Volume 12 - 2007
Editor: Giovanni Torello

 

Agosto de 2007 - Vol.12 - Nº 8

História da Psiquiatria

Abusos da prática psiquiátrica na URSS e o VI Congresso Mundial de Psiquiatria em Honolulu

Walmor J. Piccinini

Nesse artigo vou contar a historia de um momento da psiquiatria mundial em que houve um cruzamento com fatos políticos da guerra fria. É uma história de heróis, vilões, dramas pessoais, traições, envolvimento, despreendimento, amor, tudo emfim que poderia gerar um livro de interesse geral. Milan Kundera em seu romance “A insustentável leveza do Ser”, tem uma passagem em que o personagem principal, Tomas, cai em desgraça por ter escrito um artigo que foi publicado na “Primavera de Praga” e que foi tomado ao pé da letra quando os tanques do Pacto de Varsóvia esmagaram a rebelião tcheca. Édipo e o comunismo era o título do artigo. Nele, Tomás dizia que Édipo, ao tomar conhecimento do seu envolvimento com Jocasta, ficou transtornado e furou os próprios olhos e que ele não via nenhum remorso dos chefes comunistas em relação ao passado recente. Ao serem confrontados com as atrocidades do regime, simplesmente diziam que não sabiam. Não assumiam a responsabilidade pelos seus atos como membros fiéis do partido comunista. Com a chegada dos tanques, os comunistas retornaram ao poder, tomás foi preso sob a acusação de querer cegar todos os comunistas.

Nossa história tem como ponto inicial a Praça Vermelha, onde em 25 de agosto de 1968, sete pessoas desfladraram bandeiras contra a invasão da Tchecoeslováquia.

Konstantin Babitsky, matemático-linguista.

Larisa Bogoraz, linguista.

Vadim Delone, poeta.

Vladimir Dremlyuga, operário da construção civil.

Victor Fainberg, matemático, escritor.

Natalia Gorbanevskaya, poeta e escritora.

Pavel Litvinov, professor de física e matemática.

Tatyana Bayeva, uma estudante, filha de um proeminente biólogo, participou da demonstração junto com os demais, mas os mais velhos insistiram que ela negasse seu envolvimento e que estava ali por acidente. Foi liberada.

Eram sete gatos pingados, alguém acrescentou que seriam 8 de fato, pois Gorbanevskaya estava grávida, a praça imensa, eram um símbolo de descontentamento, nao houve tolerância, a repressão veio implacável. Primeiramente pelos métodos usuais, pancadaria, dentes quebrados, escoriações. Depois processados e presos.  Para evitar um julgamento foram considerados doentes mentais e internados, afinal, só loucos para desafiar o Partido Comunista. Esses “loucos” conseguiram escrever artigos, elaborar Manual dos Dissidentes, criaram um clima que acabou levando a libertação e ao exílio. Foi a ponta de um iceberg, logo surgiram muitos outros. Um deles foi o dissidente Vladimir Bukovsky, trocado por um comunista chileno, Luis Corvalan. Isso já era uma comprovação de que de fato era um prisioneiro político e não um caso psiquiátrico.

O conhecimento do envolvimento dos psiquiatras Soviéticos chegou ao Ocidente e logo desencadeou uma crescente revolta nos seus colegas ocidentais que passaram a exigir, como forma de pressão para a liberação das vítimas dessa ação punitiva, o afastamento dos psiquiatas Soviéticos do convívio com os demais na Associação Mundial de Psiquiatria.

A Psiquiatria não está e nem esteve em julgamento, o que vamos apresentar é como um sistema político pode pressionar, subornar e influir na conduta de pessoas e colocá-las contra o melhor interesse dos seus cidadãos. A psiquiatria é filha da Revolução Francesa, nasceu para defender os doentes mentais e a tratá-los com recursos que foram desenvolvidos pela estreita convivência com quem sofre. A psiquiatria nasceu dentro dos asilos, transformou-os em hospitais e hoje consegue atender a maioria dos seus pacientes em regime ambulatorial.

 

Introdução

 

O VI Congresso Mundial de Psiquiatria foi realizado em Honolulu,Havaí nos dia 28 de agosto a 3 de setembro de 1977, um número expressivo de brasileiros lá compareceu.

A Sociedade de Psiquiatria do Rio Grande do Sul é uma das entidades brasileiras filiadas a Associação Mundial de Psiquiatria e coube-me a responsabilidade de ser seu representante na Assembléia Geral da WPA. Quando a Associação Mundial foi criada, em 1961 ( no site da World Psychiatric Association eles consideram 1950 como data de fundação, o fato que era uma entidade só para organizar congressos, como Associação,só passou a funcionar depois do congresso do Canadá em 1961),  não existia a ABP como entidade nacional dos psiquiatras brasileiros. Na ocasião, quatro entidades brasileiras estavam inscritas como sócias, ABP, APERJ, APSP e SPRS. Lembro que cada entidade devia pagar US$ 1,00, per associado, cada cem associados, dava direito a um voto, com um máximo de 30 votos. A ABP contava com 600 pagantes, a SPRS 154, a APSP 27 e a APERJ estava inadimplente. O Dr. Fernando Megre Veloso deveria representar a ABP, mas enviou o Professor Antonio Carlos Pacheco e Silva que já representava São Paulo, o outro delegado era o autor desse relato.

Hoje em dia, a WPA é uma entidade poderosa, com recursos expressivos. Na época era economicamente frágil e seu orçamento anual era de apenas 22 mil Libras Esterlinas.

(Na pesquisa econômica das sociedades, nossa jovem ABP aparecia com 600 sócios contribuintes, mais que toda a América Latina e no mesmo nível que Alemanha e Holanda. URSS (All Union Society of Psychiatrist) com 21.000 associados e os EUA com 18.800, eram os maiores contribuintes da WPA).

Considerando esses números, não é difícil entender a relutância da WPA em enfrentar os soviéticos. A saída da entidade soviética comprometeria seriamente a sobrevivência da WPA. No V Congresso realizado no México, esse tema, dos abusos, não chegou a ser discutido, apesar dos apelos nesse sentido, mas no Havaí ele não podia ser protelado.

Mesmo que os Soviéticos não tenham sido expelidos do convívio dos demais psiquiatras do mundo, algumas medidas foram postas em prática e sua evolução acabou com a retirada dos Soviéticos em 1982.

-Nota complementar: Em 1977, a WPA, não somente condenou oficialmente o mau uso (abuso) da psiquiatria como aprovou a Declaração do Havaí, que estabeleceu um conjunto de princípios básicos que devem guiar os psiquiatras na sua prática. As orientações sofreram aprimoramento que foram colocados na Declaração de Madri em 1996.Em 1982, diante da iminente expulsão da WPA, os soviéticos se retiraram voluntariamente. No ano seguinte, a WPA estabeleceu condições estritas para um possível retorno dos Soviéticos. Em 1989, os delegados Soviéticos ao Congresso Mundial, finalmente concordaram que, de fato, o abuso da psiquiatria por motivos políticos tinha ocorrido em seu país. The All-Union Society of Psychiatrists and Neuropathologists, a associação Psiquiátrica Soviética, comprometeu-se a descontinuar e impedir esses abusos, reabilitar suas vítimas e democratizar a profissão de psiquiatra e com isso teve seu retorno a WPA permitido. (van Voren,2002).

 

Principais decisões do congresso do Hawai:

 

  1. Declaração do Hawaí. Seu texto foi elaborado, principalmente, pelo Professor Clarence Blomquist (Suécia), recebeu sugestões de todas as sociedades e recebeu aprovação final em Honolulu.  No final do artigo colocamos o texto completo.
  2. Uma resolução do Royal College of Psychiatrists com emenda do Royal Australian and New Zeeland College of Psychiatrists,  assim apresentada:

      “A Associação Mundial de Psiquiatria deve registrar o abuso da psiquiatria

        com  objetivos políticos e deve condená-lo em todos os países onde ocorram

        e exigir que as organizações de profissionais da psiquiatria naqueles países,

        que renunciem e expulsem tais práticas nos seus países: e que a WPA,

         implemente essa resolução em primeira instância em referência a extensiva

         evidência de abuso sistemático da psiquiatria com objetivos políticos na

         U.S.S.R”.

  1. Formalização da criação de um comitê de Ética com a missão de investigar abusos..

 

Nessa mesma Assembléia Geral, o Professor Fernando Megre Veloso foi aprovado como Membro Honorário Individual como um marco dos seus serviços a WPA.

O Professor Álvaro Rubim de Pinho, foi eleito Membro do Conselho Executivo da WPA.

 

Clima que antecedeu o Congresso.

 

Logo que chegamos em Honolulu, recebemos o tradicional colar de flores e, para minha surpresa, eram distribuídos panfletos de pessoas vítimas da repressão soviética e vítimas de abusos perpetrados por psiquiatras soviéticos.

Os dias seguintes foram eletrizantes, com perdão da palavra, piquetes de pessoas se dizendo vítimas do Eletrochoque, faziam demonstrações nas portas do Centro de Convenções. Cumpre observar que em 1974 tinha sido lançado o filme “Um estranho no Ninho” com extraordinária performance de Jack Nicholson, onde o Eletrochoque era apresentado como instrumento de punição e tortura. Um outro fato que chamou minha atenção foi de um estande patrocinado por um pai, ensinando o que era  o quadro de Giles de La Tourette, alegando ele que, a ignorância dos psiquiatras tinha deixado seu filho com o diagnóstico de esquizofrenia. Relatava que existiam 332 casos registrados no mundo. Seja por essa demonstração, seja pela melhora do diagnóstico, nos anos seguintes começaram a surgir muitos trabalhos apresentando novas estatísticas sobre a doença.

No dia da Assembléia fui abordado por um dos dirigentes da Delegação Soviética com uma cópia de um documento dirigido ao Dr, Dennis Leigh, então secretário geral da WPA, cujo teor era assombroso. Era um dossiê com a história clínica dos principais dissidentes, russos e ucranianos, com histórias clínicas montadas para provar que estiveram ou estavam internados por motivos razoáveis. Guardei esse documento por 30 anos e sempre me preocupei com o aspecto do sigilo médico envolvido. Descobri que o mesmo já foi publicado em livro, a evolução dos supostos doentes demonstrou que o documento era suspeito, cheio de interpretações discutíveis e por esse motivo teria que ser visto como um documento político e não médico. A despeito disso é um documento histórico que deve ser de conhecimento de todos. Muitos dos dissidentes e/ou pacientes citados, são reconhecidos como heróis por seus países e por seus pares, não preciso sair em defesa deles, no momento atual.

Passado 30 anos, não existe mais a União Soviética, mas denúncias  continuam surgindo sobre possíveis abusos contra pessoas indesejadas por regimes ditatoriais. É, no mínimo, curioso como certos indivíduos atacam a psiquiatria que criou mecanismos para impedir abusos e defende certos países que são acusados fortemente de continuarem com as

práticas stalinistas.

