Volume 16 - 2011 Editor: Giovanni Torello |
Julho de 2011 - Vol.16 - Nº 7 Psiquiatria na Prática Médica
SINTOMAS CLÍNICOS INDEFINIDOS Gabriela Assumpção Introdução Alguns transtornos tangenciam a clinica médica e a psiquiatria. Este trabalho teve como objetivo uma revisão de trabalhos na base de dados da Cochrane-Bvsalut sobre estas desordens. A maneira mais didática de entender essa sucessão de termos parecidos e confusos pode ser assim:1
Eles permanecem com muitas questões que merecem ser investigadas por suas consequências, como a diminuição da qualidade de vida, absenteísmo e alto custo para diagnóstico e tratamento , embutidos em sua manifestação. Transtornos somatoformes são aqueles em que há a presença de sintomas físicos que sugerem uma situação médica geral, mas sem base médica constatável, pelos efeitos diretos de uma substância ou por qualquer outro transtorno mental.1 Os sintomas devem causar um desconforto clínico significativo, prejuízo social, ocupacional ou em outras áreas de ação. Ao contrário dos transtornos auto-induzidos ou simulação de doença, os sintomas físicos não estão sob controle voluntário. A quantidade de recursos financeiros aplicados na atenção e prestação de cuidados de saúde em sua totalidade ou com seus componentes, seja por pessoas, grupos, países ou instituições públicas e privadas é alta e merece abordagens diferenciadas.1 As evidências demonstram que cada vez mais é premente a necessidade de melhor entendimento dessa condição, muito freqüente em diferentes áreas médicas, já que ela gera altos custos para os sistemas de saúde. A somatização é frequentemente encontrada nos diversos serviços de saúde e apresenta controvérsias quanto a sua abordagem, diagnóstico e encaminhamentos para tratamento.2 Mais estudos sobre classificação são necessários no sentido de solucionar controvérsias, simplificar o diagnóstico e melhorar as dificuldades da diferenciação entre as somatizações e sintomas somatoformes por parte dos profissionais da saúde. Em uma revisão da literatura conduzida nos indexadores Medline e Lilacs, entre os anos 2001 e 2004, com os termos somatização, transtornos somatoformes e medicina psicossomática foram encontradas contradições nas definições, usos e classificação da somatização.2 A maioria dos artigos do período (191) enfocava a somatização na psiquiatria, seguida por outras especialidades médicas (139), observando-se grande dispersão dos contextos e situações clínicas em que ela é empregada.2 Dentro da busca de dados mais aprofundados sobre o transtorno somatoforme, um trabalho avaliou 1751 pacientes e foi observado que desordens somatoformes, depressão e ansiedade foram mais frequentes em pacientes idosos, com menos nível educacional, e mulheres. Os participantes do trabalho foram visitados e foi observado que quanto mais duradouro o transtorno, mais perdas sociais e financeiras foram observadas. Entre as doenças psiquiátricas, a depressão, em comorbidade com sintomas somáticos e ansiosos estavam associados a um maior decréscimo em todos aos aspectos de qualidade de vida. Este resultado pode indicar a necessidade dos médicos observarem outros aspectos da vida do paciente. 3 Custo do transtorno Diversos trabalhos em todo mundo apontam a necessidade de mensuração dos custos deste transtorno. O custo pessoal de uma doença aguda ou crônica para o paciente pode ser econômico, social ou psicológico, com perda pessoal, familiar ou comunitária imediata. O custo da doença pode se refletir no absenteísmo, produtividade, resposta ao tratamento, paz de espírito, qualidade de vida, etc. Diferentemente, mas não menos importantes, são os custos dos cuidados de saúde que significam o custo social de oferecer serviços relacionados com cuidados de saúde, e não o impacto pessoal nos indivíduos. Em Raza, dois grupos foram estudados no centro medico nacional. Um
grupo de 47 pacientes com sintomas somatoformes e 60 pacientes com
sintomas somáticos com indicação de cirurgia tiveram os custos de seu
tratamento apreciados. Os valores fornecidos pelo centro financeiro do
hospital quantificaram que os pacientes cirúrgicos apresentavam custos
mais baixos que os que apresentavam sintomas somatoformes.4 Comorbidades As dificuldades no diagnóstico dos transtornos somatoformes esbarram nas mais diversas comorbidades psiquiátricas encontradas em seus portadores. Na Espanha foi realizado um trabalho com desenho epidemiológico caso-controle para avaliar a personalidade dos pacientes com somatização. Foram estudados 70 pacientes com transtorno de somatização e 70 pacientes com transtornos de humor e ansiedade de um serviço ambulatorial de psiquiatria. Os pacientes com transtorno de somatização apresentaram 62.9% de comorbidade de transtornos de personalidade e apenas 28,2% nos pacientes com transtorno de humor e ansiedade. Existe a intenção de se avaliar os subtipos dos transtornos de personalidade apresentados no sentido de uma melhor compreensão.6 Na Alemanha foi aplicada uma entrevista clinica estruturada do DSM
