Volume 22 - Novembro de 2017
Editor: Giovanni Torello

 

Maio de 2012 - Vol.17 - Nº 5

COLUNA PSIQUIATRIA CONTEMPORÂNEA

REFLEXÕES SOBRE OS ATÍPICOS

Fernando Portela Câmara
Professor Associado UFRJ


A psiquiatria é um dos grandes alvos econômicos da indústria farmacêutica, haja vista a quantidade de novos antidepressivos e neurolépticos atípicos lançados periodicamente no mercado e o fantástico investimento empregado. Utilizando teorias de neutrotransmissores sem uma sólida base experimental, na maioria das vezes restrita a experimentos bioquímicos in vitro, os antidepressivos “modernos” são agora também medicamentos anti-pânico, antiobsessivos e ansiolíticos, e os atípicos avançam agora sua indicação geral para o transtorno bipolar, não somente a fase maníaca como a fase depressiva.

Os chamados antipsicóticos “atípicos” emergiram nessa estratégia de mercado como uma grande novidade justificando o seu alto custo, portanto, visando o mercado de países com economia desenvolvida ou em ascensão. Paralela a essa economia, as políticas de desospitalização tendem a favorecer essas empresas, uma vez que para desospitalizar é preciso medicar o paciente para mantê-lo fora do leito. Pode-se, assim, chegar a um paradoxo: os custos da compra de atípicos pelo governo federal em volume e tipo podem ultrapassar teoricamente os custos do modelo tradicional hospitalar, se uma política de gastos não for racionalmente estabelecida. A desospitalização, contudo, faz parte de uma ideologia libertária, socialista, portanto, tem um viés político muito forte e a tendência nesse jogo de mercado é favorável aos investimentos da indústria em medicamentos novos. Contrasta-se, assim, uma ideologia socialista e uma ideologia capitalista em um raro momento de parceira. Aliás, pode perceber, na propagando de um certo atípico como ele é autoproclamado como um substituto químico do ECT e da necessidade do leito.

Os neurolépticos tradicionais, referidos comumente como antipsicóticos ou tranqüilizantes maiores, são eficientes em controlar o paciente agitado e o comportamento psicótico, além de serem baratos e accessíveis. Contudo, consolida-se agora a noção de que são neurotóxicos, uma afirmação que se generaliza cada vez mais na formação dos jovens psiquiatras, sem uma crítica isenta da experiência psiquiátrica acumulada há quatro a cinco décadas. São tidos como indutores de parkisonismo (incluindo efeitos psicológicos), acatisia e dano neurológico permanente (discinesia tardia) como conseqüência do longo uso. Portanto, os antispicóticos tradicionais tornaram-se medicamentos prejudiciais na cultura médica atual.

Os novos neurolépticos ou atípicos (olanzapina, risperidona, clozapina, por exemplo), vieram para substituir os antipsicóticos tradicionais por alternativa mais seguras, embora não haja tempo ainda para se firmar uma experiência definitiva. Foram chamados de “atípicos” porque produzem menos parkinsonismo e discinesia tardia que os tradicionais, embora não sejam tão poderosos em suprimir o comportamento psicótico como os tradicionais. Por outro lado, se os atípicos são menos neurotóxicos, eles vêm sendo considerados como disruptores metabólicos, implicados como causa de intolerância à glicose, diabetes, pancreatite, ganho de peso e problemas na condução cardíaca (ver Morgan et al, 2003). A clozapina, por exemplo, foi também implicada em discrasias sanguíneas graves. Esse paraefeitos ocorrem a longo prazo e são raramente fatais.

Os atípicos são neurolépticos menos potentes que os tradicionais, mas seu grande efeito sedativo é suficiente para controlar o comportamento psicótico, uma experiência bem conhecida dos psiquiatras mesmo antes do aparecimento da clorpromazina. O valor da sedação não deve ser subestimado, pois ela não apenas é um meio seguro de controlar um paciente agitado, como também é potencialmente efetiva em suprimir um delírio. Além disso, o sono tem um efeito restaurador, pois, como sabemos o sono de muitos psicóticos é seriamente perturbado. É da experiência psiquiátrica que fármacos que induzem o sono prolongado exibem efeitos antipsicóticos e faz o paciente se sentir melhor subjetiva e funcionalmente.

Talvez o problema com os atípicos seja que, como meio de sedação ele é uma opção problemática, quando comparados aos sedativos benzodiazepínicos e anti-histamínicos sedativos como a prometazina, que sempre foram usados como substitutos eventuais dos neurolépticos tradicionais, na falta destes. No Brasil, a maioria dos psiquiatras que se forma atualmente é desestimulada a usar esses últimos sob a afirmação de que “seu uso prolongado causa dependência”. Essa afirmação, determinística, é uma generalização sem base na experiência e deveria ser melhor estudada. Não há dúvida que eles possam causar dependência, mas é possível evitar isso em função do uso racional e em função das características do paciente, quadro agudo, e outros fatores.

Os riscos tóxicos dos atípicos justificam uma pesquisa por outros sedativos mais seguros para uso nas psicoses.

Os atípicos não são neurolépticos verdadeiros, mas “neurolépticos fracos”. Como observou Healy (2003), a clozapina e outros de sua classe, por exemplo, não são, por definição, neurolépticos. Em seus efeitos clínicos, os atípicos comportam-se como os anti-histaminicos sedativos, utilizados em psiquiatria antes do aparecimento da clorpromazina, agora reinventados para os tempos atuais. Por exemplo, a ciproheptadina, um velho sedativo anti-histamínico, comporta-se como neuroléptico atípico segundo os critérios atuais: é um bloqueador dos receptores de serotonina-2 e colinérgicos, um anti-dopaminérgico fraco, atua como um poderoso sedativo, e induz ganho de peso. A ciproheptadina é uma droga antiga e barata nas drogarias brasileiras, contrastando com o altíssimo custo dos atípicos modernos.

Os atípicos estão hoje no mercado e são amplamente prescritos pelos psiquiatras, são um mal necessário que pode ser um bem se usado com critério e arte.

Referências.

Healy D. The creation of psychopharmacology. Cambridge (MA): Harvard University Press, 2002.

Morgan MG, Scully PJ, Youssef HA, Kinsella A, Owens JM, Waddington JL. Prospective analysis of premature mortality in schizophrenia in relation to health service engagement: a 7.5 year study within an epidemiologically complete, homog-enous population in rural Ireland. Psychiat Res, 2003;117:127–35.


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