 

Repercussão na Imprensa Local

Reportagem em Honolulu

 

Na página 2 do Honolulu Star-Bulletin numa Quinta-feira, dia 30 de agosto de 1977, nós vimos três reportagens lado a lado. A primeira tratava da integração racial do sistema de ônibus escolar de Louisville, KY que estaria transcorrendo sem problemas depois de dois anos anteriores tumultuados. A terceira tratava do assassino serial, David Berkowitz, o filho de SAM, cuja defesa tentava colocá-lo com inimputável por doença mental.

Entre elas, a notícia que nos interessa:

O título da matéria escrita por John Christensen, escritor do Star-Bulletin, era o seguinte:

 

A decisão dos psiquiatras em relação aos dissidentes está pendente.

 

O homem é calvo e magro, óculos, fumava nervosamente. A mulher, pálida e cançada. Parece frágil, sofredora de preocupação incalculável.

Eles sentavam lado a lado num grande mesa. Luzes ofuscantes os iluminavam e a sala estava apinhada com pessoas estranhas.

Na União Soviética, a cena poderia estar acontecendo em um dos “hospitais especiais” em Leningrado ou Kazan. Em Honolulu, é apenas uma sala de conferência no State Capitol. Não é uma avaliação de sanidade de legalidade questionável, é uma conferência para a imprensa.

Eles são Leonid Plushch e Marina Voikhanskaia, e eles são personagens principais de um melodrama que estará sendo apresentado nessa semana em Waikiki. A ocasião é o Congresso Mundial de Psiquiatria que será realizado no Sheraton-Waikiki Hotel.

Sob outras circunstâncias, seus delegados poderiam ter uma razoável expectativa de gozar umas férias de trabalho completada com céu azul, sol e seminários de estudo. Em vez disso, eles descobrem estar envolvidos numa questão de repercussão internacional.

Plushch, um engenheiro e Voikhanskaia, uma psiquiatra, estão aqui com um grupo  informal para protestar contra o uso da psiquiatria pelos Soviéticos, como uma ferramenta punitiva. Ambos são vítimas de abusos, pelos quais, estimam ter levado ao confinamento cerca de 25 mil pessoas que não são insanos, mas dissidentes políticos na União Soviética.

    “Como uma “pessoa insana”diz Plushch através de um interprete, eu não pude assistir o meu próprio julgamento”

Antes disso, os olhos de Plushch  se encheram de lágrimas quando descrevia o tratamento brutal de um amigo, um psiquiatra chamado Semyon (Semen) Gluzman.

Gluzman foi espancado pela polícia secreta, diz ele, por questionar as avaliações dos seus colegas  nos dissidentes políticos. Gluzman ainda está em um dos “hospitais especiais soviéticos”. O grupo espera que os gritos de indignação partindo do Ocidente venham possibilitar sua liberação”.

      Voikhanskaya tem histórias similares para contar. Ela tem um filho de 11 anos de idade que está retido na URSS e não pode vir ao seu encontro na Inglaterra.

      Com essa dupla como Exposição A e B, o grupo espera levantar o sentimento público e pressionar a WPA para que condene os Soviéticos.

      Dr. Boris Zoubok, um emigrado Russo, clinicando em Summit, New Jersey, acrescenta que os dissidentes não são as únicas vítimas dessa prática. Segundo ele, estudiosos Budistas, teólogos Cristãos, intelectuais Judeus e nacionalistas Ucranianos, também são declarados “insanos” por se recusar a agir de acordo com os caminhos do partido.

“E há crescente evidência”, ele acrescenta que “os psiquiatras voluntariamente se desviaram das suas responsabilidades morais e profissionais”.

      A conferência de imprensa foi organizada pelo Dr. Sidney Bloch, um psiquiatra inglês e autor de um livro sobre a psiquiatria Soviética chamado “Terror Psiquiátrico”.

Ele saciou o apetite da imprensa por uma confrontação com a delegação Soviética que está no Hawai, citando - Dr. Georgy Morozov, Ruben Nadzharov e Andrey Sneshneviskyi – como famosos por enviar dissidentes políticos a hospitais alegando questões sanitárias.

      Com tantas pessoas em cena, usando chapéus brancos – um repórter murmurou “certamente gostaria de ouvir o outro lado”- isso mostrará que os “mocinhos”estão com a verdade. Segundo o Dr. Michael Nelson, um psiquiatra de Boston, duvida francamente se se pode esperar alguma ajuda da WPA. Na realidade, a WPA recusou-se a tomar uma resolução sobre o assunto cinco anos atrás no último congresso realizado no México.

Depois da conferência de imprensa, Nelson disse, “Nós estamos contando os votos e não sabemos se temos uma chance de 50 a 50”. Nós achamos que temos 65 votos condenando os Soviéticos, disse ele. Há 14 votos contra e Cem indefinidos”.

      Ele acrescentou que alguma resistência vem de alguns países Escandinavos. Eles tem uma boa condição sobre direitos humanos, mas eu imagino que um grande número deles acho que não é boa política desgostar os Soviéticos. “Além disso, certamente, o bloco oriental (Romênia, Bulgária e Alemanha Oriental, também vem sendo apontadas como utilizando a psiquiatria para lidar com dissidentes. Nações do Terceiro Mundo não tomam uma posição pois consideram que essa é uma confrontação dentro da Guerra Fria e não querem se meter”.

      O Grupo realizou um encontro informal no domingo, atraindo 50-60 simpatizantes. Ele imagina que essa é “a ponta do iceberg” , mas admite que estejam estimulados pelo grupo, mas ainda falta informação básica sobre os demais delegados. Eles não conhecem, por exemplo, quantos delegados vão comparecer e aonde encontra-los. “Nós não conseguimos saber o nome dos delegados e descobrir como eles irão votar”, ele se lamentava.

      A União Soviética, os Estados Unidos, Inglaterra e Japão, cada um possui 30 votos, o máximo permitido.

      Nelson informa que eles não sabem quantas nações emergentes estão enviando representantes, e se eles os mandaram, se elas estão pagando a contribuição dos seus membros. Somente as que pagaram a contribuição de US$ 1.00 dolar, terão direito  a voto.

      Nelson se desespera com a atitude de seus colegas ocidentais pela posição que assumem; Um grande número deles diz “Como nós podemos dizer alguma coisa sobre esse assunto (Soviéticos), quando nossos hospitais estaduais e prisões são tão maus”?

Eles não parecem ter capacidade de entender a diferença de um Estado que utiliza deliberadamente a psiquiatria como meio de repressão e o trabalho imperfeito de uma sociedade livre como a nossa.

“Eu sei que nossos hospitais não são perfeitos. É difícil conseguir recursos e realizar melhoras, e nós inclusive fechamos um  hospital – o Boston State Hospital. Nós fizemos muito barulho, fizemos mudanças, fechamos velhos prédios e, gradualmente, melhoramos o lugar. Nós temos conhecimentos de abusos aqui, mas não é impossível realizar mudanças”.

      Nelson diz que não espera qualquer espécie de protesto vigoroso semelhante as demonstrações dos direitos civis. Não é politicamente correto e nós não temos tempo”.

      Bloch por outro lado, pensa que pode ocorrer um renascimento das cinzas, tal qual uma fênix, se conseguirmos derrotar a represssão aqui, nesta semana. “Alguns países ocidentais – Estados Unidos, Canadá, Inglaterra, Austrália e algumas nações da Europa Ocidental, podem mandar a WPA para o inferno. Ela tem sido passiva e cúmplice e não justifica sua existência. Se três ou quatro países se desligarem ela pode se desintegrar. E a partir disso, uma nova organização. Bloch diz que são teorizações pessoais, mas acrescenta, “Há rumores”.

 

Práticas Comunistas

Nossa tendência a esquecer fatos da história é impressionante, relevar crimes e atuação criminosa parece ser uma patologia bem brasileira. Vamos resumir em alguns tópicos o funcionamento da máquina repressiva soviética.

Até 1953, quando morreu Josef Stalin, a repressão na URSS não tinha nenhuma sutileza, era direta e brutal. Morte, exílio, gulags, faziam parte do seu instrumental de atuação. Seus sucessores procuraram se afastar dessa imagem truculenta. (George Windholz, publicou em History of Psychiatry, (1999), 329-347. “Soviet psychiatrists under Stalinist duress: the design for a “new Soviet psychitry”and its demise”.

Na era de Krutchev, houve uma espécie de degelo, a repressão do NKVD/KGB perdeu seu caráter massivo e tornou-se mais sofisticada e seletiva. Em 1964 iniciou-se a era Brejnev e o stalinismo ressurgiu com força. A KGB tornou-se mais “científica” e aprimorou os processos de vigilância e repressão, dirigindo-a para erupções de dissidência, mantendo a sociedade prisioneira do medo.

“Os métodos repressivos mais vulgarizados passaram a ser os exílios internos (deportação para vilas e aldeias do interior, onde o dissidente passava a viver fora do seu relacionamento social) e a sua entrega aos psiquiatras do partido, onde eram diagnosticadas patologias de dissonância social que levavam ao internamento compulsivo em manicômios, enquanto perdurassem as “doenças mentais” de “comportamento em disfunção social”, ou seja, por exemplo, negar que a URSS era o paraíso na terra ou trair a pátria ao relacionar-se com estrangeiros. Pois que, segundo o conceito da normal sanidade mental do "homem novo soviético", só um louco poderia discordar daquela abolição da exploração do homem pelo homem e descortinar virtudes ao ocidente, incluindo as democráticas. E era assim que muitos presos políticos na URSS, até à "Perestroika" em meados dos anos 80, eram condenados, em julgamentos sumários, ao "internamento em unidades de tratamento psiquiátrico até confirmação da sua recuperação social".  (João Tunes -

http://agualisa6.blogs.sapo.pt/303889.html?replyto=480529#reply).

Ainda hoje, do ponto de vista do tratamento histórico, está por ter o merecido tratamento de investigação este capítulo dantesco da repressão policial soviética - o da utilização dos manicômios soviéticos como peça fundamental da repressão política de que foram vítimas milhares de cidadãos da URSS. E que valeu aos psiquiatras soviéticos terem sido banidos pelos seus pares dos países em que os psiquiatras eram médicos e não polícias, indignados com a utilização da psiquiatria soviética para a perseguição e castigo da discordância política, durante décadas, das organizações e associações internacionais dedicadas à psiquiatria e à psicanálise.

