Volume 22 - Novembro de 2017
Editor: Giovanni Torello

 

Abril de 2012 - Vol.17 - Nº 4

História da Psiquiatria

RELATÓRIOS DO HOSPÍCIO

Walmor J. Piccinini

    Muito se tem teorizado sobre a medicalização da loucura, do isolamento dos doentes mentais e sobre o funcionamento dos asilos, pejorativamente chamados de manicômios. Já publicamos o primeiro relatório do Dr. Carlos Lisboa que foi o primeiro médico a dirigir o Hospício São Pedro de Porto Alegre. Ele dirigiu o hospício no período de 1884 a 1888. Com sua morte prematura tivemos interinos nomeados pela Provedoria da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre. Com a proclamação da república, os republicanos rio-grandenses se apressaram em assumir o Hospício São Pedro e o médico indicado foi o Dr. Francisco Dias de Castro. O governador que assumiu com a proclamação da república foi José Antonio Correa da Câmara. Ele era militar bem como os que o sucederam até a eleição de Julio Prates de Castilhos (1860-1903) em 15 de julho de 1891. Castilhos era positivista e implantou uma constituição considerada autoritária e impregnada com as ideias de Augusto Compte. Um detalhe que auxilia na pesquisa histórica era a preocupação dos positivistas com relatórios e estatísticas. Dos relatórios que o diretor do Hospício São Pedro enviava a Secretaria do Interior colhemos este material.

   

Relatório do Dr. Francisco dias de Castro

 

Porto Alegre, 15 de junho de 1900.

 

Exmo. Senhor Doutor Secretário do Estado dos Negócios do Interior e Exterior

 

      O cumprimento do dever, imposto pelo preceito regulamentar, me obriga mais uma vez a levar ao vosso conhecimento os factos mais importantes acontecidos nos serviços médico e administrativo a cargo deste estabelecimento.

      Os quadros estatísticos relativos ao anno próximo findo e que encontram-se anexos a esta ligeira exposição, demonstram o augmento progressivo e real no número de enfermos que procuram os recursos do nosso hospício de alienados e confirma as previsões que emitti em meu relatório anterior em relação as difficuldades com que, por muito tempo, teremos de luctar, em prol da boa accomodação dos infelizes loucos.

      As entradas que em 1897 foram de 152 enfermos e em 1898 de 164, chegaram a 185 no anno findo, elevando a existência de doentes em 31 de dezembro desse anno, a 352.

     O nosso hospício, com em todos os estabelecimentos congêneres, o número de alienados augmenta sempre em consequência da admissão dos imbecis, cuja cifra se eleva de anno a anno, donde resulta que as admissões são sempre mais numerosas que as saídas e os óbitos reunidos.

      Essa desproporção foi notável no anno de 1899, no qual o menor número de entradas correspondeu uma diminuição de 15 óbitos na mortalidade em relação ao anno anterior, embora as saídas mostrem uma differença de 11 para mais.

      Sobre os doentes entrados em 1899, encontram-se 162 admittidos, por sua vez 7 tendo saído com alta provisória, 3 com alta a pedido, 5 por reincidência da moléstia mental, 6 fugidos e 2 tendo alta por não terem revelado perturbações de suas faculdades.

      No decorrer do anno, desses doentes, um teve alta a pedido no período de observação, 1 falleceu dentro desse mesmo período e 3 tiveram alta por não sofrerem das faculdades mentais.

Do ponto de vista pathologico os quadros foram os seguintes: alterações nevropathicas; (7 ligadas a epilepsia, 1 a hysteria e 1 a Choréa e 50 finalmente no grupo das loucuras orgânicas (12 débeis, 10 imbecis, 7 idiotas e 10 dementes).

      Dentre estes últimos encontramos também 11 affectados de paralysia geral, todos homens, dos quais só em três vimos aparecer a syphilis como factor etiológico, devendo porém ponderar-vos que no caso presente não podemos organizar uma estatística completamente fiel, pois as informações sobre os antecedentes desses enfermos não foram muito completas.

      Desses 180 doentes, apenas 11 apresentam probabilidade de cura completa.

      A loucura torna-se rapidamente incurável uma vez perdida a opportunidade para o emprego racional e methodico dos recursos de que psychiatria dispõe para o seu tratamento, e é bem conhecido o preconceito que infelizmente reina entre nós, como em toda parte, contra os hospitaes em geral e maximé contra os asylos de alienados.

