Volume 22 - Novembro de 2017
Editor: Giovanni Torello

 

Novembro de 2011 - Vol.16 - Nº 11

COLUNA PSIQUIATRIA CONTEMPORÂNEA

EXPOSIÇÃO DO TRABALHO DO PROF. ANIBAL SILVEIRA SOBRE AS LEIS ESTÁTICAS E DINÂMICAS DA INTELIGÊNCIA E SUAS APLICAÇÕES À PATOLOGIA MENTAL

Edson Engels Garcia dos Santos
Psiquiatra e Psicoterapeuta


Resumo – apresenta-se aqui uma síntese das idéias essenciais que nortearam o ensino e a construção da psiquiatria de Aníbal Silveira no Pavilhão Escola do Hospital Juqueri, hoje denominado Pavilhão Aníbal Silveira Residência Médica. O artigo foi elaborado a partir de notas de aulas e palestras na época em que fui professor na citada residência sob a direção de Aníbal Silveira.

 

Um dos pontos norteadores da psiquiatria de Aníbal Silveira foi a consideração da existência de íntima relação entre a distribuição topográfica das alterações anatômicas e os quadros psiquiátricos.

A doutrina positivista das funções cerebrais permite uma interpretação destas relações, tanto do ponto de vista estático quanto dinâmico, explicando numerosos fenômenos mórbidos que escapam às demais concepções teóricas admitidas em geral nos meios psiquiátricos. Tais concepções são filiáveis, em última análise, a duas correntes: uma centrista, segundo a qual o trabalho cerebral decorre de inúmeros centros especializados, e outra, unitarista, para a qual as funções cerebrais formariam um todo indivisível. Ambas as escolas discutem, na chamada “patologia cerebral”, somente as perturbações de origem lesional. Para Aníbal Silveira, “nem os quadros mórbidos de natureza dinâmica, nem as diferentes possibilidades de repercussão patológica, nem principalmente, as condições essenciais de normalidade psíquica podem ser esclarecidos mediante os recursos de que dispõem elas”. Limitam-se, em última instância, a observar apenas a lesão topográfica e os distúrbios funcionais aparentes.

Por outro lado, a doutrina iniciada por Augusto Comte estabelece as condições indispensáveis à harmonia cerebral, para daí deduzir as variações patológicas.

Comte, aplicando o método subjetivo, procedeu à investigação da economia cerebral baseado na inspiração sociológica e nas verificações zoológicas e estabeleceu as funções elementares que integram o mundo subjetivo, identificando os órgãos correspondentes. Descobriu também as leis que regem o funcionamento destes órgãos, ou seja, como o dinamismo destas áreas desempenha as funções simples da personalidade. As alterações das leis do entendimento, no conjunto funcional, é que formam o feitio do quadro clínico.

Ao retomar as concepções de Aristóteles, aperfeiçoadas por Leibnitz e Kant, Comte demonstrou que a mente humana é essencialmente ativa frente ao ambiente, colhendo o intelecto, em condições normais, as impressões ambientais do modo intencional e seletivo.

Esta colheita espontânea do intelecto é determinada sempre pelas necessidades da vida afetiva, e só se torna possível graças ao concurso da atividade prática, também subordinada aos móveis afetivos.

            O trabalho mental é impulsionado pelas necessidades afetivas, mas sua estimulação, alimentação e regência provêem do espetáculo ambiental. Portanto, o setor intelectual da personalidade tem dupla subordinação, qual seja ao mundo dos instintos e sentimentos e ao ambiente objetivo. Por esta dupla subordinação pode-se entender a dualidade de tipos do trabalho de elaboração: passivo, ou contemplação, e ativo, ou meditação; porém a finalidade de agir sobre o mundo exterior, a aplicação da inteligência, exige um terceiro tipo de função: a comunicação ou linguagem. Constitui esta última o principal atributo da condição humana, pois permite estabelecer a continuidade histórica (Comte), ou a tradição cumulativa, como chamou Lorenz.

            Através dos órgãos da contemplação a mente humana recolhe os estímulos oriundos dos seres, pela observação concreta, e dos fenômenos, pela observação abstrata, os quais permitem chegar a noções do ambiente – imagens primárias. A partir de tais noções inicia-se o trabalho ativo da inteligência quer concatenando-as por comparação, através da função indutiva, quer seriando-as, pela função dedutiva. A parte ativa do trabalho intelectual leva a formação das imagens subjetivas, que são reconstruções aprimoradas da realidade.

            As funções de observação ligam-se de maneira direta com o meio interno e com o meio externo por intermédio do aparelho sensorial. É o aparelho sensorial que fornece as impressões e donde resultam as imagens correspondentes.

