Volume 22 - Novembro de 2017
Editor: Giovanni Torello

Agosto de 2012 - Vol.17 - Nº 8

Psiquiatria na Prática Médica

EFEITOS ORGÂNICOS DA COCAÍNA

Prof. Dra. Márcia Gonçalves*
*Coordenadora de Psiquiatria da Universidade de Taubaté
Pedro Ettori Britto**
**Acadêmico do 4º ano médico da Universidade de Taubaté


A cocaína (benzoilmetilecgonina ou éster do ácido benzóico) é um alcalóide usado como droga, derivada do arbusto Erythroxylum coca, com efeitos anestésicos  e cujo uso continuo, pode causar outros efeitos indesejados como dependência, hipertensão arterial e distúrbios psiquiátricos. Ela é normalmente encontrada em forma de pó branco ( inalatório), pedras (crack).

MECANISMO DE AÇÃO:

A dopamina atua preferencialmente nas vias meso-limbicas e meso-estriadas , que produzem prazer em resposta a acontecimentos positivos na vida do indivíduo, recompensando a aquisição de novos conhecimentos ou capacidades (aprendizagem), progresso nas relações sociais, relações emocionais e outros eventos. O aumento artificial da dopamina nas sinapses pela cocaína vai ativar anormalmente essas vias. 1

                A cocaína inibe a enzima MAO (monoamina oxidase), neuronal da recaptação e é estimulante da liberação de noradrenalina e dopamina. Ela é um bloqueador dos canais de sódio nos neurônios dos  nervos periféricos. O influxo de sódio desencadeia o potencial de ação  e sem esse influxo são incapazes de enviar os seus impulsos.

            A dopamina e a noradrenalina, secretados para a sinapse, e o seu consumo aumenta a concentração e duração desses neurotransmissores na fenda sináptica e nos receptores pós sinápticos. 2

A cocaína também é um eficaz  anestésico local  simpatomimético, tendo sido o primeiro do grupo a ser usado, e ainda em uso hoje em algumas cirurgias respiratórias. O mecanismo desta ação é totalmente diferente da ação psicotrópica.. Os nervos sensitivos são geralmente os primeiros a ser bloqueados.

Com isso aumentam as funções simpáticas ocorrendo  Cronotropismo e inotropismo ,  ou seja, aumento da força e velocidade de contração cardíacas, e da velocidade e clareza do pensamento, bem como  a destreza dos músculos e da tensão arterial . Ela também inibe a sensação de  da dor.

 Além disso ela aumenta no nível de consciência e vigilância com sintomas de euforia, excitação, com e impressão de que o tempo está parado. 3

O consumidor sente-se extremamente auto-confiante, poderoso,irresistível e capaz de vencer qualquer desafio, de uma forma que não corresponde à sua real situação ou habilidade. Com a regularização do consumo, as vias dopaminérgicas são modificadas e prevertidas ("highjacked") e a cocaína passa de facilitadora do sentimento de sucesso e confiança, para simples recompensa derivada diretamente de um distúrbio bioquímico cerebral criado pela própria droga.1

EFEITOS DA COCAÍNA:

Os seus efeitos imediatos duram de 30 a 40 minutos.

Ela leva danos cerebrais microscópicos significativos com cada dose. Com o passar do tempo os danos tornam-se irreversíveis.4

EFEITOS ORGÂNICOS: Podem ocorrer na primeira dose,  mas são mais prováveis com o uso continuado e em doses altas: São eles arritmias cardíacas (complicação possivelmente fatal),trombose  coronária com infarto do miocárdio (provoca 25% dos infartos totais em jovens de 18-45 anos), trombose cerebral com AVC, hemorragias cerebrais (devido à vasoconstricção simpática), necrose cerebral, insuficiência renal, insuficiência cardíaca e hipertermia com coagulação disseminada midríase (dilatação da pupila),taquicardia, aumento na frequência dos batimentos cardíacos (sensação do coração bater mais rápido e mais forte contra o peito), hipertensão arterial, vasoconstrição, urgência miccional , tremores,  hiperglicemia, sudorese e salivação intensa e com textura grossa, dentes anestesiados. 5

