Janeiro de 2013 - Vol.18 - Nº 1 Editor: Walmor J. Piccinini - Fundador: Giovanni Torello |
Janeiro de 2013 - Vol.18 - Nº 1 Artigo do mês
ANTIDEPRESSIVOS NA GASTROENTEROLOGIA - Parte 2
Carlos Alberto Crespo de Souza 1.
Introdução. Em artigo anterior, publicado na POLB de dezembro/2012 –
correspondente a Parte 1 – foi abordado o tema inicial dos antidepressivos na
gastroenterologia. Nessa edição foi feita uma descrição geral do assunto,
salientando o objetivo de estudar as síndromes gastroenterológicas funcionais,
o emprego de antidepressivos no tratamento desses casos, suas correlações com
os medicamentos usualmente utilizados na gastro para essas disfunções e os
paraefeitos causados por eles sobre o aparelho digestivo. Dentro dos objetivos, foi registrado que também seriam
estudados os transtornos gastrointestinais não funcionais (retocolites
ulcerativas, Doença de Crohn), o emprego de antidepressivos conjuntamente com
medicamentos utilizados no tratamento da hepatite C, antidepressivos e
sangramento digestivo alto quando empregados com anti-inflamatórios não
esteroides, na vigência de patologia hepática, interações medicamentosas e
predição de descontinuação desses fármacos nos transtornos gastroenterológicos.
Iniciando a temática, nesse artigo, Parte 1, foi estudada
a Dispepsia Funcional, uma síndrome que acomete com maior frequência os homens
do que as mulheres e possui uma prevalência estimada de mais de 25% da
população adulta nos países ocidentais. Dando sequência, o presente artigo
considerará outras síndromes gastroenterológicas funcionais mais prevalentes,
como a síndrome do intestino irritável, diarreia funcional, transtornos da vesícula
biliar e do esfíncter de Oddi, refluxo gastroesofágico, síndrome do vômito
cíclico e da flatulência. 2. Síndrome do Intestino
irritável (SII). A síndrome
do intestino irritável (SII) constitui-se numa outra frequente manifestação
sintomática onde a prevalência de transtornos psicológicos é elevada. Os
pacientes com essa síndrome tendem a possuir fortes sintomas psicológicos que
incluem ansiedade, tensão, depressão, irritabilidade e insônia. Especialmente,
a prevalência de depressão é alta e pode afetar o curso da síndrome. 1,2,3 Segundo Hillilä e cols., pacientes com depressão têm a síndrome
bastante mais comum do que entre pacientes não depressivos e que a comorbidade
entre a depressão e sintomas gastroenterológicos recebeu poucos estudos a seu
respeito. A isso considerando, realizaram uma pesquisa junto a 5.000 indivíduos
tendo por base investigatória a versão final do inventário para a depressão de
Beck e questões albergando os sintomas gastroenterológicos de acordo com os
critérios de Roma II. 4 Em seus
resultados verificaram que os sintomas depressivos são prevalentes na população
em geral e que estão associados com altos índices de sintomas
gastroenterológicos, elevada procura por serviços de saúde e absenteísmo ao
trabalho em razão das queixas abdominais. Ibid Segundo
Damião e Moraes-Filho cerca de 50% dos pacientes que procuram atendimento
gastroenterológico sofrem de problemas funcionais, ou seja, não apresentam
lesão orgânica no aparelho digestivo demonstrável pelos métodos propedêuticos
atuais. Entre as doenças funcionais, a síndrome do intestino irritável é a mais
frequente. Trata-se de uma alteração da motilidade do tubo digestivo
caracterizada clinicamente por anormalidades do hábito intestinal (constipação
e/ou diarreia) e dor abdominal, na ausência de patologia orgânica demonstrável.
5 Alguns
autores, como Sato 1 entendem que seu diagnóstico é feito pela
exclusão de possíveis causas orgânicas, entretanto, há autores, como Mathew e Bhatia, que não mais
aceitam tal concepção. Eles baseiam seu entendimento no fato de que a causa
exata da síndrome não é conhecida e que múltiplos fatores podem ser
responsáveis pela sua fisiopatologia, tais como genéticos, motilidade
intestinal, hipersensibilidade visceral, psicológicos e imunológicos. 6 Anteriormente,
Whitehead e Crowell
registraram que estudos estavam a demonstrar que pessoas numa comunidade
possuidoras de SII e que não consultavam clínicos não tinham maiores sintomas
psicológicos do que aquelas sem a síndrome. De acordo com esses autores, esta
descoberta indicaria que sintomas psicológicos não causam sintomas intestinais,
mas, entretanto, influenciam sobremaneira que consultem um médico. Pelos dados
colhidos, os autores afirmaram que os sintomas intestinais e psicológicos, que
coexistem na maioria dos pacientes com SII, podem ser compreendidos como uma
condição comórbida: “Nenhuma causa a
outra, mas ambas podem ser suficientemente
sérias para justificar tratamento. 3
O cólon,
por ser de fácil acesso, tem sido o mais estudado na investigação da síndrome.
