Volume 16 - 2011
Editor: Giovanni Torello

 

Março de 2011 - Vol.16 - Nº 3

História da Psiquiatria

TESES DOUTORAIS (1) – ANTONIO LUIZ DA SILVA PEIXOTO -1837

Walmor J. Piccinini

    Em 1832 as Escolas de Cirurgia da Bahia e do Rio de Janeiro foram transformadas em Faculdade de medicina da Bahia e do Rio de Janeiro. Para a conclusão do curso médico foi estabelecida a necessidade de defesa de uma Tese. Estas teses tem sido uma valiosa fonte de informação para pesquisadores da História da Medicina, pois nos informam sobre a evolução do pensamento médico no século XIX e início do século XX. Um trabalho extraordinário de recuperação de informações foi realizado por um grupo de médicos e outros profissionais baianos e pode ser lido no endereço eletrônico  http://www.gmbahia.ufba.br/index.php/gmbahia/article/viewFile/373/362 no artigo publicado na GMBAHIA em 2004, 74; 1-p. 1-101 por Nevolanda Sampaio Meirelles et AL., sob o título: Teses Doutorais de Titulados pela Faculdade de Medicina da Bahia, de 1840 a 1928. Foram levantadas 2.502 Teses Doutorais no período de 1840-1928, dos médicos graduados e titulados pela Faculdade de Medicina da Bahia, após a Reforma do Ensino de 1832.   Na lista, encontramos em 1926 a Dra. Nise da Silveira com a seguinte tese: “Ensaio sobre a criminalidade da mulher no Brasil” esta tese a torna uma das pioneiras no estudo psiquiátrico forense no nosso país.

    Não temos conhecimento de trabalho similar com teses doutorais da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, mas podemos imaginar que o número seria similar ou ainda maior, esperamos que algum pesquisador nos iluminasse com este trabalho. Podemos discutir o valor científico destas teses, muitas são apenas revisões bibliográficas, outras um exercício literário, mas podem nos informar ou confirmar o pensamento médico brasileiro.

    Em seu Tratado De Clínica Psiquiátrica, editado pela Editora Grijalbo de São Paulo em 1976, o professor Isaias Paim fez um trabalho pioneiro sobre a história da psiquiatria brasileira. Depois dele, dezenas de livros e centena de artigos foram escritos sobre o mesmo assunto. Pela primeira vez li referências a primeira Tese relativa a problemas e enfermidades mentais, apresentada em 1837, na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, pelo doutorando Antonio Luiz da Silva Peixoto. Durante muito tempo andei procurando esta tese que sabia estar nas mãos de muitos historiadores e foi graças ao Dr. Carlos Francisco Almeida de Oliveira, psiquiatra e historiador da psiquiatria piauiense que, finalmente, obtive uma cópia da mesma.    

    Segundo o professor Paim “Trata-se de um trabalho que ainda hoje pode ser lido com interesse, especialmente porque o Dr. Luiz Peixoto revela-se atualizado sobre tudo o que se havia publicado na França em princípio do século sobre doenças mentais”.  Como foi escrita em 1837, muito antes da existência do Hospício Pedro II pode ser considerado um retrato de um momento da nascente psiquiatria. Temos que considerar o que o próprio autor da tese deixa bem claro, ele não é um especialista em doenças mentais, ele é apenas um estudante que tinha que apresentar uma tese e depois de algumas indecisões optou pela alienação mental.

    Nesta primeira parte do meu artigo estou copiando parte da tese, inclusive mantendo a grafia da época. Fica bem caracterizada a leitura por parte do autor do livro de Pinel, de trabalhos de Esquirol e outros autores que ele cita. Não custa lembrar que a primeira lei de proteção aos alienados apareceu na França em 1838 e seu patrono foi Esquirol.

