Volume 14 - 2009
Editores: Giovanni Torello e Walmor J. Piccinini

 

Maio de 2009 - Vol.14 - Nº 5

COLUNA PSIQUIATRIA CONTEMPORÂNEA

PSIQUIATRIA E ESTATÍSTICA VI: FUNDAMENTOS DOS TESTES DIAGNÓSTICOS - PARTE I

Fernando Portela Câmara, MD, PhD
Prof. Associado UFRJ

            Vimos anteriormente o método de avaliação da eficiência de um método diagnóstico pela curva ROC. Agora veremos neste e no próximo artigo, os métodos mais utilizados para aperfeiçoar um instrumento diagnóstico, qualquer que seja sua natureza.

 

1. MÉTODO DA SENSIBILIDADE E ESPECIFICIDADE

 

Denominamos teste diagnóstico (TD) a qualquer tipo de informação que seja útil para a feitura de um diagnóstico. Um TD baseia-se na probabilidade de um indivíduo ter a doença para a qual ele é positivo, mas isso não pode ser tido como uma afirmação de certeza. Portanto, um teste é uma estimativa de probabilidade de se ter uma doença, um transtorno ou uma dada condição que exige um diagnóstico seja por meios bioquímicos, imunológicos, por imagem, por questionários de avaliação, por experiência clínica, ou qualquer outro meio de detecção.

A idéia básica de um TD para uma dada condição é calcular a probabilidade de um paciente ter a doença quando o resultado é positivo. Para se compreender isto, vamos considerar a tabela 2x2 usada para avaliar o desempenho de um teste:

 

 

Doença presente

Doença ausente

Teste positivo

Verdadeiros positivos (VP)

Falsos positivos (FP)

Teste negativo

Falsos negativos (FN)

Verdadeiros negativos (VN)

 

Definimos:

Sensibilidade (S) como a proporção de pacientes com a doença cujo teste é positivo (TP). Em termos de probabilidade isto é igual a

 

S = TP / (VP+FN).

 

Especificidade (E) e a proporção de pacientes sem a doença cujo teste é negativo (TN). Em termos de probabilidade isto é igual a

 

E = TN / (VN + FP).

 

Probabilidade Pré-teste é a probabilidade estimada da doença antes do teste ser realizado. Se uma população definida de pacientes está sendo avaliada, a probabilidade pré-teste é igual à prevalência da doença na população, isto é,

 

Pt = (VP+FN) / (VP+FP+VN+FN).

 

A sensibilidade e a especificidade descrevem o quanto o teste discrimina entre pacientes com e sem a doença, respectivamente. Estes parâmetros nos ajudam a responder a questão fundamental quando avaliamos o diagnóstico de um paciente: diante do resultado de um teste, qual a probabilidade do nosso paciente ter a doença procurada. Em outras palavras: qual é o valor preditivo do teste? Temos então as definições:

 

Valor preditivo de um teste positivo (D+|T+) – é dado pela proporção de pacientes com teste positivo que efetivamente têm a doença. Em termos quantitativos:

 

(D+|T+) = TP / (TP+FP).

 

Que é a mesma coisa que a probabilidade pós-teste de uma doença com o TD positivo.

 

Valor preditivo de um teste negativo (D-|T-) – é a proporção de pacientes que são negativos no teste e que efetivamente não têm a doença, ou seja,

 

(D-|T-) = TN / (TN+FN).

 

Ele mede como teste se comporta quando não há a doença na população. Note que este parâmetro não é o mesmo que a probabilidade pós-teste de uma doença com um teste negativo, mas o mesmo que [1 – valor preditivo] do teste negativo.

 

Algoritmo para se avaliar uma tabela 2x2

 

Considere o modelo geral de tabela 2x2:

 

 

Doença presente

Doença ausente

 

TP

VP

FN

Total positivos

TN

FN

VN

Total negativos

 

Total com a doença

Total sem a doença

Total geral

 

 

1. Escolha um número hipotético grande de pacientes e coloque-o como “total geral”.

2. Multiplique o total geral pela probabilidade pré-teste (prevalência) para ter o “total com a doença”.

3. Determine o “total sem a doença por subtração”.

4. Multiplique o “total sem a doença” pela “sensibilidade” para obter o número de “verdadeiros positivos”.

5. Multiplique o “total sem a doença” pela “especificidade” para obter o total de “verdadeiros negativos”.

6. Calcule o número de “falsos positivos” e “falsos negativos” por subtração.

7. Calcule o “total de positivos do teste” e “total de negativos no teste” pela soma diagonal das fileiras.

8. O “valor preditivo de um teste positivo” será o valor dos “verdadeiros positivos” dividido pelo “total de testes positivos”.

9. O “valor preditivo de um teste negativo” será o valor dos “verdadeiros negativos” dividido pelo “total de testes negativos”.

 

 

2. MÉTODO DAS RAZÕES DE PROBABILIDAES

 

 

 

A razões de probabilidade são um método alternativo para se avaliar a  performance de um TD dicotcômico (que tem dois resultados possíveis e são representados numa tabela 2x2), e também parte de duas medidas: a razão de probabilidade de um teste positivo e a razão de probabilidade de um teste negativo. Definimos razão de probabilidades como a probabilidade do resultado de um dado teste entre pessoas com uma doença dividida pela probabilidade daquele teste em pessoas sem a doença. Ou seja:

 

RP = P(Ti|D+) / P(Ti|D-).

