. O asilo passou a ser o local de tratamento do louco. Até metade do século XX, o internamento tornou-se a única e necessária resposta ao questionamento da loucura2,3. 

No Brasil o processo de institucionalização do paradigma manicomial começou no princípio da segunda metade do século XIX, quando foi construído o Asilo Pedro II. Essa instituição e as demais que foram constituídas visavam preservar a ordem social e evitar que a loucura fosse disseminada para a sociedade4, 5.

Em relação às características do paradigma psiquiátrico manicomial ou hospitalocêntrico destacam-se: o isolamento do paciente em instituições asilares; o “olhar” do profissional está direcionado para a doença mental; os transtornos psiquiátricos são vistos como decorrentes de disfunções orgânicas, sendo o médico o detentor do processo de atendimento, cabendo a outros profissionais – enfermeiros, terapeutas ocupacionais, psicólogos, assistentes sociais - o papel de colaboradores no tratamento do paciente, caracterizando assim, uma divisão estanque do trabalho por categoria profissional. Neste caso não se valoriza o conhecimento trazido pelo paciente na construção do projeto terapêutico 6,7.

O modelo de atenção psicossocial começou a ser esboçado após a II Guerra Mundial, a partir de críticas formuladas às instituições asilares. A função puramente disciplinar do asilo e o abandono de suas funções terapêuticas passam a ser denunciadas. Essas críticas só encontram ressonância quando novos problemas são colocados para o conjunto da sociedade, por meio dos Movimentos Psiquiátricos ocorridos na Europa e Estados Unidos. Esses movimentos influenciaram a construção da Reforma Psiquiátrica brasileira, principalmente o de desinstitucionalização proposto pelo psiquiatra italiano Franco Basaglia. 

A Reforma Psiquiátrica teve início no Brasil, no final dos anos 70, do século XX, com o Movimento de Trabalhadores em Saúde Mental, atualmente, denominado Movimento de Luta Antimanicomial. A reforma está respaldada na Lei 10.216/2001 (que redireciona o modelo de atenção em saúde mental e dispõe sobre a proteção das pessoas com transtornos mentais), e nos princípios do SUS. Significa uma nova forma de tratar e acolher o usuário em sofrimento mental.  Caracteriza-se como um conjunto de inciativas no campo político e ético (direitos do usuário à cidadania, ao mesmo tempo, que respeito a seu direito à diferença e à sua dignidade), no campo técnico-assistencial (o cuidado proporcionado por uma equipe ampliada, o tratamento propriamente dito), (mudanças das representações sociais sobre a doença mental e do lugar social da loucura) 7,8 .

O Movimento de Luta Antimanicomial é o ator privilegiado na formatação de projetos voltados para criação de novas formas de atenção e de novas possibilidades de produção de subjetividades, embora isto não seja uma realidade em todo o Brasil.

No tocante às caraterísticas do paradigma de atenção psicossocial podem ser destacadas: o cuidado em serviços de base comunitária; o “olhar” do profissional estar voltado para a existência-sofrimento mental do sujeito; a doença mental ser decorrente de vários fatores (biológico, cultural, social, histórico, cultural, linguístico); prioriza a participação de vários atores no processo terapêutico: profissionais de nível superior (médicos, enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais, terapeutas ocupacionais etc.), bem como profissionais de nível médio, usuário e familiares, todos com igual importância no planejamento terapêutico. Esse paradigma busca a (re) inserção social, a construção de cidadania e autonomia do usuário e desmistificação a respeito da loucura, estigmatizada ao longo dos séculos 8,9.

Diante do exposto, o presente trabalho tem por objetivo o resgate histórico da constituição do paradigma manicomial e de atenção psicossocial na Paraíba, com ênfase nos serviços assistenciais existentes neste Estado.

 

Materiais e métodos

Trata-se de uma pesquisa bibliográfica e histórica. O estudo é exploratório, do tipo descritivo. A técnica da pesquisa bibliográfica inclui leitura, seleção, fichamento e arquivo dos tópicos de interesse para a pesquisa em pauta, com vistas a conhecer as contribuições científicas que se efetuaram sobre determinado assunto10. Enquanto a pesquisa histórica busca recuperar a evolução de um conceito, tema, abordagem ou outros aspectos, fazendo a inserção dessa evolução dentro de um quadro teórico de referência.