 

 

CONSIDERAÇÕES GERAES SOBRE A ALIENAÇÃO MENTAL

THESE PRESENTADA E SUSTENTADA A 29 DE NOVEMBRO DE 1837 perante a Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro por ANTONIO LUIZ DA SILVA PEIXOTO, natural do Rio de Janeiro.

Doutor em Medicina e cirurgião aprovado pela mesma Faculdade

 

INTRODUÇÃO

 

Querendo obter o honroso título de Doutor em Medicina, havíamos o mister, para esse fim, cumprir hum dever irrecusável da lei, apresentando huma These para ser por nós sustentada perante a Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Por muito tempo hesitamos em nos decidir pelo ponto a que déssemos preferência, para fazer o objeto da nossa dissertação,

    Percorrendo o vasto campo das sciencias médicas, ahi deparamos com os conhecimentos com que os gênios mais transcendentes, os espíritos mais infatigáveis e os observadores mais attentos, as enriquecerão com  huma clareza e precisão lógica que tanto honram ao nosso século, e dão huma prova irrefragável do progressivo desenvolvimento do espírito humano; e, cônscio de nossa escassa capacidade, temendo ir. Com mal aparada Penna, profanar tão sagrados primores da arte permanecemos na nossa hesitação. Mas, de outra parte, o tempo instava; e, para satisfazermos aos desejos que tínhamos de adquirir hum título em medicina, forçoso era correr ao imperioso chamado de nosso dever. Tal era o terrível dilemma que nos antolhava! Que fazer, pois? Decidimo-nos a cumprir com a obrigação que nos impusermos, convencido de que, sem tal resolução íamos dar hum público testemunho da nossa insuficiência ou nullidade literária, também daríamos provas dos puros desejos que temos de, a custo de muito errar, irmos aprendendo, a fim de podermos hum dia ser útil a nossa pátria e à humanidade.

    Eis-nos, portanto, resignado a fazer nossa dissertação, escolhendo pára seu objeto a Alienação Mental. E que outra mais importante nos podia occupar do que aquella que perverte e aniquila à espécie humana o que Ella tem de mais precioso, tal He a acção physiológica da intelligencia?! ... e cuja sede, natureza e tratamento, apesar dos repetidos esforços dos médicos mais recommendaveis a por suas luzes e inalcançabilidade em propagar os conhecimentos da arte, ainda hoje He problemática.

    Desde os tempos mais remotos, os médicos estudaram e procuraram explicar este lamentável desarranjo mórbido das faculdades intellectuaes. Mas, como fizeram elles?  Procura acompanhar a natureza em suas observações, e dellas dar razões physiologicas? Recorramos à história, e della colheremos que o estado da alienação mental foi por muito tempo influenciado pelos prejuízos, e por isso era Ella atribuída a causas sobrenaturais. Assim os antigos, não procurando definir nem estudar esta moléstia com exactidão, davam como causa de sua existência o demônio, espíritos animaes no cérebro, através dos quais a alma não podia sentir nem pensar com precisão. Alguns, entre eles Sennert, Revière, Plater, Hernius, faziam-na consistir  em huma indisposição ígnea e maligna dos espíritos, ou em hum humor ,ou matéria peccante, que convinha eliminar do cérebro; e para conseguir, empregavam certos medicamentos que julgavam próprios a fortificar o cérebro  e a razão. Enfim, para nos não tornarmos muito extenso, omitiremos hum sem número de específicos misteriosos empregados por uma cega superstição no tratamento das moléstias mentaes. Mas, honra seja dada ao nosso século, porque nos trabalhos ultimamente publicados sobre alienação mental, os factos são dictados pelo espírito da observação: a sua autoridade não poderá definhar, senão quando a natureza deixar de ser constante em suas leis; no entanto que esses outros dos séculos remotos, tristes fructos do espírito de systema, e contendo todas as loucuras que era então suscetível, o espírito humano, não poderão ser hoje repetidos sem provocar o riso e hum justo desprezo.