IV em 87 pacientes de um serviço de ortopedia, a fim de se distinguir
pacientes com transtornos somatoformes de dor, de pacientes que não
apresentavam nenhum sintoma psiquiátrico. Maguire (1998) estudou 81 pacientes após tratamento de câncer, livres da patologia e de doença residual (metástases, etc). Foram avaliados os sintomas psiquiátricos, severidade dos sintomas, ansiedade e depressão. Foram incluídos no grupo pacientes que apresentavam sintomas como dor (19%), fadiga (17%), sintomas sensoriais (30%), e sintomas mistos (27%) através da the Scale for Assessment of Somatic Symptoms, Hospital Anxiety and Depression Scale, Psychiatric Assessment Schedule, and DSM-III-R. Foram encontrados maiores escores de sintomas somáticos (p<0.001) em pacientes com depressão e ansiedade (19%) e transtorno somatoforme (15%).8 Pacientes com transtorno dismórfico do corpo também apresentam altos escores de sintomas somáticos, e a fluvoxamina apresentou uma significativa diminuição destes escores.9 Transtornos de personalidade hipocondríacos foram vistos em um período de 2 e 5 anos em um trabalho randomizado em pacientes com transtorno de ansiedade generalizada, pânico e distimia. Em 181 pacientes, 9% (17) apresentavam transtornos de personalidade hipocondríacos com menos resposta nos tratamentos realizados no serviço primário. Houve aumento quando o transtorno de personalidade hipocondríaco esteve associado com somatizações. O transtorno hipocondríaco deve ser levado em consideração na avaliação de sintomas clínicos.10
Tratamento A relevância dos custos e das perdas correlacionadas com os transtornos somatoformes estimulam a criação de novos tipos de intervenções e tratamentos e também suscitam o desenvolvimento de trabalhos que avaliam estes tratamentos, além de uma constante comparação entre eles. Alonso e Sanches apresentaram uma nova intervenção em pacientes com sintomas somáticos inexplicados clinicamente, baseada em técnicas especificas de comunicação. Estas técnicas foram positivas para auxiliar a compreensão do sofrimento dos pacientes com sintomas somáticos, que apresentaram sérias dificuldades de expressão e de promover mudança de vida. Pacientes com problemas psicossociais podem se beneficiar com técnicas de comunicação.11 Estudos que descrevem a ação de psicofármacos e associações. Papakostas (2008) realizou um trabalho onde a proposta foi examinar o quanto a presença e severidade de sintomas físicos e somáticos de ansiedade prediziam respostas clinicas em 12 semanas com o uso de fluoxetina em dosas de 20 a 60 mg nos pacientes com depressão maior. A presença e severidade dos sintomas físicos e somáticos de ansiedade foram avaliados pela Symptom Questionnaire and the Hopkins Symptom Checklist e Hamilton Scale, em 518 pacientes com depressão maior e pelo método de regressão logística foi avaliada a relação entre a resposta clinica dos pacientes sob o uso de fluoxetina.12 Em todas as avaliações a fluoxetina foi um bom preditor dos sintomas. Três graus decrescentes de respostas foram vistas 64.2%, 55.4%,e 48.9%, respectivamente. Em todas as sub-escalas aplicadas foi verificada significativa predição de resposta no tratamento com fluoxetina.12 A presença e severidade de sintomas somáticos aumentam a probabilidade de baixa resposta da fluoxetina nos transtornos de depressão maior. Também o uso da mirtazapina em comparação com a venlafaxina foi avaliado no tratamento dos sintomas somáticos indiferenciados usando o Patient Health Questionnaire-15 (PHQ-15). Ambos antidepressivos ( mirtazapina e venlafaxina) foram efetivos (29,4% na mirtazapina) e 26.6% (venlafaxine) no tratamento de pacientes com sintomas somáticos indiferenciados. Desenhos de duplo cego e com placebo são sugeridos.13 Sintomas somáticos são muito prevalentes entre crianças e adolescentes com desordens de ansiedade e estão associadas com a ansiedade.14 Maguire afirma que pacientes após tratamento de câncer que foram adequadamente tratados com psicotrópicos e avaliados após seis meses tiveram uma nova mensuração. Observou-se uma redução significativa dos sintomas somáticos (p<0.001), bem como da ansiedade e depressão ( p<0.001). Isso indica que os sintomas somáticos persistem em pacientes com neoplasias após tratamento e a intervenção psiquiátrica se faz necessária para melhorar a qualidade de vida.4