Foi realizado um levantamento bibliográfico sobre o referido tema de forma manual (livros-textos, catálogos, manuais, anais de congresso, periódicos, jornais, dissertações e teses publicadas, etc.)

Para realização da pesquisa utilizamos também dados fornecidos pela Secretaria de Saúde da Paraíba no tocante aos serviços psiquiátricos existentes neste Estado, como também, documentos em arquivos (relatórios, portarias, histórico dos serviços, etc.), sendo essas informações cedidas pela Coordenação de Saúde Mental do Estado da Paraíba.

 

Resultados e Discussões

No Estado da Paraíba o paradigma fundamentado na exclusão ocorreu, inicialmente, em duas enfermarias na Santa Casa de Misericórdia, sendo institucionalizado com a criação do Asilo de Sant’Anna, em 1889, também chamado de “Asilo da Cruz do Peixe”, desde o início administrado pela Santa Casa de Misericórdia deste Estado11.

Com o surgimento do Asilo de Sant´Anna no Estado, acreditava-se num primeiro momento, no avanço à assistência ao louco na Paraíba. Após alguns anos de seu funcionamento, essa instituição passou a ser criticada pelo tratamento desumano dado aos internos, a ser percebida como um espaço vergonhoso por diversos segmentos da sociedade e, especialmente, pelos alienistas do Estado11.

Ainda de acordo com este autor o cenário do asilo era desolador, desde celas escuras e sem ventilação até a um alto muro que o cercava. Todo o contato que o louco tinha com os profissionais e familiares ocorria permeado pelas grades que o prendia na cela. O paciente não saía do quarto em nenhuma circunstância, em seu interior via-se um orifício para que o interno fizesse suas necessidades11.

Os primeiros internos do Asilo vieram provenientes do Presídio Público de João Pessoa. Eles estavam aprisionados junto com presos comuns, prática rotineira da época. Eram doze indivíduos em crise, que logo ocuparam os doze quartos da instituição, sendo seis homens e seis mulheres12.

O fato do louco ter sido no passado, segregado junto a bêbados, prostitutas e ainda contido em presídios juntamente com criminosos, fez surgir no imaginário social a ideia do mesmo ser perigoso para a sociedade. Assim, a loucura ao estabelecer um parentesco com as culpas morais e sociais, ao representar uma ameaça à sociedade, foi silenciada e marginalizada, contribuindo para o processo de estigmatização do louco.   

Com a institucionalização do Hospital Colônia Juliano Moreira, em João Pessoa (PB), o Asilo de Sant´Anna foi demolido. Fundado em 23 de junho de 1928, construído pelo Estado com verbas que sobraram do combate a endemias rurais no governo do paraibano Epitácio Pessoa, a Colônia Juliano Moreira recebeu esse nome em homenagem ao psiquiatra baiano, primeiro professor universitário a incorporar a teoria psicanalítica em suas aulas 6,11.

Ambos os hospitais, Asilo de Sant´Anna e Colônia Juliano Moreira, partiam do pressuposto de isolar o louco de tudo o que se deduzia, que o alienava: a família, a sociedade, os amigos. “A partir desse princípio o paradigma da internação irá dominar, por um século e meio, toda a medicina mental [...]” 2:86. No Brasil, o paradigma do isolamento irá vigorar de forma soberana do século XIX até meados do século XX.

De acordo com os dados encontrados, no momento da coleta de dados, maio de 2012, existiam na Paraíba sete hospitais psiquiátricos, quatro localizados em João Pessoa, dois em Campina Grande e um em Cajazeiras.

No entanto, em 2005, houve intervenção pelo Ministério da Saúde em um dos hospitais de Campina Grande, devido à péssima avaliação no Programa Nacional de Avaliação dos Serviços Hospitalares (PNASH). Esse hospital respondia pela grande demanda de saúde mental da região da Borborema. O processo de desinstitucionalização dos 176 pacientes da referida instituição teve início em abril de 2005, com o descredenciamento pelo SUS no mesmo ano13.

