Volume 15 - 2010
Editor: Giovanni Torello

 

Fevereiro de 2010 - Vol.15 - Nº 2

História da Psiquiatria

IRACY DOYLE FERREIRA (1911-1956)

Walmor J. Piccinini

No seu livro Psiquiatras Brasileiros,
Isaías Paim faz uma pequena biografia de Iracy Doyle, o seu sobrenome Ferreira
é deixado em segundo plano. Aparentemente ela também preferia o nome da mãe
como marca. Formou-se em Medicina pela Universidade do Brasil em 1935.
Exerceu a
profissão por 21 anos. Se nome é destino, como gosta de dizer o escritor  Moacyr Scliar, o de Iracy, na língua Tupy
significa Abelha Rainha e em Tupy-Guarani, a mãe do mel.  O nome Doyle, com alguma liberdade histórica
poderíamos associar a mente investigativa do criador de Sherlock Holmes, Arthur
Connan Doyle.  Os nomes originalíssimos
deixaram uma marca na historiografia da psiquiatria e psicanálise brasileira.
Ao pesquisar
sobre Iracy Doyle constatamos que, apesar no nome de origens britânicas,ela
era, na verdade, uma brasileira, natural do Rio de Janeiro, moça de origem
modesta, uma batalhadora que trabalhou como professora municipal para poder
estudar medicina. Vencendo todas as dificuldades da época em que uma mulher
enfrentava muitas resistencias, tornou-se numa figura marcante da medicina, da
psiquiatria e da psicanálise do Rio de Janeiro e do Brasil. Conviveu com
grandes mestres da psiquiatria do seu tempo e conseguiu um espaço ao lado
deles. O Professor Mira Y Lopes, grande mestre espanhol que viveu alguns anos
aqui entre nós, gostava muito dela e de sua capacidade profissional. Aceitou
prefaciar seu livro   “Introdução à
Medicina Psicológica” e nele assim se referiu a autora: “Trata-se de uma
mulher jovem, de compleição delicada, de cujo semblante se irradia uma
expressão de beleza e serenidade. Poucas vezes se pode perceber em uma mulher a
impressão de tranqüilidade, equilíbrio interior e autoconfiança que dela emana.
Seus gestos são sóbrios e oportunos. Sabe escutar tanto como sabe falar.”
     Iracy Doyle construiu uma carreira
interessante. “Em 1929, muito antes de concluir o curso superior, já revelava
seu profundo interesse pelos problemas emocionais da criança, tendo feito,
nesta época, um curso de Clínica Pediátrica e Higiene Infantil, na Policlínica
de Botafogo e, um pouco mais tarde, tornou-se membro da conferência nacional de
Proteção à Infância, tendo, nessa qualidade defendido a tese de igualdade de
direito dos filhos legítimos e dos filhos naturais e a licença com vencimentos
para a mulher gestante.”(Paim,I)

      Sua primeira ida aos EUA foi com Bolsa
de Estudos na Johns Hopkins, onde, devido ao seu interessa em crianças, foi
trabalhar no Serviço de Psiquiatria Infantil de Leo Kanner. Em seqüência faz
estágio no Serviço Criado por Adolph Meyer no Chestnut Lodge Sanitarium. Lá
recebeu o título de “Fellow” em Psiquiatria. Harry Stack Sullivan era uma das
estrelas do Serviço e ela tornou-se uma grande admiradora do seu trabalho.
De volta ao
Brasil, em 1943 funda a Clínica de Repouso Tijuca, nos moldes da Menninger
Clinic de Topeka Kansas. A idéia de um hospital de orientação psicodinâmica era
uma grande novidade para o Brasil. Somente em 1960, foi criado um segundo
hospital dentro dessa orientação e que foi a Clinica Pinel de Porto Alegre.
De início
voltada para a psiquiatria organicista, tanto que seus principais trabalhos
foram sobre eletroconvulsoterapia, depois de duas experiências nos Estados
Unidos, se torna uma psicoterapeuta de bases analítica.
Em 1946
retorna aos EUA e se submete a uma análise didática no “The William Alanson
Institute of Psychiatry”com o Prof. Meyer Maskin.  Uma das suas supervisores foi a Dra. Clara
Thompson.
    Volta ao Brasil em 1949 e desenvolve uma
prática psicanalítica de grande repercussão, atraindo clientes e alunos ao seu
redor. Um dos analisandos que se tornaria famoso no meio analítico foi Hélio
Pellegrino. No livro de Ruy Castro sobre a bossa nova, há registro que Ronaldo
Bôscoli tinha sido atendido por ela.
     Iracy Doyle fundou o Instituto de
Medicina Psicológica, em 1952, em conjunto com seu irmão Américo Doyle
Ferreira, Henrique de Novaes Filho e Margarida Reno  Este Instituto que começou a funcionar em
1953, teve problemas com a morte de Iracy Doyle e levou alguns anos para voltar
a funcionar e recebeu o nome de Sociedade Psicanalítica Iracy Doyle.( SPID).
     Na página do SPID encontramos um  relato dessa fundação e que transcrevemos:.
http://www.spid.com.br/c_spid_historia_45_anos.asp
Texto de
(Luiz Alberto Pinheiro de Freitas).