Na eletromanometria basal, de acordo com Damião e Moraes-Filho, os pacientes
com SII e dor abdominal predominantemente apresentam hiperatividade colônica,
enquanto que os com diarreia, hipoatividade. 5 Ainda
segundo esses autores, a hipermotilidade pode ser observada na radiografia
contrastada dos cólons (principalmente descendente e sigmoide) na qual aparecem
várias contrações segmentares. Além disso, a hipermotilidade colônica em
pacientes com SII pode ser desencadeada por situações conflitantes, de tensão e
ansiedade, após alimentação (geralmente Os mesmos
autores registraram, em seu artigo sobre o tema, que estudos com tomografia
computadorizada cerebral com emissão de pósitrons (PET) são capazes de mostrar
as disfunções do sistema nervoso central descritas na SII. Em indivíduos
normais, a distensão retal aumentou o fluxo sanguíneo no córtex cingulato
anterior, enquanto nos com SII houve aumento do fluxo sanguíneo somente na
região pré-frontal cortical. Ibid
Damião e
Moraes-Filho acrescentam ainda que se admita atualmente a existência de uma
susceptibilidade maior, congênita ou adquirida, para desenvolver alterações
motoras frente a vários estímulos fisiológicos e/ou emocionais (hiperalgesia
visceral). 5 As pessoas com a síndrome teriam um limiar menor para
dor proveniente da distensão abdominal, ou seja, menores volumes de gases ou
fezes dentro do intestino são capazes de gerar uma sensação, interpretada pelos
pacientes como dor, diferentemente de pessoas sem a síndrome que não seriam
perturbadas por estímulos semelhantes. O
diagnóstico da síndrome obedece aos seguintes critérios: 1.
Presença em pelo menos 12 semanas (não necessariamente
consecutivas), durante os últimos 12 meses, de desconforto ou dor abdominal com
duas de três características: a)
Alívio
com a defecação. b)
Início
associado à alteração na frequência das evacuações (mais de três vezes/dia ou
menos de três vezes/semana). c)
Início
associado à alteração na forma (aparência) das fezes (endurecidas,
fragmentadas, em “cíbalos” ou “caprinas” e fezes pastosas e/ou líquidas). 2.
Vários sinais e sintomas foram apontados como elementos de
reforço ao diagnóstico: a.
Esforço
excessivo durante a evacuação; b.
Urgência
para defecar; c.
Sensação
de evacuação incompleta; d.
Eliminação
de muco durante a evacuação; e.
Sensação
de plenitude ou distensão abdominal. Os
pacientes com predomínio de diarreia apresentam mais de três evacuações/dia,
fezes líquidas e/ou pastosas e necessidade urgente de defecar. Já os com
predomínio de obstipação (ou constipação) evacuam menos de três vezes/semana,
as fezes são duras e fragmentadas (em “cíbalos” ou “caprinas”) e realizam
esforço excessivo para evacuar (evacuações laboriosas). 3 No
entendimento de Damião e Moraes-Filho, embora a terminologia (SII) sugira
alterações limitadas aos intestinos, todo o trato digestivo pode ser afetado do
ponto de vista motor. Mínimas distensões intestinais geram sintomas dispépticos
nesses pacientes, com eructações e flatulência frequentes e abundantes.
Sintomas de queimação epigástrica e/ou retroesternal, náuseas e vômitos são
relatados por 50% deles. Além
disso, os autores chamam a atenção que “não
é raro encontrar pacientes com história de cirurgias prévias (p.ex.,
apendicectomia, colecistectomia, histerectomia, etc.)”, muitos deles
diagnosticados equivocadamente, com persistência dos sintomas SII depois das
cirurgias realizadas. Ibid Vale
lembrar que os padecentes da síndrome, em sua maioria, não têm comprometimento
do estado geral, perda de peso, anemia, leucocitose e as provas de atividade
inflamatórias (VHS, Alfa-1-glicoproteína ácida, proteína-C-reativa, etc.) são
normais. Tratamento De igual
maneira como assinalado no tratamento das DFs, os
medicamentos destinados à melhora dos sintomas depressivos e de ansiedade não
são uniformemente úteis para as queixas psiquiátricas nos transtornos da
síndrome do intestino irritável (SII) uma vez que não possuem a mesma
significância. 7 As
questões sobre o benefício do placebo nessa condição também estão presentes. Kaptchuk e cols., ao afirmarem que o efeito placebo é
particularmente forte em pessoas com algumas doenças psiquiátricas ou com
condições médicas afetadas por angústia emocional (por exemplo, cefaleia,
síndrome do cólon irritável) e que pouca pesquisa sistemática nessa área tem
sido realizada, examinaram três supostos componentes do efeito placebo em 262
portadores da SII previamente diagnosticados pelos critérios Roma II. 8 Os
padecentes foram divididos em três grupos, todos com intervenção de placebo e
tendo como diferencial uma gradação de menor a maior interação humana. Em seus
resultados encontraram que os sintomas exibiram melhorias progressivamente maiores,
os percentuais variando segundo e diretamente relacionados aos grupos de
pacientes que experimentaram interação humana aumentada. Ibid O ensaio
evidenciou que o placebo obteve resultados positivos na maior parte das pessoas
incluídas nos diferentes grupos, porém salientando que a interação humana é
fator contributivo significante. O estudo destaca os aspectos terapêuticos
importantes do relacionamento humano como contribuintes para os efeitos
benéficos dos tratamentos. A dúvida
que paira é se o mesmo fenômeno também ocorre quando medicamentos
antidepressivos são utilizados nessas condições, ou seja, eles teriam sucesso
terapêutico não per se, mas por
influências da relação médico-paciente? Para
Damião, um bom relacionamento médico-paciente é fundamental para o êxito do
tratamento. É importante, em sua opinião, que o diagnóstico seja explicado,
tanto o caráter funcional e recorrente da doença quanto a sua não evolução para
o câncer. O ponto central da abordagem psicológica é fazer com que o paciente
reconheça sua disfunção, os fatores que a desencadeiam e aprenda a lidar com
eles. 5 Dentre as
medidas terapêuticas recomenda uma adequada avaliação de cada caso, com emprego
de dieta rica em fibras especialmente para aqueles com obstipação, evitação de
determinados alimentos e bebidas naqueles que possuem intolerância,
antidiarreicos, antiespasmódicos e procinéticos. Ibid Para Mathew e Bathia três são os
aspectos que merecem ser tratados na SII: a constipação, a diarreia e a dor
abdominal. 6 Quanto aos
antidepressivos, Damião indica a prescrição de amitriptilina – 25 mg, v.o., de
6/6 horas ou Como a
prevalência de depressão e ansiedade são altas entre os padecentes da SII, vários