Em 2001, a Paraíba tinha 1.437 leitos. Com o processo de desospitalização e desinstitucionalização houve uma redução gradativa e continuada dos leitos, e atualmente, em 2012, o Estado dispõe de 735 leitos psiquiátricos distribuídos entre os seis hospitais existentes. João Pessoa possui 562, Campina Grande 143 e Cajazeiras 30 leitos. Com isso, presume-se que a maior demanda em saúde mental concentra-se na capital14.

A concentração de hospitais e leitos psiquiátricos em João Pessoa não significa afirmar que a assistência prestada na capital seja de boa qualidade. Essa concentração possivelmente é devido ao fato de muitos pacientes virem do interior, principalmente, do “Alto Sertão Paraibano”. Além disso, outro fator importante decorre do fato de que “[...] várias formas de reclusão do doente mental surgem nos centros mais adiantadas do país, para afastá-lo do convívio com um ambiente que não mais o comporta. Faz-se isso em nome da preservação da tranquilidade social.” 4:60.

Vários autores criticam o manicômio como local de assistência. Basaglia (1985) destaca que este espaço é compreendido como síntese e metáfora das instituições da violência, da segregação e do controle que se fundamentam no processo de exclusão social.  Rotelli15:61 afirma “[...] o manicômio é o lugar zero das trocas sociais.” Amarante7 salienta que as instituições manicomiais coisifica o doente mental, transformando-o em objeto.

Assim, no Brasil, especialmente na Paraíba, o quadro da assistência psiquiátrica, até os anos 80, do século XX, era lamentável: era exercida quase sempre no interior dos manicômios, “organizados como dispositivos de controle político e social. O louco era ‘tratado’ em muitos hospitais psiquiátricos como um ser ‘menor’, excluído, segregado do tecido social”16:156.

Impulsionado pelo processo de redemocratização do país e pelo Movimento de Luta Antimanicomial, no Brasil, nas últimas décadas, foram editadas várias Portarias, Leis e Conferências Nacionais de Saúde Mental, originando propostas que vão ao encontro dos princípios norteadores do cuidado à saúde, delimitados pelo SUS, com ênfase na construção de dispositivos de atenção de base territorial, sendo o CAPS considerado pelo Ministério da Saúde, um equipamento articulador dos serviços para o cuidado em saúde mental.  

A construção desta rede de serviços territoriais de atenção psicossocial de base comunitária em substituição ao modelo manicomial não pretende extinguir o tratamento clínico da doença mental, porém elimina a prática do internamento como forma de exclusão social dos indivíduos portadores de transtornos mentais17.

No âmbito do SUS foi regulamentado pela portaria nº. 224, os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), compreendidos como unidades de atendimento locais/regionalizadas e de assistência ambulatorial. Este serviço é formado por uma equipe multidisciplinar. Posteriormente, com a aprovação da Lei da 10.216/2001, o serviço de atenção em saúde mental foi redirecionado, visando a (re) inserção social do usuário e a garantia dos direitos das pessoas com transtorno mental.

Em fevereiro de 2002, através da Portaria de 336, o Ministério da Saúde estabeleceu que os CAPS são serviços estratégicos no processo da Reforma Psiquiátrica brasileira e no atendimento ao usuário de saúde mental, constituindo-se em CAPS I, II, III, ad e i, com atendimento tanto intensivo como não intensivo. Os marcos legais (Portarias, Leis, Conferências) vem contribuindo de forma efetiva na desconstrução do modelo hospitalocêntrico e na construção de um paradigma de atenção psicossocial, fundamentado em uma clínica ampliada que proporcione um atendimento de qualidade, acolhimento, autonomia e inclusão social do usuário16.

Na Paraíba em 2004 foi promulgada a Lei nº 7.639, dispondo sobre reorientação da assistência em Saúde Mental no Estado, constituído por CAPS, Serviços de Residência Terapêutica, oficinas comunitárias e leitos psiquiátricos nos hospitais Gerais18.