“A história
de nossa instituição começa em 28 de dezembro de 1952, quando Iracy Doyle, seu
irmão Américo Doyle Ferreira, Henrique de Novaes Filho e Margarida Reno
reuniram-se para criar o Instituto de Medicina Psicológica, que, contudo, só
foi oficialmente inaugurado no ano seguinte, em 16 de abril, no 11º andar do Edifício
Brasília, na Av. Rio Branco 311. Nesta inauguração, Iracy Doyle, na qualidade
de fundadora e diretora-presidente, proferiu a aula inaugural dos cursos
programados, que versou sobre o tema "O movimento psicanalítico
atual". Foi a partir do seu trabalho como psicanalista que Iracy engendrou
a ideia de fazer um instituto de formação onde pudesse, não só veicular os
conhecimentos adquiridos, como também ouvir a experiência de outros colegas,
brasileiros e estrangeiros. Dotada de grande entusiasmo pela psicanálise, que
ora desenvolvia-se no Brasil, Iracy conseguiu através de sua liderança dar
início à primeira turma de formação de psicanalistas, composta por: Claudino B.
Neves, Ewald Mourão, Hélio Pellegrino, Horus Vital Brazil, Jaime Monteiro Pereira, Jorge de Souza Santos,
Magdalena Pimentel, Rosita Mendonça, Sérgio Botelho e Urano Alves. Era, na
época, o IMP constituído de um diretor-presidente: Iracy Doyle; de um
diretor-executivo: Américo Doyle Ferreira; de um corpo docente: Américo Doyle
Ferreira, Emílio Mira e Lopez, Fabrízio Napolitani, Henrique de Novaes Filho,
Iracy Doyle, Jurandir Manfredini, Margarida Reno, Otávio Couto e Silva e Pedro
Nava; e de professores estrangeiros: Meyer Maskin e Eric Fromm, do William
Alanson White Institute.
Entretanto, em 18 de agosto de 1956, uma encefalite virótica abateu Iracy
Doyle aos 45 anos de idade, época em que se preparava para concorrer à cátedra
de psiquiatria da Faculdade Nacional de Medicina.
Com o
súbito falecimento de sua presidente, em 1956, antes que se tivesse completado
a formação de sua primeira turma, o IMP, ainda muito dependente de sua
liderança, praticamente encerrou suas atividades.
O reinicio da instituição só aconteceu de quatro a cinco anos depois de seu
falecimento, e o IMP pôde se manter, esperando o seu próprio renascimento,
devido à dedicação de três de seus membros: Jaime Monteiro Pereira, Urano Alves
e Magdalena Pimentel (Vital Brazil, H., SPID - 10 Anos, Cadernos do Tempo
Psicanalítico nº 1, Rio de Janeiro, SPID, 1995. p. 14-5). O reinício das
atividades deu-se no começo da década de 1960, com o retorno de Horus Vital
Brazil, que, seguindo os passos de sua analista, fora também fazer sua formação
no William Alanson White Institute. Horus assume, na assembléia de 3 de março
de 1960, o cargo de diretor-presidente, tendo Urano Alves e Jaime Pereira como
diretor-administrativo e diretor-técnico, respectivamente. Contudo, só em 1962
deu-se início a uma nova primeira turma de formação, já que a morte de Iracy
havia interrompido a formação da turma original. É a partir daí que o IMP
começa a ganhar corpo, sendo então, no Fórum da International Federation of
Psychoanalytical Societies, realizado no México, em 1969, alçado à categoria de
Sociedade-Membro”. (Freitas, LAP)
“Em 1960, com
o IMP organizado nos moldes do William Alanson White Institute, a atividade de
formação foi incrementada e manteve-se como a atividade principal até ser
criada a primeira Sociedade de Psicanálise Iracy Doyle, em 16 de abril de 1974,
na data comemorativa dos 21 anos da fundação do IMP. Esta sociedade, que viria
a coexistir ao lado do IMP, pretendia reunir os psicanalistas titulados da
instituição, visando uma maior discussão e produção científica”. (Freitas,
L.A.)
     A morte de Iracy Doyle pegou a todos de
surpresa. No Jornal Brasileiro de Psiquiatria (JBP) de 1956, Vol V (2);
113-140. Era registrada sua participação no Simpósio Comemorativo do Centenário
de Freud nos dias 4,5.6 de maio de 1956. Numa sessão presidida por Durval
Marcondes, ID falou sobre A formação de Psicoterapeutas.
No número
seguinte Ano de 1956 Vol VI (3); 298-299 aparecia o
In
Memoriam
O JBP se
associa ao pesar e às homenagens prestadas a quatro representantes da cultura
médica nacional, que faleceram inesperadamente na plenitude de suas atividades,
Iracy Doyle, João de Barros Barreto(1889-1956,(sanitarista) Domingos Guilherme
Costa (1904-1956) (neurocirurgião)e José Mariz de Moraes.
Iracy Doyle e
José Mariz de Moraes eram psicanalistas e tinham a mesma idade. Ela faleceu de
uma encefalite viral e ele, de enfarte, sentado no seu consultório com um livro
no colo. No dia da sua morte deveria apresentar ao Instituto Brasileiro de
Psicanálise um trabalho que lhe daria o título de Analista Associado à IPA.

