Volume 13 - 2008 Editores: Giovanni Torello e Walmor J. Piccinini |
Maio de 2008 - Vol.13 - Nº 5 Coluna da Lista Brasileira de Psiquiatria Esta coluna resume os principais fatos e novidades veiculadas na Lista Brasileira de Psiquiatria. |
Assuntos: |
TEMA DO MÊS:
ENSINAR PSIQUIATRIA A PSICÓLOGOS?
Logo, falar do uso combinado de psicoterapia e medicamentos não infringe nada. Inclusive, fico aqui pensando, mesmo que o médico falasse que Prozac 20 mg trata depressão leve, fato que está nos jornais, na intrenet, nem precisa um médico falar para que alguém saiba, ele seria co-responsável se um psicólogo ou outro qualquer prescrevesse essa medicação? O crime está no ato de falar da existência de um tratamento ou no ato de falsificar um carimbo, um receituário, exercer a medicina ilegalmente?
Se o diagnóstico é um ato médico, os psicólogos estariam proibidos de assistir a qualquer congresso em psiquiatria, pois estão aprendendo a exercer atos médicos. Logo, a resolução do CFM, embora tenha a sua lógica e sua função, se tomada ao pé da letra, inviabilizaria qualquer palestra. Estou interpretando erroneamente?
Ana Hounie
Ana,
Ate mesmo um flanelinha pode comprar um tratado de psiquiatria e de
farmacologia e estudar a fundo, conhecendo teoricamente a matéria. E esse mesmo
flanelinha pode diagnosticar num terrereiro e prescrever prozac e haldol para a
sua (dele) vizinhança. Aqui na UFRJ se formam doutores em psicofarmacologia no
pós-graduaçãoem farmacologia, com tese de doutorado, etc, sendo graduados em
biologia, nutrição, farmácia, etc, e algumas vezes em medicina. Também a UFRJ instituiu residência em Infectologia para não médicos (não me
pergunte o que eles vão fazer). Mas creio que a diferença está na habilitação
para exercer a profissão sendo supervisionado por um conselho, pelos códigos
civil e penal e pela sociedade, e exerce-la etica e moralmente, prestando conta
dos seus atos, aperfeiçoando e trazendo progresso para aquilo que exerce, e
para a segurança dos cidadãos que compartilham o mesmo contrato social. É a
sociedade que escolhe o médico mediante as instituições que formam,
supervisionam e vigiam a prática destes escolhidos para cuidar da saúde do
cidadão. O problema neste país é que as instituições estão sendo avacalhadas e
usurpadas pela anomia geral que degrada a ética e a sociedade em que vivemos.
Portela
O ato médico ainda não está definido, não é mesmo?
Não há toda uma discussão sobre a sua futura votação no congresso? Além disso,
entendo nossa necessidade de proteção, atacados que sempre somos, mas é uma
sonora bobagem imaginar que vai ser a posse com unhas e dentes de um
conhecimento que é público, acessível em qualquer biblioteca ou
computador, que vai ser a garantia da nossa profissão. A garantia da profissão
é todo o treinamento, os anos de bioquímica, farmaco, medicina geral, etc.
Parece fácil medicar alguém só pra quem nunca medicou, é toda uma arte, com
inúmeros riscos, perigos, interações, etc.
Queremos que os psicólogos sejam nossos aliados? Mas então não podemos querer
impedí-los de conhecer minimamente farmacologia, quando encaminhar
um paciente, que tipos de sintomas seriam tratáveis, para que servem as
medicações, como são os diagnósticos, etc. Isto soa contraditório. ..
Daqui a pouco vão querer nos proibir de fazer psicoterapias. ..e seguindo
algumas afirmações daqui, com razão
Marcelo Victor
Ana, o seu entendimento está certo. O crime seria praticado por quem exercesse ilegalmente a medicina ou fornecesse meios para isso. Falar de psicofarmacologia em palestras, conferências e eventos acadêmicos similares não pode ser crime. E nem é infração ética capitulada no Código de Ética Médica. Atenciosamente, Geraldo Sette.
Uma realidade que todos
enfrentamos é a explosão demográfica médica, criada pela proliferação de
Faculdades de Medicina pelo país. Lembro um secretário da saúde aqui no sul que
tinha um caminhão com mobiliário para um posto de saúde. O caminhão, mas pobre
que o do Faustão ia na frente, instalava os móveis num casebre qualquer de uma
vila e ai esperavam a chegada da comitiva oficial que inaugurava o posto de
saúde. Saia a imprensa, o secretário e os políticos rumando para outra
inauguração. a turma do caminhão, pegava o mobiliário e corria para chegar na
frente para a próxima inauguração. guardada as proporções, inaugura-se uma
Faculdade de medicina, sem hospital, sem professores. Contrata-se alguns
doutores para mostrar ao MeC que existem os professores e estes são
gradativamente demitidos depois da inauguração. Estou exagerando? Olhem e
perguntem por ai. Assim funciona o nosso pais de aparências.
Foram criados inúmeros cursos paralelo ao de medicina; Biologia, Nutrição.