autores mencionam que os antidepressivos de um modo geral são eficazes quando
empregados nessa coexistência. 1,4,9,10,11,12 Alguns
autores, como Whitehead e Crowell,
dão preferência aos antidepressivos tricíclicos no tratamento dos sintomas de
ansiedade e depressão, indicando-os como de primeira escolha na SII, à exceção
nos casos de constipação. 3 Abdul-Baki e cols., num estudo
randomizado e duplo cego, avaliaram o emprego da imipramina e placebo em
pacientes com SII. Em seus resultados concluíram que esse fármaco tricíclico se
mostrou mais eficaz do que o placebo, que o tratamento deve ser iniciado com
doses baixas, com aumento gradual e monitoramento dos efeitos adversos, o que
pode resultar numa melhor resposta terapêutica. 13 Levy e
cols., tomando por base os entendimentos registrados no livro Roma III,
enfatizam que os aspectos psicológicos foram reconhecidos como altamente
significativos na determinação das síndromes funcionais gastrointestinais. Ao
mesmo tempo, as variáveis psicossociais são determinantes na recuperação do
bem-estar geral, qualidade de vida e procura por cuidados de saúde. Dentro
desse contexto, há evidências irrefutáveis de que os tratamentos psicológicos e
de medicamentos antidepressivos são proeminentes na redução dos sintomas e
outras consequências das síndromes gastrointestinais, tanto em crianças quanto
em adultos. 11 Esses
autores, refletindo sobre a importância do entendimento da complexidade
envolvida nessas circunstâncias, advogam ser necessário melhor compreender as
influências dos aspectos psicológicos nas SII, de maneira que os tratamentos
possam realmente trazer benefícios aos seus padecentes. Para tanto, preconizam
que os clínicos sejam mais bem treinados de modo que as medidas terapêuticas
possam ser efetivamente usadas e amplamente empregadas na prática clínica. Ibid
3. Diarreia funcional
(DF). A diarreia
funcional é um dos transtornos gastroenterológicos funcionais que é
caracterizada por diarreia recorrente inexplicável por anormalidades
estruturais ou bioquímicas. De acordo com Dellon e Ringel, é necessário distingui-la da diarreia encontrada na
síndrome do intestino irritável (SII), na qual a dor é o critério diagnóstico
primário. 14 Naturalmente
que isso não é fácil, porém, no entendimento desses autores, afastadas todas as
possibilidades de alguma causalidade orgânica ou relativa à SII, o clínico e o
padecente devem tentar inicialmente identificar, eliminar e/ou tratar fatores
agravantes. Estes podem incluir fatores fisiológicos (p.ex., pequeno
crescimento bacteriano intestinal), fatores psicológicos (p.ex., estresse e
ansiedade) e fatores dietéticos (p.ex., má absorção de carboidratos). Avaliados
todos esses fatores, o tratamento poderá ser instituído. Ibid Tratamento Em razão
da pobre compreensão das bases patofisiológicas da DF, o tratamento primário
está dirigido aos sintomas do padecente numa presunção de alterar a fisiologia
existente. Dellon e Ringel
enfatizam que o tratamento deve ser dirigido de uma forma individualizada e que
dietas e fármacos façam parte de uma terapêutica abrangente na qual a educação
e a confiança constituam seu fundamento. Em geral, os autores recomendam
remover dietas precipitantes e instituir o aumento da ingesta de fibras. Logo a
seguir, como primeira linha de farmacoterapia, acrescentam agentes
anticolinérgicos, antiespasmódicos, antimotílicos e antidiarreicos. Caso o
padecente não responda a eles, e aqueles que possuem um significativo grau de
disfunção psicológica, são recomendados a prescrição de agentes centrais,
incluindo os antidepressivos e/ou benzodiazepínicos. 14 Entre os
antidepressivos, os tricíclicos podem ser experimentados como a primeira linha
de tratamento. Eles têm se mostrado superiores ao placebo no manejo das dores
abdominais e nas diarreias por seus efeitos anticolinérgicos. Os autores
chamam a atenção para que na vigência do tratamento qualquer sinal ou sintoma
que sugira a possibilidade de algum comprometimento orgânico uma reavaliação do
quadro clínico está indicada. 4. Transtornos
funcionais da vesícula biliar e do esfíncter de Oddi. Os
transtornos biliares funcionais podem ser definidos como não possuindo um
substrato orgânico definido, e duas síndromes principais são identificadas:
disfunção ou discinesia da vesícula biliar e disfunção do esfíncter de Oddi. 15,16 O
transtorno funcional da vesícula biliar constitui-se numa alteração da
motilidade causada inicialmente tanto por anormalidades metabólicas como por
alterações primárias. Os transtornos funcionais do esfíncter de Oddi abarcam
anormalidades motoras igualmente dos esfíncteres da vesícula e do pâncreas. 17 Segundo
Behar e cols., ambas as disfunções produzem padrões similares de dor. A dor
causada por uma disfunção no esfíncter de Oddi pancreático pode ser similar
àquela que ocorre na pancreatite aguda. Ibid Os
critérios sintomáticos fundamentais para o diagnóstico das disfunções da
motilidade da vesícula biliar e do esfíncter de Oddi são episódios de dor constante,
moderada ou intensa, localizada no epigástrio e no quadrante abdominal superior
direito com duração ao menos de 30 minutos. O transtorno de motilidade da
vesícula biliar é suspeito depois de que pedras vesiculares e anormalidades
estruturais foram excluídas. Ibid A dor
originada nas vias biliares aparece quando há distensão dos canais biliares ou
da vesícula. O impacto de um cálculo no canal cístico ou no colédoco, que
impede o fluxo da bílis, é a causa mais frequente de distensão e consequente
dor. Em geral a dor é localizada no quadrante abdominal superior direito e pode
irradiar para o ombro direito. É
importante assinalar que a cólica biliar pode ser confundida com a dor causada
pela úlcera do estômago ou duodeno, pela angina de peito, esofagite ou
pancreatite, sendo comum que possa ser confundida com dores na dispepsia
funcional, na síndrome do intestino irritável e nas disfunções da própria
vesícula e do esfíncter de Oddi. Segundo
Carvalheira, é comum atribuir à cólica biliar sintomas dispépticos originados
no estômago: enfartamento, desconforto epigástrico, eructações e até sintomas
da doença do refluxo gastroesofágico: azia e regurgitação. 18 Dentro do
contexto de dor torácica, cabe lembrar, segundo Dutra, que seu diagnóstico
diferencial é muito difícil, capaz de confundir, com frequência, os médicos.
