Volume 22 - Novembro de 2017
Editor: Giovanni Torello

 

Julho de 2012 - Vol.17 - Nº 7

Psiquiatria Forense

A PRESENÇA DO ACOMPANHANTE NO EXAME MÉDICO PERICIAL

Quirino Cordeiro (1)
Hilda Clotilde Penteado Morana (2)
(1) Psiquiatra Forense; Professor Assistente e Chefe do Departamento de Psiquiatria e
Psicologia Médica da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo;
Diretor do Centro de Atenção Integrada à Saúde Mental (CAISM) da Irmandade da
Santa Casa de Misericórdia de São Paulo;
(2) Psiquiatra Forense; Perita do Instituto de Medicina Social e de Criminologia
de São Paulo; Doutora em Psiquiatria Forense pela USP.


No ano passado, o presidente do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), Mauro Luciano Hauschild, divulgou o Memorando-Circular No. 10 /INSS/PRES/PFE, que versava sobre a solicitação por parte do periciando de acompanhante durante a realização de perícia médica no órgão. O referido Memorando-Circular, direcionado aos superintendentes regionais, gerentes-executivos, gerentes das agências da Previdência Social-APS e chefes de serviço/seção de saúde do trabalhador do INSS, determinou o que segue: “orientamos aos gerentes-executivos e das Agências da Previdência Social que garantam aos segurados o direito de solicitar a presença de um acompanhante durante o ato da perícia médica, ressalvados os casos em que o perito médico entenda, fundamentadamente, que sua presença possa interferir no ato pericial; …Fica assegurado, de pleno direito, o acompanhamento do médico assistente indicado pelo segurado, desde que devidamente identificado…”.

Tal decisão do INSS não foi bem recebida pela Associação Nacional de Médicos Peritos da Previdência Social (ANMP), que divulgou a seguinte manifestação sobre a questão: “Em relação ao Memorando-Circular Conjunto Nº 10/INSS/PRES/PFE a Diretoria da ANMP vem a público esclarecer seus associados que todas as medidas cabíveis estão sendo adotadas para reverter a decisão do INSS, de permitir a entrada de acompanhantes durante o ato médico pericial. Esta decisão afronta diretamente o Parecer 09 de 2006, do Conselho Federal de Medicina (CFM), que determina que: “O exame médico-pericial é um ato médico. Como tal, por envolver a interação entre o médico e o periciando, deve o médico perito agir com plena autonomia, decidindo pela presença ou não de pessoas estranhas ao atendimento efetuado, sendo obrigatórias a preservação da intimidade do paciente e a garantia do sigilo profissional, não podendo, em nenhuma hipótese, qualquer norma, quer seja administrativa, estatutária ou regimental, violar este princípio ético fundamental”… É bom ressaltar que desde que foram impedidos os acessos dos acompanhantes aos consultórios periciais o número de agressões aos médicos peritos previdenciários sofreu uma drástica redução. A ANMP entende que a solicitação do segurado para que um acompanhante seja admitido durante a perícia deve seguir um rito administrativo, e que esta decisão não pode se sobrepor à autonomia do ato médico pericial, conforme o parecer já citado do CFM.”