    Tal era o estado de atrazamento em que se achava esse importante ramo d arte, quando Mr. Pinel, respeitável nosologista francez, a quem a humanidade deve tantos benefícios, procurou arrancá-lo do cáhos e barbaria em que se achava: dando hum completo tratado delle com o titulo de Tratado Medico-philosófico sobre a alienação mental, no qual, se não fez tanto quanto era a desejar, o que não se pode conceder nas únicas forças de hum homem, pelo menos orientou aos que, querendo seguir seu nobre exemplo, continuassem na observação e consignação dos factos que ele encetara. E, com efeito, o sucederam Mr. Esquirol, Franck, Rusch, Faville, Georget, Dubois, Broussai, Andral e outros, que prosseguindo no estudo desta importante moléstia, se bem ainda não resolveram definitivamente o grande problema da natureza da lesão, sede e tratamento; todavia deixam antever grandes esperanças de resultados bem sucedidos.

    He dos respeitáveis mestres que acabamos de citar, que colhemos as doutrinas inseridas na nossa dissertação: bem se deve supor que apenas seguimos mal e de longe os seus vestígios; não esperem, portanto, os nossos juízes e leitores achar nella matéria nova, por isso que fora arrojo nosso se pretendêssemos avançar onde gênios tão sublimes pararam. He este nosso proposto.

    Nada mais anhelamos, tratando desta triste moléstia, que instigar nos nossos collegas o desejo de adiantar os conhecimentos de huma afflicção tão digna de meditação do médico, e que sendo tão comum na nossa querida Patria, o seu estudo desgraçadamente ainda se acha muito atrasado. Possa Ella, portanto, merecer a sua approvação, desculpando com a benignidade e proteção, que os distinguem, os erros que estamos bem convencidos, nos escaparão; e, em retribuição, o nosso reconhecimento será eterno. Terminaremos esta introdução citando a sentença de Ovídio, que tomamos por epigraphe- Da veniam scriptis quorum non gloria obis, sed utilitas officium que fuit.

(Dê um favor para scripts de que a glória não é para nós, mas foi um ato de dever do utilitário.) (Give a favor to scripts of which the glory is not to us, but was the act of duty of the utility.)

 

 

Considerações Geraes

Sobre

A ALIENAÇÃO MENTAL

 

    A ALIENAÇÃO METAL, loucura, stultitia, vesania, furor, morbi mentale, alienatio mentis, He uma moléstia apyrética do cérebro, ordinariamente de longa duração, com perturbação continua ou intermitente das faculdades intellectuaes e affectivas, algumas vezes parcial, com ou sem lesão das sensações e dos movimentos voluntários e, sem desordens profundas e duráveis das funções orgânicas.

A loucura tem sido classificada em differentes espécies: todavia, a divisão hoje geralmente adotada He em mania, monomania, demência e idiotismo. Definimos mania delírio geral, com agitação, irascibilidade e furor; monomania, delírio parcial, com abatimento, morosidade, e inclinação à desesperação. A monomania ainda se subdivida em amenomania, quando o delírio é alegre; e em tristemania, (hypocondryasis, ou lypemania) quando o delírio he triste, o que também tem o nome de melancolia: demência, obliteração ou debilidade accidental das faculdades intellectuaes, a qual, quando provém dos progressos da idade, chama-se demência senil; idiotismo, obliteração ou debilidade congenial da intelligencia.

    Mr. Esquirol subdividia o idiotismo em idiotismo propriamente dito e em imbecilidade. Marca differentes espécies de idiotas, conforme a obliteração intellectual é completa ou mais ou menos intensa, havendo assim em huns obliteração total das faculdades intellectuais, e, por conseguinte, ausência de determinação, mesmo de necessidades. He esta espécie que Mr. Dubois, em seu excelente Tratado de Patologia Geral, dá o nome de idiotas authomaticos, que bem se podem denominar vegetativos. Em outros, a obliteração das faculdades intellectuais não He completa, mas sim levada a hum alto grau de intensidade: estes tem determinação, porem impellidas só pela necessidade. A esta espécie o autor já citado denomina idiotas instinctivos. Finalmente, Mr. Esquirol chama imbecis a aquelles que, sem ter bastante intelligencia para exercer as funcções ordinárias da sociedade, são todavia susceptíveis de algum fundo de educação.