Assinala que além das patologias cardíacas, a dor torácica pode surgir em
decorrência de pneumonias (elas comprometem não somente o pulmão, mas também a
pleura, com dor intensa), embolia pulmonar (situação de alto risco), esofagites
(a pessoa regurgita e sente dor exatamente atrás do osso do peito, parecendo
uma angina), doenças do estômago, como as úlceras gástricas que podem gerar uma
dor referida que se reflete no tórax, problemas de coluna e traumatismos. 19 Depoimento
desse cardiologista, do Instituto de Cardiologia do RGS, evidencia que em
função dessas dificuldades diagnósticas foi criado a “I Diretriz de Dor
Torácica na Sala de Emergência”, um balizamento de conduta de maneira que os
médicos nesses locais de atendimento pudessem realizar a diferenciação entre as
causas da dor torácica rapidamente. Alguns
dados clínicos internacionais, fornecidos por Dutra, reforçaram a necessidade
dessas diretrizes e sua importância: “É
estimado que em torno de seis milhões de pacientes/ano procuram atendimento de
emergência em hospitais nos EUA por quadros de dor torácica aguda. Embora cerca
de 50% destes sejam internados em unidades coronarianas para definição
diagnóstica, somente 10% a 15% deles efetivamente têm infarto agudo do
miocárdio. Dentre estes últimos, 2% a 8% são liberados inadequadamente do
hospital, acarretando sérios problemas médico-legais”. Ibid De acordo
com o consenso no encontro Roma III, os transtornos biliares funcionais têm se
constituído num grupo desafiante ao diagnóstico e ao tratamento. Como foi dito
anteriormente, eles são menos prevalentes quando comparados aos outros
transtornos, entretanto há uma tendência de serem investigados com estudos
invasivos e de risco, tais como pancreatografia retrógrada endoscópica (ERCP)
ou manometria do esfíncter de Oddi, além de tratada com desnecessária esfincterotomia
endoscópica ou cirurgia. 20 O
diagnóstico de discinesia da vesícula biliar é feito se a fração de pedras
vesiculares ejetadas for menor do que Tratamento O consenso
Roma III recomendou avaliações mais restritivas nesses transtornos. Quando os
critérios diagnósticos forem preenchidos, avaliações com ultrassonografia endoscópica
e imagem de ressonância magnética do abdômen devem ser inicialmente realizadas,
seguidos por uma experimentação terapêutica com medicamentos, tais como
nifedipina ou antidepressivos. 20 Grande
parte dos autores já segue as recomendações do consenso Roma quanto ao uso de
métodos não invasivos para avaliar essas condições, mormente pelo risco de
graves complicações, resultados falso positivos e indicações de
colecistectomias realizadas sem necessidade. 15,16,17,22,23,24 Estudos
comprovam que pacientes com disfunções da vesícula biliar e do esfíncter de
Oddi que sofreram colecistectomias voltam a apresentar os mesmos sintomas
relacionados à motilidade previamente existentes antes das cirurgias efetuadas.
De acordo com Bennett e cols., esses
sintomas estiveram presentes antes do ato cirúrgico e se mantêm depois uma vez
estarem intimamente relacionados a fatores estressantes psicossociais. 25
Consequentemente, a cirurgia nesses casos foi indevida e as avaliações
diagnósticas não seguiram o consenso internacional hoje devidamente estabelecido.
