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Julho de 2012 - Vol.17 - Nº 7 Artigo do mês
USO RACIONAL DE ANTIDEPRESSIVOS – Parte 2
Carlos Alberto Crespo de Souza “A
descontinuação possui um risco significativo para tentativas de suicídio. Por
isto, cautela e monitoramento durante esse período são necessários”. Valuck e cols.1
1.
INTRODUÇÃO. No artigo publicado na Psychiatry on line Brasil de
junho/2012 introduzimos o tema do “Uso
racional de antidepressivos”, observando alguns de seus aspectos. Descrevemos sua independência às teorias de
sua criação e de como seguem surpreendendo, nos dias de hoje, em seus efeitos
clínicos. Estes medicamentos passaram a substituir os benzodiazepínicos (antes
chamados de ansiolíticos) no tratamento da ansiedade, fato inequívoco a
demonstrar que sua denominação atual antidepressiva
possivelmente deva ser substituída ou encontrada num novo nicho
identificatório. Nesse artigo anterior examinamos a prevalência e o
diagnóstico da depressão, a posologia de cada composto, precauções e
advertências gerais no tratamento com antidepressivos, paraefeitos ou efeitos
adversos, qual o melhor antidepressivo e toxicidade desses fármacos. Outros
tópicos relevantes foram abordados, como a questão do abandono do tratamento
pelos efeitos adversos e a falta de reconhecimento de sintomas depressivos. 2
O presente artigo tem por objetivo complementar o estudo ao
analisar outros aspectos dos antidepressivos e contribuir ao conhecimento por
ocasião da psicofarmacoterapia com padecentes de depressões na clínica
médica. 2. RESPOSTA INSATISFATÓRIA OU AUSENTE. Segundo a
Revisão das Diretrizes da Associação Médica Brasileira para o tratamento da
depressão realizada a partir de novas diretrizes internacionais publicadas
desde 2003, as estratégias utilizadas quando um paciente não responde ao
tratamento com um antidepressivo consistem: 1º -
aumento da dose; 2º -
potencialização com lítio ou tri-iodotironina (T3); 3º -
associação de antidepressivos; 4º - troca
de antidepressivo; 5º -
eletroconvulsoterapia (ECT), e 6º -
associação com psicoterapia. 3 Neste
artigo serão discutidas tão somente as estratégias relacionadas ao aumento da
dose, associação de antidepressivos e troca de antidepressivo, mais
direcionadas aos médicos clínicos de uma maneira geral. As outras estratégias
são entendidas como pertinentes aos psiquiatras, enquanto especialistas, para
quadros depressivos mais graves ou que necessitem de psicoterapia. 2.1. – Aumento da
dose: Caso não ocorra melhora num determinado paciente, que
está recebendo uma dose inicial, depois de duas ou quatro semanas de uso é recomendado
um aumento gradual das doses, até atingir sua dose máxima cf. parâmetros
disponibilizados no artigo anterior. Em alguns pacientes, segundo as já mencionadas Diretrizes
da Associação Médica Brasileira, a melhora pode ocorrer depois da primeira semana
de tratamento e, caso aconteça nas duas primeiras semanas, está associada com
maior probabilidade de resposta positiva. Por outro lado, a ausência de
resposta em quatro semanas diminui a chance de melhora posterior com o mesmo
medicamento, embora alguns pacientes possam vir a responder positivamente em
seis semanas. 3 Segundo
Fleck e cols.: “O aumento da dose, quando
não há resposta, parece ser um passo lógico, considerando que existe uma grande
variedade individual na concentração plasmática de antidepressivos e que existe
uma incerteza sobre o que seria uma dose adequada para um dado indivíduo”. Ibid 2.2. – Associação de
antidepressivos: Quando
a depressão não for debelada na vigência de uma monoterapia, cabe prescrever
uma associação de medicamentos antidepressivos. A
combinação de antidepressivos, ao invés de uma simples troca de medicamento,
encontra apoio nos resultados do STAR*D (Sequenced Treatment Alternatives to
Relieve Depression). Este projeto envolveu em torno de 4.000 pacientes, acompanhados
ao longo de quatro etapas, de maneira a avaliar o desempenho de sucessivas
tentativas com esquemas antidepressivos diversos. A
mirtazapina, de acordo com Carpenter e cols., em 2002, foi considerada como o
único antidepressivo com demonstração controlada de seu uso Stahl,
dentro da mesma concepção, preconizou a combinação de venlafaxina e
mirtazapina, batizada como “California Rocket Fuel” (Combustível de Foguetes da
