Volume 15 - 2010
Editor: Giovanni Torello

 

Janeiro de 2010 - Vol.15 - Nº 1

História da Psiquiatria

Isaias Paim (1909-2004)

Juberty Antonio de Souza
Walmor J. Piccinini

Passaram-se mais de 5 anos de sua morte e ainda é uma tarefa difícil escrever sobre essa figura complexa, criativa e complicada da psiquiatria brasileira. Nasceu no interior da Bahia, em Juazeiro, de família de poucos recursos, teve grande dificuldade para concluir seus estudos de medicina na Faculdade da Bahia. Casou-se em 1943 com Alina Paim e em seguida mudou-se para o Rio de Janeiro. Ocupou vários cargos públicos, foi discípulo do Professor J. Alves Garcia. e escreveu vários livros. Sua área de interesse foi da Epilepsia a Psiquiatria Forense, mas seu grande destaque foi na área da Psicopatologia onde seus livros foram muito utilizados por estudantes de psiquiatria e psicologia.

       Conheci o Professor Isaias Paim numa das minhas idas a Campo Grande e ele, gentilmente me presenteou com seus dois últimos livros, Luzes nas Trevas e Grandes Psiquiatras Brasileiros. Ele conhecia meu trabalho de indexação bibliográfica e ficou muito feliz quando elogiei seu pioneirismo nesta área. Ele publicou na Revista Psiquiatria do Centro de Estudos da Casa de Saúde Dr. Eiras vários artigo de coleta bibliográfica: Em 1963 - Bibliografia brasileira de alcoolismo e toxicomanias (238); em 1964 - Bibliografia brasileira de legislação e assistência aos doentes mentais (255); em 1964 - Bibliografia Brasileira de psicologia forense (270); 1965 - Bibliografia brasileira de Neurossífilis e Paralisia Geral (165); em 1966, junto com Caruso Madalena publica Bibliografia brasileira de psicofarmacologia (156); ainda em 1966 - Bibliografia Brasileira de Neurose (166); em 1967 – Bibliografia Brasileira de assuntos afins à Psiquiatria (325).  Toda esta literatura psiquiátrica se traduziu em alguns livros importantes como o Tratado de Clínica Psiquiátrica e o Tratado de Psicopatologia.

     Isaias Paim foi o primeiro autor brasileiro a dedicar um capítulo de livro a História da Psiquiatria Brasileira em seus primórdios. Seu trabalho serviu de base para muitos outros autores.

      Depois de muitas andanças por vários Estados Brasileiros, radicou-se em Campo Grande, MS. Dono de uma vasta biblioteca pessoal, doou-a para o Estado que institui a Biblioteca Estadual Isaias Paim que vem se tornando um foco irradiador de cultura. Mais tarde, doou sua videoteca que era composta de mais de 600 filmes. Terminou seu dia cego, acompanhado por familiares.

      Uma das características de Paim era sua capacidade de se meter em confusões, com colegas, com amigos, com mulheres. Não tinha uma personalidade fácil e terminou brigando com todo mundo. Solicitei ao Dr. Juberty A de Souza que conviveu com ele nos últimos anos da sua vida que contasse alguma coisa desse outro lado da sua personalidade e ele não se negou a escrever com sua coragem característica:

Em julho de 2004 morreu um das maiores figuras da psiquiatria brasileira, o Dr. Isaias Paim. Alguns dos psiquiatras mais antigos ainda em atividade ao saberem disto provavelmente comentaram: morreu o velho Paim, com quem ele estava brigando ultimamente? Outros psiquiatras também antigos  provavelmente se perguntariam: em que ele estava trabalhando ultimamente? Ainda outros, talvez os mais novos não tenham tomado conhecimento ou se importado muito, porque, afinal de contas, envolvidos em escalas, critérios, DSMs nunca tenham ouvido falar desse antigo psiquiatra, que escrevia por gostar e defendia uma psiquiatria  de observação, de descrição, de dedução e conclusões clínicas. Estas características a seu ver eram incompatíveis com os últimos anos da psiquiatria mundial e nacional.