Recentemente, o escritor Sérgio Faracco, descreveu suas desventuras de jovem comunista brasileiro, internado num hospital psiquiátrico da URSS, pelo simples motivo de ser jovem, questionador e gostar de namorar. Lágrimas na Chuva:

Uma estadia no inferno russo  http://www.carpinejar.blogger.com.br/2003_08_01_archive.html

Lágrimas na chuva: uma aventura na URSS
Porto Alegre: L&PM, 2002 - Trecho 3 – Páginas 113 e 114

Os medicamentos produziam seus efeitos. Já não sentia medo, mas também perdera a vontade de deixar a cama. No início contava os dias, para ver quantos faltavam para o vigésimo. Depois nem isso. Dias brancos como os limites caiados do quarto, com nesgas de um pálido colorido: as refeições, quando trocava duas palavras com a servente, e as visitas da enfermeirinha: a noturna, se a chamava, e a matinal, quando ela me barbeava e me convencia de que era preciso tomar banho. Da porta do banheiro comandava o minueto do sabonete: ali, apontando a cabeça e ali, apontando as axilas, e ali, apontando o umbigo, a virilha, os pés. E vestisse o pijama limpo e as novas meias que trouxera. Numa das manhãs em que Lara me assistia, mencionei que, antes de ser internado, estava escrevendo um livro. Ela conseguiu que meus cadernos fossem requisitados pela médica. Era muito dedicada e alguma vez, em meu desamparo, cheguei a pensar que era ela o messias que esperava. Mas não, não podia ser, eu esperava mais do que dedicação, do que afeição, do que carinho - já os tivera com Nina. Eu esperava alguém que, em seu comunismo solidário, se rebelasse contra a insensatez, como eu me rebelara, e tivesse a têmpera dos que não recuam. Eu tivera medo e recuara. E agora não esperava nada, nem messias nem coisa alguma. Já me contentava não ser tratado como bicho.

http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EDG54256-5856,00.html

 

O problema

 

Certamente, em muitos países encontramos deficiências nos seus Serviços de Saúde

Mental, mas o uso deliberado de serviços psiquiátricos para tratar oponentes políticos é incomum e  parece estar restrito a países onde o Estado tem poder absoluto. No passado recente, o estado onde os abusos psiquiátricos foram documentados, foi o da URSS. Esse histórico pode ser encontrado nas páginas da Anistia Internacional. (http://www.ai-aktionsnetz-heilberufe.de/docs/aktuelles/psychiatry-a_human_rights_perspective.pdf) . Segundo Bloch e Reddaway,  em sua história do abuso psiquiátrico soviético, o primeiro caso de rótulo de doença mental em dissidente político, teria ocorrido em 1836, em que o filósofo Pyotr Chaadayev, foi declarado pelo Czar Nicholas I, como paciente de desagregação e insanidade, depois que o  mesmo publicara uma carta crítica ao czar. De fato, essa utilização do diagnóstico psiquiátrico para tratar dissidentes, era rara até os anos de 1930 quando assumiu o poder absoluto o ditador Josef Stalin. O conhecimento, fora da URSS, de que existia esse abuso, ocorreu em meados dos anos de 1960, com a publicação de uma novela autobiográfica. Por volta de 1970 tornaram-se conhecidos os casos do General Pyotr Grigorenko e Vladimir Bukovsky, bem como a hospitalização compulsória do biólogo Zhores Medvedev.  Bukovsky foi o responsável pela divulgação no ocidente de dossiês com casos individuais de abuso psiquiátrico. A Associação Canadense de Psiquiatria denunciou em 1971 o abuso da psiquiatria na URSS e logo surgiu uma campanha internacional conduzida por psiquiatras, individualmente, ou junto com ativistas dos direitos humanos. As Associações profissionais foram mais lentas na participação da denúncia e condenação aos psiquiatras soviéticos. Grupos de psiquiatras de diferentes países foram formados para a defesa dos direitos humanos dos pacientes e psiquiatras. Um dos mais ativos foi o, “Working Group on the Internment of Dissenters in Mental Hospitals”.    The Groups Medical Pan era constituído por: Sidney Bloch, Harold Bourne, David Clarck, Henry V. Dicks, F.A. Jenner, Tamara Kolakowska, Gery Lou-Beer, Rosalind Mance, David Shaw e Marina Voikhanskaya. Esse grupo publicou, na primavera de 1977, um boletim com o título de “The Polítical Abuse os Psychiatry in the Soviet Union”. O Boletim é extenso, vamos nos fixar no capitulo; quem, são as vítimas?

A vítima do abuso psiquiátrica, é categorizada em 5 grupos:

  1. Defensores dos direitos humanos e da democratização – cerca da metade dos ,  casos documentados caem nesse grupo. Eles incluem Plyusch e Medvedev e outras figuras notáveis como Gorbanevskaya e Shikhanovich. Eles agiram de diferentes maneiras, através de petições, apelos demonstrações pacíficas e similares, solicitavam ao governo soviético que respeitasse o direito legal dos cidadãos. Fazendo isso, eles procuravam agir dentro dos limites da lei Soviética.
  2. Nacionalistas – dissidentes que procuravam maiores direitos para seus grupos étnicos, de acordo com a constituição Soviética, que garantia, em teoria, uma grande autonomia para cada uma das 15 repúblicas constituintes da URSS. Mykola Plakhotnyuk, por ex, um jovem médico Ucraniano, foi preso em 1972, por distribuir samizdat, foi diagnosticado como esquizofrênico com “mania de perseguição”, e considerado incapaz. Foi mantido em prisão desde então.
  3. Os que queriam emigrar – pessoas que queriam emigrar da URSS. Entre eles Judeus e Alemães do Volga que requereram para retornar às suas terras ancestrais, bem como Russos. Por ex. Nikolai Kryuchkov solicitou visto para emigrar para os EUA em 1974. Durante a visita do Presidente Nixon a Moscou, ele foi confinado num hospital psiquiátrico; no seu prontuário estava escrito: “razão para hospitalização – desejo de emigrar da URSS”.
  4. Crentes religiosos – indivíduos que eram hospitalizados por suas crenças religiosas. Eles eram internados por distribuir literatura religiosa, formando grupos não autorizados etc. Gennady Shimanov, por ex. Um jovem Cristão Ortodoxo, foi colocado a força, num hospital psiquiátrico por sua participação num grupo informal e só foi liberado após uma greve de fome.
  5. Cidadãos inconvenientes a tiranetes – esse grupo compreende pessoas que eram inconvenientes a funcionários do governo ou do partido. Eram internadas quando insistiam em queixas contra abusos da força de burocratas.

 

Essas pessoas eram internadas para que fosse evitada publicidade desfavorável e para que o indivíduo admitisse que sua atividade dissidente, seja na esfera da religião, direitos humanos ou nacionalismo, era resultante de doença mental. Um outro fator era desacreditar as idéias dos dissidentes, atormenta-los em locais especialmente bárbaros no trato das pessoas.

 

Um outro dossiê foi apresentado pelo Committee of French Psychiatrists Against the Political Uses of Psychiatry. 

Seu conteúdo básico era o seguinte:

Psiquiatras vítimas de sua coragem e honestidade profissional:

Semion Gluzman e Íon Vianu.

Casos de internamento psiquiátrico com fins políticos na URSS, na Romênia e na África do Sul.

O Comitê de Psiquiatras Franceses não se limitou a opressão na União Soviética, tratou especificamente dos abusos cometidos pelos militares argentinos contra psiquiatras, psicólogos e familiares.

Foi fornecida uma lista de psiquiatras, psicanalistas e psicólogos argentinos, presos, seqüestrados e desaparecidos: Dr.Nicolas Spiro, Dr.Hugo F. Bellagamba, Dr. Juan Carlos Rissau, Dr.Raul Fuentes, Dr. Cláudio Berman, Dr. Antonio Calabrese, Dr. Alberto Sassatelli, Dr. Eduardo Llosas, Dr. Alejandro Pastorini, Sra. Blanca Tarnopolsky e toda sua família, Senhor Mauricio Malamud, Sra. Liliana Misraji de Pasquini, Sr. Eduardo A. Pasquini, Dra. Sylvia Berman, Irene Torrens (filha de Sylvia Berman), seu filho de 8 meses, e Rosa Mitnik.

 

 

Panfletos e entrevistas

 

Para quem observava com certo desconhecimento e mais pensando em férias do que em disputas políticas, como era o caso da maioria, aquela agitação, parecia não ter muito sentido. Aos poucos todos começaram a entrar no clima. Seja por ser delegado e seja por temperamento, comecei a comparecer a todas as reuniões a que era convidado. Os panfletos andavam de mão em mão, guardei alguns e os publico a seguir:

 

1. Convocação para Reunião Pública:

O Comitê dos Psiquiatras Franceses contra o uso Político da Psiquiatria convida você para o encontro que será realizado no dia 31 de agosto de 1977, às 11 horas, no Hawaian Regent Hotel, Kona Room (2552 Kalakaua Avenue.

Participarão do encontro:

-Grupo de trabalho sobre o Internamento de Dissidentes em Hospitais Mentais.

-A Associação Suíça contra o Abuso da Psiquiatria com fins Políticos.

-A Força Tarefa contra o Abuso da Psiquiatria com fins Políticos.

-O Comitê Alemão contra o Abuso da Psiquiatria com fins Políticos.

 

Nós Exigimos:

-A libertação de todos os dissidentes internados por razões políticas na USRR, Romênia, África do Sul ou em qualquer lugar.

-A oportunidade de investigar tais procedimentos arbitrários.

-A garantia de completa independência profissional para a psiquiatria, que deve estar somente a serviço do doente mental.

-A imediata liberação de Semion Gluzman (USRR) e nossos numerosos colegas Argentinos culpados apenas por serem psiquiatras e por serem independentes profissionalmente.

Apelo.

Nós fazemos um forte apelo a todas as organizações profissionais como bem a todas as organizações em defesa dos direitos humanos.

Nós solicitamos com todo empenho que você atenda esse encontro para demonstrar sua solidariedade e adesão a esta luta pela liberdade.

 

2. Panfleto aos participantes do VI Congresso Mundial de Psiquiatria.

 

Na USRR, dois colegas, o médico Ucraniano Mykola Plakhotnyuk e o psiquiatra Judeu -Ucraniano Sêmen Gluzman, estão presos pelos últimos cinco anos.

Plakhotnyuk está presentemente preso no Hospital Especial Psiquiátrico de Dnipropetrovsk; seu crime foi de ter a coragem para protestar pela Russificação política, pelo governo Soviético, na sua Ucrânia nativa. Gluzman está num campo de trabalhos forçados na Região de Perm. Ele perdeu sua liberdade por dar um diagnóstico profissional honesto sobre o General Petro Hryhorenko (Grigorenco), um renomado defensor dos direitos humanos e nacionais na USRR, o que contradisse os achados que a KGB fabricou.

No nosso estande temos uma lista de mais de 200 pessoas, que nos últimos anos caíram vítimas do abuso Soviético. Há ainda um relato de Yosip Terelya, um Ucraniano de 34 anos que passou 14 anos em prisões e instituições psiquiátricas por causa de sua firme religião e crenças nacionalistas.

“Quando a psiquiatria é explorada para fins políticos, os psiquiatras, antes de todos, devem se levantar em defesa de sua profissão”.

