Volume 22 - Novembro de 2017
Editor: Giovanni Torello

Julho de 2012 - Vol.17 - Nº 7

Psiquiatria na Prática Médica

ASPECTOS PSIQUIÁTRICOS DOS ERROS INATOS DO METABOLISMO

Prof. Dra. Márcia Gonçalves


Sintomas psiquiátricos podem ocorrer no contexto de doenças metabólicas.1

As doenças genéticas surgiram no século XX como causas de morbidade e mortalidade.

Podem ser classificadas em vários grupos importantes:2

  •  1. Distúrbios monogênicos -  causados por alterações em genes isolados. Exemplos: fibrose cística, hemofilia, anemia falciforme;
  • 2. Distúrbios cromossômicos -  resultantes de  anormalidades no número ou estrutura de um ou mais cromossomos. Ex: síndrome de Turner , Síndrome de Down
  • 3. Distúrbios mitocondriais -  doenças raras, resultantes de  alterações no DNA mitocondrial ou nuclear.
  • 4. Distúrbios multifatoriais,  resultantes da combinação de múltiplas causas genéticas e ambientais. Ex. fenda labial e/ou palatina;

Para algumas doenças genéticas específicas, já há tratamento disponível e outros ainda estão em estudo, como é o caso de alguns Erros Inatos do Metabolismo. 2

SINAIS SUSPEITOS:

história familiar positiva; consangüinidade; involução do DNPM; hipoglicemia, hiperglicemia; acidose metabólica; discrasias sangüíneas ; hepatomegalia e/ou esplenomegalia; letargia, coma; convulsões, ataxia, hipo ou hipertonia;estado neurológico flutuante; anormalidades oculares; odor  anormal - urina, suor.1

                          ERROS INATOS DO METABOLISMO.

Os EIM compreendem mais de 700 distúrbios, a maioria deles relacionados à síntese, degradação,   transporte e armazenamento de moléculas no organismo.

Os erros inatos do metabolismo (EIM) causam as doenças metabólicas hereditárias (DMH) que resultam da falta de atividade de uma ou mais enzimas específicas ou defeitos no transporte de proteínas. 3

A recente utilização da espectrometria de massas nos testes de triagem neonatal tem tornado possível o diagnóstico pré-sintomático de muitos Erros Inatos do Metabolismo (EIM), diminuindo assim a ocorrência de dano neurológico ao paciente, que muitas vezes está associada ao tempo e ao período de exposição ao metabólito tóxico.3

                                                    SINTOMAS

Atraso progressivo o DNPM;  distúrbio do comportamento;  retardo de crescimento;  hipotonia, hipertonia; macrocefalia, microcefalia;  epilepsia de difícil controle; alterações oculares; manifestações clínicas de intoxicação crônica em todas faixas de idade.1

                                  

 

                                            DIAGNÓSTICO – PASSOS.

1º passo - Estudo individual do paciente

2º passo - Determinação de substâncias

3º passo - Específicas excretadas na urina

4º passo - Medida da atividade enzimática

5º passo  - Biologia molecular 4

 

                                TRIAGEM E INVESTIGAÇÃO

               Abaixo um algoritmo da triagem e Investigação dos DMH.

A intervenção adequada e imediata após o diagnóstico determina o prognóstico desses pacientes.

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                                                     INCIDÊNCIA

A incidência cumulativa é em torno de  1:1000 recém-nascidos vivos. A incidência e a frequência de doenças individuais variam baseadas na composição racial e étnica da população e nos níveis de investigação dos programas de triagem neonatal disponíveis.6   

São transmitidos, em sua maioria, de forma autossômica recessiva.  As alterações ocorrem ao nível molecular, causando ausência de síntese de uma enzima, síntese de enzima com atividade deficiente, que pode ser de diversos graus, ou ainda a destruição exagerada de uma enzima normalmente sintetizada levando ao bloqueio de diversas vias metabólicas. 7

Esse bloqueio, além de induzir o acúmulo de substâncias tóxicas e/ou falta de substâncias essenciais, pode gerar problemas no desenvolvimento físico e mental dos pacientes.