O Parecer do Conselho Federal de Medicina (CFM) No. 09/2006, citado pela ANMP para contestar a decisão do INSS que passava oficialmente a permitir a possibilidade da realização de perícia médica com a presença de acompanhante do periciando, foi emitido em resposta ao Processo-Consulta CFM No. 1.829/06 que fora encaminhado ao Conselho pela própria ANMP. O Conselheiro-Relator do CFM foi o Dr. Roberto Luiz D’Avila, que expôs os fatos da seguinte da seguinte maneira em seu Parecer: “Em 8/3/2006, o presidente da Associação Nacional dos Médicos Peritos da Previdência Social (ANMP), dr. E.H.R.A., encaminhou a este Conselho o ofício ANMP/228-2006, protocolado em 15/3/06, solicitando “parecer dessa autarquia com relação a questão relevante para toda a categoria, em âmbito nacional”, e tecendo profundas considerações a respeito da inadequada presença de pessoas estranhas ao exame médico-pericial, tais como parentes, advogados, representantes sindicais, etc. Inicialmente, relata ser diversa a relação médico-paciente assistencial da relação médico perito-paciente periciando, por esta ser, ao contrário da primeira, “baseada na escolha involuntária, na desconfiança mútua, na incerteza da preservação do sigilo e na eventualidade da perda de benefícios”. Contextualiza a perícia médica previdenciária como “uma atividade essencialmente médico-legal que julga se as situações fáticas dos segurados do INSS lhes garantem direitos previdenciários, sendo, por óbvio, conflituosa, porquanto as decisões emanadas envolvem interesses diversos, como imbróglios sindicais, patronais, públicos e trabalhistas e, teleologicamente, a recuperação da saúde”. Explica que “os conflitos são freqüentes e os médicos peritos acabam sendo expostos à violência e ameaças. São dezenas de queixas nas delegacias da Polícia Federal por médicos peritos”. Cita exemplos de lesões corporais graves e até de desaparecimento do perito, com depredação do patrimônio público, bem como que “são freqüentes as queixas dos examinados que, em geral, alegam: não terem sido examinados; serem alvos de racismo e assédio; desrespeito ao Código do Idoso, dentre outras acusações de difícil contestação”. Argumenta que “é certo que a presença do acompanhante, por um lado, conforta o doente inseguro e fragilizado, bem como representa fonte importante de informação adicional. Porém, por outro lado, também acaba trazendo a presença coercitiva de advogados, procuradores e sindicalistas que interferem no bom andamento do trabalho do perito”. Finaliza dizendo ser “necessário que os médicos peritos tenham a prerrogativa de desautorizar a presença de pessoas que não sejam parentes diretos ou médicos do examinado e que possam representar risco adicional à integridade física do médico e influência danosa ao bom exercício profissional, de modo a possibilitar o exercício íntegro do serviço público que se presta, em fiel obediência à supremacia do interesse público sobre o privado”. No dia 17/3/06, o dr. E. encaminhou mensagem eletrônica, protocolada em 20/3/06, informando já existir consulta sobre o mesmo tema, sob o nº 1.882/06, do dr. E.M.S., com resposta já encaminhada ao solicitante, elaborada pelo conselheiro Gerson Zafalon Martins. Efetivamente, em 24/2/06 e protocolada em 16/3/06, o dr. E.P.M.S. encaminhou mensagem eletrônica argumentando ter como postura não permitir a presença de acompanhantes em exames médico-periciais “salvo se o examinado for menor ou idoso”, justificando que “como se trata de perícia médica, não de consulta para tratamento, encontramos uma série de situações diversas do médico de atendimento”, e as cita. O teor da consulta é, em tudo, semelhante à apresentada pelo presidente da ANMP. A seu término, apresenta questionamentos tais como: “1) É antiético não permitir acompanhantes em sala de exames? Por quê?; 2) Li certa vez um parecer em que o delegado dizia se antiético não se permitir acompanhantes em exame radiológico, mas e a radiação que o acompanhante toma, não é levada em conta? Mesmo com proteção, pelo acompanhante não ter conhecimentos ele fica exposto e a lei proíbe se ter em sala pessoal não-técnico além do paciente; 3) Na Justiça, temos na sala apenas os envolvidos e seus advogados, acho que no exame médico-pericial deveríamos ter apenas o segurado e seu médico, um leigo em nada ajuda; pelo contrário, só atrapalha na avaliação. É lógico que sempre que temos um segurado que informa mal, em decorrência da doença, recorremos ao acompanhante, mas como via de regra acho que na sala de exame só o perito e periciado; 4) Na hora do exame físico, ao pedirmos ao paciente para se despir, como fica o acompanhante?; 5) E o advogado com procuração na sala de exame? Deve se permitido?”. O conselheiro Gerson Zafalon Martins respondeu a consulta em 17/3/06, por meio de correio eletrônico, com o seguinte teor: “(...) informamos a V. Sa. que, quando da perícia judicial, as partes envolvidas têm o direito de indicar assistente técnico, os quais também responderão aos quesitos formulados e, assim sendo, podem acompanhar o exame a ser realizado no periciando pelo expert indicado pelo juiz, não podendo, todavia, interferirem na realização do ato. Portanto, por óbvio, familiares, sindicalistas e advogados das partes não podem acompanhar a perícia, ainda que não tenham indicado perito assistente técnico. É correto que os peritos médicos do INSS apenas permitam a presença de médico assistente. No caso, o assistente técnico, quando este se propuser a comparece ao exame. Os procuradores de empresas que intermediam benefícios são proibidos de acompanhar o periciado, pois podem, inclusive, tentar influenciar, direta ou indiretamente, a conduta pericial. Da mesma forma, deve-se impedir a entrada de acompanhante parente, salvo em casos de menores ou incapacitados. No mesmo sentido, deve ser vedado o acompanhamento de médico estranho à perícia, desde que não seja assistente técnico. Ressalta-se haver infração ética na interferência na conduta médica por outro profissional, parente ou não. Deve-se impedir a entrada de advogados, uma vez que são estranhos à conduta médica”. Diante, então, dos fatos expostos, o Conselheiro-Relator concluiu como segue: “1- As atribuições do médico perito não podem ser confundidas com as de qualquer agente da autoridade policial ou judiciária, que pode determinar a seu agente que proceda diligência determinando exatamente como agir. Devido às particularidades contidas em qualquer exame médico, nenhuma norma administrativa pode determinar ao médico perito como se conduzir durante a perícia ou determinar quem deve estar presente ao exame pericial. O médico perito deve obedecer às regras técnicas indicadas para o caso, lendo o laudo encaminhado pelo médico assistente, confrontando-o com o exame físico e determinando a capacidade laborativa do segurado, no pleno exercício de sua autonomia e sempre compromissado com a verdade; 2. O exame médico-pericial é um ato médico. Como tal, por envolver a interação entre o médico e o periciando, deve o médico perito agir com plena autonomia, decidindo pela presença ou não de pessoas estranhas ao atendimento efetuado, sendo obrigatórias a preservação da intimidade do paciente e a garantia do sigilo profissional, não podendo, em nenhuma hipótese, qualquer norma, quer seja administrativa, estatutária ou regimental, violar este princípio ético fundamental”. Tal conclusão foi baseada nos seguintes Artigos do antigo Código de Ética Médica: “Art. 8°. O médico não pode, em qualquer circunstância ou sob qualquer pretexto, renunciar à sua liberdade profissional, devendo evitar que quaisquer restrições ou imposições possam prejudicar a eficácia e correção de seu trabalho; É vedado ao médico: Art. 118. Deixar de atuar com absoluta isenção quando designado para servir como perito ou auditor, assim como ultrapassar os limites das suas atribuições e competência”.