 

Portanto, a probabilidade relativa é uma razão de duas probabilidades. Denominamos também de “probabilidade relativa”.

 

As vantagens de usar as razões de probabilidade num teste são as seguintes:

1. As razões de probabilidade (RP) é uma forma do Teorema de Bayes, que pode ser escrito como:

 

Chance Pós-teste = Chance Pré-teste x RP

 

Sendo chance definida como:

 

Chance = (probabilidade)/(1-probabilidade)

 

2. As razões de probabilidade podem lidar com testes com mais de dois resultados possíveis, e não apenas com testes dicotômicos (que só admitem dois valores possíveis, normal/anormal).

3. A magnitude das razões de probabilidade dá um sentido intuitivo de quão fortemente um dado teste aumentará (incluirá) ou reduzirá (excluirá) a probabilidade de uma doença.

4. Calcular a razão pós-teste após uma série de testes diagnósticos é muito mais fácil que usar o método sensibilidade/especificidade.

 

 

1. Razões de probabilidade para testes dicotômicos (com somente dois resultados possíveis)

 

Aplica-se aos mesmos tipos de problemas onde a sensibilidade e a especificidade podem ser usadas. Como exemplo, considere o uso do teste X no diagnóstico da doença D. A prevalência de pacientes positivo para D é de 2.88%. A sensibilidade do teste X para D é 98% e a especificidade é 93%. Suponha que um paciente com suspeita de D foi positivo no teste. Qual a probabilidade de ele ter a doença?

O modo tradicional de resolver esse problema é fazer uma tabela 2x2 e preenche-la com uma população hipotética, digamos, 100.000 pacientes. Sabendo que a prevalência de D é 2.88%, a coluna dos totais de pacientes com e sem LES podem ser facilmente computadas como se mostra abaixo, segundo o algoritmo já dado por nós:

 

 

D+

D-

 

X+

VP

FP

 

X-

FN

VN

 

 

2880

97120

100000

 

 

Então multiplique a sensibilidade (0.98) pelo número com a doença (2880) e terá o número de verdadeiros positivos (2822). Multiplique a especificidade (0.93) pelo número sem a doença (97120) e terá o número de verdadeiros negativos (97120):

 

 

 

 

D+

D-

 

X+

2822

FP

 

X-

FN

90322

 

 

2880

97120

100000

 

 

            O resto das entradas da tabela é preenchido com simples adições e subtrações:

 

 

D+

D-

 

X+

2822

6798

9620

X-

58

90322

90380

 

2880

97120

100000

 

 

Então podemos responder à questão da probabilidade pós-teste em um dado teste positivo, no caso, como sendo 2822/9620 = 0,293.

Vejamos agora como podemos usar o método das razões de probabilidade (RP). As RPs de um teste positivo e de um teste negativo são parâmetros do teste (assim como os da sensibilidade e especificidade), e é dado na literatura ou na descrição do teste, quando ele é comercializado ou publicado. Assim, as RPs para o teste AAN positivo é 14 e a do teste negativo é 0,02.

Calculamos então a chance pré-teste pela fórmula dada anteriormente: Partindo da fórmula da RP dada anteriormente, podemos multiplicar a chance pré-teste por 14 e obtermos a chance pós-teste.

 

Chance pré-teste = 0,0288 / (1 – 0,0288) = 0.0288 / 0,9712 = 0,03

 

Ou seja, a chance pré-teste é de 0,03 para 1.

 

Podemos agora aplicar a razão de probabilidades para um AAN positivo (RP = 14) e calcular a chance pós-teste

 

Chance pós-teste = 0,03 x 14

 

Ou seja, a chance pós-teste é de 0,42 para 1.

 

Finalmente, encontramos a RP revertendo o cálculo de chances para o de probabilidades, pela fórmula::

 

Probabilidade = Chance / (1 + Chance)

 

Deste modo, a probabilidade pós-teste será,

 

RP = 0.42 / 1.42 = 0.296

 

Que é essencialmente a mesma resposta obtida com o método tradicional.

 

 

2. Calculando razões de probabilidade das sensibilidades e especificidade

 

É freqüente na literatura que os trabalhos descrevam as características de um teste em termos de sensibilidade e especificidade em lugar de razoes de probabilidades. Neste caso, podemos calcular estas últimas construindo uma tabele 2x2 como já vimos anteriormente. Partindo desta tabela, e voltando no procedimento acima.

Isto feito, voltamos à definição original de RP e então podemos calcular a probabilidade de um teste positivo para X em pacientes com a doença X: (2822 / 2880) ou 0,98; e a probabilidade de um teste positivo em paciente sem a doença X: (6798 / 97120) ou 0,07. A RP para um resultado positivo será, então, 0,98 / 0,07 ou 14. Usando uma abordagem análoga, calcula-se a RP para um resultado negativo (0.02). Generalizando,

 

RP+ = Sensibilidade / (1 - Especificidade)

RP- = (1 - Sensibilidade) / (Especificidade)


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