Volume 15 - 2010
Editor: Giovanni Torello

 

Outubro de 2010 - Vol.15 - Nº 10

Psiquiatria Forense

DILEMAS ÉTICOS NA ATUAÇÃO COM POPULAÇÕES ESPECIAIS - PRISIONEIROS, DETENTOS E JOVENS INFRATORES

Hilda Morana

Todo dilema ético verdadeiro envolve uma escolha entre dois bens

 

"Como a liberdade, a Ética jamais pode ser pensada como um absoluto; é preciso sempre desejá-la"    ADAUTO  NOVAES

 

Na dúvida, o melhor caminho é o da verdade, até que uma linha de conduta possa ser  clarificada.

 

Psiquiatras que trabalham no sistema prisional, devem estar conscientes das metas do sistema da Instituição e do Governo, o que rivaliza com os interesses do sujeito.

 

A Psiquiatria Forense tem Interfaces que são complexas, tais quais:

Relação médico-paciente

Medicina  versus Justiça e Sistema de Leis

Verdade versus confidencialidade.

 

 

No histórico dos documentos que deram origem ao Código de Nuremberg consta a seguinte história:

Pasteur, em 1884 escreveu para o imperador do Brasil, Dom Pedro II propondo testar a vacina anti-rábica – apenas usada em cães - em prisioneiros sentenciados à morte no Brasil.

Ele sugeriu explicitamente que um contrato fosse elaborado explorando o fato de que as pessoas condenadas à morte tinham pavor de seu último dia.

O contrato estipulava que se o sujeito sobrevivesse ao tratamento então a sua vida seria poupada.

O Imperador rejeitou a proposta, mas interpôs outra: que a vacina contra febre amarela fosse testada no lugar  da anti-rábica, uma vez que o benefício social para o seu país seria ainda maior.

Ou seja, em nome do bem comum era aceito desrespeitar a autonomia do prisioneiro.

 

Os presos eram considerados como um bem (commodity) dispensável

Tais atrocidades perduraram até os anos de 1970, apesar  do Código de Nuremberg

 

O Tribunal de Nuremberg, em 9 de dezembro de 1946, julgou vinte e três pessoas - vinte das quais, médicos - que foram consideradas criminosas de guerra, pelos brutais experimentos realizados em seres humanos. Em 19 de agosto de 1947 divulgou as sentenças, além de um documento que ficou conhecido como Código de Nuremberg. Sete acusados foram condenados à morte.
Este documento tornou-se um marco na história da humanidade: pela primeira vez, estabeleceu-se recomendação internacional sobre os aspectos éticos envolvidos na pesquisa em seres humanos.

 

 

Código de Nuremberg

O consentimento voluntário do ser humano é absolutamente essencial. Isso significa que as pessoas que serão submetidas ao experimento devem ser legalmente capazes de dar consentimento;

Essas pessoas devem exercer o livre direito de escolha sem qualquer intervenção de elementos de força, fraude, mentira, coação, astúcia ou outra forma de restrição posterior;

Devem ter conhecimento suficiente do assunto em estudo para tomarem uma decisão. Esse último aspecto exige que sejam explicados às pessoas a natureza, a duração e o propósito do experimento; os métodos segundo os quais será conduzido; as inconveniências e os riscos esperados; os efeitos sobre a saúde ou sobre a pessoa do participante, que eventualmente possam ocorrer, devido à sua participação no experimento.

O dever e a responsabilidade de garantir a qualidade do consentimento repousam sobre o pesquisador que inicia ou dirige um experimento ou se compromete nele. São deveres e responsabilidades pessoais que não podem ser delegados a outrem impunemente.

O experimento deve ser tal que produza resultados vantajosos para a sociedade, que não possam ser buscados por outros métodos de estudo, mas não podem ser feitos de maneira casuística ou desnecessariamente.
O experimento deve ser baseado em resultados de experimentação em animais e no conhecimento da evolução da doença ou outros problemas em estudo; dessa maneira, os resultados já conhecidos justificam a condição do experimento.

O experimento deve ser conduzido de maneira a evitar todo sofrimento e danos desnecessários, quer físico, quer materiais.

Não deve ser conduzido qualquer experimento quando existirem razões para acreditar que pode ocorrer morte ou invalidez permanente; exceto, talvez, quando o próprio médico pesquisador se submeter ao experimento.

O grau de risco aceitável deve ser limitado pela importância do problema que o pesquisador se propõe a resolver.

Devem ser tomados cuidados especiais para proteger o participante do experimento de qualquer possibilidade de dano, invalidez ou morte, mesmo que remota.