5. Refluxo gastresofágico
como um transtorno funcional. A doença
do refluxo gastresofágico compreende uma família de transtornos reunidos por
uma patogenia comum: o excessivo refluxo do conteúdo gástrico. 26
Trata-se de uma condição crônica com 50-80% dos pacientes experimentando
recorrências dentro de um ano depois de completar o tratamento inicial 27
e um espectro de doenças que incluem doença de refluxo não erosiva, doença de
refluxo erosiva e esôfago de Barrett`s. 28
Segundo Kahrilas, a melhor maneira de definir o transtorno é
esofagite, porém agora é evidente que a terapia com inibidores da bomba de
prótons pode resolver a esofagite virtualmente em todos os casos. O mesmo,
entretanto, nas palavras desse autor, não pode ser dito nos sintomas da doença
de refluxo gastresofágico, os quais se movem além da fronteira de controle
sintomático. Resultados
negativos na endoscopia permitem afirmar que a doença de refluxo engloba um
grupo heterogêneo de pacientes, os quais podem ser classificados segundo esses
achados (negativos). Assim, de fato, três subgrupos de pacientes emergem nessa
classificação: 1) pessoas que em
essência possuem esofagite, mas estão tanto em remissão ou simplesmente não
preenchem os critérios de patologia endoscópica; 2) pessoas com hipersensibilidade aos estímulos esofágicos, e 3) pessoas com azedume funcional (“functional heartburn”), cujos sintomas não estão relacionados ao
refluxo. 26 Lapina e Borovkov,
tendo por objetivo avaliar a presença de condições ansiosas e depressivas em
pacientes com a doença de refluxo gastresofágico e associações entre eles e
quadros clínicos da doença, examinaram uma amostra de 91 pacientes com esse
transtorno. Em seus resultados concluíram que não há dúvidas de que distúrbios
ansiosos e depressivos concomitantes necessitam de correção psicoterápica e
medicamentosa. 29 Tratamento Comentando
sua revisão sobre o assunto, Kahrilas torna evidente
que em face da heterogeneidade do transtorno não é uma surpresa que a eficácia
de fármacos antissecretórios seja menos expressiva. Propõe, em razão dessa
evidência, novos caminhos na busca de drogas capazes de proteger a mucosa
esofágica da ação ácida, tanto através de ações do sistema nervoso central ou
periféricas com o objetivo de normalizar a hiperalgesia, agentes inibidores do
refluxo e serotonérgicos, como o tegaserode. 26 Sobre o
tegaserode, comercializado como ZelmacR do
laboratório Novartis, é necessário advertir que seu uso nos Estados Unidos foi
proibido pelo fato de apresentar riscos cardiocirculatórios graves notadamente
em pacientes já com algum comprometimento nessa área e, igualmente, capaz de
promovê-los. No Brasil segue em comercialização, porém, segundo decisão da
Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), adotada em abril de 2007, os
médicos prescritores desse fármaco receberam as seguintes recomendações: · Pacientes já em
tratamento com fatores de risco ou doença cardiovascular prévia ao uso do
medicamento devem suspender o seu uso e procurar seus médicos para substituição
de tratamento. · Mulheres sem fatores de
risco ou doença cardiovascular, abaixo de 55 anos, podem continuar o uso de ZelmacR se estiverem com boa resposta
terapêutica. · Não se recomenda o
início de novos tratamentos até que novas informações e análises sejam acessadas.
30 Dentre os
fármacos, na concomitância de evidências de sintomas ou manifestações de
ansiedade e/ou depressivas, Lapina e Borovkov indicaram compostos benzodiazepínicos para os distúrbios ansiosos
e, em algumas condições, o emprego de antidepressivos isolados ou combinados
com os primeiros. 29 Ainda
dentre os fármacos, Mokwinska e Chojnacki,
chamaram a novamente a atenção de que as drogas inibidoras da secreção ácida
(inibidores da bomba de prótons), embora utilizadas amplamente em longos
tratamentos, não se mostram satisfatórias em muitos pacientes. Por isto, outras
drogas foram usadas na tentativa de alcançar os objetivos, como os procinéticos
(metoclopramida, domperidona, cisaprid).
Entretanto, em razão de seus inúmeros efeitos adversos, essas drogas
tiveram seu emprego limitado. Por isso, num estudo realizado na Universidade
Médica de Lodz (Departamento de Gastroenterologia e
Doenças Internas), procuraram pesquisar o efeito do sulpiride nessa condição. 31
Em seus
resultados, verificaram que o sulpiride é capaz de reduzir a intensidade do
refluxo gastroesofágico e pode ser considerado como auxiliar em tratamento
combinado. Ibid 6. Síndrome do vômito
cíclico (SVC). A síndrome
do vômito cíclico foi descrita pela primeira vez na literatura inglesa em 1882
por Samuel Gee, o qual se reportou a uma série de
nove crianças com idades entre quatro e oito anos. Consequentemente foi entendida
como um transtorno pediátrico e, na ausência de dados físicos, laboratoriais ou
radiológicos, resultou em ser pouco considerada por médicos que praticavam a
medicina de adultos. 32 Bem mais
tarde houve o reconhecimento da existência da síndrome em adultos, notadamente
entre pessoas que tiveram seu início na infância e seguiram com os sintomas até
a meia idade. Ibid Um
artigo denominado “Recurrent
vomiting in adults: a syndrome?” e publicado no The Medical Journal of Austrália
em 1983, marca as dúvidas ainda existentes sobre sua ocorrência em adultos,
porém o autor identifica numa amostra de 17 homens e 14 mulheres, entre as
idades de 14 e 69 anos, sua ocorrência. 33 Neste artigo, Scobie
já traduzia evidências de ligação dessa síndrome com a enxaqueca, a qual
estaria associada com outros transtornos gastrointestinais, tais como síndrome
do intestino irritável e refluxo esofágico. Ibid A síndrome
do vômito cíclico em adultos é um transtorno caracterizado por episódios
recorrentes e estereotipados de intensas náuseas e vômitos separados por
períodos assintomáticos. 32,34,35 A síndrome em adultos possui
características similares às das crianças, porém a observação continuada de
pacientes adultos permitiu verificar que, com frequência, apresentam aspectos e
desafios de manejo atípicos em relação à pacientes pediátricos. Além
disso, a síndrome faz com que as pessoas dela padecentes repetidamente procurem
emergências médicas e sejam internadas em hospitais, com redução de sua
qualidade de vida. 36,37 A síndrome
possui quatro fases: 1) fase
interepisódica, durante a qual o paciente está relativamente livre de sintomas;
2) fase prodrômica, a qual inicia
quando o paciente percebe a proximidade de um episódio, tem náuseas de
intensidade variável, porém ainda é capaz de reter medicamentos orais; 3) fase emética, caracterizada por
intensas e persistentes náuseas, vômitos e outros sintomas; 4) fase de recuperação, a qual inicia com
o abrandamento das náuseas e encerra com a fome, tolerância oral à ingesta e
vigor habitual. Os episódios, tipicamente, são recorrentes Fleisher e cols., com o intuito
de investigar pacientes adultos com a síndrome e suas características,
examinaram, num estudo retrospectivo entre os anos de 1994 e 2003, pessoas que
tiveram o início da síndrome entre os 2 e 49 anos. O acompanhamento foi feito
através de questionários enviados por correspondência. Os
resultados apontaram que os episódios de vômitos cíclicos foram estereotípicos
em relação ao horário de início, sintomatologia e duração. Noventa e três % dos
pacientes reconheceram pródromos. A metade dos pacientes experienciou uma
constelação de sintomas consistindo em episódios de vômitos cíclicos, diátese
de enxaqueca, interepisódios de náuseas dispépticas e história de ataques de
pânico. Deterioração no curso da síndrome é indicada pela coalescência dos
episódios no tempo e que o prognóstico é favorável na maior parte dos pacientes.
