Volume 13 - 2008
Editores: Giovanni Torello e Walmor J. Piccinini

 

Julho de 2008 - Vol.13 - Nº 7

Psicanálise em debate

A Questão Humana (La Question Humaine), de Nicolas Klotz (2007)

Sérgio Telles *
psicanalista e escritor

O grande trunfo do muito premiado filme “A Condição Humana”, de Nicolas Klotz, é o inteligente e polêmico roteiro baseado no livro de François Emmanuel.

Nele vemos Simon, um psicólogo indústria, ser convocado para uma delicada tarefa -  avaliar secretamente a saúde mental do presidente da empresa onde trabalha, uma sucursal francesa de um conglomerado alemão. Logo o psicólogo se dá conta dos jogos de poder entre os diretores da empresa e de que pode estar havendo uma conspiração para eliminar o presidente. Suas investigações avançam e o levam à descoberta do passado nazista de seus superiores.  Ao mesmo tempo, Simon começa a questionar seu próprio trabalho, especialmente os procedimentos realizados por ele mesmo  no downsizing da empresa, quando, sem questionar os motivos, obedeceu às ordens superiores de eliminar a metade dos funcionários, descartando-se impiedosamente de todos aqueles tidos como “doentes” e “problemáticos”. Percebe que sua forma de agir não é muito diferente daquela dos nazistas, que, ao serem questionados sobre seus atos, diziam estar apenas “cumprindo ordens”. 

E aí está a idéia central e provocadora do filme – persistiria a ideologia nazista na forma como as grandes corporações funcionam e tratam seus funcionários? A desumana e delirante ideologia nazista, que pregava a supremacia racial e a eliminação dos mais fracos seria muito diferente da igualmente desumana e delirante ideologia do lucro-a-qualquer-preço, que elimina todos aqueles considerados supérfluos a este objetivo? Se no nazismo a linguagem foi completamente subvertida, neutralizada para, de forma asséptica, tratar de assuntos inomináveis, o mesmo não ocorreria agora, quando, através de eufemismos e metáforas, ficam escamoteadas realidades como a miséria, o desemprego, o preconceito contra os imigrantes por parte das superpotências européias, a perseguição que lhes oferecem?

A superposição da ideologia nazista com a ideologia do lucro-a-qualquer-preço é mostrada por Klotz ao reproduzir nos subúrbios pobres da Paris de hoje - onde moram os imigrantes orientais, africanos, árabes, portugueses e espanhóis – as clássicas imagens de documentários sobre campos de extermínio  e movimentações em massa de judeus forçadas pelos nazistas.

Simon teme estar perdendo sua sanidade mental ao ver tais cenas, pensa estar alucinando as situações do passado nazista. Mas, o que está ocorrendo é o oposto. Trata-se de sua percepção de uma realidade que até então lhe era inadvertida. Elas evidenciam sua conscientização da efetiva semelhança entre a ideologia à qual presta seus serviços e a dos nazistas.

Neste sentido, o filme faz uma grave critica ao chamado psicólogo industrial, que usa de seus conhecimentos para manipular e condicionar os empregados aos objetivos da empresa.  Seria o contrário dos objetivos da psicanálise, que visam ampliar o auto-conhecimento do sujeito pela integração dos aspectos até então  inconscientes e reprimidos, o que lhe daria maior autonomia e melhores condições para enfrentar as tentativas exteriores de manipulação e controle.


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