Sobre Iracy
Doyle assim se manifesta o JBP “com o desaparecimento dessa extraordinária
figura da psiquiatria brasileira, cumpre a este Jornal antes de tudo, lamentar
a perda de um dos seus mais ilustres colaboradores, que tanto enriqueceu suas
páginas com numerosos trabalhos. Foi uma vida breve e singular a de Iracy Doyle
que soube realizar em poucos anos uma obra digna de ser continuada.
Descreve sua
ida para os EUA e segue: De regresso ao país, a jovem psiquiatra, ao mesmo
tempo que organizou com requisitos modernos uma Clínica para assistência e tratamento,
entregou-se a um amplo programa de estudo e difusão cultural, fundando em 1953,
nesta cidade, o Instituto de Medicina Psicológica.
Inscrita no
concurso para o provimento da Cadeira de Psiquiatria na FNM (UB), ela
apresentou uma tese: “Contribuição ao Estudo da Homosexualidade Feminina”. E um
considerável acervo de Títulos, Trabalhos publicados: livros, artigos e
conferências, largamente conhecidos no mundo psiquiátrico.
A morte
surprendeu ID no início de mais uma promissora fase de sua breve e fecunda
existência.

O Dr. Isaías
Paim enumera os seguintes títulos da Dra. Iracy Doyle:
Membro
orrespondente da Americam Psychiatric Association.
Membro da “
The Association for Advancemente of Psychotherapy”.
Membro da “
The Ortho-Psychiatric Association”.
Membro
correspondente do “ The William Alanson Psychoanalytical Society”.
Sócia Efetiva
da Sociedade de Psiquiatria, Neurologia e Medicina Legal e da Sociedade de
Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro.
Sócioa
fundadora da Sociedade Brasileira de Psicoterapia.
Sócia da
Academia Internacional de Psicanálise.
Fundadora do
Centro de Estudos e Orientação Psicológica do Hospital Jesus.
Doutora em
Medicina. Docente Livre da Faculdade de medicina da Universidade do
Brasil.(Realizado em 1943 e tendo recebido nota máxima em todas as provas
realizadas).

Bibliografia
de Iracy Doyle que encontramos no Índice Bibliográfico Brasileiro de
Psiquiatria.(http://www.biblioserver.com/walpicci)