    São estas as divisões e subdivisões mais geralmente adoptadas, como dissemos. Passaremos agora a tratar das CAUSAS, SYMTOMAS, MARCHA, DURAÇÃO, TERMINAÇÃO, DIAGNÓSTICO, PROGNÓSTICO, ANATHOMIA PATHOLOGICA, NATUREZA, SEDE E TRATAMENTO DA ALIENAÇÃO MENTAL.

 

ETIOLOGIA

    Os médicos tem geralmente indagado com tanta mais attenção a origem das affecções da intelligencia, quando privados de princípios certos sobre a sua natureza, sede, contavam alcançar conhecimentos úteis no estudo exacto de suas causas. He, certamente, muito importante remontar à origem das circunstancias que podem influenciar sobre a apparição das moléstias mentaes, por isso que este conhecimento pode fornecer dados proveitosos para obter a sua cura.

    As causas da alienação mental dividem-se em predisponentes e determinantes.

    Causas Predisponentes. – Os climas, as estações, as idades, os sexos, os temperamentos, as profissões, o modo de vida influem muito sobre a freqüência, caracter, duração, crises e tratamento da loucura: Ella pode ser modificada pelos costumes, civilização, situação política dos povos, etc.

    Podem os climas ser causa da loucura, e assim, nos temperados, sujeitos a grandes variações atmosphericas, e principalmente nos que são de uma temperatura alternativamente fria e humida e quente, a alienação He mais freqüente. Se attendermos a esta última consideração, veremos que He Ella uma das causas que influem no grande numero de loucos no Rio de Janeiro, e tanto mais, quando vemos esta classe indigente da Sociedade, por isso que tem menos meios de evitar as influencias nocivas das variações atmosféricas, He a mais atacada da loucura. As estações também influem nas apparições das differentes espécies de alienação. Segundo Hipocrates, Areteus e Celso, a mania é mais freqüente no estio e no outono, a melancolia no outono, e a demência no inverno. Concordamos com esta opinião, por quanto à experiência mostra que no verão, quando no nosso país aparece maior número de alienados, e quase todos os nossos loucos são maníacos.

Idades. - Os meninos são isentos da loucura; entretanto, Mr. Esquirol cita hum autor que diz observara hum menino de dois annos maníaco. O mesmo refere que foi confiado aos seus cuidados hum menino de nove annos, que ficara alienado em conseqüência de huma febre ataxica que soffrêra. Como quer que sejam estes casos aparecem raras vezes, e diremos que a idade de 25 a 35 anos, em ambos os sexos, e em qualquer condição da vida, He a que mais frequentemente apparece a loucura. Nas mulheres He mais freqüente que nos homens até a idade de 20 anos, e da de 50 em diante. Poder-se-há convencer desta verdade, attendendo-se a que as mulheres não poucas vezes a difficuldade do apparecimento das regras, por qualquer lesão orgânica do útero, a suppressão dessas mesmas regras, as affecções hystéricas, hum amor contrariado, são causas da alienação, como faremos ver em outro lugar, e que ordinariamente estas causas existem com mais freqüência antes da idade de 20 anos.

