![]() ![]() Volume 13 - 2008 Editores: Giovanni Torello e Walmor J. Piccinini |
Abril de 2008 - Vol.13 - Nº 4 Psiquiatria Forense EXEMPLO DE AGRAVO EM EXECUÇÃO Hilda Morana Exemplo de como a
determinação da NÃO obrigatoriedade
do EXAME CRIMINOLÓGICO vem a
prejudicar o trabalho dos promotores criminais. Isto acaba permitindo que
sujeitos com ELEVADA PROBABILIDADE DE
REINCIDIR AGRAVO AGRAVANTE: MINISTÉRIO
PÚBLICO AGRAVADO : XXXXXXXXXXXXXXXXXX EGRÉGIO
TRIBUNAL COLENDA
CÂMARA Tratam
os autos de agravo em execução, interposto pelo Ministério Público, de decisão
prolatada pelo Juízo da Vara de Execuções da Comarca de XXXX que concedeu ao
sentenciado, autor dos graves crimes de roubo qualificado e resistência, a
progressão para o regime semi-aberto de cumprimento de penas. O Juiz deferiu o
pedido, fundamentando a decisão no fato de estarem presentes os requisitos
objetivo e subjetivo exigidos em Lei. Em razões
de agravo o Ministério Público alegou, em síntese, que a Lei 10.792/2003, que
dispensou a realização do exame criminológico, é inconstitucional porque fere o
princípio da individualização da pena, pré-questionando a inconstitucionalidade
da referida Lei e que, ademais, o sentenciado não indicou ser portador de
merecimento para passar ao regime intermediário. O agravo
foi contrariado alegando o defensor do sentenciado que ele preenche os
requisitos necessários para a progressão de regime. Mantida, em sede de retratação, a
sentença hostilizada. Esse o
relato essencial. O reclamo
procede em parte.
Primeiramente, importante ponderar que o princípio da individualização
da pena é um mandamento constitucional, previsto no art. 5º, inciso XLVI, 1ª parte da Carta Magna. Essa
individualização começa na própria Lei Penal, quando comina ( in abstracto)
penas aos diversos tipos de crimes, passa pelo plano judicial quando,
verificada a condenação, a pena é fixada de acordo, entre outras condições, com
várias característica do réu ( primário ou reincidente, bons ou maus
antecedentes etc..) e, finalmente, na fase da execução da pena onde, ainda de
acordo com vários aspectos da personalidade do sentenciado somados à conduta
carcerária, poderá ele obter, ou não, os benefícios pretendidos. Aliás,
diga-se de passagem, todo esse processo de individualização da pena, sem
esquecer o nosso sistema progressivo de cumprimento de penas, é garantia de
justiça durante a execução da pena imposta, que não pode desatar em um
julgamento de igualdade, para todos os sentenciados, calcado em um simples
atestado de conduta carcerária que, evidentemente, não traduz o merecimento do
sentenciado e que, ainda mais, pode ser manipulado. Nesta
linha de raciocínio, o artigo 33, §2º do
Código Penal determina que a pena seja executada em forma progressiva,
segundo o mérito do condenado. Segundo
preleciona o Prof. Julio Fabbrini Mirabete: “Mérito,
no léxico, significa aptidão, capacidade, superioridade, merecimento, valor
moral. Em sua concepção filosófica, mérito é o título para se obter aprovação,
recompensa, prêmio. O mérito, nos termos da exposição de motivos, é o ‘critério
que comanda a execução progressiva’” (item 29) in Execução Penal, 10ª edição, Atlas, 2002, página 388. De fato, o
mérito do condenado diz respeito não só ao seu bom comportamento carcerário
mas, principalmente, refere-se à aptidão para retornar, no caso da legislação
pátria, gradativamente ao convívio social. Por isso,
não é possível sustentar que o requisito subjetivo possa ser analisado tão
somente pelo atestado de conduta carcerária, como pretende instituir a Lei n°
10.792/03, pois sabidamente esse documento não é hábil a oferecer aos
operadores de direito subsídio para avaliar a real condição pessoal do
sentenciado. Portanto,
é necessária a existência de elementos que forneçam a certeza de que o
sentenciado esteja apto à progressão ou ao livramento condicional, visando à
obtenção de dados necessários para a correta e justa decisão do julgador, mormente no caso em
tela, em que o sentenciado está condenado por roubo qualificado, crime gravíssimo,
que atualmente assola a sociedade. Embora
alguns entendam que a Lei nº 10.792, de 1º de dezembro de 2003 pretendesse
estabelecer apenas o lapso temporal e o bom comportamento carcerário como
requisitos para a obtenção de benefícios, uma análise sistemática do nosso
ordenamento jurídico, de forma ainda que perfunctória afasta, de plano, tal
interpretação. Como já
explanado, o regime de cumprimento de pena é matéria tratada pela lei material,
qual seja, o Código Penal, o qual exige a presença do requisito subjetivo, mérito,
para a progressão e para o livramento condicional, como uma medida a atender o
princípio maior da individualização da pena, de forma que não é permitido à Lei
de Execução Penal eliminar tal princípio. Destarte,
a pena é individualizada tanto pelo critério quantitativo, como pelo
qualitativo, pelo regime inicial de cumprimento e, também, pela concessão de benefícios durante a
execução, sempre que satisfeitas as exigências da lei, em especial o mérito do
reeducando.