Em 2008, cerca de cinco anos depois da publicação da Lei estadual de Saúde Mental, a Paraíba dispunha de 58 serviços substitutivos, à frente dos outros estados da federação pelo nº de CAPS oferecidos à população. O indicador da média dos CAPS por cem mil habitantes mostrava que a Paraíba estava acima da média nacional (0,62), com um valor de 1, 12 de CAPS/100.000 habitantes.

Atualmente, o Estado possui cerca de 65 serviços credenciados pelo SUS, sendo destes 39 CAPS I, 8 CAPS II, 3 CAPS III, 8 CAPS i, 7 CAPS ad. Ainda compondo a rede de Saúde Mental da Paraíba existem: 17 Residências Terapêuticas e 84 pessoas cadastradas no Programa de Volta para Casa - PVC. Este programa visa a (re) integração social de pessoas em sofrimento mental, egressas de longos períodos de internação, com o pagamento do auxílio-bolsa psicossocial19.

Apesar do avanço significativo das políticas públicas de saúde mental, com a criação de inúmeros serviços substitutivos, contribuindo para a transformação do modelo manicomial para outro de base comunitária, é perceptível que a Reforma Psiquiátrica na Paraíba apresenta lacunas, contradições e dificuldades. 

Corroboramos com Oliveira et al16 que algumas dificuldades e contradições são típicas do momento atual do SUS, outras decorrentes do desafio de construir uma atenção em saúde mental de base territorial.  Dentre as dificuldades destacam-se:

·         poucos usuários recebem “alta” do serviço, indicativo de que esses dispositivos podem estar criando um novo tipo de cronicidade;

·          atendimento inadequado ao usuário em crise, especialmente, nos finais de semana e à noite, uma vez que a maioria dos serviços encontra-se fechado;

·         poucos Serviços Residenciais Terapêuticos em funcionamento para usuários sem vínculos familiares e sociais;

·         grande parte dos serviços não desenvolve  projetos de geração de renda e trabalho para o usuário, limitando sua inclusão;

·         pouca intercessão entre saúde mental e rede básica de saúde, especialmente, a ESF;

·         número de profissionais insuficiente e com baixa remuneração;

·         ausência de supervisão clínico-institucional em vários serviços;

·         falta de capacitação de profissionais tanto dos serviços substitutivos quanto da rede básica de saúde;

·         pouca autonomia dos serviços devido à falta de recursos financeiros;

·         medicalização como projeto terapêutico central nos serviços.

Essas dificuldades e críticas não devem se constituir como barreira rumo à construção da Reforma Psiquiátrica e, sim, devem ser enfrentadas com tenacidade e de forma hábil. Entendemos que a reforma caminharia de maneira mais rápida se os gestores, os profissionais, os usuários e os familiares se envolvessem de forma mais efetiva nesse processo que é complexo e multidimensional.

Considerações Finais

Podemos afirmar que houve um avanço em relação à atenção em Saúde Mental na Paraíba, visto a quantidade de serviços substitutivos existentes e atuantes no estado, os quais cobrem grande parcela da população. Contudo, a maioria desses serviços apresenta dificuldades e limitações em seu funcionamento, principalmente, no tocante ao atendimento do usuário em crise, especialmente à noite  e nos finais de semana, uma vez que a maioria dos serviços   funciona de segunda a sexta-feira,  de 7:00 às 17:00 horas.

Nesse momento, é estratégico a criação de leitos de atenção em saúde mental nos hospitais gerais das cidades, para se atender a crise ou a criação de novos CAPS III, suficientes para atender a demanda, tendo-se o cuidado de não torná-los “mini-manicômios”, onde se isola o usuário porque encontra-se em crise.

Por fim, entendemos que a Reforma Psiquiátrica não se limita a implantação de novos serviços como o CAPS, Residências Terapêuticas etc., deve ser compreendida, sobretudo, como um processo complexo em construção, como um projeto político-ético-estético, objetivando a tessitura de um cuidado que se faz a partir de uma ampla aliança que inclui diversos atores sociais (profissionais de várias especialidades, usuários, familiares), distintas instituições e diferentes projetos. O futuro se coloca como um campo de possibilidades que nos incita e nos provoca a agir por meio de uma prática como invenção permanente, como produção de novas formas de abordagem e de engendramento de subjetividades.  Isso implica abrir-se ao diálogo, a múltiplos saberes e vozes, às incertezas e a ver positividade na experiência da loucura.