Sexos.- Alguns autores asseguram que as mulheres são menos sujeitas à loucura do que os homem. Mr. Esquirol não He desta opinião, e diz que fazendo-se huma comparação rigorosa entre as estatísticas dos alienados de todos os países, o número de mulheres He maior que o dos homens; mas que esta diferença se aproxima da proporção que existe no estado geral da população. Crê, alem disto, que o número de mulheres não he maior  em todos os paizes; diz que em França, por exemplo, He mais considerável, e dá como causa os costumes e a educação, por isso que em Paris elas freqüentam mais os espetáculos e os círculos, abusam da musica, empregam-se na leitura de romances, etc. o que as torna mais predispostas à perturbação da razão. Na Inglaterra, porém, onde os costumes e a educação das mulheres são mais austeras, o número dos  homens alienados He maior. Quanto a nós, estamos inclinados a crer que a differença do sexo pouco influe na aparição da loucura, e que pode Ella acometer, em diferentes paizes, maior ou menor número de homens ou mulheres, segundo as circunstâncias de educação, costumes, profissão, etc; pois, se na mulher existe a predisposição de maior irritabilidade, e menor desenvolvimento dos órgãos da intelligencia, o que incontestavelmente contribui para a alienação mental, o homem, todavia, pelo lugar que ocupa na sociedade, exposto como He, a hum sem número de contrariedades, desconhecidas à mulher, está, por esta parte, mais sujeito a alienar. Não podemos dizer a que sexo pertence o maior número de alienados no Rio de Janeiro, por quanto, não temos ainda, infelizmente, estabelecimentos regulares para a cura desta enfermidade, impossível nos foi formar huma estatística que, ao menos, tivesse o vislumbre da probabilidade; todavia cremos que o número dos homens He maior.

Temperamentos. - Sendo mui difícil encontrar-se temperamentos simples na prática, He por isso quase impossível determinar com precisão, o temperamento deste ou daquelle individuo, e esta dificuldade ainda cresce quando se trata de hum alienado, onde são tão variáveis as modificações que apresentam seus gestos, porte e physionomia. Em todo o caso, os autores concordam em que o temperamento nervoso predispõe mais à alienação mental, em geral, no entanto que o temperamento sanguíneo predispõe  particularmente à mania; o nervoso, caracterizado por huma susceptibilidade que tudo irrita e exaspera,  He favorável à monomania; o lymphático póde-se encontrar nos maníacos e monomaníacos, mas então deve-se temer que se tornem dementes; huma constituição apoplética, a cabeça grossa com diminuição no desenvolvimento das regiões frontaes, e o pescoço curto produzem a demência. Os idiotas e imbecis não apresentam hum typo certo de temperamento.

Profissões e modo de vida. - As pessoas que se dão a estudos mui sérios e apurados, e se entregam ao fogo da sua imaginação, fatigando sua inteligência com grandes theorias e hypotheses, ou concentrando suas idéias sobre hum só objeto, apresentam huma condição mui favorável a tornar-se alienadas. Dryden diz que os homens de gênio aproximam-se dos loucos. Se esse autor quizesse fallar dos homens, cuja imaginação He mui viva e desordenada, e que tem huma grande mobilidade em suas idéias, teria razão em compará-los aos loucos: mas querer-se dizer que huma grande capacidade de capacidade de intelligencia He huma predisposição à loucura, entendemos ser um grande erro, porque gênios mui profundos, grandes poetas, exímios pintores tem havido, no entanto que conservam a sua razão ilesa até a extrema velhice. – A loucura He sempre mais freqüente nos homens cujas profissões dependem das vicissitudes sociais; e por conseqüência, os cortesões, os homens que ocupam grandes empregos na sociedade, os ricos, os negociantes que fazem especulações arriscadas, os militares ludíbrios dos caprichos da fortuna, são mais sujeitos a esta moléstia.

    As profissões que expõem o homem à insolação, aos vappores do carvão, tais como os cozinheiros, padeiros e mineiros, são predispostos também à loucura. Mr. Esquirol diz, que o vapor do chumbo produz, na Escócia, huma mania particular, na qual os maníacos em seu furor mordem-se desapiedadamente; os paizanos escoceses dão a esta mania o nome de Mill-reeck. O mesmo autor diz, que os mineiros do Peru e do México são também sujeitos a huma loucura particular. Em suma, póde-se dizer, fallando em geral, que profissões próprias a excitar fortemente a ambição do homem e expô-lo às vicissitudes  da fortuna, são as mais favoráveis para o apparecimento da loucura.