O experimento deve ser conduzido apenas por pessoas cientificamente qualificadas.

O participante do experimento deve ter a liberdade de se retirar no decorrer do experimento.

O pesquisador deve estar preparado para suspender os procedimentos experimentais em qualquer estágio, se ele tiver motivos razoáveis para acreditar que a continuação do experimento provavelmente causará dano, invalidez ou morte para os participantes.

 

CÓDIGOS DE ÉTICA ENVOLVENDO SERES HUMANOS

  • Código de Nuremberg (1947)
  • Declaração dos Direitos do Homem (1948)
  • Declaração de Helsinque (1964)
  • Acordo Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (1966)
  • Propostas de Diretrizes Éticas Internacionais para Pesquisas Biomédicas Envolvendo Seres Humanos (1982)

Consentimento Informado

  • Todo projeto de pesquisa que envolver seres humanos deve incluir um Consentimento Informado.
  • Caso o pesquisador responsável julgar que o uso de um Termo de Consentimento Informado não se aplica à sua investigação, esta posição deverá estar justificada nas considerações éticas contidas no item Material e Métodos do seu projeto de pesquisa. É importante lembrar que o pesquisador pode apenas solicitar a dispensa de utilização, mas o Comitê de Ética em Pesquisa é que dispensa o seu uso. Esta possibilidade só é aceita em situações extremamente especiais. Uma delas são as pesquisas que utilizam unicamente os prontuários de pacientes ou bases de dados como fonte de informações. Nestes projetos os pesquisadores devem assinar um Termo de Compromisso para utilização dos dados, que substitui o Termo de Consentimento.

 

Itens do consentimento informado

Os quatro elementos necessários para que um consentimento informado seja considerado válido são os seguintes:

  • - fornecimento de informações;
  • - compreensão;
  • - voluntariedade;
  • - consentimento.

 

 

Resolução 196/96 Conselho Nacional de Saúde (CNS/1996)

Envolver sempre que possível, indivíduos com autonomia plena, evitando vulneráveis a menos que a investigação traga benefício direto a estes.

 

Sabemos que o ambiente prisional é de vulnerabilidade

Por outro lado, o comportamento social dos encarcerados assume características peculiares.

 

Dessa foram quando em ambiente prisional o pesquisador deve estar atento a sua forma de vestir, cuidar com a possibilidade de envolvimento emocional com os detentos, respeitar as autoridades do sistema, assim como os agentes penitenciários, respeitar as regras do sigilo e cuidar para com a mendicância dos presos, entre outros aspectos.

 

 

Cada presídio tem as regras de conduta estabelecidas pelo seu diretor. Muda o diretor mudam as regras.

Entender que o agente penitenciário é a segurança do local e não pode ser desrespeitado. Ele conhece as regras. Se alguém tira a autoridade do agente vai prestar um desserviço ao cotidiano da instituição.

 

O preso tem uma vida monótona, e o que mais reclamam é que não têm trabalho. Qualquer movimento diferente para ele tem valor emocional exacerbado. 

 

Algumas orientações  podem ser úteis:

  • O preso vai ter um tratamento apenas formal com quem não conhece, em geral desconfiado.
  • Não tem interesse espontâneo em colaborar com pesquisas.
  • O psiquiatra deve lealdade ao paciente (no caso presidiário) e à Instituição Prisional que o empregou. Deve o médico esclarecer que, enquanto médico, assegura ao preso que manterá sigilo sobre a sua condição pessoal, mas no que diz respeito a  segurança da instituição e demais aspectos relacionados, deverá  se conduzir  segundo as regras institucionais.
  • Segundo o Código de Ética Médica é permitido ao médico a quebra do sigilo e comunicação à autoridade de “crime de ação pública”, de que teve conhecimento no exercício da medicina, desde que a comunicação não exponha o cliente a procedimento criminal. (ou seja, não foi o sujeito o autor ou cúmplice do crime).  Crimes de ação pública são os crimes graves.
  • A legislação é que define quais crimes são de ação pública e quais de ação privada. O fundamento da escolha está vinculado à natureza do bem jurídico violado. Se a violação é a um interesse relevante para a sociedade, o crime deve ser apurado independentemente da iniciativa da vítima ou alguém relacionado a ela, como no caso do homicídio ou do roubo. Se a violação for algo da esfera íntima da vítima, como na difamação, será necessária a iniciativa do ofendido ou seu representante legal, não se tratando, portanto, de crime de ação pública.
  • Deve-se assegurar ao preso o sigilo de suas condições pessoais desde que essas não coloquem em risco a segurança do estabelecimento.

 

Por fim o ideal será sempre: Nem julgar e nem coadunar.


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