Na verdade, apesar da manifestação contrária da ANMP em relação à decisão do INSS sobre a participação de acompanhante no exame médico pericial, o posicionamento do Instituto, na verdade, também acabou levando em consideração a autonomia do médico pertito, bem como sua liberdade profissional, quando afirmou que poderia caber “aos segurados o direito de solicitar a presença de um acompanhante durante o ato da perícia médica, ressalvados os casos em que o perito médico entenda, fundamentadamente, que sua presença possa interferir no ato pericial”. Tanto é assim que recentemente a ANMP publicou um seu sítio na Internet o seguinte texto sobre o tema: “Como todo ato médico, a presença de acompanhantes fica a critério do médico, que tem total autonomia para exercer sua atividade sem a presença de terceiros. Isso está contido na Resolução CFM 09/06. Às vezes, decorrente da doença ou da compreensão do examinando, o acompanhante é imprescindível, mas, em outras vezes, os acompanhantes podem tentar interferir no exame ou na conclusão. Caso lhe interesse ter um acompanhante durante o exame, se possível, apresente requerimento por escrito antecipadamente, com a justificativa para tal, para que o mesmo seja analisado pelo perito examinador, que dará despacho deferindo ou não o seu pedido. Médicos acompanhantes prescindem deste expediente”. Desse modo, ficaria contemplado o direito do periciando de solicitar a presença de um acompanhante para que lhe acompanhasse durante sua avaliação pericial, porém a decisão final de aceitar o pleito ficaria a cargo do médico perito, que poderia eventualmente negar o pedido, apresentando justificativa plausível para tanto, sempre no sentido de garantir a lisura de seu trabalho, que está a serviço da Justiça.

O Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (CREMESP) também tem entendimento parecido sobre o tema. No Parecer No. 125633, o CREMESP foi consultado por um procurador de segurados da Previdência Social, que perguntava sobre sua presença, como acompanhante de um paciente, durante a realização de perícias médicas. A resposta, dada pelo CREMESP em forma de Parecer, foi relatada pelo Conselheiro Dr. Conselheiro Renato Françoso Filho, e publicada, no dia 01-04-2009. Assim foi a conclusão do Parecer: “o médico deve ter autonomia de decidir pela não realização da perícia se sentir-se de alguma forma pressionado na realização deste ato, o que poderá influenciar na sua conclusão. Por outro lado, é direito do paciente apresentar-se acompanhado para a realização da perícia, bem como de qualquer outra consulta médica, assumindo com isso a responsabilidade do segredo médico, nada tendo a reclamar”. Desse modo, como em qualquer outra questão na prática médica, assistencial ou pericial, é importante a avaliação criteriosa caso a caso, com o objetivo de buscar a melhor conduta para a situação, especialmente em pontos onde podem existir conflitos.


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