1.Doyle I: A convulsoterapia elétrica nas doenças mentais. Docência, Tese.
Rio De Janeiro. Edit. Irmãos Pongetti.  1942;
2.Doyle I: Electroencefalografia. Rev. Med.
Municipal 1941; 1:
              3. Doyle I: A Electropirexia no tratamento
da neurosífilis. Arq. Neuriatria e Psiquiatria 1946; 4:
              4. Doyle I: Ensino e regulamentação da
psicoterapia. J Bras.Psiquiat. 1955; 4:37-48
              5. Doyle I: Estudo da normalidade
psicológica. Arq.de Neuro-psiquiatria 1950; 8:155-170
              6. Doyle I: Estudos de alguns traços
neuróticos. J.Bras.Psiquiat. 1955; 4:386-406
              7. Doyle I: Estudos de alguns traços
neuróticos. J.Bras.Psiquiat. 1956; 5:16-38
              8. Doyle I: Fenômeno neurótico e as
diferentes correntes dinâmicas. J.Bras.Psiquiat. 1955; 4: 253-278
              9. Doyle I: Hipnotismo y actividad onírica.
Arq.de Criminologia,Neur.Psiq.e Disciplinas Conexas,Quito,Equador 1956;
4:191-208
             10. Doyle I: Introdução à medicina
psicológica. Rio de Janeiro: Casa do Estudante do Brasil 1952;
             11. Doyle I: Momento psicanalítico atual.
J.Bras.Psiquiat. 1953; 2:408-420
             12. Doyle I: Normalidade - Neurose - Psicose.
Rev.Latinoamericana de Psiquiat. 1953; 2:45-56
             13. Doyle I: Normalidade - Psicose -
Psicopatia. J.Bras.Psiquiat. 1954; 3:...
             14. Doyle I: Nosologia Psiquiátrica. Rio De Janeiro. Ed.
Estab. Cordeiro De Farias. 1961;1-558
             15. Doyle I: O que é neurose?
J.Bras.Psiquiat. 1956; 5:113-140
             16. Doyle I: O sentido do movimento
psicanalítico. Rio de Janeiro. Casa do Estudante do Brasil 1950;
             17. Doyle I: Psiquiatria contemporânea e
Perspectiva futura. Rev.Latino -Americana de Psiquiat. 1951; 1:59-67
             18. Doyle I: A Terapêutica das doenças
mentais pelo "eletroshok". Rev. Neur. e Psiq. De São Paulo. 1942;
8:77-100
             19. Doyle I, Câmara A, Marafelli Filho ML, Ulysses R: A picrotoxina na
convulsoterapia. Rev.Neurologia e Psiquiatria de São Paulo 1941;
7:153-175
O
pensamento de Iracy Doyle pode ser examinado em dois trabalhos. Na tese para
cátedra e na conferência inaugural do Instituto de Medicina Psicológica. Não
vamos apreciar críticamente estes trabalhos, vamos apenas fazer um resumo e
fica a crítica para o leitor.
Como
afirmei, a tese de doutoramento de Iracy Doyle nos permite conhecer sua forma
de pensar e trabalhar. A partir de um caso de uma paciente que tratou no
WAInstitute e supervisionado por Clara Thompsom ela abora um assunto difícil e
nos dá posições firmes a respeito. Ela foi uma das primeiras a discutir a
existencia ou não de doença mental da homossexualidade. Devemos lembrar que em
1973 o diagnóstico de doença Mental atribuido a Homossexualidade, deixou de
existir no DSMIII. Já em 1943 Iracy Doyle defendia essa idéia. Sua tese não é
muito esclarecedora sobre esse ponto, ou, na verdade, mostra uma guinada para
antigos conceitos. Achei interessante reproduzir grande parte de suas
conclusões sobre o assunto. Extraímos o materia de sua tese:

Contribuição ao Estudo da Homossexualidade
Feminina Rio de Janeiro 1956.