Concluíram
seu estudo dizendo que a síndrome do vômito cíclico é um transtorno
incapacitante que afeta tanto adultos quanto crianças, e pelo fato de que sua
ocorrência em adultos seja pouco conhecida, os pacientes passam por protelação
ou diagnósticos errôneos e manejos inadequados, algumas vezes inapropriadamente
invasivos. 32 Em seu
estudo, Fleisher e cols. identificaram que os fatores
desencadeantes mais encontrados para a síndrome foram: entre as mulheres, o
período menstrual, estresse, excitamento prazeroso e fadiga; entre os homens,
estresse, excitamento prazeroso e infecções. Ibid Sobre os
sintomas prodrômicos, afirmaram ser importante seu reconhecimento, uma vez que
permitem abortar a fase emética (que podem incluir vômitos com frequência a
cada duas horas ou 20 vezes numa hora, com sangue ou bile, fortes dores
abdominais, febrícula, taquicardia com hipertensão arterial). No estudo
muito bem detalhado, os autores ainda enfatizaram que a síndrome é considerada
como uma manifestação de diátese da enxaqueca, uma vez que 57% dos pacientes
envolvidos na pesquisa tiveram cefaleia resultante de enxaqueca durante ou
entre os episódios, e que o critério diagnóstico de enxaqueca está relacionado
a uma ocorrência familiar, matri ou patrilinear. Ibid Sobre os
aspectos psiquiátricos envolvidos na síndrome verificaram que ansiedade
clinicamente significativa é comum entre crianças e que parece ser um fator
predisponente aos episódios de vômitos. Um percentual (17%) dos adultos
reportou ansiedade antecipatória como sendo um importante fator para o seu
desencadeamento, e que o receio por outro episódio pode precipitar um episódio
próximo, sendo que a gravidade de um episódio pode ser uma condição à ansiedade
antecipatória. Ibid Os
sintomas de ataques de pânico são surpreendentemente prevalentes em pacientes
adultos. Na amostra dos pacientes estudados por Fleisher
e cols. 68% sofreram quatro ou mais sintomas de pânico durante as fases
prodrômica e emética na maior parte de seus episódios de vômitos cíclicos. Ibid Histórias
de abusos físicos, emocionais ou sexuais durante a infância foram relatadas por
pacientes adultos e 70% foram diagnosticados previamente com características de
transtornos de ansiedade, depressivos e abuso de álcool ou drogas (não incluindo
o uso de maconha durante os episódios). Ibid De acordo
com Bullard e Page a síndrome do vômito cíclico ainda
é uma doença sob disfarce, pois há dificuldades em diagnosticá-la. 37
Embora seja mais bem reconhecida a partir da década de 90, ainda é pouco
identificada em serviços de atendimento médico de urgência. 36 O
diagnóstico é difícil em razão de que a síndrome não deixa vestígios que possam
ser encontrados através de exames diagnósticos correntemente empregados. A
falta de conhecimento sobre ela por parte de médicos e de profissionais de
saúde contribui à infelicidade das famílias quando enfrentam essa doença
crônica e disfarçada. 37 A questão
do diagnóstico, segundo Forbes, necessita de cuidadosa revisão e investigação
de suas manifestações iniciais de maneira a excluir anormalidades
potencialmente letais, tais como vólvulo intestinal, transtornos metabólicos e
lesões neurológicas. Além disso, o leque de anormalidades que pode estar
presente com aspectos consistentes da síndrome inclui obstrução intestinal,
anormalidades inflamatórias e de motilidade, doença pancreática, doenças
metabólicas, acidúrias orgânicas, defeitos na oxidação dos ácidos graxos,
porfiria aguda intermitente, doença renal, epilepsia, enxaqueca e transtornos
psiquiátricos. 38 Em razão
de seus efeitos incapacitantes, há uma preocupação entre os autores em
estabelecer critérios bem definidos sobre seu reconhecimento na busca de alívio
aos seus padecentes. Por exemplo, Pareek e cols.
enfatizam o consenso atual de que a síndrome é um transtorno distinto e que faz
parte de um espectro da enxaqueca (determinante de cefaleia e de alterações abdominais),
e quando os pacientes foram apropriadamente diagnosticados o tratamento é
bastante efetivo. 39 Sobre essa situação, Olden
e Chepyala enfatizam a necessidade de que centros
médicos que atendem um grande número de pacientes com essa doença desafiadora
compartilhem sua experiência de modo que estratégias terapêuticas mais
produtivas sejam oferecidas aos padecentes.