(Comitê Ucraniano).

 

  1. O caso do menino Misha Voikhansky (11anos).
  2.  

Apresenta a história do menino Misha, filho da psiquiatra Dra Marina Voikhanskaya de 42 anos de Leningrado, USRR. A mãe recebeu permissão para emigrar, após anos de perseguição. O filho deveria segui-la logo que se estabelecesse, mas as autoridades Soviéticas usaram subterfúgios para impedir a saída do menino e dessa forma punir a mãe que se tornara ativista dos direitos humanos dos dissidentes soviéticos, atuando na Inglaterra.

A mensagem solicitava que quem desejasse ajudar deveria escrever uma carta ao Embaixador Soviético do seu país, solicitando que Misha pudesse se juntar a sua mãe.

Vinha no panfleto um modelo de petição a ser dirigida aos dirigentes Soviéticos.

 

Material distribuído e que conservo nos meus arquivos:

-Punitive Medicine por Alexandre Podrabinek. (Sumário de um Samizdat de 265 páginas, distribuído pela Anistia Internacional).

-Carta da Sociedade Suíça de Psiquiatria. Aprovando a Declaração do Hawai e repudiando as explicações do Professor A.V. Snezhevsky. Faz menção, também, ao sofrimento dos psiquiatras argentinos, vítimas de violenta repressão.

-Relatório co Comitê de psiquiatras Franceses contra o uso político da psiquiatria.

-         Notes from a Madhouse por Yosyp Terelia. Um relato em primeira mão de uma prisão psiquiátrica soviética. É o “paciente”número 6, de acordo com os Soviéticos.

-Dr. Semyon Gluzman: A conciência aprisionada da psiquiatria Soviética.

-Vítimas da psiquiatria Soviética compilada por Petro Shovk. São relacionados quase 140 nomes, entre eles, notas suscintas sobre personalidades que constam do relatório soviético.

-Mensagem de Apelo do mais famoso dissidente Soviético presente ao Congresso. Vladimir Bucovsky. Resolvi traduzir na íntegra uma conversação entre ele e Torrey, pois nela estão destacados os principais pontos em discussão.

 

 

 4. Conversação entre E.Fuller Torey e Vladimir Bukovisky publicada em Psychology Today (Ziff-Davis Company) em junho de 1977.

 

Primeiro houve a apresentação dos interlocutores:Vladimir Bukovsky. Em 18 de dezembro de 1976 foi trocado pelo Luis Corvalan, líder comunista Chileno. Essa troca comprovava que a União soviética mantinha prisioneiros políticos.

Após sua liberação em 1976, Bukovisky que havia sido diagnosticado com esquizofrênico na União Soviética, teve um encontro com um grupo de psiquiatras Ingleses que declararam que o mesmo não era esquizofrênico e que era evidentemente sadio.

E.Fuller Torrey, hoje em dia, segundo o Washington Post, é psiquiatra mais famoso da América, lá por 1977 já era destaque.

Após obter seu A. em Religião, na Universidade De Princeton (Magna Cum Laude). Formou-se médico na MacGill University, em Montreal. Enquanto completava sua Residência em Stanford, obteve um M.A. em Antropologia. Praticou medicina na Etiópia durante dois anos, como médico do Peace Corps e, recentemente, trabalhou com médico generalista na Ilha de Pribiloft no Alaska ( Indian Health Service). Trabalhou no South Bronx, num Centro de Saúde. De 1970 a 75 foi assistente especial do Diretor do NIMH.Escreveu The Mind Gene; Wichdoctors and Psychiatrists. The Death of Psychiatry, and Why did you do that? (Depois de 1977 escreveu mais 20 livros, os dois mais famosos são: Sobrevivendo à Esquizofrenia (Surviving Schizophrenia : A Manual for Families, Consumers and Providers (5th edition)) e a Praga Invisível (The Invisible Plague: The Rise of Mental Illness from 1750 to the Present

 

A entrevista:

E. Fuller TORRREY: Como é ser um homem são num asilo de insanos?

Vladimir BUKOVSKY: Bem, eu encontrei muitas pessoas naquele lugar que eram sadias.

TORRREY. Então você era apenas um entre várias pessoas sadias no hospital mental?

BUKOVSKY. Sim, e nós constituímos um tipo de grupo para nos comunicarmos. Com os outros pacientes era impossível à comunicação, pois alguns eram muito doentes. Desse modo, aqueles entre nós, que eram sãos, formavam uma espécie de clube.

TORRREY. Um clube de pessoas sadias num asilo de insanos. Deve ter sido um grupo interessante de pessoas. Como vocês eram tratados, pessoalmente, pelos doutores de lá?

BUKOVSKY. Eu tive sorte naquele hospital.  Não me obrigaram a tomar medicamentos.

TORRREY. Isso era incomum?

BUKOVSKY. Sim, muito. A maioria dos outros dissidentes que lá estavam, eram forçados a tomar medicamentos que os deixavam sonolentos e com dificuldades para pensar.

TORRREY. como você escapou disso?

BUKOVSKY Quando eu fui colocado no hospital, fui encaminhado a um velho psiquiatra. Eu acho que ele andava perto dos 80 anos. Após nossa primeira entrevista ele me disse que me achava bem sadio. Ele pensou que eu tinha fingido ser louco para ir para o hospital e com isso fugir de cumprir uma sentença em prisão ou algo parecido, que eu era um simulador. Tentei explicar que ele tinha entendido tudo errado, mas ele estava convicto da sua conclusão e tentou obter minha alta. Ele foi até a comissão (que determina quando o paciente pode ser liberado) e disse que eu era sadio. Isso deixou a KGB enfurecida, mas eles não sabiam o que fazer com esse velho psiquiatra que não entendia ou não queria entender que se esperava dele que me considerasse louco. De qualquer forma, ele não me dava drogas por me considerar sadio.

Torrrey. Este era o Hospital especializado em Leningrado?

BUKOVSKY Sim, bem no centro de Leningrado, próximo à estação ferroviária.

TORRREY. A Estação Finlândia, por onde Lênin retornou para liderar a Revolução?

BUKOVSKY Sim, eu poderia ouvir os trens à distância, mas havia uma grande indústria que suprimia os ruídos da estação.

TORRREY. Que ironia. Eu fico a imaginar o que Lênin diria se soubesse que a Revolução, eventualmente fizesse que você fosse colocado num hospital mental para não ser ouvido pelo povo. Quantos hospitais mentais iguais a esse que você esteve existiam na época?

BUKOVSKY Pelo menos 12. Eu não tenho certeza de quantos mais existiam.

TORRREY E, quantas pessoas sãs existiam nos asilos de insanos?

BUKOVSKY Mais de 1.000 internos, pelo menos 150 prisioneiros políticos eram perfeitamente normais.

TORRREY Isso significa que, provavelmente existam mais de 2.000 dissidentes políticos em hospitais mentais da União Soviética?

BUKOVSKY Sim,  acho que, tal número seja provável. Nós não sabemos, com certeza, quantos seriam.

TORRREY Alem do psiquiatra que estava encarregado da tua pessoa, com eram os demais psiquiatras? Eles perceberam que você não estava mentalmente doente?

BUKOVSKY Sim, certamente. Eles todos sabiam que nós éramos pessoas sãs. Muitos deles eram bem cínicos. Um deles me disse, certa vez, que o hospital onde nós estávamos era mais parecido com um campo de concentração. É nosso mini Auschwitz, disse ele. Sim, eles sabiam da verdade, muito bem, mas eles não estavam em posição de fazer alguma coisa sobre esse assunto. Eles não tinham, nem o desejo e nem a força de mudar as coisas.

TORRREY Que tipo de psiquiatras eram essas pessoas que trabalhavam num asilo de insanos com pessoas sãs? Porque eles aceitavam o emprego?

BUKOVSKY Eles provavelmente o faziam por dinheiro, ganhavam mais ali do que num hospital mental regular. Eles tinham um pagamento especial por ser um hospital especial.

TORRREY eles eram psiquiatras do Exército?

BUKOVSKY Não exatamente. Eles eram militares, mas não do Exército. Eles trabalham para o Ministério dos Assuntos Internos, que é o ministério responsável pelos hospitais psiquiátricos especiais. Hospitais psiquiátricos comuns, ficavam sob as ordens do Ministério da Saúde. Dessa forma, esses psiquiatras dos hospitais especiais tinham categorias, como capitão, major, e eram promovidos de categoria se fizessem um bom trabalho e não causassem problemas.

TORRREY E fazer um bom trabalho incluía testemunhar que indivíduos como você, que protestava contra a falta de direitos civis, era insano e devia ser mantido em hospital mental?

BUKOVSKY. Exatamente.

TORRREY Quando você entrou pela primeira vez no Hospital Psiquiátrico Especial de Leningrado, por quanto tempo eles disseram que o manteriam lá?

BUKOVSKY Ficou claro, desde o início, que iriam manter-me o quanto quisessem. Foi-me dito que tudo dependeria da minha conduta. Seu reconsiderasse, se eu fosse bonzinho, como saber?

TORRREY Bem comportado?

BUKOVSKY É se eu fosse bem comportado me deixariam sair.

TORRREY Isso soa parecido com o que Victor Fainberg (outro dissidente Soviético) disse quando esteve no mesmo hospital que você. Ele contou que seu psiquiatra lhe disse que sua doença era ser dissidente, e logo que renunciasse às suas opiniões e adotasse as corretas, seria liberado.

BUKOVSKY Sim, é assim que funciona, mas eu jamais reconsideraria ou renunciaria às minhas opiniões.

TORRREY Eles poderiam mantê-lo por 20 ou 30 anos, se eles assim o desejassem, e se você não tivesse tido um velho psiquiatra que não colaborou com eles.

BUKOVSKY Ah sim. Eu sei de alguns que estiveram lá por mais de dez anos. É uma sentença indeterminada.

TORRREY Foi por isso que os oficiais Soviéticos o colocaram num hospital psiquiátrico em vez de uma prisão?

BUKOVSKY esse foi um motivo. Se me colocassem numa prisão, eu teria sido sentenciado para cumprir determinado período e depois seria liberado. Não haveria tanta pressão na minha reconsideração. Certamente, em alguns casos, eles aplicam nova sentença e você terá que cumprir um novo período de pena, após completar a primeira sentença, mas isso é mais difícil de realizar. É muito mais fácil afasta-lo colocando-o num hospital mental.

TORRREY Quais são as outras razões para eles utilizarem  hospitais mentais em vez de prisões?

BUKOVSKY Bem, isso desacredita a pessoa. Especialmente se for uma pessoa de destaque e que fale para o povo, isso vem a ser um grande problema para os líderes soviéticos. Por exemplo, o General Gricorenko, que foi um grande general, discursou contra a invasão da Tchecoslováquia. Isso criou um grande problema. Seria difícil leva-lo aos tribunais, então disseram que estava insano e o mandaram para um hospital mental. Assim o povo não prestaria atenção no que ele dissesse. E as pessoas compreendem que uma pessoa possa ficar mentalmente doente. É mais fácil explicar ao povo comum, o povo nas ruas.