Depois de um tempo de uso ocorre  perda de memória, da capacidade de concentração, trauma pulmonar , perda da capacidade analítica falta de ar permanente, dores torácicas, destruição total do septo nasal (se inalada), perda de peso até níveis de desnutrição, cefaleias, síncopes, distúrbios dos nervos periféricos ("sensação do corpo ser percorrido por insetos") e até silicose (talco industrial para aumentar lucros na venda).5

DEPENDÊNCIA: Ocorrem múltiplas hemorragias cerebrais com morte extensa de neurônios e perda progressiva das funções intelectuais superiores após meses de uso.

DOSES: A dose de efeito varia de pessoa a pessoa e varia de acordo com a porcentagem de pureza da cocaína consumida. É muito difícil definir a dose considerada alta.  Para alguns organismos, com apenas 1g, ou um papelote, os efeitos abaixo descritos já começam a aparecer.

ALTAS DOSES: podem ocorrer  convulsões, alucinações, paranóia (geralmente reversível), taquicardia, mãos e pés adormecidos, depressão do centro neuronal respiratório, depressão vasomotora, depressão neuronal e até mesmo coma e morte em uma oversodes. As overdoses de cocaína são rapidamente fatais. Caracterizam-se por arritmias cardíacas, convulsões generalizadas e depressão respiratória com asfixia.4

TOLERÂNCIA: É de estabelecimento rápido. Para obter os mesmos efeitos, o consumidor tem de usar doses cada vez maiores. Provoca danos cerebrais extensos em um curtíssimo período de tempo de consumo.

ABSTINÊNCIA:  Após consumo durante apenas alguns dias podem ocorrer depressão (muitas vezes profunda), disforia (ansiedade e mal estar), deterioração das funções motoras, elevada perda da capacidade de aprendizagem, perda de comportamentos aprendidos. São comuns síndromes psiquiátricas como esquizofrenia e depressão profunda unipolar.6

A abstinência atinge mais a estrutura psicológica e tem ação poderosa sobre esta. Provoca mais dependência que a maconha (cannabis),álcool e tabaco.

TRATAMENTO DA INTOXICAÇÃO AGUDA:

A intoxicação é geralmente autolimitada e demanda apenas monitorização e atendimento de apoio. Entretanto, hipertensão, taquicardia, convulsões e delírio persecutório podem ocorrer na intoxicação por cocaína e exigir tratamento específico. A agitação psicomotora, hipertermia, agressividade e hostilidade (“excited delirium”), causado por um desbalanço dopaminérgico, deve gerar cuidados intensivos em ambiente hospitalar, já que há risco de morte. 7

Pacientes agitados podem ser tratados com benzodiazepínicos, antipsicóticos ou a associação de ambas a medicações. O uso dessas medicações por via intramuscular (IM) ou IV está indicado nos casos em que o paciente não aceitar a via oral (VO), o que pode ocorrer quando o paciente apresenta agitação psicomotora intensa e heteroagressividade. 7

A presença de dor precordial pode estar associada a infarto agudo do miocárdio (IAM), justificando a avaliação por eletrocardiograma, hemograma completo, função renal e hepática, eletrólitos e creatinofosfoquinase (CK-MB). O uso de propranolol em pacientes com IAM e intoxicação aguda por cocaína é questionável, assim como o de antagonistas dopaminérgicos. Pacientes com dor precordial, angina instável ou IAM associados ao uso de cocaína devem ser tratados como casos gerais de síndrome coronária aguda (SCA).

Entre as complicações clínicas, pode ser observada a hipertermia, o aumento rápido e irregular do batimento cardíaco, a hemorragia cerebral, convulsões, insuficiência respiratória, AVC e insuficiência cardíaca. A exposição repetida pode levar o paciente a apresentar convulsões em padrões de consumo anteriormente considerados inofensivos. Esse risco, não parece estar relacionado à dose da substância, mas sim à hiperatividade muscular, aos efeitos diretos das substâncias sobre os sistemas serotoninérgico, dopaminérgico e adrenérgico,  e suscetibilidade individual.7

     Bibliografia – Com o autor

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