40 Ainda
sobre o diagnóstico dessa síndrome e uma possível diferenciação dela entre
crianças e adultos, Boles e cols., num estudo sobre polimorfismos de DNA 16519T
e 301OA, mostraram que em adultos a síndrome não está associada a esses
polimorfismos de DNA, sugerindo um grau de distinção genética e, por outro
lado, igualmente como acontece com as crianças, a síndrome do vômito cíclico
está associada com substancial carga de transtornos funcionais comórbidos. 41 De acordo
com a Sociedade Norte Americana de Gastroenterologia, Hepatologia e Nutrição
Pediátrica foram estabelecidos consensos sobre o diagnóstico e o manejo da
síndrome do vômito cíclico em estudo de revisão na literatura médica e opiniões
de especialistas. Os parâmetros revisados incluíram os critérios diagnósticos, avaliações
apropriadas, terapias profiláticas e terapia dos ataques agudos. 42 Nas
recomendações diagnósticas são sugeridas evitar testes de chumbo grosso (“shotgun”) e, em seu lugar, utilizar estratégias de alvo ou
objetivos que variam de acordo com a presença de quatro bandeiras vermelhas: 1) sinais abdominais (por exemplo,
vômitos com bile, sensibilidade), 2)
eventos precipitantes (por exemplo, jejum, refeição altamente proteica), 3) exame neurológico anormal (estado
mental alterado, papiledema e, 4) piora
progressiva e ou mudanças no padrão dos episódios de vômitos. Ibid Tratamento Fleisher e cols., ao mencionarem
que a concorrência de interepisódios de náuseas dispépticas, enxaqueca e pânico
em dois terços dos padecentes de SVC em sua pesquisa, sugerem que estes
fenômenos compartilham caminhos ou mecanismos relacionados intimamente com o
sistema nervoso central e autonômico. Por isto, advogam que o objetivo do
tratamento é ajudar o paciente a recuperar o sentimento de estar com o controle
da situação do que indefeso ou desarmado contra as ocorrências deletérias. 32
Preconizam
que o tratamento da SVC deva ser rápido e minimamente estressante. Afirmam que
a síndrome pode levar meses ou décadas para o restabelecimento. Por isto, o
paciente e seu médico necessitam aprender juntos a entender o que exacerba e
controla os sintomas. Dizem mais: “padecentes
da SVC precisam de um clínico que seja familiar com a síndrome, acessível,
responsivo, colaborativo, não julgador, cuidadoso e que tenha um manejo de abordagem
racional e organizado”. Ibid
Longa
espera em salas de emergência, encontro com cuidadores que não são
familiarizados com a síndrome, diagnósticos implausíveis, repetição de
procedimentos diagnósticos não gratificantes e interrupção de hidratação endovenosa
seguida por serem mandados para casa ainda doentes são experiências comuns que
reforçam os sentimentos dos padecentes de se sentirem fora do controle de uma
doença que não é compreendida e nem tratável. Ibid Segundo Fleisher e cols. não há ainda evidência de um tratamento específico
para a SVC. Embora princípios gerais de manejo sejam de ajuda, o tratamento
ótimo para cada paciente será sempre individualizado, o que serve para um não
serve para outro. Hejazi e cols. investigaram os
efeitos de tratamento prolongado com antidepressivos tricíclicos em pacientes
adultos com a síndrome num seguimento de dois anos. Concluíram seu estudo
afirmando que esses fármacos reduziram a frequência e duração dos episódios da
SVC, consultas hospitalares e hospitalizações, além de promover um bem-estar
clínico geral em seus usuários. 34 Em outro estudo mostraram que em
torno de 13% dos pacientes não responderam positivamente ao emprego dos
tricíclicos mesmo em doses mais elevadas, possivelmente em razão da coexistência
de enxaqueca, transtornos psiquiátricos e uso de substâncias psicoativas
(marijuana e narcóticos). 35 Estudos de
caso de crianças com a síndrome foram publicados e mostraram, igualmente, que o
antidepressivo tricíclico amitriptilina obteve bons resultados. 43 O
tratamento deverá ser aplicado de acordo com a fase em que o padecente se
encontra no momento da consulta. Os objetivos terapêuticos durante a fase
interepisódica incluem profilaxia da enxaqueca, p.ex., amitriptilina,
propranolol, ciproheptadina, caso haja suspeita de uma diátese da enxaqueca.
Condições que predispõem ou precipitam os episódios necessitam ser
identificados e tratados (p.ex., ansiedade, infecções crônicas, síndrome
pré-menstrual). O objetivo
terapêutico durante a fase prodrômica é abortar o início dos vômitos. Para
isto, discernir os sintomas constituintes da síndrome e tentar aliviá-los o
mais rápido possível antes que os vômitos comecem. Por exemplo, ondansetrona,
lorazepam ou alprazolam, ibuprofeno ou oxycodone devem ser tomados por seus
efeitos antinauseantes, ansiolíticos e analgésicos. Se os sintomas prodrômicos
diminuírem assim que o paciente descanse, e se a remissão perdure, a fase
emética pode ter sido abortada com sucesso. Os
objetivos terapêuticos na fase emética são a prevenção da desidratação,
insuficiência renal, depleção eletrolítica, tetania, hematêmese e secreção
inapropriada do hormônio antidiurético. No caso em que a fase emética não pôde
ser abortada, o tratamento deverá ser instituído preferencialmente dentro de
uma hora de seu início. A espera ou a observação da evolução sem agir
rapidamente pode ser entendida como iatrogênica. Ibid Na opinião
desses autores, os dados de seguimento quanto ao prognóstico para a SVC são
geralmente favoráveis. Pensam que a gravidade e duração da síndrome são
influenciadas pela tratabilidade das comorbidades que predispõem os episódios.