Antes do nascimento, o feto, protegido pela função da placenta materna, tanto para o fornecimento de nutrientes quanto para a filtragem de metabólitos tóxicos.

O diagnóstico definitivo de um EIM depende principalmente da suspeita clínica.2 Formas leves, moderadas ou graves de uma mesma doença caracterizam a grande variabilidade clínica dos EIM. No início, os sinais e sintomas das doenças podem ser sutis e dependendo do grau de deficiência metabólica vão se tornando cada vez mais aparentes e difíceis de tratar.4

São observadas  em qualquer faixa etária, desde a vida fetal até a idade adulta, sendo mais frequente  entre  o período neonatal e os 10 anos de idade.

Muitas doenças metabólicas se apresentam nos primeiros dias de vida após o nascimento, pois o bebê não pode mais se beneficiar da ajuda fisiológica da mãe para compensar suas deficiências.

A solicitação e realização de exames complementares são importantes  para  se estabelecer um tratamento específico e permitir o aconselhamento genético dos casais em risco.

Dados familiares são importantes quando o paciente apresentar história de irmãos falecidos no período neonatal sem diagnóstico etiológico, membros da família com sintomas clínicos não esclarecidos e a existência de consanguinidade.4

No período neonatal são observados sintomas neurológicos, alimentares e respiratórios, tais como: hipotonia, letargia, coma, convulsões, diarréia, vômitos, icterícia, hepatomegalia, falência hepática, hipoglicemia, cardiomiopatia, arritmia, hiperamonemia, acidose metabólica e outros. 1

Cerca de 1/3 dos casos neste período podem apresentar intervalos assintomáticos ou uma apresentação tardia (após o período neonatal até a fase adulta).7

Na história patológica pregressa  são vistos  vômitos crônicos ou anorexia persistente acompanhados de um baixo desenvolvimento pondero-estatural, hipotonia, atraso no desenvolvimento neuropsicomotor e recusa por determinados alimentos, principalmente proteínas.7

Sintomas desencadeados por infecções, jejum prolongado, vômitos, ingestão de alimentos tóxicos ou exercício intenso, episódios recorrentes de coma, ataxia e vômitos com letargia são as formas mais frequentes de apresentação tardia. 4

Pode ser emergencial,  inespecífico com caraterísticas de  septicemia ou intoxicação exógena. Por sua vez, o diagnóstico de infecção não exclui o de um EIM, pois  há redução das defesas celulares levando a concomitância de quadros infecciosos. 6

Outras formas  são as manifestações cardíacas com arritmia ou falência cardíaca, dores abdominais recorrentes, intolerância ao exercício além de sintomas psiquiátricos de início agudo e recorrente.

Os erros inatos do metabolismo não podem ser vistos apenas como diagnóstico diferencial, mas também como coadjuvante de um episódio agudo de relativa intensidade.6

Por não haver sintomas clínicos característicos de determinados EIM é imprescindível a associação destes com a história familiar, a história patológica pregressa, os fatores desencadeantes e as análises laboratoriais, para que se estabeleça um diagnóstico.7

Description: http://www.scielo.br/img/revistas/rpc/v31n6/23023t1.gif 8 Weber et al., 2004

MORTALIDADE / MORBIDADE

A mortalidade pode ser muito elevada para certos erros inatos do metabolismo, particularmente aqueles que se apresentam no período neonatal, embora a apresentação inicial do EIM, mesmo na fase adulta possa resultar em morte. 

Específicos à área da neurologia e da psiquiatria, encontramos desvios no desenvolvimento psicomotor, regressão psicomotora e convulsões.1

Sintomas psiquiátricos costumam estar presentes em quase todos os EIM que acometem o sistema nervoso. Tanto podem ocorrer em conjunto com manifestações de outros sistemas ou isoladamente por algum tempo. 7,8

QUADROS PSIQUIÁTRICOS

Entre indivíduos com retardo mental, ou com manifestações intermitentes de psicose ou depressão, demência ou mudança da personalidade, encontram-se os possíveis casos de EIM. 1

