Volume 22 - Novembro de 2017
Editor: Giovanni Torello

 

Outubro de 2012 - Vol.17 - Nº 10

Pensando a Psiquiatria

PROBLEMAS NA PSIQUIATRIA DO IDOSO (CONTINUAÇÃO):
DIFICULDADES TERAPÊUTICAS EM PSICOTERAPIA (NO LATO SENSU)

Dr. Claudio Lyra Bastos


Continuamos aqui os artigos apresentados neste ano sobre os problemas iatrogênicos na psiquiatria geriátrica, tratando neste mês de alguns aspectos psicoterapêuticos (no sentido mais amplo, incluindo também as terapias ocupacionais, oficinas terapêuticas, etc.).

Erros em Psicoterapia

Podemos dividir os eventos de iatrogenia psicoterápica do idoso em dois grupos principais, com e sem deterioração cognitiva significativa; neste artigo, veremos o primeiro caso:

A) Pacientes com perda cognitiva:

Os processos degenerativos promovem uma perda progressiva da memória, especialmente da capacidade de aprendizado, ou seja, de adquirir novas informações. No entanto, na prática clínica constatamos que muitos pacientes amnésicos conseguem, de um modo ou de outro, ajustar-se lentamente e adquirir algumas informações, ainda que muito vagarosamente e de forma descontextualizada.
Nos asilos e instituições geriátricas vemos muitos pacientes com demência grave conseguirem algum tipo de adaptação, reconhecendo funcionários, localizações e rotinas, o que implica necessariamente alguma forma de aprendizado. Certos fenômenos neuropsicológicos podem explicar essa constatação:

a) A retenção da memória implícita, ou seja a preservação da capacidade de familiarização e habituação nas demências, foi demonstrada pelo neurologista francês Édouard Claparède, em 1912. Ele apertou a mão de um paciente amnésico com um objeto pontiagudo, espetando-o e provocando um reflexo de retirada. Depois dessa experiência, o paciente não mais aceitava apertos de mão, apesar de não ter nenhuma ideia do porquê dessa recusa, ou seja, não apresentar nenhuma lembrança explícita do fato. A memória implícita, de procedimentos, ou não declarativa, parece ter sua ativação realizada através da amígdala, e não do hipocampo, e certamente utiliza níveis mais primitivos de atividade cerebral, assim como o aprendizado psicomotor, os reflexos e hábitos.


b) Os pacientes podem associar fatos e pessoas presentes, atuais, a outros dos quais se lembram. Conheci uma paciente que dependia totalmente da filha, e já se encontrava num estado de demência tão profundo que os seus registros mnêmicos sobre a própria filha já se haviam perdido no processo de deterioração mental. No entanto ainda mostrava uma intensa ligação afetiva com ela, e sempre esperava sua volta da rua com grande ansiedade. A explicação deste aparente paradoxo está na associação que ela fez da identidade da filha à da sua própria mãe. Efetivamente, a paciente chamava com frequência a sua própria filha de “mamãe”, fenômeno que não é incomum nesses quadros.

c) Nas amnésias de fixação em geral, ocorre uma perda da capacidade de transferir os registros imediatos para a memória de longa duração. Numa analogia com um computador, seria algo como uma dificuldade no processo de passar os dados da memória eletrônica (evanescente) para a magnética ou óptica (fixada em discos).
No entanto, observamos que, em certas amnésias anterógradas, como em certas lesões de lobo temporal e de áreas pré-frontais, muito daquilo que se perde é principalmente a construção mnêmica da continuidade temporal, permitindo, assim, a fixação de registros imediatos entre outros mais antigos. Dessa forma, os pacientes podem, às vezes, registrar fatos presentes como já tendo acontecido num remoto passado. Lesões da região medial inferior do lobo frontal podem ocasionar uma amnésia dissociativa, com separação dos diversos aspectos dos registros mnêmicos (não confundir com amnésia psicogênica dissociativa). Nestes casos ocorrem também confabulações, mas sem aquele aspecto de preenchimento de lacunas que ocorre na amnésia de Korsakoff.


d) Certos aspectos da memória musical e afetiva também podem ser eventualmente preservados, certamente por também utilizarem outras vias neurais e outros mecanismos neuropsicológicos.

Considerando estes pontos, vemos que o trabalho psicoterápico com o paciente idoso cognitivamente comprometido deve visar a construção ou manutenção de pontes entre setores e vias diversas na estrutura cerebral ainda preservada. Incluem-se aqui os aspectos sensoriais, volitivos, psicomotores e afetivos na atividade cognitiva.
A eficácia se reduz quando:

1) O apoio se baseia predominantemente em aspectos cognitivos verbais, sem a devida atenção ao estabelecimento do vínculo com o(s) terapeuta(s). Como a memória explícita está definitivamente comprometida, nada é registrado e tudo acaba se perdendo no vazio mnêmico

2) O apoio é dado sobre um vínculo formado, mas sem uma real compreensão do quadro efetivo individual e familiar do paciente. Os conflitos emocionais persistem e causam atuações e problemas de compotamento, que acabam sendo “resolvidos“ com medicamentos. Dificuldades emocionais podem ser trabalhadas terapeuticamente mesmo na demência. Os métodos é que devem ser diferentes, porque não se formam mais novos registros na memória verbal.

3) As técnicas usadas se baseiam essencialmente em meras rotinas, repetitivas e vazias. Como o acesso à memória implícita não se dá por simples repetição, mas por motivação, o resultado tende a ser nulo.


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