            As funções elaborativas, indutivas e dedutivas ligam-se ao meio exterior através da imagem primária, ou seja, as fornecidas pela observação, as quais são selecionadas conforme o interesse afetivo.

            As imagens primárias bastam plenamente para o esforço indutivo de total elaboração, porém para o trabalho dedutivo e principalmente para a função da comunicação – esta (exigida não só pela plenitude da construção intelectual como também pelo mister de estender a atuação ao meio exterior – é necessário que a imagem sofra novo aperfeiçoamento, tendente a simplificá-lo): este é representado pelo sinal, ou imagem simbólica, que é a relação constante entre a sensação e a contração correspondente.

            O trabalho intelectual descrito não se desenvolve de modo arbitrário, mas sim regido por leis peculiares. Estas leis, “buscadas pelos luminares do pensamento humano através das eras” foram sintetizadas de uma forma definitiva pelo Pensador de Montpellier, como parte das leis universais da filosofia primeira.

            Enunciaremos a seguir as leis estáticas e dinâmicas do entendimento. As leis estáticas caracterizam a normalidade do trabalho mental e as leis dinâmicas definem sua evolução.

            Segunda série das leis da filosofia primeira: Leis estáticas do entendimento.       

1o subordinar as construções objetivas aos materiais objetivos;

2o  as imagens interiores são sempre menos vivas e menos nítidas que as imagens exteriores;

3o a imagem normal deve ser predominante sobre as que a agitação cerebral faz simultaneamente surgir.

            Terceira série das leis de filosofia primeira: Leis dinâmicas do entendimento.

1o cada entendimento oferece a sucessão dos três estados, fictício, metafísico e positivo, em relação as nossas concepções quaisquer, mas com uma velocidade proporcional a generalidade dos fenômenos correspondentes;

2o  a atividade é primeiro conquistadora em seguida defensiva e enfim industrial;

3o a sociabilidade é primeiro doméstica e em seguida cívica e enfim universal, segundo a natureza peculiar de cada um dos três instintos simpáticos.

            Neste trabalho consideramos as alterações do trabalho mental apenas quanto às suas condições estáticas.

            Pela primeira lei estática temos que o principio básico da harmonia mental é a sujeição das concepções aos dados do ambiente. Daí se pode inferir, que quanto maior a maturidade intelectual maior a subordinação do mundo exterior de uma forma ativa. Mesmo no estado de alienação, é o meio ambiente que fornece o alimento e estimulo a construção intelectual, embora não mais lhe exerça a regulação ou regência. Na alienação mental propriamente dita, predominam as construções objetivas sobre os materiais objetivos, sob aspecto da regulação.

Tal condição também ocorre em situações normais no período infantil ou mesmo no primitivismo selvagem, devido ao que encontramos nesses dois tipos de infância humana, a extrema liberdade na formação de hipóteses e a incomparável credulidade em fantasias, pois predomina a lógica do sentimento sob a da razão.

            A regência incompleta do ambiente sobre o trabalho intelectual pode, em condições normais, temporariamente se verificar; estas condições são de uma forma espontânea, os sonhos, e provocada, por exemplo, nas sensações da chamada psicanálise, onde o individuo põe a descoberto os sentimentos predominantemente habitual ou os que por motivo fortuito virem estimular as imagens subjetivas. Diante da deficiente nitidez das concepções, das incoerências de simultaneidade, ou de sucessão, da preponderância aparente abstrusa de certas imagens e da concatenação às vezes incongruente das imagens imobilizadas, identificamos, num caso e noutro, os resultados do fenômeno de não constituir então o meio exterior, nem o estímulo nem a regulação do trabalho intelectual. Estas situações são muito importantes como via de acesso a vida subjetiva, pois servem de material ao trabalho psicoterapêutico.

            No domínio patológico, onde ocorrem processos semelhantes de ruptura da primeira lei, porém de forma mais intensa, temos os quadros de liberação do chamado subconsciente, como se verifica nos estados de confusão mental agitada. Encontramos tal transtorno mental de forma mais acentuada em certas acepções de Kleist – onde o distúrbio fundamental consiste na deficiente elaboração dos dados objetivos.

            As concepções delirantes nas desordens alógicas põe em evidência a falta de subordinação ao mundo objetivo, em todos os outros subgrupos das desordens alógicas o mundo do ambiente cessa de regular e de suscitar os atributos intelectuais de elaboração.

            Nas construções delirantes de tipo paranóico o mesmo nas concepções delirantes de tipo interpretativo, o defeito patológico consiste na falta de subordinação ao mundo objetivo, acrescido da formação de hipóteses em desacordo com os dados a serem representados principalmente os ligados a personalidade do individuo, que se fazem complicadas e impregnadas de malevolência. Em suma, há também ruptura da primeira lei da filosofia primeira, lei da formação das hipóteses.

