Volume 16 - 2011 Editor: Giovanni Torello |
Fevereiro de 2011 - Vol.16 - Nº 2 Psicanálise em debate O DIVÃ E A BOLHA FINANCEIRA (*) Sérgio
Telles * A grande crise econômica de 2008 –
tida por muitos como a maior da história e cujos desdobramentos continuam em
expansão - pegou a todos de surpresa por ter passado inadvertida pelas
instâncias reguladoras que supostamente deveriam detectá-la, ficando assim
evidenciada a necessidade de serem revistos protocolos e procedimentos, bem como
de serem elaboradas novas abordagens que permitam um maior entendimento da
própria economia. Com este objetivo, foi criado o Institute for New Economic Thinking (INET), graças à doação de 50 milhões de dólares
feita por George Soros. Sediado Dentre elas, merece especial
atenção “A proposal to develop
an emocional finance”
(“Proposta para desenvolver uma finança emocional”), de David Tuckett, membro do Instituto de Psicanálise de Londres e
professor visitante de Psicanálise no University College London. Nela Tuckett
afirma que, por mais sofisticadas que possam parecer, as teorias econômicas sobre
os mercados financeiros são bastante fantasiosas quando vistas a partir de uma
perspectiva interdisciplinar. Afinal, é humanamente impossível saber o quanto
valerão no futuro os ativos manipulados pelo mercado financeiro. Mas aqueles
que trabalham com isso são forçados a agir como se tivessem tal conhecimento, criando
conjecturas fictícias com as quais constroem um futuro imaginário, minimizando
a intrínseca incerteza na qual está ele imerso.
Tuckett diz ser
fundamental reconhecer e aceitar esta incerteza, pois os ativos financeiros são
abstratos, oscilam com facilidade com altas e baixas, provocando alterações no
estado mental dos gestores que lidam com eles – deixando-os excitados quando
ganham ou em pânico quando perdem. Mais ainda, não pode ser negado que o estado
mental dos gestores pode oscilar, independentemente dos fatos do mercado. Na pesquisa financiada pelo INET, Tuckett pretende mostrar que as tomadas de decisão no
mercado financeiro são baseadas não em conclusões racionais e lógicas, e sim em
estados emocionais dos gestores e em histórias fantasiosas criadas por eles
mesmos. Caso suas hipóteses se
comprovem, os responsáveis pelo mercado financeiro terão uma maior consciência
da vulnerabilidade que cerca suas decisões. O conceito de “finança emocional”
tem sido trabalhado pelo psicanalista desde 2006, quando recebeu uma bolsa da Leverhulme Research para
pesquisar o comportamento dos mercados financeiros sob o ponto de vista
psicanalítico, procurando entender a razão da instabilidade destes mercados, de
tão desastrosas e amplas conseqüências para a humanidade. Mostra
ele como a compra, a posse e a venda de ativos financeiros, em condições
de intrínsecas instabilidade e ambigüidade, necessariamente levam os envolvidos
nestas transações a desenvolverem, frente a elas, uma forte ambivalência
emocional, bem como inúmeras fantasias inconscientes. A hipótese de Tuckett
é que são justamente as fantasias inconscientes dos gestores, as oscilações em
seu estado mental e o funcionamento da psicologia de grupo o que pode explicar a
formação das bolhas financeiras, um grave problema para o qual as teorias
econômicas convencionais não oferecem explicações satisfatórias. Supõe que no processo
de tomada de decisão financeira ocorre o mecanismo inconsciente de cisão, em
função do qual ficam separados e expulsos da consciência os pensamentos que
provocam emoções dolorosas, como a dúvida, a angústia e o medo. Isso faz com
que fique impedida uma avaliação mais realística da situação, aumentando o
risco de futuras instabilidades financeiras, com funestas e globalizadas
conseqüências. Uma teoria interdisciplinar que integre os conhecimentos
psicanalíticos pode ser mais útil para os agentes econômicos que as teorias
vigentes, pois estas contrastam as tomadas de decisão entre racionais e
irracionais, levando em conta apenas o pensamento lógico consciente. Desta forma, Tuckett
pretende criar uma nova abordagem teórica sobre a economia dos mercados
financeiros, salientando a importância das inevitáveis pressões e conflitos
emocionais decorrentes da responsabilidade de gerir grandes ativos, o que pode ter
sérias conseqüências sobre o estado psíquico dos próprios gestores bem como
para a estabilidade do mercado como um todo. Tais idéias estão expostas em seu
livro “Minding the Market: An Emocional Finance View of
Financial Instability”, a ser lançado em junho
próximo pela editora Palgrave-Macmillan, em Londres e
Nova York. Depois de Marx, não é possível
ignorar a importância central da economia na sociedade. Que uma instituição
como o INET tenha escolhido a proposta de Tuckett
entre tantas outras é um reconhecimento da vitalidade do pensamento
psicanalítico, imprescindível para a compreensão dos fenômenos humanos. (*) Publicado no Caderno 2 do jornal “O Estado de São Paulo” em 19/02/11
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