Volume 14 - 2009 Editores: Giovanni Torello e Walmor J. Piccinini |
Julho de 2009 - Vol.14 - Nº 7 Psicanálise em debate CONSIDERAÇÕES SOBRE O ATUAL MOMENTO POLÍTICO E UMA HOMENAGEM A MICHAEL JACKSON Sérgio
Telles * Das escolhas do inconsciente (*) O que Freud tem
a dizer sobre a democracia e as duas categorias de homens: os líderes e os
liderados Sérgio Telles A
inesgotável sucessão de escândalos políticos nos faz pensar que muitos de
nossos homens públicos se vêem como grãos-senhores que se dão ao direito de
saquear o tesouro nacional para constituir fortunas pessoais e sustentar
familiares, serviçais, apaniguados e agregados. Quando confrontados com seus
desmandos, abusos e crimes, ficam mortalmente ofendidos e posam de
injustiçados. É
que o conceito de accountability, de importância fundamental nas
democracias mais avançadas, parece não existir por aqui. Todo político do
Primeiro Mundo sabe que deverá prestar contas, a seus eleitores, do poder que
lhe foi por eles delegado. É isso a accountability. Um
bom exemplo desse estado de coisas nos deu Sarney recentemente. No epicentro
dos escândalos do Senado, ao se defender das acusações que sobre ele incidem,
Sarney afirmou que sua "biografia" é sua salvaguarda. Mas não é
justamente sua biografia o que o condena? Se pensarmos em termos de accountability,
que prestação de contas poderia ele apresentar a seus eleitores, se a realidade
expõe a todos os péssimos índices de desenvolvimento do Estado no qual por
quase quatro décadas tem exercido um anacrônico poder senhorial? Frente
a isso, somos levados a pensar que, numa democracia como a nossa, é baixo o
nível dos políticos e uma grande maioria do eleitorado é despreparada, ignora
seus direitos e se posta frente ao político de forma subserviente, implorando
favores, avalizando a imagem de grão-senhor que os políticos se dão. Poder-se-ia
pensar que o problema da escolha de maus políticos é decorrência do
subdesenvolvimento característico de nossas plagas e que uma melhor
escolaridade muito faria por nosso processo eleitoral. Isso
é parcialmente verdadeiro, pois logo lembramos que eleitores com boa
escolaridade e nível de informação política, como os do Primeiro Mundo, também
fazem péssimas escolhas, elegendo políticos desqualificados e de reputação
duvidosa. As reeleições de Bush e Berlusconi são exemplos recentes. Sem
mencionar uma Sarah Palin. Assim
constatamos que se a educação e a informação são necessárias para que os
eleitores possam fazer boas escolhas políticas, isso não é o suficiente. A
escolha do eleitor é permeada por uma forte irracionalidade que perturba a
desejada objetividade. Embora isso possa nos surpreender, não deveria, pois é o
que ocorre com todo e qualquer ato humano. É
aí onde a psicanálise pode dizer algo. Para
a compreensão dos motivos irracionais - ou seja, inconscientes - na escolha dos
eleitores, é fundamental a leitura de Psicologia de Grupo e Análise do Ego,
de Freud. Ali ele diz que o líder, pessoalmente identificado com uma forte
figura paterna, ocupa efetivamente o lugar de pai na fantasia grupal, e o
próprio grupo se vê como um bando de irmãos a ser comandado por esse pai
poderoso de quem demanda amor e proteção. Os membros do grupo colocam o líder
como um ideal do ego compartilhado por todos, condição que os une numa forte
identificação entre si. Essa
configuração psíquica é tão generalizada que Freud a usa para estabelecer que
os homens se dividem em duas categorias: a dos líderes, francamente
minoritária, e a dos liderados, amplamente majoritária. Freud
faz tal afirmação numa correspondência trocada com Einstein em 1932,
patrocinada pela Liga das Nações (atual ONU), que convidava cidadãos notáveis
para refletirem sobre problemas de interesse geral. No caso específico, o tema
era a guerra. Freud especula sobre o que determina a intensidade da
destrutividade de um indivíduo e de como isso se refletiria numa postura
pacifista ou belicista. Ao
propor as duas categorias de homens, líderes e liderados, posições determinadas
por estruturas psíquicas inconscientes, Freud parece dizer que,
independentemente do regime político, a grande maioria dos homens deseja ser
comandada, ficando numa posição de dependência reveladora da persistência de
desejos infantis por um pai forte e poderoso, a quem se sacrifica a
independência e a autonomia em troca da proteção. Essa estrutura fantasmática
sustenta e alimenta também a importância social da religião. O
reconhecimento da dimensão inconsciente do psiquismo faz com que a escolha
democrática fique bastante problematizada. Por um lado, pelo infantilismo
regressivo que alimenta o desejo de ser comandado por um pai forte e onipotente.
Por outro, pela loucura "adulta" da ideologia, cujo exemplo mais
cabal - como bem apontou Marx A
tudo isso ainda se deve acrescentar o discurso político, que visa
essencialmente à conquista e manutenção do poder, para tanto manipulando
pessoas e fatos. O
diálogo entre Freud e Einstein estava centrado em como a pulsão de morte
determinaria uma maior destrutividade nos lideres, fazendo-os assumir uma
atitude belicista. Embora a guerra permaneça no panorama mundial, ela não tem a
amplitude e urgência daquele momento. Em nossos tempos de "paz", a
destrutividade (pulsão de morte) de muitos líderes assume uma feição menos
bélica, mais "civil" e se expressa como corrupção. A
voracidade com que os políticos organizam negociatas e se apoderam do bem
público em detrimento da coletividade é uma manifestação predatória e fanática
do poder. É expressão de um narcisismo maligno que desrespeita a coletividade e
coloca multidões na miséria e no desamparo. Políticos
corruptos, eleitores despreparados, discursos mentirosos que visam
exclusivamente o poder, interferência de aspectos regressivos infantis na
escolha de homens públicos, a alienação das ideologias - mesmo assim, com tudo
isso, não podemos desanimar com a democracia. Ela
é uma conquista e deve ser defendida a qualquer preço. A melhor forma de
defendê-la é não idealizá-la, é reconhecer suas falhas e dificuldades e nos
empenhar para superá-las. Devemos
lutar para que os eleitores se apropriem de seus direitos civis, possam eleger
políticos honestos e capazes e que saibam reconhecer a diferença entre a
escolha objetiva de um representante político e a fantasia de reencontrar a
proteção perdida de um pai onipotente. Talvez
seja necessário reafirmar tudo isso, pois não poucas vezes tenho ouvido pessoas
se declararem completamente desiludidas com nossa realidade política e, como
forma de protesto, planejarem a anulação de seus votos nas próximas eleições. (*)
Artigo publicado no suplemento “Aliás” do jornal “O Estado de São Paulo” em
06/07/09 ********************************************************** Michael
Jackson – um pequeno tributo Sérgio Telles No final dos anos 80, circularam fortes
rumores que Michael Jackson pretendia comprar o esqueleto do Homem Elefante,
que estava então sob a guarda do Royal London
Hospital. Numa famosa entrevista a Oprah Winfrey algum tempo depois, Michael
Jackson desmentiu tal compra, apesar de afirmar que se identificara muito com o
Homem Elefante ao tomar conhecimento sua história, pois percebera como havia
muito de comum em suas vidas.
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