            O oposto do acima descrito ocorre nos estados congênitos de deficiência mental em suas formas de debilidade mental, imbecilidade e idiotia. Nesses casos pode estar conservada, em grau variável, a possibilidade de receber as impressões do mundo objetivo, porém é deficiente a capacidade de seleção e aproveitamento dos materiais coligidos.

            Pela segunda lei vemos que, para que o trabalho mental se verifique em condições normais, do ponto de vista estático, é necessário quando as impressões transmitidas pelos sentidos sejam mais vistas e mais nítidas que as imagens correspondentes, fazendo com que os processos intelectuais sejam precisos e firmes.

            Quanto ao aspecto intelectual, temos dois caos diferentes que caracterizam distúrbios patológicos da percepção por não cumprimento da segunda lei estática. No primeiro caso teríamos o automatismo mental de Clérambault, com alteração apenas da sensação, portanto ao nível do núcleo cinzento da base relativo ao sentido em apreço, com a manutenção da integridade da função contemplativa correspondente. Tal situação permite ao intelecto distinguir a origem espontânea, interna, da vibração que a originou, não confundindo com a impressão real, apesar de o automatismo mental ser dotado, com exceção do estimulo objetivo, de todos os caracteres peculiares às sensações de origem externa. No segundo caso, temos as imagens alucinatórias, onde há também comprometimento da função contemplativa, levando o intelecto a confundir o fenômeno perceptivo espontâneo com o fenômeno determinado pelo mundo exterior.

            Finalmente, uma condição estática deve ser preenchida para a normalidade psíquica, condição definida na 3a lei estática do entendimento. Toda sensação repercute no mundo subjetivo de modo direto nos órgãos da contemplação, e de modo mediato na área da afetividade. Desperta nestas duas regiões inúmera imagens em conexão com o estímulo, das quais a mais adequada e em consonância nas duas regiões, afetiva e intelectual, predomina sobre todas as outras: esta é a imagem normal. As demais imagens suscitadas, chamadas acessórias, são afastadas, sem que este processo seja consciente. Este dinamismo influi profundamente no mundo afetivo, onde são mobilizados sentimentos ligados tanto à imagem fundamental quanto às acessórias.

            Quando as imagens acessórias equivalem à imagem normal, temos a dualidade ou a multiplicidade, sempre inconsciente, das motivações afetivas, que resultam no mal estar da ambivalência, intelectual ou afetiva, produzindo os sintomas neuróticos. As sessões psicoterápicas, fazendo reviver em condições especiais estas imagens sem a ação coordenatória do mundo externo, permitem descobrir os impulsos afetivos envolvidos responsáveis pelo desvio intelectual. Tornado consciente este estado subjetivo, e submetendo psicoterapicamente à elaboração estas imagens inadequadas, pode-se obter sua subordinação à imagem normal e chegar à cura ou pelo menos à atenua,ao dos sintomas neuróticos.

            Encontramos em relação às variações de intensidade entre imagem normal e as imagens acessórias, três diferentes situações. No primeiro caso, temos a idéia fixa, onde a imagem normal é exageradamente destacada das acessórias. Na segunda situação, temos a agitação mental, onde a imagem normal é adequada, porém as imagens acessórias são muito acentuadas, resultando os vários graus da prolixidade e de confusão. E, finalmente, temos a incoerência, decorrente da diminuição de intensidade da imagem normal, que se torna equivalente às acessórias, não permitindo a continuidade adequada do trabalho mental.

Nota adicional

            As Leis estáticas definem a doença e as dinâmicas o evoluir ou regredir da psique. O conhecimento das leis sociológicas da dinâmica do entendimento facilitaria a sistematização entre o CID-10 e DSM- IV. Ouso afirmar, como exemplo, o diagnóstico do transtorno de transe. Os participes do Código Internacional devem convergir que este estado modificado de consciência, melhor denominado como estado hipnóide, como podendo ser entendido por concepções fictícias – animistas, astrolátricas, espirituais, por entidade antropomórficas e todas as variedades politeicas.  Que contem formas úteis de psicoterapia popular particularmente para quadros dissociativos, transtornos pós-traumáticos, quadros de ansiedade e depressão leve (http://www.polbr.med.br/ano05/mour0505.php). Já o DSM-IV - sofre nos profissionais de saúde mental as influencias monoteicas teológicas fundamentalistas das concepções maniqueístas do Bem e do Mal. O transe   para esta magnífica obra da Humanidade que é a America do Norte é fundamentalisticamente o Espírito Santo e/ ou o Demônio. Para eles a Humanidade e os homens não têm ambientes diversos nem história mais antiga.


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