Mas, afinal, quem foi esta figura tão polêmica?  Nascido na Bahia, filho de uma família pobre, sempre estudou fazendo do estudo uma forma de ascensão e de ser respeitado. Formou-se cedo na Escola de Medicina da Bahia, a mais antiga do Brasil, berço de médicos pensadores. Ele mesmo um digno representante desta escola e que admirava e criticava Nina Rodrigues, que criticava Rubim de Pinho, mas que tinha orgulho de se ter formado nesta escola. Foi ali que teve, os fortes e arraigados princípios da medicina, da antropologia e principalmente da filosofia, fazendo com que se diferenciasse do restante dos profissionais da área.

 

Mudou-se para o Rio de Janeiro e foi trabalhar com o Dr. José Alves Garcia, figura maior da psiquiatria forense, com que se aprimorou e depois de algum tempo passou a competir com o mestre. Contemporâneo com a maior parte dos grandes psiquiatras do Brasil, nem sempre concordando com as suas opiniões. Por exemplo ao se referir ao Professor Henrique Roxo o fazia considerando-o como “pouco destituído de inteligência” e citava a performance propedêutica do professor ao “percutir”  o crânio dos pacientes durante os exames. Esquecia de todas as qualidades e fiava-se apenas neste detalhe propedêutico.

 

Escrevia sobre assuntos polêmicos e os defendia com ardor. Assim ainda é bastante atual o seu escrito sobre a Psiquiatria e a Medicina, bem como os escritos sobre a Epilepsia. Discutia e ficava mal humorado quando era contrariado sobre as concepções atuais da Epilepsia, calcadas com os achados da neurofisiologia. Considerava que por conseqüência, apenas os profissionais mais antigos poderiam discutir sobre Epilepsia e o que se discute agora são meras síndromes que não apresentam nexo, seqüência e nem coerência, que só empobrecem  a medicina e a psiquiatria.

 

Era polêmico. Nem sempre aceitava opiniões ou pedia conselhos. Algumas vezes suas decisões o obrigavam a tomar outras decisões que não eram previstas e mudava de forma brusca a sua vida.

 

Talvez o maior exemplo tenha sido a sua saída do Rio de Janeiro. Trabalhava com o Professor José Alves Garcia e era considerado o seu sucessor. Mas, como era sabido o Professor era uma pessoa de difícil convivência e depois de algum tempo, ambos “geniosos”, ficou difícil a convivência. Quando houve a noticia do concurso para a USP preparou-se para o exame, compareceu, fez um brilhante exame, apresentou o que talvez  tenha sido a sua maior obra que foi a “Representação da Atividade Mental”. Este trabalho feito décadas atrás, sem a tecnologia hoje conhecida, fruto de dedução de um psicopatologista e que agora com a tecnologia tem havido a confirmação do que antes havia sido apenas fruto da dedução. Pensando fazer o exame às escondidas, não se deu conta ou negou o fato do Professor Alves Garcia ser membro da banca.

Por fatores acadêmicos, ainda hoje não bem explicados, o Dr. Isaias Paim não foi o escolhido para a cátedra. Na ocasião houve uma série de manifestações de  solidariedade ao Dr. Paim. Tudo inútil. Como também com a decisão de se submeter ao concurso fecharam-se as portas para seu retorno ao Rio de Janeiro.

Como havia feito discípulos em muitos locais, resolveu trabalhar na Região Centro Oeste, em Brasília e em Goiânia. Durante este período de “exílio”  produziu algumas de suas obras mais importantes. O Curso de Psicopatologia e o Tratado de Psiquiatria forma obras presentes na formação de centenas, talvez de milhares de psiquiatras brasileiros. A sua forma clara e didática de escrever fazia com que parecesse fácil estudar e passar a praticar a psiquiatria. Foi uma perda muito grande quando deixou que  passasse mais de duas décadas  para a sua nova edição.