Califórnia), uma medida heroica para o tratamento de depressão refratária. 7,8
Outros autores usaram a combinação de citalopram ou escitalopram e
bupropiona-sr com resultados positivos nessas situações. 9,10
Experiências positivas também foram constadas com outras combinações, entre as
quais utilizando a sertralina e bupropiona ou venlafaxina e bupropiona. 11 O
foco das estratégias para suplantar as resistências de alguns pacientes aos
tratamentos, segundo Shelton, já começam a incluir uma combinação conjunta de
um antidepressivo e a prescrição de um antipsicótico atípico. 4 Confirmando
esse parecer, recentemente uma nova composição também já foi aprovada pelo FDA
para o tratamento de casos resistentes e consiste na associação entre
Olanzapina e Fluoxetina HCL, com o nome de Symbyax, do laboratório Eli Lilly. 12,13 2.3. – Troca de
antidepressivo: Se
necessário, a troca de um antidepressivo em uso por outro, caso não tenha
promovido as mudanças terapêuticas esperadas ou se ocorreram efeitos adversos
indesejáveis, deverá ser feita com cautela. A
cautela diz respeito à verificação do tempo de meia-vida no organismo do
fármaco a ser retirado. Por exemplo, a fluoxetina possui uma meia-vida de
eliminação de O
que se teme são as interações medicamentosas pelo fato de que o primeiro
fármaco, ainda presente no organismo depois de sua interrupção, possa interagir
com o outro a ser administrado. Tomando novamente a fluoxetina como exemplo, se
após sua interrupção for administrado de imediato a sertralina, outro
medicamento serotoninérgico, poderemos induzir no organismo de determinado
paciente a síndrome serotoninérgica, de efeitos bastante desagradáveis e fatais
(descritas a seguir) a ele e iatrogênicos sob um ponto de vista médico. Para
evitar tal desiderato, convém que a troca se realize com medicamentos de
diferentes propriedades farmacológicas e que, na prática, já foram testados em
sua combinação, como os descritos no tópico anterior ao abordarmos a associação
dos antidepressivos. 11,14 3. O RISCO DOS EFEITOS ANTICOLINÉRGICOS De acordo
com Lamoure, Professor Assistente do Departamento de Psiquiatria da
Universidade de Ontário, Canadá, cada vez mais são vistos pacientes tomando
múltiplos antidepressivos de diferentes classes. Todos os programas de
interações medicamentosas mencionam as interações entre as drogas que podem
levar à grave intoxicação conhecida como síndrome serotoninérgica. E ele pergunta:
“O quanto comum e significativa é esta
síndrome?” Como
resposta a sua própria pergunta traz ao conhecimento dados significativos sobre
sua presença no universo avaliado. Mostra que o Sistema de Vigilância da
Exposição de Tóxicos revisou casos de pacientes internados e de emergência,
atendidos durante o ano de 2004. Nesse levantamento, os inibidores seletivos de
recaptura da serotonina (ISRS) causaram efeitos tóxicos em 8.187 pessoas, com
103 casos fatais. 15 Menciona
que essa síndrome pode ter incidência bem maior, uma vez que não apenas os ISRS
contribuem ao seu desencadeamento. Afirma, também, que em torno de 85 % dos
clínicos ignoram sua existência, o que se constitui num ponto muito grave a ser
considerado. A confusão a respeito dos sintomas pode ser responsável para as
dificuldades de acesso à atual incidência. A agitação, sintoma cardeal da
síndrome, é clinicamente similar à ativação, um efeito adverso associado ao
uso dos ISRS. Ibid Para ele, uma tríade de alterações clínicas –
cognitivas, neuromusculares e autonômicas – caracteriza a síndrome e alterações
específicas podem incluir confusão mental, delirium, agitação, cansaço,
espasmos musculares, febre alta,
perspiração abundante, taquicardia, flutuação da pressão arterial,
midríase, náuseas ou diarreia. A síndrome
serotoninérgica é uma condição determinada, no mais das vezes, pela
concorrência de uso de dois ou mais agentes que aumentam os níveis de
serotonina nas sinapses. Porém, também pode ocorrer na monoterapia e nas
sobredoses. De acordo com esse autor, tanto fatores medicamentosos como os
próprios pacientes podem contribuir à toxicidade dos ISRS. Uma variedade de
fármacos pode aumentar os níveis de serotonina no organismo e, quando esses
agentes forem combinados, o risco de síndrome serotoninérgica aumenta. Ibid
As classes
de fármacos implicadas incluem agentes antienxaqueca (triptanos),