Algumas vezes, eles colocam em hospital mental as pessoas que se expressam contra o regime, mas não há maneira de construir uma acusação contra eles, isso tornaria o julgamento muito difícil.

TORRREY É verdade que os pacientes mentais tem menos direitos que os prisioneiros civis na União Soviética?

BUKOVSKY Sim, absolutamente. Como paciente mental você não tem direito. Qualquer protesto que você faça,  eles dizem que é por causa de você ser doente mental. Qualquer coisa que você diga, vai fazer parte da sua história clínica e depois será utilizado para mantê-lo  internado indefinidamente. Qualquer coisa que você escreva, cartas ou outra coisa, vai para sua pasta e pode ser utilizada contra você. Se você reconsidera, eles dizem que isso prova que você era louco. Se você se recusa a reconsiderar, protesta, eles dizem que isso prova que você é louco. Você é que escolhe o que é melhor.

TORRREY Quando eles o pegaram pela primeira vez em 1963, você acha que eles pretendiam envia-lo para um hospital mental?

BUKOVSKY Não, eu penso que  eles queriam que eu reconsiderasse. Eles queriam que eu me tornasse um traidor e me tornar um informante sobre meus amigos. Eles desejavam certas informações, depois, provavelmente, me deixariam preso por um tempo curto. Fui colocado em confinamento solitário para que mudasse minha mente.

TORRREY Mas você não cooperou com eles, eu imagino.

BUKOVSKY Não, eu me recusei a conversar qualquer coisa com eles.

TORRREY. Isso deve tê-los deixado furiosos?

BUKOVSKY Sim, e depois de tentarem por meses, eles desistiram e me encaminharam para a psiquiatria. Isso foi o fim do meu caso do ponto de vista legal. Depois disso eu me tornei apenas um paciente psiquiátrico

TORRREY Eles o diagnosticaram como esquizofrênico, está correto?

BUKOVSKY Com esquizofrenia do tipo continuado. Mas alguns psiquiatras disseram que o diagnóstico de esquizofrenia estava errado e que, na verdade eu tinha um desenvolvimento paranoide da personalidade. Eles não conseguiam se decidir entre esses dois diagnósticos.

TORRREY Eu estive na União Soviética duas vezes e estou familiarizado de como a esquizofrenia é classificada por lá.  A esquizofrenia do tipo continuado seria a que começa lentamente.

Isso seria especialmente verdadeiro para o tipo lento, sem energia, que se arrasta, nos quais se diz que a pessoa somente tem leves mudanças de personalidade nos seus estágios iniciais.

BUKOVSKY A maioria dos prisioneiros políticos são diagnosticados como esquizofrênicos. Qualquer coisa que façam, qualquer protesto, mesmo uma greve de fome é considerada prova que confirma o diagnóstico.

TORRREY. G.V. Morozov, o chefe do Instituto Serbsky, chegou mesmo a escrever que a argumentatividade é um importante sintoma da esquizofrenia.

BUKOVSKY. Sendo assim, eu imagino que essa seja uma doença bastante comum nos Estados Unidos. Se essa for à definição.

TORRREY. O homem que é o responsável pela classificação da esquizofrenia na União Soviética é o professor Snezhnevsky do Instituto de Psiquiatria de Moscou. Ele é aquele que afirmou que alteração de conduta na adolescência ou mesmo mais cedo, é muitas vezes de uma esquizofrenia inicial, especialmente se existir história de doença mental na família.

BUKOVSKY Eu li alguns trabalhos de Snezhevisky. Ele é um o maior psiquiatra que atua atrás dos panos, que acha que os dissidentes devam ser diagnosticados como doentes mentais e descartados.

TORRREY Você acredita que ele desenvolveu suas teorias da esquizofrenia para acomodar as necessidades do estado, ou que ele foi selecionado porque suas teorias eram convenientes?

BUKOVSKY Provavelmente essa última hipótese, um tipo de seletividade. Sobrevivência da teoria mais conveniente, um modo de dizer. Num estado socialista, supõe-se que seja perfeito e então, por definição não há condições sociais que possam criar verdadeiros dissidentes. Por essa razão, o dissidente deve estar louco. A lógica é bem clara.

TORRREY Algumas pessoas escreveram que a União Soviética tem uma longa história de chamar dissidentes como loucos, e que isso foi utilizado até pelos Czares. Por exemplo o Czar Nicholas chamou o filósofo Chaadev de louco, isso há cem anos atrás, porque Chaadev o desagradou.

BUKOVSKY. Para começar, Chaadev nunca foi colocado num hospital mental. Foi só uma declaração de que ele estava louco.

TORRREY Então, quando começou essa prática, agora generalizada, na União Soviética?

BUKOVSKY Começou sob Stalin. Porém, naquela época existiam apenas dois hospitais mentais para dissidentes, em Leningrado e Kazen. Stalin, não precisava muito. Ele podia destruir as pessoas se assim o desejasse. Em casos que a pessoa fosse proeminente, ele podia utilizar o hospital mental.

TORRREY E o que aconteceu depois de Stalin.

BUKOVSKY É interessante. Havia um velho membro do Partido Comunista, chamado Sergei Pisarev que era membro da Comissão Central do Partido. Ele preparou um relatório que dizia que as acusações contra os médicos judeus, preparada por uma comissão de investigação em 1952 eram infundadas e entregou o relatório para Stalin. Duas semanas depois Pisarev foi colocado num hospital metal e declarado insano. Em 1956, após a morte de Stalin, ele deu um jeito de ser reabilitado. Ele conseguiu até que os psiquiatras reconsiderassem seus diagnósticos e que ele era são. Ele conheceu o chefe do comitê para reabilitação e o persuadiu que uma investigação deveria ser feita sobre o abuso da psiquiatria. Essa  foi a idade dourada, depois da morte de Stalin quando tais coisas foram possíveis. Ele teve sucesso em criar tal comissão. Eles investigaram os dois hospitais e concluíram que houve abuso psiquiátrico e conseguiu que muitas pessoas fossem liberadas.

TORRREY Então isso piorou de  novo?

BUKOVSKY Sim, especialmente sob Krutschev. Depois se tornou prática comum e novos hospitais foram abertos.

TORRREY Então, por volta de 1963, ano em que você foi preso, era comum rotular pessoas sãs como insanas e coloca-las onde ficassem longe das vistas.

BUKOVSKY Sim, eu não fui o único, a única maneira que fui único, foi de poder estar aqui podendo falar sobre o assunto. Existem centenas de dissidentes nos hospitais mentais nesse exato momento em que estamos conversando.

TORRREY. Quando você estava em Perm, no campo de trabalho com Semyon Gluzman, o jovem psiquiatra, que publicamente disse que o General Grigorenko não estava mentalmente doente e por isso foi colocado na prisão, vocês escreveram juntos o “Manual de Psiquiatria para Dissidentes”. Eu o li alguns meses atrás e fiquei profundamente impressionado por ele, impressionado que as pessoas necessitem o manual para se defenderem contra a profissão de minha escolha pessoal. É um documento excelente. Como vocês conseguiram escreve-lo enquanto no campo de trabalho?

BUKOVSKY Nós o colocamos juntando palavras e frases. Nós tínhamos um pequeno simpósio onde nos encontrávamos sob a desculpa de ter um chá. Nos costumávamos sentar quietamente, num círculo, e um de nós que tinha preparado um relatório, o distribuía e, então, nós o discutíamos. Nós começamos a fazer isso porque algumas das pessoas no campo de trabalho necessitavam de auxílio para se defender dos psiquiatras. Mesmo que tivesse sido sentenciados a prisão, quando completavam o tempo, eram levados a um psiquiatra, declarados insanos e encaminhados a um hospital mental. Dessa forma nossas informações tinham um valor bem prático.

TORRREY Como vocês conseguiram leva-lo para fora do campo de trabalho?

BUKOVSKY As pessoas começaram a dizer que o “Manual” seria útil para outros também. Por isso nós tratamos de contrabandeá-lo para fora. Na primeira vez que tentamos, nós falhamos e as autoridades o confiscaram. Na segunda vez, nós tivemos sorte e conseguimos. Tudo tinha que ser feito secretamente.

TORRREY A KGB deve ter ficado furiosa contigo?

BUKOVSKY Mesmo agora, eles continuam a fazer ameaças de começar um novo processo criminal contra Gluzman. Eles estão ameaçando de sentencia-lo por mais anos na prisão. Apenas a agitação dos ocidentais sobre sua situação que tem impedido que isso aconteça.

TORRREY Como os ocidentais podem auxiliar os dissidentes na União soviética? Como podemos auxiliar para que direitos civis básicos sejam observados? Devemos cortar completamente o contato com os profissionais russos?  Devemos evitar congressos em que eles comparecem?

BUKOVSKY Eu me oponho a um completo boicote. Em vez disso, vocês devem realizar um boicote seletivo e manter contato com os bons psiquiatras que lá existem. Por exemplo, você não deve ter nada com Snezhevsky; ele  é um criminosos e você nunca deverá sentar na mesma mesa que ele. Seu Instituto Nacional de Saúde Mental não deve lidar com ele como estão fazendo. Eles apenas estão apoiando um criminoso e tornando-o respeitável.

O que você deve fazer é contatar com os bons psiquiatras Russos, aqueles que não permitirão serem prostituídos. Por exemplo, Professor Melekhov e o Professor Lukomsky, ambos participaram da comissão de 1971 que devia decidir se eu era insano ou não. Ambos agiram com extrema honestidade, mesmo sofrendo pressão óbvia das autoridades Soviéticas. E existem também, jovens psiquiatras que se recusam a abusar de sua profissão. Para confirmar esse fato, quando fui preso em 1965, primeiramente fui levado à enfermaria do Hospital da Cidade de Moscou de número 13. Ali fui examinado por dois jovens psiquiatras, Dr. Arkus e Dumbrovich, e declarado são. A KGB ficou furiosa e fui levado para outro hospital onde também fui considerado são. Ficou difícil para eles me declararem insano quando duas equipes psiquiátricas tinham me declarado são, por isso me mantiveram preso por oito meses.

O que você deve fazer é convidar doutores como Melekhov, Lukomsky, Arkus e Dumbrovich para seus congressos no Ocidente. Publicar seus artigos. Visitar a enfermaria psiquiátrica do Hospital Municipal 13, quando você visitar Moscou. Não corte todos os contatos, apenas corte seletivamente.

TORRREY Isso soa como se devêssemos fazer uma lista negra dos psiquiatras Soviéticos que se comprometeram com o regime e não participar de encontros com eles ou convida-los.