Esta tese para o concurso para a cátedra
de psiquiatria na Fac. De Medicina da Universidade do Brasil, foi publicada sob
forma de livro em 1956. No mesmo ano em que a autora veio a falecer de uma
encefalite viral. A partir do caso de uma paciente, denominada Carmen, a autora
discorre sobre as mais importantes teorias da época sobre a homossexualidade.
Sua supervisora foi a Dra. Clara Thompson e o trabalho aconteceu no seu estágio
no William Alanson White Institute (WAWI) nos anos de 1943-1946.
Até sua análise pessoal e este estágio, a
Dra. Iracy Doyle publicara apenas trabalhos em psiquiatria organicista. (1941-
Eletroencefalografia; 1941- A picrotoxina na convulsoterapia; 1942- O
tratamento das doenças mentais pelo “eletroshok”; 1942- A convulsoterapia no
tratamento das doenças mentais). A partir de 1950, com Introdução à Medicina
Psicológica ela rompe com a psiquiatria clássica e dá novos rumos a sua
carreira. Ela tornou-se Livre-Docente de Psiquiatria numa época em que os
espaços acadêmicos para as mulheres eram raros. Sua disputa pela cátedra na
Universidade do Brasil não teria a mínima chance, pois iria concorrer contra os
professores José Leme Lopes e A. Nobre e Silva. Creio que foi uma oportunidade
corajosa de manifestar outra maneira de pensar a prática psicoterápica em
linhas psicodinâmicas, e sua opção psicanalítica.
Sua tese acadêmica dá uma idéia do seu
trabalho analítico e permite que acompanhemos suas anotações que eram levadas à
supervisão pela Dra. Clara Thompson.
     Do prefácio extraímos algumas afirmações: “Em relação à
homossexualidade, às observações publicadas são todas fragmentárias e
incompletas; de tal modo que a sua leitura deixa sempre dúvidas quanto à
objetividade das interpretações e conclusões dos autores”. “Nessa tese fizemos
questão de transcrever todas as entrevistas analíticas que contivessem material
dinamicamente relevante”.
Sabendo que não é fácil ter acesso a uma
tese publicada em 1956, achei melhor publicar as conclusões da Dra. Iracy Doyle
sobre o assunto homossexualidade:
   “Por mais torturante que seja, cada investigador atinge apenas certos
aspectos da verdade, do mesmo modo que as planigrafias de um pulmão representam
apenas vistas seccionais do órgão. Somente a superposição dos vários aspectos
definidos pelos diferentes pesquisadores permite obter uma visão mais completa
do problema. É com este espírito que encaramos as nossas próprias conclusões.
     O instinto sexual, além de visar à procriação da espécie, destina-se à
obtenção de prazer, pela descarga das tensões acumuladas: em relação a este
último aspecto, falta-lhe especificidade. Assim ele é passível de ser excitado
por estímulos múltiplos, e gratificado de vários modos. Encarada à luz deste
postulado, a homossexualidade em si mesma deixa de ser um fato obrigatoriamente
patológico, para constituir uma possibilidade da natureza humana. São as
atitudes de reprovação da cultura as responsáveis pela sua repressão e pelo
caráter compulsivamente heterossexual dos indivíduos do nosso grupo. Aliás, as
estatísticas recentes demonstram que, mesmo em face do horror despertado pelos
desvios da sexualidade em geral, as práticas com o mesmo sexo são muito mais
difundidas do que poderia parecer.
     O comportamento explicitamente homossexual admite diferentes
interpretações. Tanto pode representar episódio sem maior importância dinâmica
no ciclo vital de um indivíduo, em relação com circunstâncias exteriores, que
dificultam ou impedem a gratificação heterossexual, como atestar neurose grave.
A avaliação da importância e gravidade da situação homossexual como de qualquer
conduta humana, especialmente nas neuroses, não deve ser feita pela simples
apreciação superficial dos movimentos do indivíduo, mas requer conhecimento da
estruturação dinâmica pessoal, na sua totalidade. Só assim estamos em condições
de compreender o significado do sintoma e conhecer as forças que o alimentam.
     A homossexualidade passa a constituir fato patológico quando traduz
impossibilidade de relação construtiva com o outro sexo, indicadores de uma
repressão neurótica da heterossexualidade. Falamos em tais casos emhomossexualidade substitutiva. Quando este fato associa-se a inversão da
identidade psicológica, ou seja, a necessidade de negar a feminilidade, graças
a mimetização masculina, estamos diante de uma estrutura complexa, a que
chamamos homossexualidade verdadeira ou neurose homossexual.  Além dos elementos dinâmicos referidos,
define-a o caráter compulsivo da conduta homossexual, que revela a extrema
importância dinâmica da caracterologia neurótica, como operação de adaptação e
defesa psicológica.
     Em todos os casos, a homossexualidade representa o melhor que o
indivíduo pode fazer em termos de relação humana, dada a sua formula emocional
e circunstancias ambiental.
     A homossexualidade patológica não constitui simplesmente um desvio da
sexualidade, concebida como instinto. Estudada à luz do conceito de integração
da personalidade, a vida sexual, como todo e qualquer aspecto pessoal, deve ser
compreendido em função das atitudes totais do indivíduo para consigo próprio e
o mundo. Nessas condições. A homossexualidade traduz uma deformação de toda a
individualidade. É ilusório querer considerá-la como defeito circunscrito,
limitado da personalidade, comparável ao daltonismo e outras variações
biológicas, que não apresentam relação com qualquer estado mórbido do
indivíduo. Pelo menos nos casos de natureza psicogenética, o comportamento
sexual patológico está longe de representar traço isolado em um panorama de
outro modo normal.