Conclui-se, à vista disso, que a Lei 10.792/03, conquanto tenha tornado
dispensável a realização do exame criminológico para aferição de mérito, não
excluiu, e nem poderia fazê-lo, a verificação do merecimento do sentenciado por
outras formas, bem como, em determinados casos e tipos de sentenciados, a
realização do mencionado exame, ou outros, quando absolutamente necessário. Outro
ponto de suma importância a assinalar é o fato de que a nova redação do
artigo 112 da LEP não alterou o artigo 33, §2º, do Código Penal, nem tem o
condão de afastar a necessidade da avaliação do reeducando a fim de se aferir o
seu mérito. Assim, a
modificação do artigo 112, da LEP, não alterou o panorama até então vigente, de
forma que o mérito do condenado deve
ser, de qualquer forma, sempre aferido e, quando necessário (casos
gravíssimos), por meio de avaliação da personalidade do reeducando, através de
exames, sejam eles os elaborados por uma equipe técnica, como os criminológicos,
teste de Rorschach ou mesmo o atual PCL- R Psychopathy Checklist Revised -
instrumento que pondera traços da personalidade prototípicos de psicopatia. Vale
consignar que a redação do §1º, do artigo 112, também nos leva a concluir a
necessidade da comprovação do requisito subjetivo, uma vez que dispõe sobre a
necessidade, para a progressão de regimes, da prévia manifestação do Ministério
Público e do Defensor, e de “decisão
judicial motivada”. De
qualquer forma, seja pelo tipo de crime cometido, seja pela quantidade de pena
imposta, por um Boletim Informativo minucioso ou por qualquer outro aspecto
relevante constante dos autos de execução, bem como através de necessários
exames de personalidade dos sentenciados, os requisitos subjetivos devem ser
sempre aferidos, posto que sua verificação não foi suprimida pela lei 10.792/03. Do
contrário, ou seja, se levado a cabo o entendimento da dispensabilidade do
requisito subjetivo para obtenção de benefícios pelos reeducandos, o Poder
Judiciário não passará de mero homologador do atestado de bom comportamento
carcerário elaborado pelo diretor do estabelecimento prisional, dispensando
maiores elucubrações, até mesmo a “decisão judicial motivada”, já que deixará
de ser uma medida jurisdicional para fazer parte exclusiva das funções da
Administração Penitenciária, contrariando o próprio artigo 2º, que traça o princípio da jurisdicionalidade da execução. Não se
pode perder de vista também as finalidades da pena e da própria execução. Com
efeito, a finalidade da LEP é “efetivar
as disposições da sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica
integração social do condenado e internado”.(LEP, art. 1º). Por sinal,
seria um contra-senso permitir a progressão, ou até mesmo a liberdade
condicional, para alguém que ainda não possui condições de retornar ao convívio
social. A
exposição de motivos da LEP, por sua vez, afirma que foi adotado “o princípio
de que as penas e medidas de segurança devem realizar a proteção dos bens jurídicos e a reincorporação do autor à
comunidade”. Ou ainda, nas palavras do saudoso Prof. Mirabete, é a adoção pela
LEP dos “princípios da Nova Defesa Social. ” Como é
cediço, significa dizer que em sede de execução penal, eventuais dúvidas são
dirimidas a favor da sociedade. Não se pode existir uma inversão de valores na
execução das penas, de forma a prejudicar a sociedade, como se observa pela
seguinte transcrição. “No
processo de execução da pena, não mais incide a regra da presunção em prol do
acusado (artigo 5º, LVII, da Constituição Federal), valendo, naturalmente, a
visão contrária, in dubio pro societate” (Agravo em Execução nº 661.563/6 -S.P. - v.u.