Diferentes doenças metabólicas associadas a cada um destes quadros e o exame que permite o diagnóstico definitivo. Descrevemos a seguir as doenças específicas de forma sucinta. 1

 Description: http://www.scielo.br/img/revistas/rpc/v31n6/23023t3.gif 1

                                               DIAGNÓSTICO

As principais indicações são cromossomopatias, rearranjos balanceados, casais com história de perdas gestacionais e casais em investigação por infertilidade. 4

Os Laboratórios de Citogenética realizam cariótipos de sangue periférico, tecido fetal, restos ovulares e líquido aminiótico, com bandas G, C ou NOR.4

Exames de Cariótipos e Citogenética

Alterações cromossômicas constituem uma categoria importante de doenças genéticas, respondendo por uma grande proporção das perdas gestacionais de primeiro trimestre, dificuldades enfrentadas por um casal no planejamento familial, malformações congênitas e déficit intelectual. 1

O cariótipo ou estudo citogenético visa a obtenção de células no estágio de metáfase da divisão celular, ou seja, estágio em que o DNA encontra-se em seu grau máximo de condensação, possibilitando a observação das estruturas denominadas cromossomos através da utilização do microscópio. Tais células podem ser obtidas a partir de diversos materiais, como sangue periférico, líquido amniótico e amostras de abortamento espontâneo. 4

                                                 SOBRECARGA DOS CUIDADORES

A avaliação da qualidade de vida representou importante fonte de informação no que se refere à constatação de uma menor satisfação das mães, sobretudo, com os fatores de relacionamento social (relações pessoais, suporte/apoio social e atividade sexual). Os aspectos da sobrecarga percebida após o adoecimento da criança também revelaram uma relação inversamente proporcional com sua qualidade de vida, em todos os domínios avaliados.9

Conclui-se que o impacto do adoecimento da criança e a administração de todas as obrigações inerentes a esta situação causam efeitos adversos na qualidade de vida das mães, bem como sobrecarga emocional. Contudo, muitas vezes, a sobrecarga vivenciada não pode ser expressa e reconhecida de maneira consciente, o que alimenta a falsa ideia de que não é penoso ser mãe e cuidar de uma criança com os sintomas de um dos mais raros e graves grupos de doenças neurológicas que atingem a infância.9

REFERÊNCIAS

1-       Araújo, A.P.Q. C.. (2004). Doenças metabólicas com manifestações psiquiátricas. Revista de Psiquiatria Clínica, 31(6), 285-289.

2-       Genética Médica – segunda edição: Jorde, Carey, Bahshad, White – Guanabara Koogan, 1999.

3-       Saudubray, JM & Charpentier, C - Clinical Phenotypes: Diagnosis/Algorithms. In: Scriver, CR, Beaudet, L, Sly, WS and Valle, D  The Matabolic and Molecular Bases of Inherited Disease, 2000.

4-       Martins, A.M. - Inborn errors of metabolism: a clinical overview. São Paulo Med J/Rev Paul Med, 117(6): 251-65, 1999.

5-        Martins A.M - 7o Congresso Nacional de Pediatria Região Norte – Manaus

6-       Touati, G.; Delonlay, P.; Barnerias, C.; Beyler, C.; Saudubray, J.M. - Metabolic emergencies: late acute neurologic and psychiatric presentation. Arch Pediatr 2003; Suppl 1:42s-46s.  

7-       Trifiletti, R.R.; Packard, A.M. - Metabolic disorders presenting with behavioral symptoms in the school-aged child. Child Adolesc Psychiatr Clin N Am 1999;8(4):791-806.

8-       Weber, P.; Scholl, S.; Baumgartner, E.R. - Outcome in patients with profound biotinidase deficiency: relevance of newborn screening. Dev Med Child Neurol 2004;46(7):481-4.

9-       Pontes-Fernandes, Angela Cristina, & Petean, Eucia Beatriz Lopes. (2011). Sobrecarga emocional e qualidade de vida em mães de crianças com erros inatos do metabolismo. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 27(4), 459-465.

         *Coordenadora da disciplina de psiquiatria da Universidade de Taubaté – UNITAU

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