Sempre protegeu a sua família, e, quando das suas separações, os filhos sempre foram protegidos e resguardados de suas aventuras.”afetivas, rocambolescas, de viajantes, etc”. Sempre foi um cavalheiro, gentil com as pessoas do sexo oposto. Sempre disposto a novas aventuras. Com alguma freqüência premiava a alguma conquista com uma viagem à Europa, ou então fazia parte de sua forma de conquista. Nunca teve um rompimento amoroso em que a sua parceira ficasse magoada consigo.

Entretanto, com o passar do tempo passou a ser “presa fácil” das mulheres aventureiras e mais jovens. Sempre foi muito generoso para com as suas companheiras. Mas, não era imune às armadilhas afetivas. Numa vez ficou muito deprimido com a separação e terminou sendo tratado em CTI.

Como sempre, para melhorar da depressão era necessário trabalhar. A convite, mudou-se para Campo Grande, foi professor visitante na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, ajudou a formar algumas dezenas de residentes em psiquiatria com esmero principalmente na parte forense.         

Sempre foi muito inquieto. Terminou o seu projeto escrevendo sobre a História da Psicopatologia em que buscou e exemplificou os maiores fatos e ensinamentos dos psicopatólogos, trazendo uma contribuição para os profissionais das gerações posteriores. Não satisfeito com isto e como sempre criticava a psicanálise iniciou e terminou a biografia das pessoas mais próximas ao Freud mostrando que grande parte dos seus companheiros e seguidores, ou tiveram surtos psicóticos ou se mataram. Denominou a este livro de Luzes e Trevas e foi editado pela gráfica da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Este livro, quando solicitada opinião de pareceristas externos à universidade trouxe algumas idéias de revoltas contra o conteúdo do livro.

Mas, o seu espírito polêmico e irrequieto fez com que novamente tivesse problemas em Mato Grosso do Sul. Envolveu-se numa situação em que participou uma juíza, sobrinha do governador, em que acusou um amigo e protetor de elaborar um laudo falso, trazendo uma grande confusão, terminando por processos criminais e éticos em que os acusados foram inocentados, mas que causou o afastamento dele com as pessoas da área técnica, que  apesar do grande afeto a ele fizeram com que a convivência fosse impossível.

Continuou a trabalhar, e, orientou ainda uma plêiade de profissionais no sistema penitenciário quanto aos aspectos forense. Ainda neste momento escreveu um livro denominado de Notas Psiquiátricas e em que discorre sobre as características inadequadas e patológicas dos profissionais da psiquiatria. Estava de volta o velho professor que criticava o Prof. Henrique Roxo.

No final a historia não lhe foi generosa, morreu afastado de todos os amigos e  companheiros, acompanhado apenas de uma pessoa, mista de amiga, companheira e confidente, que, desde a sua chegada a Campo Grande esteve perto dele. Espero que  Professor não seja lembrado pelas suas confusões, pelas suas brigas, mas lembrado pelos seus livros, pela sua facilidade em escrever, pelo seu espírito crítico em relação às tentativas de simplificação da psiquiatria e pela sua influência na formação de boas gerações de psiquiatras.   

  

Bibliografia de Isaias Paim coletadas no Índice Bibliográfico Brasileiro de Psiquiatria:

 

   1.   Paim, Isaías. Aspectos da Hebefrenia.  J Brás Psiquiat. 1966; 15(1):79-93.

2.     Paim, Isaías. Aspectos fenomenológicos da depressão. A Folha Médica. 1967; 54(04):455-461.

   3.   Paim, Isaías. Associação de agentes psicofarmacológicos. Rev. Bras. Med. 1967; 24(3):196-199.

   4.   Paim, Isaías. Bibliografia brasileira de alcoolismo e toxicomanias. Revista De Psiquiatria. 1963; 2(3):80-96.

   5.   Paim, Isaías. Bibliografia Brasileira de assuntos afins à Psiquiatria. Revista De Psiquiatria. 1967; 6(12):217-234.

   6.   Paim, Isaías. Bibliografia brasileira de legislação e assistência aos doentes mentais. Revista De Psiquiatria. 1964; 3(6):240-257.

   7.   Paim, Isaías. Bibliografia brasileira de neurossífilis e Paralisia Geral . Revista De Psiquiatria. 1965; 4(8):166-183.