Optometria. Fisioterapia, T.O. AT. Arte Terapia etc. Cada um criou seu conselho
federal, estabeleceu normas e saíram pra luta. a realidade do mercado é
terrível. Muitos se entrosaram na sombra de médicos e se deram bem, outros, com
grande energia pessoal conseguiram um espaço próprio, mas a grande maioria vive
em subempregos. Os psicólogos tem ocupação destacada nas empresas, nas
escolas. Muitos se tornaram psicoterapeutas e psicanalistas. mas que fazer com
a grande maioria, não esqueçam que deve ser mais de cem mil jovens, alguns nem
tanto. Eles estão entrando em espaços que os psiquiatras abandonaram. são mal
pagos e, infelizmente, aceitaram a mentira que os psiquiatras são seus
inimigos. A missa é longa, espero que pensem no assunto.
Walmor Piccinini
Definido, está. Falta ser
legalmente instituído, o quemestá sendo buscado no Congresso.
Outra coisa importante: todo conhecimento deve sermlivre e público. Coisa
diversa é sua prática no mercado de trabalho...
Qualquer um pode (e deve) publicar qualquer matéria com liberdade e essa deve
ser acessível a todos. O que o CFM proíbe é ensinar atos médicos a quem não
estude ou seja habilitado (e não apenas formado) em Medicina.
Creio que esta medida assim extremada foi resposta à conduta anti-médica de
maior intensidade praticada pelos conselhos de outras profissões - sanitárias
ou não - mas que pretendem disputar o mercado com o médicos. Recordo que o CFP
patrocina a maior parte da campanha anti-médica no Brasil, mais de olho na
perpetuação de seus dirigentes, creio, do que em qualquer outro objetivo. Mas é
assim que é.
Não conheço nenhum serviço assistencial onde este conflito se manifeste em suas
equipes multiprofissionais (que muitos, esperta ou ignorantemente, confundem
com multi-disciplinares ). Ele existe só como material de polêmica intra ou
inter-institucional de natureza essencialmente política.
Também acredito que, uma vez regulada devidamente a profissão médica, como as
outras já foram, tudo isto mudará. Muito.
LSalvador
NOTÍCIA
A ausência ou mau funcionamento de uma região do cromossomo
22 causaria transtornos psiquiátricos, como a esquizofrenia, assim como
problemas cognitivos e de comportamento, segundo um estudo, publicado este mes
na revista científica britânica "Nature Genetics". Os pesquisadores
(Columbia University, EUA) afirmam que a falta de genes está relacionada à
ansiedade, à depressão, à hiperatividade, ao autismo e às desordens de memória.
Além disso, seria a origem de 1% a 2% dos casos de esquizofrenia. O estudo
evidencia também que cerca de 30% dos indivíduos com este falha nos genes
desenvolvem a doença.
A partir de experimentos com ratos de laboratório nos quais foram suprimidos os
genes que controlam as mesmas funções que a região do cromossomo 22 no homem,
os pesquisadores descobriram que estes animais mostravam desordens de
comportamento. Os genes suprimidos do material genético dos ratos controlam
processos bioquímicos do cérebro, por isso sua ausência levaria a falhas
biológicas que causariam doenças mentais.
OPINIÃO
“Publish much, think little”
É interessante que essa ânsia de reconhecimento externo que a anglofilia traduz
vem exatamente num momento em que a informação se fragmenta pela internet e as
revistas (as mais conhecidas) estão desesperadas para obter assinantes (eu
recebo ofertas todo santo dia). Todo mundo quer publicar mas ninguém parece querer
ler. Depois que se divulgou que no board das grandes revistas quase
todos levavam o seu, oriundo das grandes empresas, o valor da pesquisa
burocratizada se tornou ainda menor, e pouca gente hoje acredita mesmo nos
artigos. O enorme crescimento do alternativismo denuncia isto.
O embasamento científico da prática médica, que deu seus melhores frutos no
início do século XX, passou a sofrer de uma doença degenerativa insidiosa, cuja
origem é cientificismo acadêmico e cujos sintomas são os eflúvios de corrupção
(econômica, política, etc.).
Também na área cirúrgica, como nas outras áreas clínicas, a dissociação entre
produção de conhecimento e produção acadêmica já está produzindo uma crise, que
se reflete no ensino médico, como o artigo abaixo revela:
"O famoso relatório Flexner, de 1910, responsável por modificar os
paradigmas da educação médica americana, foi mdirecionado para o público geral.
Mais conhecido pelas críticas ao modelo de formação médica até então vigente,
propôsmum redirecionamento da educação médica conforme um modelo cientificista
positivista, que deveria substituir o aprendizado pelo exemplo e autoridade do
mentor por um modelo baseado no convívio clínico determinando o aprendizado e
as linhas de pesquisa clínica a partir de questões suscitadas pela prática,
unificando as figuras do assistente, do professor, do modelo profissional e do
pesquisador (“think much, publish little”). Este modelo, levado ao
máximo desempenho na Universidade de Harvard junto com as idéias Halstedianas
de ensino de cirurgia (estrutura de residência médica), foi rapidamente
superado pela sofisticação progressiva dos instrumentos e temas de pesquisa,
pelos julgamentos de mérito excessivamente pragmáticos, dependentes
exclusivamente da quantidade de publicações, e pelo gerenciamento de
produtividade, que determinou uma quantidade crescente de trabalho prático
mensurado (e pago!) de forma instrumental. Estes mecanismos de controle divorciaram
prática, pesquisa e ensino, e, do ponto de vista filosófico, fizeram esquecer
que conhecimento em medicina é apenas instrumento da prática com o paciente ..."
L.E. de Jesus - Ensinar Cirurgia: Como e para Quem? Rev. Col. Bras. Cir. 139 Vol. 35 - Nº 2, Mar. /
Abr. 2008
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