Volume 14 - 2009 Editores: Giovanni Torello e Walmor J. Piccinini |
Março de 2009 - Vol.14 - Nº 3 Artigo do mês
A INVISIBILIDADE DOS TRANSTORNOS MENTAIS NO PROGRAMA SAÚDE DA FAMÍLIA (PSF) NO BRASIL
Maximiliano Loiola Ponte de Souza RESUMO: Introdução: O
Ministério da Saúde do Brasil (MS) vem reconhecendo as potencialidades do
Programa Saúde da Família (PSF) em compor uma rede ampliada de cuidados aos
portadores de transtornos mentais (TM). Objetivo:
Identificar o registro de transtornos mentais por este programa, avaliando a
quantidade de casos registrados, a capacidade de registro (CR) e a distribuição
desta identificação nas diferentes macro-regiões do país. Metodologia: Realizou-se pesquisa eletrônica a base de dados
Sistema de Informações da Atenção Básica, do Sistema Único de Saúde, tendo por
base o mês de dezembro de 2005. Resultados:
Observou-se uma baixa e heterogênea CR no país e nas diferentes regiões. Apenas
79 municípios registraram casos. Em 14 estados e em 19 capitais não houve
registro. Conclusões: Embora exista
a preocupação do MS em promover uma articulação entre as ações de saúde mental
e o PSF, esta parece não está se dando de forma efetiva e igualmente
distribuída no país. A baixa CR encontrada no país acaba por levar a uma
invisibilidade dos TM, dificultando as atividades de gestão e monitoramento
das ações de saúde nesta interface entre SM e PSF. Descritores: Programa
Saúde da Família; Saúde Mental; Saúde Pública; Serviços de ABSTRACT Introduction:
The Ministry of Health in Brazil (MH)
has been acknowledging the potentialities of the Family Health Program (FHP) in
comprising an extended care network for patients suffering from Mental
Disturbances (MD). Objective: To
identify the register of mental disturbances filed by this program, reviewing
the quantity of registered cases, the registration capacity (RC) and the
distribution of such identification throughout the different macro-regions in
the country. Methodology: An electronic survey was carried out in the database
of the Basic Care Information System of the Country’s Unified Health System
having the month of December 2005 as a basis. Results: A low and heterogeneous RC was observed both in the
country and in the different regions. Only 79 municipal districts had cases
registered. No registers were made in 14 States or in 19 capitals. Conclusion: Although there is a concern
by the MH in promoting an articulation between the mental health actions and
the FHP, this seems not to be effectively happening nor has it being equally
distributed throughout the country. The low RC found in the country ends up
leading towards an invisibility of the MD, hindering the managerial activities
and the monitoring of health actions at the MS and FHP interface. Keywords: The Family Health Program; Mental Health; Public
Health; Health Services; Primary Health Care; Brazil. Introdução A atenção à saúde mental (SM) no Brasil é
disciplinada por lei (BRASIL, 2001), que explicita o direito dos portadores de
transtornos mentais (TM) a serem tratados preferencialmente em serviços
comunitários, e responsabiliza o Estado pelo desenvolvimento de políticas que
priorizem a assistência em serviços não-asilares. A
Organização Mundial de Saúde (OMS, 2001) aponta a importância de integrar a
atenção primária à rede de cuidados aos portadores de TM, uma vez que esse
nível de atenção funciona como um filtro entre a população geral e atenção
especializada. Em 1994, o Ministério da Saúde do Brasil
(MS) implantou o Programa Saúde da Família (PSF) com propósito de
"reorganizar a prática da atenção à saúde em novas bases e substituir o
modelo tradicional, levando a saúde para mais perto da família” (BRASIL, 1998).
O PSF prioriza as ações de vigilância, prevenção, promoção e recuperação da
saúde, de forma integral e contínua. O MS reconheceu as potencialidades do PSF em compor
uma rede ampliada de cuidados aos portadores de TM e passa a induzir, inclusive
com aporte financeiro, a aproximação da SM a este programa (BRASIL, 2003). Uma
estratégia para avaliar a capacidade indutiva do MS, em aproximar a SM do PSF,
seria investigar a capacidade de geração de informações nesta interface, visto
que esta ação constitui-se em um aspecto relevante na gestão e monitoramento
das ações Metodologia Realizou-se pesquisa eletrônica a base de
dados Datasus (www.data.sus.br),
desenvolvida pelo MS com intuito de democratizar o acesso a informação, visando
aprimorar a gestão, descentralizar as atividades e permitir o controle social,
no que concerne a utilização de recursos financeiros. Nesta base, os dados
foram coletados a partir do Sistema de Informações da Atenção Básica (SIAB),
cujos dados são gerados a partir do trabalho das equipes de Saúde da Família e
Agentes Comunitários de Saúde. Teve-se como referência ano de 2005. Para
calcular a população cadastrada pelo PSF, para cada região do país, realizou-se
o somatório das populações cadastradas para cada Unidade da Federação (UF). A
identificação do número de casos de TM deu-se através da soma do número de
casos de “distúrbios mentais de Resultados 5020 municípios informaram o número de pessoas
cadastradas pelo PSF em 2005, correspondendo a 90,8% da totalidade nacional.