BUKOVSKY. Correto. E no topo da lista você deve colocar Snezhnevisky, Morozov e Lunts, mas existem muitos outros.

TORRREY E nas nossas visitas à União Soviética fazer um esforço de encontrar psiquiatras que não estejam nessa lista negra.

BUKOVSKY Sim. Vocês não vão ter muita ajuda da Intourist, mas isso pode ser feito.

TORRREY Eu sei que os psiquiatras na Inglaterra lhe deram mais apoio que os psiquiatras dos Estados Unidos. Por exemplo, quando você enviou as seis histórias clínicas para o exterior em 1971, foram apenas os psiquiatras ingleses que os avaliaram. O que você sentiu quando ouviu que a Associação Psiquiátrica Mundial, nos seu encontro do México em 1971, ignorou seu pedido? Você ficou desapontado e com raiva?BUKOVSKY Nós somos todos humanos e todos somos objetos de pressão. Na Cidade do México, houve grande pressão para que os psiquiatras nada fizessem. E assim, nada foi feito. Vocês estavam todos com medo de ofender Snezhnevsky. Foi triste sim.

TORRREY Alguns entre nós, incluindo eu mesmo, tem medo que a psiquiatria também pode ser objeto de abuso em larga escala nos Estados Unidos. Como podemos prevenir que isso aconteça por aqui?

BUKOVSKY A melhor maneira de lutar numa guerra, é lutar no território estrangeiro. Você pode prevenir que isso aconteça aqui, lutando contra os abusos da psiquiatria em qualquer lugar.

TORRREY Eu suspeito que em todos os países existam psiquiatras que possam permitir que eles mesmos e sua profissão sejam prostituídos, dependendo das circunstâncias, e que em cada país existam seus Lunts e seus Morozovs prontos para realizar seu trabalho se lhes for concedida à oportunidade.

BUKOVSKY Certamente isso pode acontecer. Veja a França de 1941. Ali estava um país que supostamente amava a liberdade. Você conhece a Revolução Francesa. E veja o que aconteceu, muitas pessoas tropeçavam entre si na sua pressa em colaborar com o inimigo, oferecendo-se para serem usadas.

TORRREY Se não lutarmos contra o abuso da psiquiatria na União Soviética e outros locais, quais serão as conseqüências?

BUKOVSKY Se o abuso começar no seu país, então será muito tarde. Se você tentar lutar depois que começar, eles provavelmente o chamarão de insano e o afastarão.

 

 

 

 

 

Histórias Clínicas – URSS

ALL-UNION SOCIETY OF NEUROLOGISTS AND PSYCHIATRISTS

 

C/o Institute of Psychiatry, Academy of Medical Sciences, Zagorodnoye shosse 2. Moscow, M-152

 

Dr. Denis Leigh,

Secretary General.

World Psychiatric association,

The Maudsley Hospital, Denmark Hill

London SE5 8AZ

 

Dear Dr. Leigh

            A Campanha, lançada contra a Psiquiatria Soviética que começou sete anos atrás, continua. Sua intensidade com a aproximação do, VI Congresso Mundial de Psiquiatria, está crescendo e está baseada em referências a Declaração de Direitos Humanos de Helsinki. Essa propaganda anti-soviética usa demonstrações de pacientes que, no passado foram tratados em hospitais psiquiátricos e que depois deixaram a União Soviética. Por essas demonstrações, certos círculos desejam provar abertamente que na União Soviética, indivíduos normais são internados em hospitais psiquiátricos. Essas mentiras disseminadas, poderiam facilmente ser desacreditadas pela publicação das histórias clínicas de todos assim mencionados indivíduos normais. Tais ações, utilizadas com fins da guerra fria infringiria o segredo e a confiança médica e poderia influenciar seriamente os pacientes.

            Tendo considerado essa situação e em ordem de estabelecer a verdade, a All-Union Society of Neurologists and Psychiatrists decidiu apresentar ao Comitê Executivo da Associação Psiquiátrica Mundial, resumos das histórias de alguns pacientes mencionados pela imprensa. Em caso possa ser mantido o segredo médico, a All-Union Society of Neurologists and Psychiatrists, solicita ao Comitê Executivo da World Psychiatric Association que o distribua entre as associações psiquiátricas nacionais.

 

 

N 1. Fainberg, Victor Isakovich, nascido em 1931

 

         Foi submetido a exame psiquiátrico forense no Instituto Serbsky por duas ocasiões, em 1968 e 1972. Não há história de doença mental em seus pais. Na infância, cresceu e se desenvolveu sem qualquer desvio. Começou a freqüentar escola aos oito anos. Durante seus primeiros anos escolares, estudou bem. Quando tinha 14 anos de idade (1945) começou a agir de forma pouco comum. Sofria distúrbios do sono, episódios e excitação e agressividade com seus colegas, sem nenhuma razão. Em algumas ocasiões, tal conduta era dirigida contra seus pais. Inesperadamente tentou suicídio. Foi hospitalizado no Instituto Psiconeurológico Ucraniano e tratado com terapia eletroconvulsiva (eletrochoque). Subseqüentemente foi atendido, e tratado no Departamento da Infância do Hospital mental Kaschenko, na Clínica Psiquiátrica do Instituto para treinamento Pós Graduado. Seu estado mental, na ocasião, era de conduta bizarra, que era interrompida por disforia e conduta impulsiva com várias tentativas de suicídio; idéias de coerção física, simbolização e pensamento incoerente. Ele foi examinado pelos Professores E.G. Sujhareva e M.Ya. Sereiskiy, e ambos o diagnosticaram como esquizofrênico. Ele foi tratado com prolongada sonoterapia e insulina. Quando sua família mudou-se para Leningrado, ele foi hospitalizado no Instituto Psiconeurológico Bekhterev onde o Professor R. Ya Golant, também diagnosticou o caso como esquizofrenia e, após alta do hospital, recomendou, por causa do seu autismo, que o paciente deveria estudar a domicílio. Seu estado melhorou significativamente em 1948. Nos anos subseqüentes ele tentou estudar em cursos preparatórios com objetivo de entrar numa escola técnica especial. Porém, não tendo completado um ano, foi excluído por fraco desempenho nos estudos e conflitos. Em 1952 ele foi novamente hospitalizado no Instituto Bekhterev onde foi diagnosticado como tendo uma “condição psicopática”. Após sua alta do Instituto Bekhterev graduou-se na décima classe do secundário.  Ele entrou então, na Escola Técnica energética, mas a abandonou após um ano. Ele trabalhou depois numa série de trabalhos em construção, mas depois de um conflito com um chefe de equipe, largou o trabalho. A seguir trabalhou em metalurgia numa indústria e começou a estudar inglês à noite. Em 1957, por causa de conduta inadequada, foi processado criminalmente. Em 1960, ele entrou na Escola Noturna filológica da Universidade de Leningrado. Com vários intervalos, finalmente graduou-se pela Universidade em 1968. Durante seus estudos, teve um episódico de concussão cerebral, acompanhado por curto período de perda da consciência, com subseqüentes dores de cabeça e aumento da fadigabilidade. Nesse mesmo período apresentou sinais de doença de Basedow e durante um período de dois anos recebeu auxílio doença.

      Depois de formado pela Universidade, começou a trabalhar como guia turístico. Ele cumpria suas funções muito bem, mas mantinha-se solitário, desligado; ele não se vestia bem, distraia-se com facilidade, silencioso. Em algumas ocasiões sua face expressava muito medo. Casou-se em 1953 e tem um filho. Em 1962 ele se divorciou. Sua esposa o caracterizou como uma pessoa muito difícil, inadequado para a vida familiar, tornando a vida com ele impossível e por isso procurou o divórcio. Ele não tinha amigos. O paciente informou ao médico que passava muito tempo com seu filho, fazendo-o ler constantemente e que isso colocou o filho contra ele. Nos anos seguintes, o filho não queria contato com ele.

      Nos últimos anos, o paciente tentou criar uma organização com objetivos políticos de lutar contra o governo e iniciou práticas ativas contra o existente sistema do Estado. Durante a investigação judicial não houve dúvidas quanto a sua responsabilidade.

      Durante exame no Instituto Serbsky foi demonstrado o seguinte: não havia “Insight” sobre sua doença. O examinado indicou que, quando tinha 14 anos, ele tinha uma “aumentada excitabilidade, aumentada auto-estima, uma aumentada participação em brigas, bem como um caráter interno problemático”. Nos anos seguintes ele estava normal. Com respeito a seus familiares próximos, demonstrou frieza, indiferença. O examinado assim se expressou “na minha idade, as emoções não tem nenhum papel”. Não tinha nenhuma preocupação quanto a seu destino pessoal – “Eu vou para frente, de alguma maneira e não vou me esconder numa concha”.... “Eu não estou preocupado comigo”.... Diante do anúncio das circunstâncias estabelecidas ele interrompia com gargalhadas, seu julgamento tinha generalizações sem sentido, à fala era monótona, inconsistente, associação de idéias prejudicadas. Tomando por base tudo que foi descrito, o comitê de especialistas chegou a uma conclusão que V.I.F. exibia mudanças de personalidade pós-esquizofrênica e não era responsável (imputável).

      A Corte decidiu por tratamento compulsório num hospital mental durante um tempo especial.

      Durante sua estada no hospital mental de Leningrado, também apresentou alterações nas emoções e no pensamento. E, 1972, ele foi repetidamente examinado no Instituto Serbsky com o objetivo de consulta e para determinar se o tratamento compulsório poderia ser terminado. Seu estado mental naquele tempo era caracterizado por monotonia emocional e como ele mesmo se queixava “não há tristeza e não há alegria”.

O processo do pensamento era caracterizado por mudanças involuntárias episódicas no conteúdo do pensamento e fala, com associação de idéias prejudicadas e generalizações sem sentido.

O comitê de peritos considerou  que poderia ser removido o tratamento compulsório e indicou que F. tinha mudanças de personalidade pós-processo esquizofrênico.

 

N 2. Gorbanevskaya, Natalya Yevgenievna, nascida em 1936.

 

Esteve nos Instituto Serbsky em 1968, 1970 e 1972. Seu desenvolvimento infantil foi normal. Começou a estudar aos oito anos, pulando o primeiro ano. Ela lia e escrevia fluentemente mesmo antes de entrar para a escola. Até os 15 anos estudou muito bem, depois com menos sucesso. A partir dos 15 anos tornou-se   preguiçosa, hostil para com sua mãe; tinha muitos conflitos. Ela não cuidava do aspecto pessoal, não queria auxiliar nada em sua casa. Ela terminou o 10º ano e entrou para faculdade filológica da Universidade de Moscou, mas terminou excluída no segundo ano por não apresentar progressos. Nessa época, apresentava períodos de flutuação do humor ou de estado depressivo com tentativas de suicídio que eram substituídos por desinibição e desequilíbrio mental. Ela começou a trabalhar como bibliotecária. Ao mesmo tempo estudava por correspondência na Universidade de Leningrado onde se graduou aos 28 anos de idade. Ela não era casada, mas teve seis gravidezes por relações extramaritais. Ela deu a luz a duas crianças que foram criadas por sua mãe.