Mesmo assim, sugerem que estudos mais aprofundados devem ser realizados de
maneira a clarear sua fisiopatologia. Ibid Bu e cols., embasados nas
recomendações oficiais da Sociedade Norte Americana de Gastroenterologia,
Hepatologia e Nutrição Pediátrica, evidenciam que a terapêutica nas SVC incluem
mudanças no estilo de vida, terapia profilática (p.ex., cyproheptadine em
crianças até cinco anos ou menos e amitriptilina para aqueles com mais de cinco
anos), e terapia aguda (p.ex., agonistas dos receptores 5-hydroxytryptamine,
períodos de triptanos, terapias abortivas e hidratação com dextrose ou ondansetrona
para aqueles que requerem hidratação intravenosa). 42 7. Síndrome da flatulência
(SF). Flatulência
é o sintoma ou um conjunto de sintomas que guardam relação com gases no trato
digestivo. A síndrome da flatulência raras vezes se apresenta sozinha, estando
na maioria dos casos associada com dispepsia, síndrome do intestino irritável
ou a ambos. 44 Eructações
gasosas, distensão abdominal e flatulência são queixas comuns de acordo com
Rao. Segundo este autor, esses sintomas podem ser precursores do início de uma
importante e tratável doença gastrointestinal ou representarem um transtorno
intestinal funcional. O desafio clínico é poder identificar sua causa assim
como excluir doenças gastrointestinais graves e prover alívio sintomático. 45 Para Pregun e Tulassay a distensão
abdominal é uma das síndromes mais comuns entre pacientes com diferentes
transtornos gastrointestinais, e a maior parte deles, usualmente, atribui suas
queixas ao aumento do volume de gases intestinais. 46 Shim e
cols. apontam que o inchaço ou distensão abdominal são comuns em pacientes com
constipação, e que a demora na expulsão dos gases intestinais são preditores de
distensão abdominal nesses pacientes. 47 Agrawal
e Whorwell compartilham que a distensão abdominal é
mais frequente em pacientes com constipação do que com diarreia, e entendem ser
improvável que uma única causa determine o inchaço e a distensão, os quais
provavelmente possuem mecanismos patofisiológicos diferentes, porém sobrepostos.
48 Estudos
recentes, com infusão de gases em grupos distintos de pacientes e grupo
controle, mostraram que pacientes com distensão abdominal possuem competentes
acomodações colônicas e ileocecais, porém com prejuízo na liberação de gases provenientes
do cólon proximal depois da infusão retrograda, sendo que as consequências
dessa disfunção estão relacionadas aos hábitos intestinais. 49 Os
sintomas cardeais da SF, segundo León-Barúa e Berendson-Seminario, são: eructação excessiva, meteorismo e
expulsão de gases pela via retal. ·
Eructação
excessiva: é normal que depois da ingestão de ar ou gases junto com os
alimentos (especialmente com alimentos líquidos, alimentos batidos e bebidas
gasosas) haja eructação suave, por uma ou duas vezes, o que diminui a tensão ao
nível da câmara de ar do estômago. Porém, quando as eructações se repetem
continuamente, às vezes de forma ruidosa e, sobretudo muito além do momento da
ingestão dos alimentos, algo de anormalidade está a ocorrer. ·
Meteorismo:
esta manifestação da flatulência não é outra coisa que a sensação de distensão
abdominal relacionada com gases no trato digestivo. Segundo esta definição, não
é indispensável que haja distensão abdominal real, objetivável, bastando que
exista tão somente a sensação de distensão abdominal. ·
Expulsão
de excesso de gases por via retal: pessoas normais expulsam gases pelo reto em
quantidades que variam de ·
A
quantidade de gases contida no trato digestivo, num determinado momento, já foi
medida através do emprego de várias técnicas. Apesar das diferentes técnicas
empregadas, os volumes de gases encontrados no trato digestivo de sujeitos
normais foram muito similares e sempre ao redor de ·
Os
gases do trato digestivo provêm da ingestão de ar, difusão desde a circulação,
ação ou interação das secreções digestivas e fermentação intestinal. ·
Os
gases que chegam ao trato gastrointestinal ou que nele se produzem podem sair
ou serem eliminados mediante diversos mecanismos: expulsão na forma de arrotos,
difusão pela circulação, consumo por bactérias intestinais e expulsão por via
retal. 44 Tratamento Como a SF
em grande parte de sua ocorrência está intimamente relacionada com a síndrome
da dispepsia funcional e/ou com a síndrome do intestino irritável, o tratamento
irá obedecer aos mesmos critérios já descritos para essas duas síndromes. Naturalmente,
a orientação terapêutica observará a qual dessas duas síndromes ela está
ocorrendo de forma conjugada, indicando condutas e medicamentos anteriormente
descritos para cada uma delas ou em conjunto caso fizer parte de ambas as
síndromes ao mesmo tempo. 8. Conclusão. As
síndromes aqui descritas fazem parte de um grupo de transtornos
gastroenterológicos entendidos como funcionais, ou seja, sem um substrato orgânico
ou físico que possa ser identificado clinicamente ou por exames laboratoriais.
Juntamente com a síndrome da dispepsia – estudada na Parte 1 e publicada na
POLB em dezembro/2012 – constituem-se na mais frequente condição clínica
encontrada na prática médica. Na
sequência, o artigo seguinte abordará as doenças inflamatórias do intestino,
hepatite C e depressão, correlações ou interações entre os antidepressivos e
medicamentos utilizados usualmente na clínica gastroenterológica e preditores
de descontinuação prematura dos antidepressivos nos transtornos
funcionais. 9.
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sobre “Antidepressivos na
gastroenterologia”. O texto, em sua íntegra, poderá ser encontrado no livro
“O uso de antidepressivos na clínica
médica”. Porto Alegre: Sulina, 406 p., Coordenado por Crespo de Souza. Endereço para correspondência: [email protected]
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