Transtornos somatoformes, somatizações e Saúde Pública Nos serviços primários de saúde frequentemente são vistos depressão, ansiedade e transtornos de somatização. Uma preocupação constante está na criação de programas públicos de tratamento dos transtornos somatoformes que tanto encarecem o sistema.15 Somatização é um fenômeno que foi descrito de diversas maneiras. Dos dois conceitos mais frequentemente utilizados no diagnóstico são sempre mencionadas a presença de sintomas indefinidos e inexplicados clinicamente. Sintomas de instabilidade recaem sobre pacientes que somatizam.16 A desordem multisomatoforme é um novo diagnóstico baseado nos sintomas clinicamente indefinidos. Uma alta prevalência, um sério impacto e pior funcionamento físico no decorrer dos anos sugerem a importância da intervenção nos serviços primários de saúde. Existe uma grande efetividade no tratamento da somatização com intervenções cognitivo-comportamentais e farmacológicas e visitas em 12 meses de acompanhamento nos serviços primários de saúde.9 A dificuldade do tratamento dos pacientes com sintomas
inespecíficos e somatoformes normalmente causa frustração nos médicos clínicos que
os atendem, e a despeito de testes de alta qualidade, respondem mal a todos os
tratamentos.17 Esta intervenção multifacetada e baseada em princípios de terapia cognitivo-comportamental promoveu uma relação mais próxima dos pacientes pelos profissionais técnicos e enfermeiros na manutenção dos medicamentos dos pacientes com sintomas físicos inespecíficos. Na pesquisa foram acompanhados 101 pacientes por enfermeiras e técnicos, enquanto 102 controles continuavam receber apenas o tratamento dos médicos clínicos. A complexa intervenção interdisciplinar nos pacientes do serviço primário incluiu a discussão de encorajamento a mudanças e busca de soluções para problemas individuais destes pacientes.17 Um outro estudo prospectivo avaliou o custo-beneficio de um acompanhamento cognitivo-comportamental em pacientes com transtornos somatoformes em serviços especializados terceirizados. Foram acompanhados 54 pacientes com sintomas inespecíficos
classificados como transtorno de somatização e 67 pacientes com sintomas
clinicamente definidos. Em 84 pacientes com desordens somatoformes foi testada a terapia cognitivo comportamental e uma avaliação foi realizada com 3, 9 e 15 meses de tratamento. Em 15 meses de tratamento os sintomas somáticos foram significativamente menores e menos severos do que em pacientes que fizeram tratamento medicamentoso e psicoterápico. Isso demonstra que a terapia cognitivo-comportamental é eficaz no tratamento de pacientes com transtornos de somatização.19 A fluvoxamina foi efetiva no tratamento e reduziu os sintomas somáticos em crianças e adolescentes.20 A efetividade da sertralina e da fluoxetina foi comparada por 12 semanas em pacientes com transtorno de somatização. Ambos os tratamentos foram eficazes e bem tolerados, e desenhos controlados podem ser mais elucidativos.21 Este trabalho avaliou a eficácia da fluoxetina em pacientes com transtornos somatiformes. Houve uma significativa entre o uso da fluoxetina e o placebo. Fluoxetina teve uma ação analgésica melhor que o placebo no tratamento de pacientes com transtornos somatiformes persistentes e o efeito analgésico deve ser relatado como um efeito antidepressivo. O tempo de reabilitação em pacientes com e sem sintomas psiquiátricos foi avaliado. Em alguns aspectos pacientes com transtornos psiquiátricos se beneficiaram mais que os que não apresentavam estas comorbidade. Intervenções psicológicas no auxilio da reabilitação em pacientes ortopédicos internados é recomendada em pacientes com comorbidade psiquiátricas.22 Trinta pacientes ambulatoriais com idades entre 22 e 64 anos com
sintomas somatoformes foram tratados com sulpirida e supirida racêmica (SLP). Todos
os pacientes tratados demonstraram uma melhora com a supirida racêmica, Uma revisão sistemática na literatura sobre neuroimagem nas desordens somatoformes foi realizada. 23 As evidências indicam que quando comparados com grupos sem a desordem, o diagnóstico de desordem somatoforme está associada a um aumento da atividade na região do sistema límbico em resposta do estimulo de dor. E também já foi observado um decréscimo generalizado na densidade da massa cinzenta, entretanto a metodologia ainda e restrita no tocante a interpretação destes achados. O debate sobre a neurofisiologia e a correlação dela com etiologia e a natureza dos transtornos somatiformes tem sido estimulado. Os parâmetros bioquímicos sugerem que não existe uma uniformidade na distribuição de todos os mecanismos de neurotransmissão. A desordem de dor somatoforme foi associada com o sistema de transmissão serotoninérgico e indiretamente com o sistema noradrenérgica. O tratamento medicamentoso se apoia nestes achados. Conclusão. Em suma, o transtorno somatoforme, de somatização etc, ainda permanecem com muitas controvérsias e pelo custo financeiro e na qualidade de vida merecem estudos mais aprofundados. Referências – Com a autora – [email protected]: Base de dados- http://cochrane.bvsalud.org/
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