antidepressivos (p.ex., ISRS, ISRNaS, buspirona, tricíclicos, derivados da
monoaminoxidase), antipsicóticos, anticonvulsivantes, antiparkinsonianos, analgésicos
(p.ex., meperidina, tramadol), compostos que contêm dextrometorfano, erva de
São João e antibióticos. Lamoure
coloca algumas questões práticas a serem observadas, por ocasião da suspeita de
uma possível síndrome serotoninérgica, ao se iniciar um tratamento com
antidepressivos: ·
Quais
medicamentos o paciente está tomando no momento? ·
Quais
reações adversas foram vivenciadas previamente? ·
Quando
tomar conhecimento das evidências é essencial aplicar o processo terapêutico
pensado e executá-lo mediante a avaliação do risco-benefício. ·
Estar
alerta sobre a síndrome serotoninérgica e a educação sobre seus efeitos são
procedimentos vitais. Esses fatores devem ser considerados a fim de que todos
os “buracos de um queijo suíço estejam
alinhados” e de que o paciente não venha a se causar dano. Ibid Além das
combinações de fármacos, a ingestão de um antidepressivo ISRS com dose acima da
recomendada pode provocar igualmente a síndrome serotoninérgica. Exemplos dessa
ocorrência já começaram a aparecer na literatura, demonstrando o quanto de
cautela deve ser adotado por ocasião da prescrição de um antidepressivo. Barclay e
Vega, do CME, reportam-se a um artigo escrito no American Family Phisician,
autoria de Ables e Nagubili, Carolina do Norte. Segundo esses autores a
síndrome foi descrita pela primeira vez na literatura durante os anos sessenta
em estudos de simples combinação terapêutica com medicações antidepressivas.
Mostraram-nos que os sintomas de excessiva atividade serotoninérgica no sistema
nervoso incluem alterações no status cerebral, instabilidade autonômica e
hiperatividade neuromuscular causada pela exposição a múltiplas drogas
serotonérgicas ou a excessiva exposição de uma simples droga cuja dose foi aumentada.
16 Tseng e
cols. e Huska e cols., em trabalhos distintos, mostraram, através de relatos de
casos, a ocorrência de síndrome serotoninérgica a partir do uso de doses
duplicadas de citalopram (40mg/dia) e triplicadas de escitalopram (30mg/dia). 17,18 4. SÍNDROME DE DESCONTINUAÇÃO E DE COMO EVITAR A síndrome
de descontinuação dos antidepressivos (denominação suave criada para evitar as
conhecidas, consagradas e temidas dependência
e síndrome de abstinência por
causas comerciais e de marketing) pode ser composta por sinais e sintomas como,
por exemplo, vertigem, distúrbios sensoriais (parestesias, sensação de choque
elétrico e tinitus), distúrbios do sono (com sonhos intensos e angustiantes ou
pesadelos), ansiedade, inquietude, náuseas, cefaleia, tremores, confusão,
diarreia e sudorese. Vlaminck e
cols. afirmam que os sintomas de retirada dessas drogas podem ser classificados
em oito grupos: sintomas influenza-tipo, transtornos do sono, do equilíbrio,
psíquicos, gastrointestinais, do sensório, extrapiramidais e outros sintomas.
Referem que as características desses sintomas é que apareçam entre o primeiro
e o quarto dia depois da redução da dose ou da última administração. Eles podem
surgir igualmente em crianças de mães que usaram antidepressivos no último
trimestre da gravidez. 19 Outros
sinais ou sintomas podem ocorrer na dependência de reações individualizadas de
cada paciente, como, por exemplo, irritabilidade, agressividade ou
impulsividade. Por vezes, os sintomas depressivos, já superados, podem retornar
subitamente. Ibid Valuck e
cols. chamam a atenção que a descontinuação
possui um risco significativo para tentativas de suicídio. Por isto, apregoam
cautela e monitoramento durante esse período. 1 Na
retirada de um antidepressivo é recomendável reduzir as doses gradualmente, no
mínimo, durante um mês ou quatro semanas. Caso
houver reação de descontinuação, tentar explicar ao paciente que isso é comum e
que valerá a pena seguir com a proposta de retirada. Se a reação for muito
intensa, o medicamento deve ser reintroduzido às doses anteriores e tentar
repetir a descontinuação mais lentamente num outro momento. 1,19,20 5. REFERÊNCIAS 1. Valuck RF, Orton HD, Libby AM. Antidepressant discontinuation and
risk of suicide attempt: a retrospective, nested case-control study. J Clin
Psych. 2009 Aug; 70 (8): 1069-77. 2. Crespo de Souza CA.