Agradecimentos

Ao Programa Cidadania, Práticas Educativas e Promoção da Saúde no Semiárido Paraibano (CIPEPS), realizado com o apoio do PROEXT - MEC/SESu.

 

Referências

1.       Foucault M. História da Loucura. São Paulo: Ed. Perspectiva, 1978.

2.       Castel RA. A ordem psiquiátrica: a idade de ouro do alienismo. 2.ed. Rio de Janeiro: Ed. Graal, 1978. p (372)

3.       Oliveira FB. Construindo saberes e práticas em saúde mental. João Pessoa: Ed. Universitária; 2002.

4.       Medeiros TA. Formação do modelo assistencial psiquiátrico no Brasil. [Dissertação]. Instituto de Psiquiatria: Universidade Federal do Rio de Janeiro;1977.

5.       Costa JF. História da Psiquiatria no Brasil: um corte ideológico. 4.ed. Rio de Janeiro:Ed. Xemon, 1989.

6.       Oliveira FB; Silva MFP. Caracterização dos Serviços Psiquiátricos de Modelo Tradicional da Paraíba. Rev. Baiana de Enf., Salvador [Internet]. 2005 [cited 2012 jul 10]; 20(1,2,3):43–51. Available from: http://www.portalseer.ufba.br/index.php/enfermagem/article/view/3889/2852

7.       Amarante P. Saúde mental e atenção psicossocial. 2. ed. Rio de Janeiro: Ed. Fiocruz, 2007.

8.       Yassui S. Rupturas e encontros: desafios da Reforma psiquiátrica brasileira. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2010.

9.       Oliveira FB; Fortunato ML. Reabilitação psicossocial na perspectiva da reforma psiquiátrica. Vivência, Ed. ufrn, nº 32, 2007, p. 155-161.

10.   Carvalho CML; Braga VAB; Galvão MTG. Aids e saúde mental: revisão bibliográfica. DST – J Bras Doenças Sex Transm, n.16, v.4, p.50-55, 2004.

11.   Coêlho Filho HÁ. Psiquiatria no país do açúcar. João Pessoa: Ed. Universitária/UFPB, 1983.

12.    Silva Filho EB.  História da Psiquiatria na Paraíba. João Pessoa: Ed. Santa Clara, 1998.

13.   Brasil. Ministério da Saúde. Coordenação Geral de Saúde Mental. Saúde Mental no SUS: Acesso ao Tratamento e Mudança no Modelo de Atenção. Brasília, 2007.

14.   Paraíba. Leitos Psiquiátricos existentes no Estado. Paraíba, 2012.

15.   Rotelli F. O inventário das subtrações. In: Nicásio F. (org.). Desinstitucionalização. São Paulo: Ed. Hucitec; 1990, p. 61-64.

16.   Oliveira FB; et al. Reforma Psiquiátrica: Saúde Mental no contexto  da Saúde da Família. In: OLIVEIRA, FB; LIMA JÚNIOR JF; MOREIRA MRC. Resgatando saberes e ressignificando práticas: interfaces no campo da Saúde Coletiva.  Campina Grande: Ed. ufcg, 2012. p. 75-89.

17.   Damásio VF; Melo VC; Esteves KB. Nurse’s attributions in the mental health services into context from the psychiatric reform. Rev enferm UFPE on line [Internet]. 2008 [cited 2012 julho 30];2(4):425-33. Available from: http://xa.yimg.com/kq/groups/24034253/336113697/name/ATRIBUI%C3%87%C3%95ES+DO+ENFERMEIRO+NOS+SERV..

18.   Lei nº 7.714, de 28/12/2004. Estabelece normas e critérios para a acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida e dá outras providências. [cited 2012 jul 26]. Available from: http://www.alpb1.pb.gov.br/al_pb/download/legislacao_estadual_sobre_portadores_de_necessidades%20especiais.pdf

19.   Paraíba. Total de serviços substitutivo e Programa de volta para casa. Paraíba, 2012.

 


TOP