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Volume 22 - Novembro de 2017
Editor: Giovanni Torello

 

Novembro de 2012 - Vol.17 - Nº 11

Pensando a Psiquiatria

PROBLEMAS NA PSIQUIATRIA DO IDOSO: DIFICULDADES TERAPÊUTICAS - PSICOTERAPIA

Dr. Claudio Lyra Bastos


Continuamos aqui os artigos apresentados neste ano sobre os problemas da psiquiatria geriátrica, tratando neste mês de alguns aspectos psicoterapêuticos (no sentido amplo, incluindo também as terapias ocupacionais, oficinas terapêuticas, etc.).

No mês passado, abordamos os pacientes com perda cognitiva (quadros demenciais):

Neste mês, veremos os pacientes sem perda cognitiva significativa. Devemos ter em mente que:

1) Sintomas físicos podem eventualmente ser utilizados como mecanismos de defesa, com ou sem correspondência com quadros patológicos de natureza orgânica, sejam primários ou secundários. Uma vez constatado isso, nem sempre é de bom alvitre se buscar exaustivamente a redução desses sintomas, uma vez que eles podem incomodar muito mais as outras pessoas (especialmente familiares e terapeutas) do que ao próprio paciente.

2) Depressões reativas podem funcionar como quadros neuróticos, sem que o paciente jamais caia em melancolia. Certos momentos da vida, em que as gratificações parecem desaparecer e as frustrações se acumular, são excepcionalmente propícios para estas depressões. Tais situações vivenciais podem ocasionalmente se sobrepor, mas não têm nenhuma relação direta (de causa nem de efeito) com as depressões cíclicas ou endógenas, de natureza processual, presentes na psicose maníaco-depressiva. Neste último caso, não se encontram nexos causais verdadeiramente compreensíveis.

3) Nas depressões melancólicas não existe a possibilidade de se estabelecerem vínculos terapêuticos adequados, pela ausência de investimentos afetivos. O paciente não tenta comover nem convencer o entrevistador de sua infelicidade e sofrimento; o vazio interno que apresenta fala por si mesmo. Pode sentir-se culpado ou perseguido, mas nunca tenta atingir as outras pessoas. Quando agride ou mata é a uma projeção de si mesmo que pretende atingir, como ocorre nos filicídios pós-parto ou nos suicídios familiares. Exemplo de carta de um filicida e suicida: “Estou muito bem e minha decisão decorre de ponderada reflexão. Meu filho não veio ao mundo para sofrer. Preciso abreviar-lhe o sofrimento. De todas as alternativas, foi a que me restou. É a maior demonstração de amor de um pai pelo filho.” Note-se que não há impulsividade alguma, mas uma profunda convicção da identidade entre o seu próprio sofrimento e o dos familiares, assim como da total ausência de perspectivas.

4) Pode-se observar ainda que nas depressões neuróticas e reativas, a ansiedade é um elemento fundamental, sempre presente, enquanto nas depressões endógenas a hipotimia e a inibição psicomotora tendem a predominar.Depressões superficiais, de fundo pueril ou histérico, em razão de suas manifestações exuberantes, com profuso derramamento de lágrimas, podem impressionar o terapeuta muito mais do que graves depressões melancólicas.

5) Vitimização, fragilização e doença real (ou não) podem ser usados para manipulação da família e dos terapeutas.

6) As personalidades depressivas podem conviver muito bem com o seu sofrimento aparente, já que muitas vezes a sua estratégia de sobrevivência consiste em fazer os outros sofrerem. Tendem a iniciar o tratamento em pleno desamparo, queixando-se amargamente da família, do tratamento anterior, etc. Geralmente fazem uso de um sem-número de terapeutas seduzindo-os com seu desamparo e depois descartando-os. Nestes desenvolvimentos depressivos da personalidade em que há uma patente deficiência de amor-próprio, vemos que alguns se mostram emocionalmente esvaziados e, apesar de carentes,pouco exigem das outras pessoas; parecem querer passar pela vida despercebidos, como se não existissem. Outros, porém, não deixam barato o seu sofrimento, e o relacionamento com o terapeuta, apesar de mostrar tanta dependência e fragilidade como qualquer outra depressão, costuma revelar uma ambiguidade característica, passivo-agressiva.

O paciente, à medida que tenta estabelecer um vínculo com o entrevistador, colocando-se como vítima, agride-o sutilmente com sugestões depreciativas. O menosprezo e a desvalorização vêm sempre em insidiosas observações, aparentemente casuais. Virulentas observações nas entrelinhas permeiam sempre as suas lamuriosas queixas; um exemplo comum é dizer ao médico que o “seu” remédio não funcionou tão bem quanto o do Dr. Fulano; ao psicólogo, que a terapia de Beltrano trazia mais resultados que asua ou lamentar-se ao estagiário que o atende: “Estou tão sem dinheiro que me vejo obrigado a me tratar com estagiários inexperientes”.

O entrevistador muitas vezes foge deste confronto desgastante, ignorando as agressões; especialmente, é claro, se sentir realmente atingido. Se reagir ou abandonar o paciente, este retorna imediatamente à posição de vítima. Os aspectos contratransferenciais tornam a psicoterapia da depressão uma árdua tarefa, em que o investimento afetivo e a maturidade do terapeuta permanecem sempre em teste.

Esta maliciosa e profunda destrutividade do caráter depressivo é um precioso elemento para o diagnóstico. Ninguém consegue sentir-se bem à sua volta, em decorrência da desagradável sensação de ter o seu sangue sugado pela atitude vampiresca do paciente, que parece obter a sua energia vital, drenando-a das outras pessoas. A família sente-se culpada, o médico sente-se impotente, o psicoterapeuta sente-se incompetente, todos se sentem incapazes de fazer algo para ajudar o morto-vivo.

Quem convive com o paciente acaba inevitavelmente contagiando-se e tornando-se também um peso para os outros. Essas antigas lendas sobre os vampiros são uma expressiva e dramática metáfora mitológica desse terrível quadro clínico em que se constitui a personalidade depressiva, o verdadeiro Nosferatu, ou não morto (e não vivo).

O terapeuta deve ser capaz de suportar as inúmeras frustrações que a terapia implica sem atacar o paciente, que voltaria a lamentar-se da sua triste situação, nem abandoná-lo, o que confirmaria as suas queixas iniciais.


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