Volume 14 - 2009 Editores: Giovanni Torello e Walmor J. Piccinini |
Setembro de 2009 - Vol.14 - Nº 9 Psiquiatria Forense MAIS UM CASO DE MITOMANIA Hilda Morana
Artigo escrito a partir do caso publicado pela FOLHA DE SÃO PAULO em 11 de setembro de 2009.
Documentário retrata a impostora do 11/9 Mulher que fingiu ser sobrevivente do ataque ao
World Trade Center. Tania Head se tornou, nos primeiros anos após o
11 de Setembro, a mais célebre sobrevivente do ataque às Torres Gêmeas. Sua história
de superação e perda -enquanto ela fugia, ferida, do 78º andar da torre sul, o
noivo, David, morria na torre norte- chegou a milhares de pessoas no mundo
todo. Em pouco tempo, ela se tornou presidente da associação de sobreviventes.
Chegou a ser recebida por políticos de primeira grandeza dos EUA. Só em 2006 a verdade veio à tona. Tania Head nunca existiu. Gerry Bogacz, cofundador da Rede de
Sobreviventes, foi uma das pessoas tocadas por Tania. Ele trabalhava no 82º
andar da torre norte e diz no documentário ter compartilhado vários desabafos
com a impostora. Bogacz conta ter percebido, ao longo do tempo,
discrepâncias em seus relatos. Algumas vezes, ela dizia que era noiva;
outras, casada. Ao descobrir que o bombeiro voluntário Welles Crowther, que
morreu nos ataques, salvou diversas pessoas, Tania incorporou a presença dele
em sua história. ANDREA MURTA DA REPORTAGEM LOCAL
O DIAGNÓSTICO DE MITOMANIA TEM SIDO FREQUENTEMENTE ESQUECIDO PELA PSIQUIATRIA. Em geral os pacientes recebem diagnóstico de transtorno afetivo bipolar e de esquizofrenias.
A mitomania é a propensão a contar histórias e mentiras fantásticas, frutos da imaginação, sabendo o paciente que o que está relatando, é falso. O indivíduo mente e acredita na própria mentira, sem crítica sobre este estado patológico. Em geral, essa manifestação deve-se à profunda necessidade de apreço ou atenção. A pessoa tem consciência de que sua história é falsa, mas é capaz de reproduzi-la de forma quase idêntica quantas vezes for necessário
A mitomania é frequentemente confundida com delírios. De fato, a ficção mitômana é similar ao delírio, por envolver concepções de grandeza, atribuíveis à intensa necessidade de apreço, com conteúdo muito variável. Inclusive ocorre em sujeitos que se dizem autores de crimes hediondos, até mesmo se orgulhando de sua suposta maldade. Essas fabulações são mantidas, durante tempo variável, e podem se acompanhar de conduta delituosa, assim como, entre outras, do exercício ilegal de certas profissões e prática fraudulenta. Pode também envolver acusações graves contra terceiros. É comum a queixa de abuso sexual ou violência, na qual o mitômano se apresenta como vítima, com sérias conseqüências para a pessoa acusada, em geral inocente.
Quando o sujeito é confrontado com as suas contradições tenta evadir-se, falseia as informações e demonstra acentuada inconsistência do comportamento.
A mitomania pode ocorrer apenas como sintoma, em diversas condições. É um sintoma caracterizado por ideação fantasiosa de uma história ou de um personagem. É comum em pessoas com transtorno histriônico da personalidade embora não seja só neste tipo de transtorno que o sintoma ocorra. O sujeito imagina uma história ou várias delas, fantásticas, que se passaram com ele, com a finalidade de ganho pessoal. Os ganhos podem ser apenas para auto-valorização de si mesmo. É a superestima patológica.
Para Robert Hare (autor do psychopathy check-list revised : PCL-R), o mitômano é um individuo para quem mentir e enganar é próprio da sua maneira habitual de interagir com os outros. Ele e capaz de produzir contos elaborados de seu passado, mesmo que ele saiba que esta história possa ser facilmente verificada. Sua prontidão em mentir e a aparente calma com a qual ele a conta (ate mesmo para pessoas que o conhecem bem), pode ser notável. Quando apanhado em uma mentira ou quando desafiado com a verdade, ele raramente parece perplexo ou embaraçado: ele simplesmente muda sua história ou tenta refazer os fatos para que pareçam consistentes com o que ele disse. Ele tem uma explicação ou desculpa para tudo. Mais ainda, mesmo após quebrar repetidamente suas promessas e compromissos para alguém, ele ainda acha fácil dizer novas mentiras sob "sua palavra de honra". Ele mente frequentemente por razões óbvias, mas enganar outras pessoas também parece ter alguns valores intrínsecos para ele. Pode fazer discursos livremente e ter orgulho e prazer em sua habilidade para mentir.
Os mitômanos são confundidos com sujeitos psicóticos delirantes. Contudo, os psicóticos não forjam situações concretas para convencer os demais a respeito de suas próprias idéias e convicções delirantes. Pessoas delirantes, quando causam mal a seus entes queridos, o fazem em razão de suas convicções mórbidas, mas não inventam queixas ou sintomas para prejudicá-los, acusando terceiros.
Em casos de suspeita de mitomania deve ser procedido exame criterioso e aprofundado estudo semiológico do caso, a fim de se distinguir entre as concepções mitômanas e as delirantes. Esta avaliação é fundamental, tanto para a verificação da procedência dos fatos denunciados, quanto para a avaliação da imputabilidade penal. A consistência dos fatos com que é contada pelo sujeito mitômano impressiona, mas como em geral evidenciam-se inconsistências nos mesmos, a tendência é formular o diagnóstico de delírio. Mas, a confrontação com informações objetivas desfaz o equívoco.
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