   8.   Paim, Isaías. Bibliografia Brasileira de Neurose. Revista De Psiquiatria. 1966; 5(9):70-83.

   9.   Paim, Isaías. Bibliografia Brasileira de psicologia forense. Revista De Psiquiatria. 1964; 3(5):88-116.

10.   Paim, Isaías. Comentários sobre a CID-10. R.Temas,SP. 1995; 25(49):21-30.

11.   Paim, Isaías. Contribuições da Psicopatologia ao Desenvolvimento da Psiquiatria Clínica. J. Brás.Psiquiat. 1994; 43(9):467-8.

12.   Paim, Isaías. A crueldade da medida de segurança. J.Brás.Psiquiat. 1997; 46(10):515-521.

13.   Paim, Isaías. Curso de Psicopatologia.  Brasil,Editora Fundo De Cultura. 1969:1-134.

14.   Paim, Isaías. Curso de Psicopatologia. São Paulo,Ed.Pedagógica e Universitária (10a Ed.). 1991.

15.   Paim, Isaías. Desenvolvimento da psicopatologia forense no Brasil. Rev. Brasiliense De Psiquiatria. 1971; 1(1):7-21.

16.   Paim, Isaías. Esquizofrenia. São Paulo,Ed.Grijalbo -2a Ed. 1973.
Notes: Primeira ed.em 1956 pela Edit.Calvino Filho

17.   Paim, Isaías. Esquizofrenia Simples. Rev.Brás.Med. 1961; 18(9).

18.   Paim, Isaías. Estudo Clínico das Epilepsias. Rio De Janeiro,Ed. Andes. 1958.

19.   Paim, Isaías. Fenomenologia da Atividade Representativa. Revista De Psiquiatria. 1972.
Notes: Este foi o tema da sua tese de Livre-Docência na Fac.Med.da USP em 1967

20.   Paim, Isaías. Hospital Psiquiátrico. J.Brás.Psiquiat. 1976; 25(2-3):147-158.

21.   Paim, Isaías. Meio Século de Medida de Segurança. Rev. ABP. 1981; 3(8):159-163.

22.    Paim, Isaías. O quadro catatônico. Revista De Psiquiatria. 1967; 6(11):1-13.

23.    Paim, Isaías. Observação de um caso de esquizofrenia paranoide com delírio de configuração homossexual.     Revista De Psiquiatria. 1962; 1(1):3-16.

 

24.   Paim, Isaías. Primórdios da Psiquiatria no Brasil. Thematika, Brasília. 1975; 1(1):9-31.

25.   Paim, Isaías. Psiquiatria Social : Manicômios Judiciários . Rev. ABP. 1980; 2(1):65-68.

26.   Paim, Isaías. Sobre um caso de esquizofrenia paranóide com polialucinações. Rev.Brás.De Saúde Mental. 1957; 3(2):5-19.

27.   Paim, Isaías. Suicídio nos Epilépticos. Revista De Psiquiatria. 1966.

28.   Paim, Isaías. Teoria e Prática da Epilepsia. Rio De Janeiro,Ed.Vitória (Esgotado). 1953.

29.   Paim, Isaías. Tito Lívio de Castro. Rev. Brás. De Saúde Mental. 1961; 6(1-4):65-95.

30.   Paim, Isaías. Tratado de Clínica Psiquiátrica. São Paulo,Ed.Grijalbo. 1976.

31.   Paim, Isaías. Tratamento da esquizofrenia pela clorpromazina. Publ. Med.(São Paulo). 1962; 33(1).

32.  Paim, Isaías e Madalena, J. Caruso. Bibliografia brasileira de psicofarmacologia. Revista De Psiquiatria. 1966; 5(10):201-211.

33.  Paim, Isaías. Psiquiatras Brasileiros. Editora Oeste, Campo Grande,MS. 2003.

33.  Paim, Isaias. Luzes e Sombras. Ed. Univ. Fed. Do MS.2003

34.  Paim, Isaias. Estudos Psiquiátricos. Solivros, Campo Grande 1998.


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