      Nestes, mais do que nos hospitaes communs, impõe-se em benefício dos enfermos, para quem o isolamento é um dos melhores meios de cura, a sua separação prolongada dos entes que lhe são caros.

      O temor da mágua que esta medida provoca, e em alguns o receio da absurda censura que considera, como indício de despreendimento e desinteresse a internação dos allienados no hospício, leva aquelles que os tem a seu cargo, só apellar para aquele recurso, aliás o mais valioso, quando o estado mental dos infelizes os tornam de todo incompatíveis com a vida social e na maior parte dos casos quando a moléstia já não é mais acessível aos meios de tratamento.

    Como consequência do accumulo que se ressentia população deste hospício, encontrareis no quadro estatístico relativo ao movimento das enfermarias de moléstias communs 28 casos de escorbuto, figurando entre os doentes de moléstias infecciosas que occuparam os leitos dessas enfermarias, sendo que um delles teve terminação fatal, e causa agradável surpresa ver, apezar daquelle grave inconveniente, a porcentagem da mortalidade reduzida apenas a 11, 17, o que attesta os constantes desvelos dispensados pelo pessoal do nosso estabelecimento aos infelizes confiados a sua guarda.

      O exame desse quadro demonstra também que, como sempre predominaram em nossas enfermarias as moléstias do apparelho digestivo e as moléstias infecciosas, entre as quais figura apenas um caso de febre typhoide.

      As condições hygienicas do nosso hospício modificaram-se sensivelmente no correr do anno com a aquisição de mais um pavilhão que em 7 de março foi entregue ao serviço sanitário. – Nelle foram accomodados sessenta e dois alienados, permitindo aumentar as accomodações das mulheres com mais dezoito cellas e dois dormitórios, e estabelecer-se a separação completa dos epilépticos com ambas as divisões.

      Uma vez concluído o último pavilhão cujas obras estão bem adiantadas, disporemos de um serviço hidroterápico completo e de vastas enfermarias para os doentes affectados de moléstias somáticas, além de accomodações apropriadas para a cozinha, dispensa e dormitório do pessoal resultando dessa valiosa aquisição notáveis vantagens já para a boa distribuição dos enfermos, já para melhor regularidade do serviço econômico, que, desde a fundação deste hospício, tem sido sempre alojado em pavilhões provisórios e acanhados.

      O progressivo desenvolvimento que vão recebendo os serviços a cargo deste estabelecimento torna cada vez mais patente a necessidade de diversos melhoramentos, cuja execução vos tenho solicitado em meus relatórios anteriores, taes como um pavilhão para o isolamento dos doentes affectados de moléstias infecciosas e uma rede de esgotos para matérias fecaes e águas que me sinto dispensado de justificar a minha insistência,

      Chamo também vossa attenção para as considerações que emitti em meu relatório de 1897 sobre a urgente necessidade de dar execução ao preceito regulamentar que impõe o internato do director deste estabelecimento.

      Um hospício como o nosso, que no correr de um anno presta cuidados a perto de 500 alienados, deve ter o serviço sanitário confiado a três médicos, sendo um deles residente, e como todos os estabelecimentos congêneres precisa fornecer a esse funcionário uma casa com o conforto necessário para alojar sua família, condição indispensável para garantir a sua permanência e o exclusivo emprego de sua actividade profissional no serviço do hospital.

      O artigo 26 do nosso regulamento impõe ao médico director o dever de residir junto ao estabelecimento, em casa construída para esse fim, porque, sem obedecer a essa regra será impossível ao referido empregado, mesmo que elle prolongue por muitas horas a sua permanência no hospital, fiscalizando convenientemente os diversos serviços que estão ao seu cargo.

Além dos quadros estatísticos a que me referi no correr deste ligeiro trabalho, encontrareis annexos outros relativos ao serviço sanitário, com uma detalhada exposição do administrador do hospício, onde vereis demonstrada a notável economia obtida por esse zeloso funcionário no custeio deste estabelecimento no anno em que o movimento dos doentes atingiu uma cifra elevada.

                                                               Saúde e fraternidade.

 

                                                               O Diretor

                                                   Dr.Francisco de Paula Dias de Castro

 


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