      A partir de 1957 começou a ouvir vozes, que vinham do céu em forma de chamados e de sons inarticulados. Em 1959 ela consultou o dispensário neuropsiquiátrico do distrito por apresentar humor diminuído, dores de cabeça atormentadoras que a impediam de trabalhar intelectualmente. Esses sintomas eram acompanhados por sensações inacreditáveis nas pontas dos dedos e era tão forte que a impediam de tocar qualquer coisa. Ela ainda se queixava de insônia. Gorbanevskaya foi encaminhada para um hospital psiquiátrico e lá ficou por um mês.  No hospital, seu psiquiatra notou frieza emocional para com seu irmão e com sua mãe, além disso, apresentava insônia, e continuava a se queixar de sensação desagradável nos dedos, não podia tocar nos lençóis e ficava deitada com as mãos levantadas. Ela foi levada para casa por sua mãe. Como não conseguisse trabalhar, recebeu uma pensão por invalidez. No futuro, ela não conseguiu trabalhar sistematicamente. Dava lições aulas particulares, escrevia artigos. Havia uma permanente instabilidade de humor e, sem nenhuma razão, desaparecia de casa. Ela andava muito desarrumada, não se preocupava consigo mesma, tornou-se muito rude com sua mãe, queixava-se de idéias obsessivas e medos.

      Em 1968, durante sua estada numa maternidade devido à hemorragia, seu estado mental piorou (recusava-se a ingerir alimentos) e por essa razão foi transferida para um hospital mental. Lá, durante seu exame se mostrava emocionalmente fria, apática e inclinada a fazer generalizações a amplas e sem serventia., O diagnóstico do hospital mental foi de “Esquizofrenia”.

Em 1968 por causa de ativa participação em atividades anti-soviéticas ela foi trazida à responsabilidade judicial. Quando foi presa, ela repentinamente começou a sufocar seu bebê e tentava bater nele. O comitê de especialistas que a examinou naquele tempo, reconheceu nela um expresso estado psicopático (defeito esquizofrênico pós-processo) e a considerou não responsável.

      Em 1969, ela foi presa por infrações similares. Quando ela foi examinada, naquela data, no Instituto Serbsky, ela negou qualquer sintoma mórbido no passado, quanto a sua hospitalização num hospital mental no passado, ela disse ser resultante de um “complô de seus familiares”.

Estados de humor depressivo-hostis com relações hostis, especialmente em relação a sua mãe, eram substituídos por euforia. Sem qualquer consideração das circunstâncias ela podia começar a cantar, dançar, fazer piadas estúpidas. Seu pensamento era paralógico, inconsistente, com ruminação. Ela foi considerada não responsável sofrendo de esquizofrenia.

Após tratamento num hospital mental, seu estado melhorou. Em 1972 os especialistas do Instituto Serbsky (para onde ela foi referida para estudo de medidas quanto ao seu caráter médico) recomendaram a remoção do tratamento compulsório. Em fevereiro de 1972 recebeu alta para ir para casa.

 

N 3. Bukovsky, Vladimir Konstantinovich, nascido em 1942

 

     Foi repetidamente examinado no Instituto Serbsky. Entre seus familiares há muitos casos de doença mental. Ele mudou seu caráter aos 12 anos de idade, aproximadamente. Tornou-se autista, língua afiada, era rude com seus professores, desligado dos seus pais. Aos 14 anos começou a ler livros de filosofia, sentia que podia sentir o humor das pessoas por intuição, acertar as idéias de outras pessoas e sentir sua essência. Após sua graduação do nível médio ele entrou na Faculdade de biologia da Universidade de Moscou, mas após o segundo semestre ele saiu, porque os estudos universitários impediam que se dedicasse completamente a sua teoria pessoal. Por volta de 1960, o “sistema” que ele elaborara e pensar por muitos anos estava totalmente concluído. Ele assumiu que tinha criado uma completa série de leis de qualidade. (a lei da summation, espirais complexas, comensurabilidade etc.), que eram, a teoria universal de exposição da interconexões internas da harmonia do indivíduo e da sociedade em todos os períodos do desenvolvimento da espécie humana. Ele raramente se encontrava em seu lar, não tinha interesse na sua família. Entretanto, ele se mostrou muito interessado em pintura abstrata, porque ele entendia que estavam próximas dos seus conceitos. Era indiferente a dinheiro, roupas elegantes e diversão. Novas informações sobre sua teoria ele escrevia em seu grande livro de notas durante a noite e não permitia que ninguém o tocasse. Ele presumia que as regularidades por ele encontradas eram as chaves para a solução de todos os problemas modernos (síntese de proteína, reação termonuclear, etc.) e mudar todos os caminhos da ciência.

Qualquer tentativa de dissuadi-lo ele enfrentava com um sorriso irônico e considerava o julgamento de uma pessoa comum, incapaz de compreender a força das abstrações de Bukovski.

Quando foi examinado por um psiquiatra em 1962 o diagnóstico foi – condição paranóica de natureza esquizofrênica.

Em 1963 ele foi processado, examinado por especialistas e o quadro clínico descrito acima, foi qualificado como um estado de descompensação expressa numa personalidade psicopática. Bukovski foi considerado não responsável e encaminhado a um hospital mental.

     No futuro, seu estado mental melhorou.

Em 1967 e 1971 durante repetidos exames psiquiátricos forenses no Instituto Serbsky o comitê de especialistas concluiu que Bukovsky demonstrava sintomas de compensação da condição psicopática e foi considerado responsável.

Os sintomas da sua condição metal eram tais que ficou levantada à questão de um diagnóstico diferencial entre psicopatia e esquizofrenia residual.

 

N 4. Borisov, Vladimir Yevgeniyvech, nascido em 1943

 

      Em 1972 foi examinado no Instituto Serbsky para ser decidida questão sobre a remoção do tratamento compulsório.

       Pela linhagem materna, há uma influência hereditária, alguns parentes sofreram doença mental. O paciente cresceu e se desenvolveu normalmente. Aos oito anos de idade teve um episódio grave de infecção viral do tipo influenza, com sintomas na meninge. Seus estudos escolares foram satisfatórios. Ele era um rapaz influenciável, irritadiço, explosivo. Durante seus anos escolares, algumas vezes fugiu de casa e ficava desaparecido por dias. Naquela época, lia muito sobre técnicas e sobre esporte. Entretanto, seus professores disseram que seus julgamentos, quando comparado com os colegas de classe, eram sempre, ingênuos e superficiais. Ele não completou o ensino médio e começou a trabalhar como eletricista. Na primavera de 1961, ele deixou seu trabalho e foi sozinho caçar na Região Norte dos Urais onde permaneceu por três meses, ficou perdido e, com grande dificuldade foi resgatado. De acordo com o médico que o atendeu naquela ocasião, ele estava mentalmente perturbado. Durante um longo período, depois desse acontecimento, apresentava dor de cabeça. Logo após foi recrutado pelo exército. Sua prestação de serviço no exército foi satisfatória, pelo menos no primeiro ano. Há, no entanto, registro de que tinha uma inclinação para loquacidade, filosofando sobre tópicos abstratos e se mostrando ultra-sensível às ordens dos seus oficiais superiores. Após um ano, foi encaminhado a um hospital militar por causa de conduta estranha, humor depressivo, ansiedade, medos e antecipação de inevitáveis catástrofes. Apresentava, também, alucinações visuais e auditivas. Durante o exame foram encontrados sintomas neurológicos e um aumento de proteínas liquóricas (CSF). Posteriormente, durante vários meses, seu estado mental foi caracterizado por um estado de apatia e abulia, fadigabilidade aumentada, humor depressivo, inclinação para utilizar generalizações inúteis com distúrbio no insight. Com o diagnóstico de “lesões cerebrais orgânicas com um síndrome esquizofrênico”, ele foi dispensado do serviço militar. Quando retornou para casa, sua família notou alguns sinais estranhos em sua conduta e declarações de conteúdo absurdo. Por exemplo, por um longo tempo ele dizia ter inventado certo tipo de helicóptero para viajar pelo espaço. Entretanto, ele negava ter tido qualquer doença e que ele fingira. Alguns meses depois de retornar para casa, do exército, retomou seu trabalho como eletricista.

      Após três anos, ele se envolveu em atividades contra o estado e foi processado. Durante a investigação judicial ele se apresentava num estado de perplexidade, inibido e com dificuldade em manter contato. Por causa da suspeita de transtorno mental ele foi encaminhado para um comitê de especialistas forenses.

      Como antes, ele ainda apresentava sintomatologia neurológica e a quantidade de proteína em seu CSF, comparada com a de 1962, estava aumentada.

       O comitê de especialistas chegou a conclusão de sinais de um transtorno cerebral orgânico com distúrbios da personalidade (uma síndrome do tipo psicopático e declínio intelectual). O paciente foi considerado não responsável e encaminhado para tratamento compulsório.

      No hospital, no início ele se mostrava desconfiado, insociável, desligado e com idéias paranóides, idéias de perseguição, alucinações auditivas e visuais. Posteriormente seu estado mental melhorou significativamente e, em 1967, recebeu alta hospitalar. Ele voltou a trabalhar como eletricista e se casou. No final de 1969, ele foi encaminhado a um hospital mental por apresentar excitabilidade expressa, idéias supervalorizadas de auto-estima, ausência de insight.  Um ano depois da alta do hospital e lê foi processado por atividades anti-Estado. Com o mesmo diagnóstico ele foi considerado não responsável e liberado por amenability. No hospital mental ele apresentou humor alterado, despreocupado e com sobre avaliação das suas capacidades pessoais.

      Apresentava um aumento na sugestionabilidade, julgamento superficial, um declínio do nível de personalidade. Junto com isso, se mostrava lento, a expressão facial e o discurso era monótono, algumas vezes sorria sem razão aparente, falava prolixamente e tendia a se fixar em assuntos insignificantes. Seu julgamento era muito superficial.

Estado neurológico: apagamento da linha nasolabial, o reflexo tendinoso das extremidades inferiores estava aumentado, principalmente no lado direito. Um sinal positivo de Brudzinsky nos dois lados.

      Quando os distúrbios eufórico-maníacos desapareceram e seu estado melhorou e ele teve alta, isso no início de 1972. Posteriormente ele foi internado mais duas vezes (por causa de excitação psicomotora e alucinação excitatória na primeira vez e euforia maníaca na segunda). O diagnóstico era o mesmo: seqüela de uma doença orgânica cerebral, com mudanças de personalidade permanentes e surgimento periódico de condição psicótica.

 

N 5.  Pliusch, Leonid Ivanovich, nascido em 1933.

 

    Em 1972 foi examinado no Instituto Serbsky.