11ª C. TACRIM-SP-j. 10.06.91 - Rel. Sidnei Beneti). De fato, à
sociedade não interessa receber de volta um cidadão que foi preso e que retorna
embrutecido para o cometimento de novas transgressões. Por
oportuno, ressalte-se que o princípio da segurança é um direito
fundamental, assegurado pela nossa Constituição Federal, no seu artigo 5º, caput. Invariavelmente, a progressão de
regime e o livramento condicional concedidos sem as devidas cautelas, põe em
risco não só a adequada reinserção do reeducando no meio social, como ainda a
segurança social, também destinatária da proteção estatal. Ademais, ensina o já
mencionado doutrinador que: “o
bom comportamento carcerário não se confunde com aptidão ou adaptação do
condenado e muito menos serve como índice fiel de sua readaptação social.
Ensina Hans Göbbel: ‘o bom comportamento de um preso não pode ser
determinante imediata para estabelecer-lhe um prognóstico biológico-social
favorável, principalmente porque tal comprovante de melhoria se não seria
fundamentalmente em informes de funcionários de prisões, fornecidos pouco antes
da libertação, e que se atêm ao bom comportamento externo, a fim de facilitar a
readaptação sem inconvenientes ao termo da condenação. Mas este comportamento
externo só de forma incompleta permite tirar conclusões sobre o caráter e a
conduta futura do preso. Na verdade, a adaptação do sentenciado à organização
do estabelecimento se deve a vários e múltiplos fatores simultâneos e
justapostos, e somente a verificação dos motivos predominantes permitirá uma
conclusão motivada sobre o caráter”. Esse
entendimento já é perfilhado pelos nossos Tribunais, como pode se conferir: "A boa
conduta carcerária não deve ser tão valorizada, pois é sabido que, na prisão a
periculosidade sofre controles inibitórios" (RT 601/321);
"...visto que nada é mais simples que a manutenção de boa conduta
carcerária, dadas as limitações naturais que o cárcere impõe à conduta de toda
pessoa" (Voto do Min. Francisco Rezek, RHC nº 63.673-0 - SP - in Justitia
136/149). "A
jurisprudência desta A. Corte é no sentido de que, conquanto classificada
como boa a conduta carcerária do sentenciado, é necessário que o condenado
prove ter mérito suficiente para obtenção de progressão no regime, máxime
diante da quantidade e gravidade dos delitos por ele praticados, que podem
recomendar a observância de um período de prova superior a um sexto, exigível
para aos delinqüentes que não apresentam periculosidade" (Agr. em Exec. 491.445 - 1ª
C. do TACRIM-SP - v. u. - j. 23/11/89 - Rel. Rulli Junior). Por fim, “ad argumentandum”, destaca-se que o
condenado deve ser submetido, no início do cumprimento da pena, a exame
criminológico de classificação para individualização da execução, nos termos do artigo 34,
do Código Penal, sendo essa exigência
repetida no artigo 6° da LEP com a modificação da nova Lei, o que não está
sendo feito e que seria de extrema valia para verificação do necessário
requisito subjetivo dos sentenciados, quando dos pedidos de benefício, bem como
para iniciar-se, a partir da prisão, a efetiva reinserção social com a
separação dos sentenciados por idade, tipos de crimes, periculosidade etc...,
esse o objetivo da Lei. Com maior
razão, então, em casos necessários e excepcionais, essa avaliação é
indispensável quando dos pedidos de benefícios e já encarcerado o sentenciado
para que, no mínimo, se possa verificar sua adequação à nova realidade e ao
novo regime pretendido. A
personalidade do delinqüente deve ser diagnosticada para detectar a capacidade
de participação na execução da pena, para que assimile a terapêutica penal e
adquira maturidade, senso de responsabilidade, autodisciplina e autocrítica,
valores esses essenciais a viabilizar a reinserção no convívio social, sem que
a sua presença seja maléfica à sociedade. Aceitar o entendimento de que a recente
modificação legislativa suprimiu a necessidade de avaliação do merecimento do
reeducando para obtenção de benefícios, implica em afrontar todo o sistema,
restringindo os direitos constitucionais e porque não dizer contrariando o
próprio Estado Democrático de Direito e todos os princípios daí decorrentes, em