Uso racional de antidepressivos – Parte 1. Psychiatry on line Brasil. 2012,
Junho; vol. 17 nº 6. 3. Fleck MP, Berlim MT,
Lafer B, Sougey EB, Del Porto JA, Brasil MA, Juruena MF, Hetem LA. Revisão das
diretrizes da Associação Médica Brasileira para o tratamento da depressão
(Versão integral). Rev Bras Psiquiatr. 2009 Maio; 31
(Supl I): s7-17. 4. Shelton RC. Augmentation strategies to increase antidepressant
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study of antidepressant augmentation with mirtazapina. Biol Psychiatry. 2002;
15:51(2): 183-8. 6. Demetrio FN, Soares
OT. Interações medicamentosas 7. Demetrio FN. “California Rocket Fuel”. Torrent on line. 2009; 7(1):
12-14. 8. Stahl SM. Stahl´s essencial psychopharmachology neuroscientific basis
and practical applications. Cambridge: Cambridge University Press, 2008. 9. Leuchter AF, Lesser IM, Trivedi MH, Rush AJ, Morris DW, Warden D et
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14(5): 271-80. 10. Trivedi MH, Fava M, Wisniewski SR, Thase ME, Quitkin F, Warden D et
al. Medication augmentation after the failure of SSRIs for depression. N Engl J
Med. 2006 Mar; 354 (12): 1243-52. 11. Rush AJ, Trivedi MH, Wisniewski SR, Stewart JW, Nierenberg AA, Thase
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for depression. N Engl J Med. 2006 Mar; 354(12): 1231-42. 12. Drugs.com. FDA approves symbyax for treatment-resistant
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Articles 3/10/2009. ,Disponível em www.drugs.com/newdrugs/fda-approves-symbyax-first-resistant-depression-12
13. Symbyax: Olanzapine and Fluoxetina HCL. Industry information for
SYMBYAX. Available from: www.medscape.com/infosite/symbyax?src=interstitial_info 14. Lenox-Smith AJ, Jiang Q. Venlafaxine extended release versus
citalopram in patients with depression unresponsive to a selective serotonin
reuptake inhibitor. Int Clin Psychopharmacol. 2008 May; 23(3): 113-9. 15. Lamoure J. How common or
significant is serotonin syndrome? From Medscape Pharmacists. Posted
11/10/2008. Disponível
em www.medscape.com/viewarticle/582862 16. Barclay L, Vega CP. Management of Serotonin Syndrome Reviewed. CME/CE Released: 05/10/2010.
Available at www.medscape.com/viewarticle 17. Tseng WP, Tsai JH, Wu MT, Huang
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2005 Jul; 21 (7): 326-8. 18. Husca MT, Catalano G, Catalano MC. Serotonin syndrome associated
with use of escitalopram. CNS Spectr. 2007 Apr; 12 (4): 270-4. 19. Vlaminck JJ, van Vliet IM, Zitman FG. Withdrawal symptoms of
antidepressants. Ned Tijdschr Geneeskd. 2005 Mar 26; 149(13): 698-701. 20. Goethe JW, Woolley SB, Cardoni AA, Woznicki BA, Piez DA. Selective
serotonin reuptake inhibitor discontinuation: side effects and other factors
that influence medication adherence. J Clin Psychopharmacol. 2007 Oct; 27(5): 451-8. * Parte 2 e extrato de
estudo sobre “Uso Racional de Antidepressivos”. O texto na íntegra poderá ser
encontrado no livro “O uso de
antidepressivos na clínica médica”, Porto Alegre: Sulina, 406 p.,
coordenado por Crespo de Souza. Endereço
p/correspondência: [email protected] ![]()
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