Volume 13 - 2008
Editores: Giovanni Torello e Walmor J. Piccinini

 

Novembro de 2008 - Vol.13 - Nº 11

COLUNA PSIQUIATRIA CONTEMPORÂNEA

PSIQUIATRIA E ESTATÍSTICA. PARTE I: USO DA ANÁLISE DE CLUSTER NA IDENTIFICAÇÃO
E CLASSIFICAÇÃO DE DOENÇAS

Fernando Portela Câmara, MD, PhD

            A psiquiatria é uma ciência cujo desenvolvimento segue atualmente duas grandes vertentes: a neurobiológica, dentro da qual se insere a psicofarmacologia, e a bioestatística, que tem possibilitado um significativo avanço na classificação dos transtornos mentais e do comportamento, na diferenciação dos mesmos e identificação de subtipos, na avaliação de experiências de grupos independentes, construção de questionários e entrevistas para fins diagnósticos e epidemiológicos, etc. Não é por acaso que alguns departamentos de psiquiatria em importantes universidades têm o seu próprio setor de bioestatística.

            A classificação dos fenômenos e objetos constitui o fundamento mais essencial da ciência. A ordenação destes elementos segundo critérios específicos permite-nos descobrir os princípios unificadores e utilizá-los com base para predições. A mente humana tem dificuldade em ordenar e processar grandes quantidades de dados e informações sem favorecer uma opinião ou outra, ou seja, a subjetividade domina cada qual que adote esta tarefa, tornando difícil a comunicação entre dois ou mais pesquisadores que estejam investigando o mesmo tema. Isto faz com que tal abordagem esteja mais no âmbito da arte que propriamente na ciência, e é também a base e fundamento da crítica dos tradicionalistas às classificações científicas modernas. Com o advento dos computadores, as classificações politéticas complexas tornaram-se uma realidade factível (ver Nota nas referências). A computação ultra-rápida de algoritmos ordenadores produz classificações neutras, reprodutíveis e precisas, eliminando toda subjetividade. Isto possibilitou, dentre outras coisas, a adoção de critérios que tendem a se aproximar assintoticamente de um consenso, portanto, de uma classificação internacional.

            Dos métodos utilizados para tal propósito, todos oriundos da estatística multivariada, citamos os métodos da análise fatorial e da análise de cluster, sendo este último o que melhor se presta para classificações taxonômicas. Na análise de cluster comparamos os objetos a serem classificados segundo suas semelhanças através de medidas de “distância”, segundo as variáveis analisadas sejam intervalares, nominais ou binárias, e, em seguida, ordenamos os objetos em grupos por semelhança ao mesmo tempo que os separamos por dessemelhanças. Isto se faz por meio de algoritmos específicos. Com isso, cria-se uma classificação hierárquica de alta confiabilidade e o alcance deste método tem possibilitado descobrir interrelacionamentos em psiquiatria que, de outra forma, passariam desapercebidos. Assim, p. ex., tem-se encontrado relações significativos entre fenótipos relacionados à fatores neurobiológicos e genéticos em doença de Alzheimer, identificado subtipos em transtorno afetivo bipolar e em transtorno de personalidade borderline, em síndrome do cólon irritável, e outros. Uma aplicação mais recente da análise de cluster é na identificação de subtipos de psicopatas através do PCL-R (Morana, Portela Câmara, Arboleda-Florez, Forensic Science International, 164: 98-101, 2006) com identificação de dois subtipos: o primeiro, absorvendo fatores predominantemente ligados à estrutura da personalidade, que julgamos ser o real psicopata prototípico de Hare; e o segundo, absorvendo predominantemente fatores ligados ao comportamento anti-social e antecedentes criminais, que corresponde ao bandido comum encontrado em nossas prisões (Morana, 2004).

            A análise de cluster, juntamente com a análise fatorial, são as ferramentas mais utilizadas na investigação da complexa nosografia psiquiátrica. No próximo artigo falaremos sobre a análise fatorial.

            Para finalizar, uma consideração sobre as classificações nosológicas. As classificações estatísticas usadas atualmente se organizam segundo a freqüência e posto com que sintomas e comportamentos aparecem mais frequentemente em quadros clínicos. Isto forma um cluster ou aglomerado de sintomas e sinais que reúne observações sistemáticas de pesquisadores independentes e descrições pré-existentes. Isto se relaciona, em certa medida, aos síndromes, embora a classificação estatística não esteja relacionada à este conceito, originalmente clínico, com otambém não está relacionada à psicopatologia. Essas classificações podem ser melhoradas identificando-se subtipos e aí a análise de cluster e outras técnicas classificatórias tem grande valor discriminatório. O grande desafio da classificação estatística em psiquiatria está em discriminar subtipos sindrômicos e reclassificar, com maior grau de confiabilidade, síndromes psiquiátricos hoje tidos como independentes quando talvez sejam parte de um mesmo táxon.

            Numerosos fenômenos e objetos ocorrem em tão grandes quantidades e variações que se não forem ordenados de alguma forma não podemos obter informação útil sobre eles, ou pelo menos formular hipóteses razoáveis. Os métodos de classificação numérica não apenas tornam possíveis tais ordenamentos, como também são altamente confiáveis, permitindo insights sobre a estrutura das populações de dados que descrevem os objetos em classificação. A vantagem de um método de classificação estatística não reside apenas na racionalidade de ordenação, mas também em identificar comportamentos que de outra forma não seriam discriminados, e assim possibilitando fazer predições ou testar hipóteses.

 

Referências:

 

Morana HCP, Portela Câmara F, Arboleda-Florez J. Cluster analysis of a forensic population with antisocial personality disorder regarding PCL-R scores: Differentiation of two patterns of criminal profiles, Forensic Science International, 164: 98-101, 2006.

 

Nota - As classificações mais primitivas ou mais simples são monotéticas, i. e., baseadas numa característica única arbitrariamente selecionada como universal. Por exemplo, os compostos químicos podem ser arbitrariamente divididos em “solúveis em água” e “insolúveis em água”; os metais em “condutores” e “não condutores”; os organismos em “unicelulares” e “pluricelulares”; etc. Quando se utilizam vários critérios arbitrariamente selecionados sem que nenhum deles seja universal, temos uma classificação politética. Por este critério, temos agora que um conjunto de objetos para ser dividido em classes ou táxons (taxa) segundo as diferenças nas proporções de caracteres.


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