    A passagem de huma vida ativa a huma passiva He causa poderosa da alienação mental; por isso alguns autores dão a occiosidade como huma das suas causas constantes. O augmento da civilização também concorre para augmentar o número de loucos; não porque a actividade da vida intellectual e os revezes da fortuna são tão freqüentes no meio dos movimentos rápidos de uma civilização avançada, quanto são raros nas sociedades novas ainda e pouco industriosas, nas quais o homem tendo satisfeito suas necessidades physicas, tranqüilo, como qualquer outro animal, dorme no somno profundo da indiferença, até que novas necessidades se façam sentir. Dahi vem que nos campos há menos loucos que nas grandes cidades, e que os camponeses são mais propensos a loucuras religiosas ou eróticas, e porque são elas provocadas por paixões simples, pelo amor, pela cólera, e por infados domésticos; no entanto que nas cidades He as mais das vezes produzida pelo amor próprio lesado, a ambição frustrada, os revezes da fortuna. He por isso que na Inglaterra, diz  Esquirol, onde se acham reunidos todos os caprichos, onde as transcoes commerciaes se aumentam progressivamente, e se arriscam em especulações longínquas, a alienação He tão freqüente.

    Huma educação viciosa pode ser causa da alienação mental. M M. Pinel e Esquirol citam alguns fatos a respeito.

    Os costumes também influem muito no desenvolvimento desta enfermidade. Por exemplo, o uso immoderado do vinho e das bebidas alcoólicas predispõe a loucura, enfraquecendo as faculdades intellectuais; e a isto  atribue M.Esquirol metade das alienações na Inglaterra, onde até os primeiros homens D’ Estado se não pejam de hum abuso que tanto avilta o homem. Sendo assim, não deve extranhar que os suicídios sejam tão freqüentes entre os Ingleses.

    Os prazeres venéreos, levados a excesso e sem escolha, degradam e enfraquecem a razão do homem: o celibato, sobre tudo quando forçado, também concorre para aliená-la. Não há quem não tenha experimentado que as Senhoras que envelhecem sem se casarem, tornam-se rabugentas, e depois muitas vezes monomaníacas: e assim sua imaginação enfraquecida lhes afigura fogo, ladrões, fantasmas, inundações etc. etc., e com taes visões incomodam durante a noite pessoas da família.

    As idéias de huma religião supersticiosa são também causa da loucura, e por isso na Itália a melancolia religiosa He mui freqüente.

    O onanismo, esse flagelo da espécie humana, He mais funesto ao homem que à mulher. Se a continência, como dissemos He causa algumas vezes da alienação mental na mulher, a libertinagem o He ainda mais, principalmente nas mulheres públicas.

    Dizem os autores, que a forma de governo influe na produção da loucura. Somos deste parecer, pois se pode influir sobre as paixões e costumes dos povos, não surpreenderá que também concorra para a alienação mental, por isso que muitas vezes He causada pelas paixões e pelos costumes. Alem disto, Scott assegura que viu mui poucos loucos na China; muitos viajantes dizem que na Turquia e na Hespanha o número dos alienados He mui limitado, do que se segue, que nos países que gemem sob o jugo do despotismo, que suffoca as luzes e comprime as paixões, o número dos alienados He menor. De outro lado, o governo republicano ou representativo, dando mais liberdade à expressão dos pensamentos, e pondo as paixões mais em jogo, deve ser mais favorável ao desenvolvimento da loucura. Escrevemos este artigo para assignarmos mais huma causa da alienação mental, o que He de nosso dever como prático, e jamais com o intuito de encetarmos huma questão política.

