Volume 22 - Novembro de 2017
Editor: Giovanni Torello

 

Fevereiro de 2012 - Vol.17 - Nº 2

COLUNA PSIQUIATRIA CONTEMPORÂNEA

INTERFACE CÉREBRO-MÁQUINA

Fernando Portela Câmara
Prof. Associado UFRJ
Coordenador do Depto Informática, ABP, e Depto. Neurociência Computacional, APERJ.


Quando se cultivam neurônios eles se multiplicam e logo começam a se comunicar. Isso é evidenciado pelas pequenas explosões de cálcio liberado quando um neurônio estimula o outro. O mais interessante é que se acoplarmos um microcircuito a esses neurônios crescidos em uma placa de Petri com nutrientes, e conectá-lo na outra ponta a um pequeno robô (um pequeno dispositivo eletromecânico com uma rodinha articulada), a atividade neuronal aos poucos acionará o robô que gira e movimenta-se desordenadamente, para lá e para cá, e, após um tempo, os movimentos começam a exibir alguma regularidade.  Esta experiência nos mostra claramente que a atividade nervosa, incluindo aqui a atividade nervosa superior, é um fenômeno de auto-organização das células nervosas e sua rede de comunicação espontaneamente emergente.

É difícil para muitos, ainda, conceber a naturalidade desse fenômeno porque a mente da maioria das pessoas não sabe lidar com complexidade ou mesmo com as implicações que isto levanta. A ausência deste conceito leva a preencher o vazio com teorias idealistas (ou espirituais) que atrasou tremendamente a pesquisa do cérebro. De fato, a neurociência é a mais jovem das ciências justo por esse motivo. O desenvolvimento do estudo da complexidade forneceu marcos conceituais que nos ajudam a pensar em propriedades emergentes, ou seja, propriedades globais, adaptativas, não explicáveis a partir dos componentes de um sistema. Por outro lado, a complexidade decorre da interação ente os numerosos componentes de um sistema complexo, e toda complexidade nasce dessas regras simples, que são em si mesmas bastante simples.

Chegará o dia em que a atividade mental não será um mistério, mas um fato decorrente do acaso e necessidade das populações de neurônios. A tecnologia das interfaces cérebro-máquinas, dos chips neuro-cognitivos, e das células tronco se encarregarão de tornar isto um fato corriqueiro.

E esse futuro já começou. Por exemplo, no ano passado, neurônios cultivados em laboratório foram implantados em cérebro de camundongos adultos e estabeleceram comunicação com as demais células, como se sempre fossem parte daquele grupo de células (Weick et al, 2011). Esses neurônios foram criados a partir de células-tronco embrionárias humanas, estimulando sua diferenciação por optogenética (estímulos luminosos), em vez de correntes elétricas. Lembremos que as células-tronco embrionárias podem se transformar em células de qualquer um dos 220 tipos de tecidos do corpo humano.

Este feito, especialmente porque a técnica optogenética consegue fazer as células tronco originarem especificamente neurônios, marca o inicio de uma revolução no tratamento de lesões cerebrais e mesmo de algumas doenças mentais.

Também recentemente, um grupo de pesquisadores do MIT liderados por Chi-Sang Poon (Rachmuth et al., 2011), desenvolveram um chip que reproduz o modo como nosso cérebro responde a uma nova informação recebida. Este dispositivo tem a capacidade de criar sinapses, o fundamento de toda comunicação neural. Ao contrário do cérebro com seus 100 bilhões de neurônios, o chip é formado de 400 transistores que imitam a “comunicação interna” do cérebro, inclusive usando correntes iônicas .

O chip impressionou pelo realismo com que imita o funcionamento do cérebro e é considerado o primeiro cérebro artificial construído, com a vantagem de ser mais rápido… Já podemos vislumbrar, portanto, soluções para melhorar o desempenho mental e, quem sabe até, e espero não estar sonhando demasiado, substituir cérebros protoplasmáticos por cérebros artificiais.  

Referências

Rachmuth G, Shouval HZ, Bear MF, Poon C-S. A biophysically-based neuromorphic model of spike rate- and timing-dependent plasticity. PNAS 2011. doi:10.1073/pnas.1106161108

Weick JP, Liu Y, Zhang S-C. Human embryonic stem cell-derived neurons adopt and regulate the activity of an established neural network, PNAS 2011; 108: 19837-19838

 


TOP