Essa população era superior a 74 milhões, no Brasil. Deste total, 6,75% eram da
região N; 40,36% da NE; 7,22% da CO; 31,47% da sudeste e 14,20% da Sul. Foram
registrados 6.570 casos de TM, no Brasil, perfazendo uma CR de TM de 8,86
casos/105 da população. Observa-se ainda que esta CR variou entre as
regiões do país, tendo o CO a menor capacidade e a região S a maior. No país, 14 UF e 19 capitais não registram
casos. No N, NE e CO, apenas uma capital, de cada região, registrou casos,
Porto Velho, Maceió e Goiânia, respectivamente. Nas regiões SD e S, uma capital
de cada não registrou casos, Belo-Horizonte e Porto Alegre. Em 79 municípios brasileiros (1,57%) houve
registro de casos. Dentre estes, 04 (5,06%) localizavam-se no N, 17 (21,52%) no
NE, 01 (1,27%) no CO, 46 (58,23%) no SD e 11 (13,92%) no S. Neste subgrupo, a
CR de TM variou de
Tabela 1-Registro de Transtornos Mentais (TM) pelas equipes do
Programa Saúde da Família (PSF), nas diferentes regiões do Brasil, em 2005
(Fonte: adaptado do Sistema de Informação da Atenção Básica do Sistema Único de
Saúde). TM registrado= número absoluto de casos de TM registrados; Capacidade
de Registro de TM= TM registrado/ População cadastrada x 105. UF=
Unidade Federativa. % de municípios sem TM registrado = número absoluto de
municípios sem TM registrado/ número absoluto de municípios x 100. Discussão Inicialmente destaca-se a importante diferença na CR de TM pelo PSF, no país.
Verifica-se, que a região S, apresenta uma CR cerca de 25 vezes maior que a
região CO. Levcovitz et al (2001), ao avaliarem a consolidação do Sistema Único
de Saúde no Brasil evidenciaram, que apesar de vários avanços terem ocorrido,
estes estão se dando de forma desigual em diferentes partes do país. Nossos
dados corroboram a iniqüidade da atenção à saúde no Brasil, ao demonstrar
grandes diferenças na CR de TM, entre regiões do país, o que aponta para uma
desigual capacidade de vigilância em saúde. Outro
ponto relevante é a baixa CR de TM no país. Os valores registrados são baixos,
quando comparados as seguintes informações: Não é
possível creditar a baixa CR encontrada no país, exclusivamente a inexistência
de serviços especializados em SM nos municípios. Isso porque se observou que
mesmo em capitais não houve registro de casos de TM. Por outro lado, os catorze
municípios que apresentaram as mais altas CR de TM são distintos em vários
aspectos sócio-econômicos. Comparando-os quanto ao Índice de Desenvolvimento
Humano – Municipal (PNUD, 2000), observa-se desde municípios como
Florianópolis (Santa Catarina), que ocupa a 4ª posição no ranking nacional a
Luislândia (Minas Gerais) que ocupa a 4034ª. Tal comparação nos permite refutar
a hipótese que apenas cidades com maior nível de desenvolvimento teriam
melhores condições para registrar casos de TM. Levanta-se a
hipótese que de fato exista a confluência de diferentes fatores para justificar
a baixa CR de TM, indício da baixa penetração das ações de SM no PSF. A pressão
por atendimento para questões médicas gerais, aliada as carências na formação
profissional, centrada em aspectos somáticos do adoecimento, restringiria o
olhar dos profissionais para questões de SM (BREDA, 2001). Por outro lado,
porque registrar um caso de TM, não tendo instrumental para conduzir a
situação? Um paciente com tuberculose ou hipertensão será conduzido a partir de
protocolos desenvolvidos para uso na atenção básica. Em escala nacional, na
área de SM, estes não existem. Segundo a OMS (2001), o treinamento do pessoal
de atenção primária para detecção e tratamento dos TM é uma importante medida
de saúde pública. É possível que num contexto de alta rotatividade dos
profissionais do PSF haja dificuldades de fixar conhecimento oferecido nos
serviços, o que dificultaria a incorporação de novas ações de saúde, como as de
SM. Um último aspecto seria uma possível desarticulação entre a rede de
assistência a SM e o PSF, e que seriam iniciativas locais que determinariam a
maior CR de TM. Pelo menos para o caso de Sobral, no Ceará, há literatura
disponível para afirmar que houve um esforço do gestor municipal para integrar
as ações dos profissionais do PSF e as daqueles ligados a SM (SAMPAIO et al,
1998), em particular aos do CAPS local (MORENO et al 2004); definir fluxos de
referência e contra-referência (TOFFOLI, 2002); e investir na
atuação dos Agentes Comunitários, no campo da saúde mental (BARROS, 2004).
Entretanto, não se encontrou dados para afirmar se este mesmo processo estaria
ocorrendo nos demais municípios que apresentaram CR de TM mais elevadas. Conclusões Os dados
desta pesquisa apontam que embora exista a preocupação do MS em promover uma
articulação entre as ações de SM e o PSF, esta parece não está se dando de
forma efetiva e igualmente distribuída no país. Tal conclusão se baseia na
baixa e heterogênea CR de TM, pelo PSF. A fonte de dados secundários utilizada
apenas nos informa sobre o registro de casos. Desta forma há que se ter certa parcimônia,
visto que o não registro de casos não necessariamente significa a não
identificação de casos e a ausência de ações de SM. Por outro lado, a baixa CR
de TM não deixa de ser uma evidência relevante da ainda incipiente interação
entre PSF e SM. Tal situação leva a uma invisibilidade dos TM, que ao não serem
registrados não passam a compor o quadro de agravos à saúde da população
cadastrada pelo PSF, o que acaba por dificultar as atividades de gestão e
monitoramento das ações de saúde nesta interface entre SM e PSF. Por fim,
aponta-se a necessidade de investigações que através de metodologias mais
refinadas busquem compreender os motivos para baixa e heterogênea CR de TM,
pelo PSF, no Brasil. BARROS,
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acessado em 04/julho/2007. TÓFOLI, Luiz Fernando. Como orientar demandas de
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Sobral: Escola de Formação em Saúde da Família Visconde Sabóia; 2002.
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