    Os effeitos das revoluções são também causas da loucura, por isso que trazem após de si a perda das fortunas e dos empregos a muitos indivíduos; os pais teem a lamentar a morte de seus filhos, estes a  de seus pais, a esposa do esposo, etc. etc. Não estranha portanto, que os lamentáveis estragos e desordens que seguem as revoluções, serão capazes de perturbar a razão humana. M. Esquirol, para dar força a esta causa, diz que o numero de alienados aumentou consideravelmente em Paris, depois da revolução de 1789; mas cremos que deve-se também ter em linha de conta o aumento progressivo da população, e os melhoramentos que os estabelecimentos dos alienados teem tido em Paris, depois que Mr. Pinel deu impulso ao estudo e tratamento da alienação mental; e por isso, muitos loucos que em outros tempos, teriam permanecido no seio de SUS famílias, outros em conventos e prisões, se acham confinados aos cuidados da medicina nestes estabelecimentos, tanto públicos como particulares, nos quaes podem-se formar estatísticas perfeitas; e como todos ali se acham, He por isso que parece ter o seu número avultado.

    Todas as causas que acabamos de referir predispõem a loucura, e algumas a determinação. Passaremos a tratar das causas excitante, que dividiremos em physicas e moraes.

Causas Determinantes Physicas. - Poucas moléstias há, em que a influencia hereditária esteja mais provada que na alienação mental; e na verdade, em quase todas as famílias em que há alienado, ordinariamente não He elle o único: ou o pai, ou a mãe, ou alguns dos seus ascendentes, padeceu desta moléstia. No Hospital da Santa Casa da Misericórdia, houve um alienado, que tinha hum filho também louco, no mesmo Hospital, e consta-nos que este sujeito tinha na Bahia outro filho com a mesma moléstia. Conhecemos huma família, no interior da Província do Rio de Janeiro, e aliás,  bem ramificada, da qual todos os membros, mais ou menos, padecem da loucura. Temos notícia de outra família em que existem dez filhos e todos o são, huns idiotas e outros imbecis: a mãe destes indivíduos e a avó também são idiotas. Outros muitos factos, não só no nosso paiz, mas ainda referidos em todos os autores que tem escripto sobre a alienação mental, provam quanto  disposições  hereditárias concorrem para o apparecimento da loucura, os quais não referiremos, porque não haverá quem não esteja convencido desta verdade.

    Differentes moléstias do cérebro, a meningitis, a encephalitis, a hysteria me a epiplepsia, degeneram muitas vezes em moléstias mentais.

    A epilepsia, particularmente, se termina pela loucura. Mr. Esquirol diz que de trezentos epylépticos que se achavam no hospital da Salpetrière, mais da metade eram alienados, huns imbecis, outros dementes, alguns maníacos e mesmo furiosos. Conhecemos hum indivíduo affectado desta moléstia, a qual depois dos acessos, torna-se imbecil por muitas horas; e a medida que  estes se repetem, as faculdades intelectuaes se lhe vão enfraquecendo e deteriorando. A hysteria e a hypocondria também degeneram e passam muitas vezes à loucura. Isso tem feito confundir estas moléstias com a alienação mental, por hum grande número de autores antigos e modernos.

    A menstruação, que tem grande influência em quase todas as moléstias das mulheres, não pode ser estranha à produção da alienação mental. Na verdade, os esforços e os embaraços da primeira menstruação determinam a loucura. As desordens e a cessação dos menstros provocadas, seja por causas accidentais, seja pela idade crítica, produzem a loucura. Mr. Esquirol refere hum facto de huma moça que se achava demente havia dez anos, por efeito da suppressão das regras: hum dia, estas lhe appareceram, e logo recobrou o uso da razão. Cita outro exemplo De huma mulher que enlouqueceu na primeira menstruação, e ficou curada quando tocou à idade crítica.