especial os princípios da igualdade, segurança e da individualização da pena. Outros
argumentos ainda se somam para a interpretação correta que se deve fazer da Lei
10.792/03, ou seja, o exame criminológico é dispensável mas deve ser feito
quando necessário, bem como permanece a necessidade de aferição dos requisitos
subjetivos. Por exemplo, passou a ser
necessária a manifestação da defesa antes da decisão sobre a concessão do
livramento condicional. Dispõe o § 2º desse artigo que “Idêntico procedimento
será adotado na concessão de livramento condicional, indulto e comutação de
penas, respeitados os prazos previstos nas normas vigentes”. Por sua vez, diz o
§ 1º do referido dispositivo legal: “A decisão será sempre motivada e precedida
de manifestação do Ministério Público e do defensor”. Portanto, o
idêntico procedimento refere-se ao contido no § 1º, ou seja, a decisão deverá
ser sempre motivada e precedida de manifestação do Ministério Público (que já
era necessária) e da Defesa, observando que qualquer decisão judicial sempre
será motivada, sob pena de nulidade (art. 93, IX, da CF). Cumpre-nos salientar
que o “caput” do art. 112 da LEP não trata de procedimento, mas de requisitos
específicos para a concessão da progressão de regime prisional, de nada
influindo nos requisitos necessários para a concessão do livramento
condicional. Desta forma, os
requisitos para o livramento condicional, contidos no Código Penal, não
sofreram qualquer modificação em face dos novos dispositivos introduzidos na
LEP. Embora tenha sido retirada a atribuição do Conselho Penitenciário em
manifestar-se sobre a concessão do livramento condicional (art. 70, I, da LEP),
o artigo 131 do mesmo diploma legal continua a exigir a referida manifestação.
Também não houve qualquer mudança no que concerne à necessidade de constatação
de condições pessoais que façam presumir que o condenado não voltará a
delinqüir, quando a condenação for decorrente de crime doloso praticado com o
emprego de violência ou grave ameaça à pessoa (art. 83, parágrafo único, do
CP). Assim, tanto para a progressão, e
especialmente para o livramento condicional, que muitas vezes transfere o
sentenciado diretamente do regime fechado para o convívio social, ainda há a
necessidade de graduação pelo mérito dos condenados, vale dizer verificação dos
requisitos subjetivos, tanto através de elementos constantes dos autos como
também, nos casos gravíssimos, através de indispensáveis exames da
personalidade do reeducando, elaborado por profissionais capacitados. Entendo, pois, que a Lei 10.792/2003,
em relação às alterações introduzidas nos artigos 6° e 112° da Lei das
Execuções Penais, não é inconstitucional porque, na melhor interpretação, não
ofende o princípio constitucional da individualização da pena, tendo apenas
tornado dispensável a realização do
exame criminológico, ou seja, não o excluiu do rol de possibilidades para
aferição de merecimento, podendo ser realizado, assim como outros exames, em
casos excepcionais para a concessão de benefícios e, segundo, porque não há
impedimento à verificação do preenchimento, pelos sentenciados, dos requisitos
subjetivos. Contudo, a
par de tal discussão, no caso dos autos, o sentenciado não merece o benefício. Apesar de não ter
sido submetido a exame de personalidade, verifica-se, claramente, que é
portador de periculosidade e possui personalidade voltada para o delito. De fato,
não demonstra qualquer responsabilidade pelo grave crime praticado, talvez até
ache injusto estar encarcerado, e, tanto é assim que, antes de completar um ano
de cumprimento da pena imposta já tentou fuga através de escavação de túnel,
onde tudo pode acontecer, desde o dano até morte de outras pessoas ou dele
mesmo. Ora,
estando em uma penitenciária e tentando escavar um túnel para fuga, já denota
personalidade desprovida de sentimento de valoração. Por todo o exposto, com a devida vênia, não
entendo inconstitucional a Lei 10.792/2003, mas o parecer é pelo provimento do
apelo, com o retorno do sentenciado ao regime fechado de cumprimento de penas,
em face da ausência de merecimento. Promotora de
Justiça ![]()
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