JBP, 1953. vol. 2 (4) 408-421
O Momento Psicanalítico Atual.
Conferencia da Dra. Iracy Doyle por
ocasião da inauguração do do curso do Instituto de Medicina Psicológica em 17
de abril de 1953.

Se pronunciada nos dias atuais esta
conferencia provocaria um acalorado debate. Nos tempos atuais do politicamente
correto nem se imagina uma médica, Livre-Docente em Psiquiatria, Psicanalista,
falar com tanta clareza no que pensa. Não vamos questionar suas idéias, apenas
os registramos para que conheçam melhor de como pensava Iracy Doyle.
“Tanta é a complexidade do fenômeno
neurótico, tão variados os aspectos psicológicos do homem, tão numerosas tem
sido as doutrinas apresentadas, tantas as teorias e as escolas, que o
iniciante, principalmente e autodidata, se perde nos labirintos, deixa de
sentir o encadeamento das ideias, a lógica da evolução natural, para ficar com
a impressão de que a psicanálise é apenas uma arena de ideias contraditórias,
onde o ecletismo significa falta de unidade e confusão.”
Examina a questão das correntes e
questiona a necessidade de se tomar partido. “Ou você adora ídolos ou quebra
ídolos”. Tenta responder a questão da sua maneira de pensar ou da corrente em
que se filia.
Considera que existam três categorias de
analistas: os conservadores, também chamados freudianos ou ortodoxos; os
moderados e os liberais.
Os primeiros limitam-se a repetir Freud ou,
no máximo, a aplicar a novos exemplos ao que o mesmo estabeleceu como doutrina:
acreditam na teoria da libido, no instinto de morte, no rígido determinismo da
vida humana, pautada nas infalíveis vicissitudes instintivas, na
predeterminação filogenética – no parricídio obrigatório, ainda que, felizmente
simbólico, na antropofagia do líder etc.
     Os moderados situam-se no meio da estrada. Falam ainda o jargão
freudiano, mas não pensam ortodoxamente. Exibem uma curiosa dissociação entre o
plano conceitual e verbal. Falam por ex. Em complexo de castração, mas estão
pensando na verdade na humilhação e inferiorização implícita na sujeição à
autoridade irracional. Premidos pela própria confusão, desejosos de desfazer a
sua dissociação mental, lançam mão de compromissos e procuram provar que não
estão fazendo mais do que interpretar o sentido oculto das palavras de Freud,
do mesmo modo que o religioso interpreta a Bíblia, e nela encontra explicação
para as mais modernas descobertas. Os chamados moderados estabelecem muita
confusão no cenário psicanalítico.
     Os liberais não seguem propriamente nenhum autor, aceitam todas as
contribuições honestas, realmente baseadas na observação e na experiência,
refugando entre tantas especulações que fogem a verdade factual ou que cheiram
a metapsicologia.
  Ela se coloca como liberal e vai
apresentando suas admirações. Primeiro, por Wilhelm Reich, depois por Karen
Horney; (“sabemos atualmente, sobretudo por influência de Karen Horney, que o
chamado caráter neurótico é a própria neurose, e que a modificação das atitudes
caracterológicas é precisamente o objetivo da terapêutica”. Deste modo a
conceituação da neurose perde a limitação anterior, passando a ser considerada
como um distúrbio de toda a personalidade. Evolue da idéia de abscesso para o
conceito de infecção generalizada, de septicemia. Lancetar o foco não basta; é
preciso refazer a vitalidade do organismo doente”).
    “Mas foi Harry Stack Sullivan, quem,
depois de Freud, mais contribuiu para o desenvolvimento da psicanálise.”
 Esta afirmativa enfática de Iracy Doyle não
encontra muitos seguidores. Demonstra, sobretudo a grande admiração que tinha
sobre Sullivan após estagiar com ele.


Bibliografia consultada:
Doyle, Iracy. Contribuição ao Estudo da
Homossexualidade Feminina. Rio de Janeiro, 1956.
SPID/IMP: 45 Anos de Psicanálise, de 1953 a 1998
Luiz Alberto Pinheiro de Freitas http://www.spid.com.br/c_spid_historia_45_anos.asp

Biografias Médicas  http://medbiography.blogspot.com/2006/08/iracy-doyle-incl-foto-photo_20.html  (Dr. Elvio A. Tuoto).
Paim, Isaias. Psiquiatras Brasileiros.
Editora Oeste de Campo Grande, MS. 2003.
Índice Bibliográfico Brasileiro de
Psiquiatria (http://www.biblioserver.com/walpicci )


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