    A leucorreia, que muitas vezes he suplementaria dos mênstruos, e a que as mulheres que tem uma vida sedentária são tão sujeitas, suprimindo-se, causa também a loucura.

    A suppressão das hemorróidas He quase tão funesta aos homens, como a da menstruação às mulheres. He, no Rio de Janeiro, huma causa muito ordinária da perda da razão.

Os partos e a suppressão dos loquios ocasionam muitas vezes a loucura. Os efeitos desta causa são tão geraes e conhecidos que nos dispensamos de citar exemplos.

    A suppressão de dartros, em ambos os sexos, a da transpiração, do corrimento nasal, das blenorragias, de huma ulcera, de hum exutório, repercussão da sarna e da gota, são muitas vezes causas da alienação mental.

    Finalmente, pode a loucura ter outras muitas causas, e no número delas notaremos as febres de Mao carácter, algumas affecções crônicas, o abuso e mesmo o uso de medicamentos excitantes que obra, fortemente sobre o sistema nervoso, etc. etc.

Taes são em geral, as causas physicas da alienação mental. Trataremos agora das Moraes, que contribuem mais commummente para a produção da loucura do que aquella.

 

Causas determinantes Moraes. -Empresa temerária seria o pretender traçar hum quadro completo das causas moraes da loucura. Não há, talvez circunstancias na vida, que não se possam tornar causas da alienação mental. Certamente, não haverá quem negue, que muitas vezes a mais simples impressão He capaz de produzir alienação mental, e mui principalmente em hum indivíduo a quem affecta huma indisposição physica, o que bem, prova quanta influência tem o physico  sobre o moral, verdade esta exuberantemente demonstrada por Cabanis. Todavia, as causas mais freqüentes são as emoções vivas, o terror, o amor levado a excesso ou contrariado, o temor, a cólera, a ambição, os revezes da fortuna e os desgostos domésticos.

    Deveríamos ter classificado esta última causa em primeiro lugar, por isso que He a que mais commumemente produz a loucura, se o vocábulo encerrasse huma idéia simples; mas para desgostos domésticos, exprimem-se todas as afflicções, dores, infortúnio e dissensões de família. Não se faz certamente, huma justa Idea do quanto isto obra sobre o homem. Mr. Esquirol, em hum extracto que da sobre alienados da Salpetrière, diz que de trezentos e vinte e três que ali se acham, cento e cinco contavam por causa de desgostos domésticos, pelo que se vê que está na relação de três para hum.

    As primeiras necessidades do homem, limitando-se a sua conservação, não lhe despertam senão determinações do instincto; porém, mais tarde a razão se desenvolve, apparecem os desejos, estes produzem paixões, e estas necessidades que não tem relação alguma com a nossa conservação: são o fructo da nossa intelligencia desenvolvida, e da civilização: e  eis o motivo porque os autores concordam em dar actividade forçada da intelligencia nos progressos da civilização, como causa da alienação mental; eis, portanto, também a razão porque a infância He isenta da loucura.

    Mr. Esquirol diz que as paixões alegres são raramente a causa desta moléstia, e mesmo parece duvidar que jamais o sejam, se dermos attenção a esta sua phrase. “He singular que hum excesso de alegria, capaz de matar, não roube a razão, no entanto que hum dissabor provoca tantas vezes a perda dela”. Apesar do respeito que tributamos às luzes de Mr. Esquirol, não concordamos com a sua opinião, porquanto não podemos crer que huma paixão alegre, que, como elle diz, mata, não seja capaz de produzir a alienação. Não discutiremos que sejam tão constante como as que provem das sensações tristes, mas seria muito degradar a espécie humana dizer-se que só paixões tristes, motivos de ambição, amor próprio offendido, etc. etc., são capazes de perturbar a sua razão. Algumas causas moraes se combinam ordinariamente com as physicas, particularmente nas mulheres, e produzem a alienação mental. Todos os dias encontram-se casos desta natureza. (Continua)

   

 


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