 

    Na infância, durante vários anos sofreu de tuberculose linfática e óssea, com um subseqüente anquilose do joelho direito. Por longo período ele ficou em tratamento num sanatório de tuberculose óssea, aonde ele estudou de acordo com o programa da escola primária. Após sua recuperação ele seguiu estudando na escola secundária. No seu último ano do secundário, como está escrito em seu diário, por causa de uma aula sobre ódio a psicologia burguesa e expressão especial de imperialismo, ele começou a se auto-educar, de maneira a enfrentar suas fraquezas, inteligência arrogante.

Suas idéias eram – Bazarov, Rackmetov, Robespierre, Napoleão, Dzershinsky. Após completar o secundário com o objetivo de obter auto-aperfeiçoamento ele se inscreveu na KGB e solicitou que lhe fosse permitido realizar qualquer tipo de trabalho. Foi recusado e decidiu ser matemático, como dizia “quantidades desconhecidas imitam espiões, enquanto a matemática uma investigação judicial”.

      Formou-se na Faculdade Físico-Matemática da Universidade de Kiev em 1962. Durante seu tempo de estudos na universidade, ele lutou contra “pequena, encontrável, direta e óbvia maledicência”. , contra fanáticos e jovens cuja única preocupação era se vestir com exagero e cegamente seguir a moda. Ele elaborou um projeto de reorganização do Konsomol. Ao mesmo tempo ele decidiu ir para as “massas” e com isso aprender como agir. Cedo ele foi ser professor numa escola interiorana e lá começou a brigar com o diretor que tentava evitar que ele mudasse radicalmente o programa escolar. Ele escreveu para autoridades escolares superiores, várias cartas sobre o diretor. Após esse “motim” e um estudo das condições específicas da localidade, de acordo com suas cartas daquele tempo, ele chegou a conclusão que no futuro imediato não havia como enfrentar o sistema educacional e “lutar contra mal entendidos – não é sério”.

Ele retorna para completar seus estudos na universidade. Em seu diário daquele tempo, havia resumos de novelas de Lermontov, Tolstoi, Gorki, Heine, Schiller, Hegel, Lênin, Sofokl, Helvetius. “A expressão “busca de um credo”, “teoria do credo”, “Ou eu serei um Homem ou um homem”. Era repetidamente encontrada ali. Em seus escritos, de janeiro de 1958 havia o seguinte: “Eu creio que esse ano não será menos importante que 1957.”Para mim será um ano decisivo. Não haverá guerra. Eu acredito que não haverá guerra, Konsomol, festa. Este ano eu vou conhecer o que isto é. “Eu acredito ou eu desejo acreditar”. Em seu diário ele estabelece tarefas som títulos: Planos, Propostas práticas – pensar nas questões de guerra em relação ao significado da vida, elaborou a teoria das “roupas”, provar a necessidade da vida, pensar sobre a “maternidade”, instintos substitutos em plantas, sobre genes, o que é a música, o que acontecerá depois do comunismo.

      Ele escreve sobre idéias da necessidade de estudar “transmissão de idéias á distância”. “Talvez as idéias não sejam percebidas, mas são compreendidas com a ajuda da respiração”. Ele escreveu que estudou a influência dos olhos, seu papel. Ele escreve muitas vezes em seu diário que “minha filosofia pode ser usada com total efeito somente por pessoas límpidas – Pluscchists. Ele ainda prega que as condições de perceber a vida são: 1) literatura e arte; 2) Física e química; 3) Biologia; 4) colocar o homem em condições futuras; 5) Operações no homem”. Acompanhando essas idéias haviam repetidas notas “Pesadelos, minha cabeça está saindo dos eixos.... O futuro começa a ficar perigoso. Eu desconfio que “estou ficando louco”. Suas futuras meditações foram escritas em código. Sua mãe, que o visitava naquele período, se queixava que seu filho estava mudado, e que levava um estranho modo de vida, que ele estava estranho. Logo após seu casamento ele brigou com seu sogro e isso os levou ao total rompimento. Ele jogou fora toda a comida que tinha sido feita pelo sogro, e os presentes para as crianças. Isso levou a “uma forma intelectual de relação com a esposa”. As crianças, (duas) foram abandonadas, o cuidado da casa era precário, suas crianças não eram cuidadas, ele e a esposa estavam sempre ausentes de casa.

      Após a graduação da universidade ele trabalhou por curto período de tempo no Instituto de Cibernética. Entretanto, após conflito surgido em conseqüência da perda de documento importante, ele deixou o Instituto. Ele decidiu trabalhar no campo da psicologia e a elaborar teorias de jogos sob aspectos psicológicos.

      Pessoas que o conheceram naquele tempo, disseram que ele explicava não estar trabalhando “por causa de razões políticas”.  Ele se conduzia com crescente sobrestimação de si mesmo e até com arrogância. Pessoas repararam que ele negligenciava o cuidar de si mesmo e parecia sujo. Ele constantemente se dizia um Marxista, considerava necessário lutar contra mentiras, restituir o real poderio soviético e os verdadeiros caminhos do comunismo. Ele tentava formular para si mesmo, os postulados da moral, para treinar sua vontade e em relação a isso, estudar parapsicologia. Nos anos que se seguiram (começando em 1968) ele se tornou muito ativo, constantemente escrevendo artigos programáticos, cartas políticas, notas. Todos eram dirigidos contra o Sistema existente e propunham uma radical transformação do Estado e para manter a ordem no Estado. Esses artigos ele enviou para diferentes editores de jornais, distribuídos na população e enviados para o exterior. Ele acreditava que, brevemente ocorreriam radicais mudanças políticas no Sistema de Estado. Posteriormente, colaborando com um grupo ilegal, ele começou a escrever e distribuir artigo especial “Crônicas de Acontecimentos Correntes”. Como conseqüência de tal atividade política ele foi processado. Durante o processo legal surgiram suspeitas de doença mental. Como resultado, um comitê de especialistas concluiu que ele não era responsável em conseqüência de uma forma lenta e progressiva de esquizofrenia paranóide. Uma conclusão também que seria necessário um diagnóstico diferencial com psicopatia paranóide, cuja severidade seria igual à de uma psicose.

      A corte não concordou com essa conclusão e requisitou um novo comitê de especialistas.  O segundo comitê, com novos especialistas, concordou com as conclusões do primeiro, indicando a necessidade de tratar Plushch num hospital mental. Por decisão da corte, Plushch foi encaminhado para tratamento num hospital mental especial. Durante o exame, ele não se considerava doente, não era acessível, agia com um sentimento de autoridade, dizendo que ele era um verdadeiro Marxista, e que as mudanças políticas que eram formuladas por ele, seriam atingidas no futuro próximo. Ele recusava a explicar sua essência e falava somente na reformulação do comunismo. Ele se comparava a Chaadayev (um Dezembrista) que também foi considerado insano.

Durante sua estada no hospital, cada 3-4 meses seu estado mudava. Ele ficava imóvel ou silencioso, calado, freqüentemente recusava comer, gastava a maior parte do tempo no leito, dormia mal, ou seu estado era substituído por um humor eufórico, quando ele lia muito, escrevia cartas, falava muito, desenvolvendo suas idéias de verdadeiro comunista. Ele falava muito em ciência matemática e, especialmente, medicina, na base de que “há permanentes elementos invariáveis”, ele chamava a si mesmo de um verdadeiro democrata. Uma mudança constante da depressão para hipertimia durou o tempo todo de sua hospitalização. Ele foi tratado com neurolépticos e nos último período com insulina em doses hiperglicêmicas. Ele recebeu alta melhorada, aos cuidados de sua esposa e juntos eles deixaram o país.

N 6. Terelia, Iosif Mikhailovich, nascido em 1943.

 

         Foi acusado e condenado em 1967 por distribuir conteúdo anti-soviético, mesmo assim continuou sua atividade nos locais onde tinha privada sua liberdade.

         Ele esteve internado na psiquiatria forense do Instituto Serbsky no período de 17 de abril de 1972 a 29 de abril do mesmo ano. Seu primo sofre de doença mental.

         Desde a infância, o examinando facilmente se ofendia, isolado, irritável, inclinado a fantasiar. Quando ele tinha 11-12 anos começo a agir pessimamente nos seus estudos escolares, sua conduta era pobre e por duas vezes foi expulso da escola. Em 1962 ele foi sentenciado a 4 anos de prisão por causa de roubo de armas e munições. Seu estado mental mudou drasticamente quando fez 21 anos de idade. Ele se sentia iluminado e enriquecido internamente. Começo a escrever trabalhos em diferentes áreas da ciência e tecnologia, ele fez “inovações” no campo da medicina bem como no campo de materiais da construção e engenharia. Ele apresentou sua “reforma e teorias” na reconstrução em relação à reconstrução da maneira de viver existente. Posteriormente, após três anos, idéias delirantes de perseguição e envenenamento foram sendo desenvolvidas. Ele começou a entender que tivesse sido colocado “sob experimentação”. Suas refeições foram envenenadas por substâncias especiais e como conseqüência começou a sentir sensações diferentes e desagradáveis pelo corpo. Ele achava que falavam dele pelas costas. Durante o período da sua prisão ele começou a agir estranhamente: algumas vezes ele se recusava a comer, sem razão aparente, tentou automutilação e falava abertamente da sua intenção de fugir.  Ele era muito irritável, arrogante e dizia que “por ser uma pessoa muito inteligente ele era mantido em prisão”. Durante o período de processo legal ele também tinha comportamento pouco usual. Ele se recusou a dar qualquer depoimento, e estava seguro que estaria ameaçado. Durante o exame, idéias delirantes de perseguição, de envenenamento eram apresentadas junto com idéias super valorizadas de auto estima. Com incrível emoção, durante anos afirmou que fora mantido sob tortura. Ele estava convencido que suas refeições eram envenenadas com objetivo de destruí-lo e às suas idéias. Ele se dizia um “gênio do povo Ucraniano”, um lutador pela independência da Ucrania. Um eminente teórico. Ele falou de maneira incoerente de suas intenções “pela força do pensamento” em engravidar 20 milhões de mulheres Ucranianas para preencher a falta de população e dessa maneira conseguir a independência. Há uma definida inadequação emocional, transtornos do pensamento, uma perda de insight sobre a sua condição e circunstâncias que o rodeavam.

Diagnóstico: esquizofrenia do tipo paranóide.

Ele foi considerado não responsável devido a sua doença e sem condição de cumprir sentença. Tratamento hospitalar foi recomendado.

 

4) N 7. Mirkushev, Viacheslau Ivanovich, nascido em 1945.

 

Quando estava na sétima série do secundário, sentiu um grande interesse pela filosofia, coisa que não tinha experimentado antes. Começou a ler literatura especial, após o qual e sentia-se enriquecido e “começou a entender mais profundamente o mundo”. Ao mesmo tempo ele perdeu o interesse pelos estudos escolares. Ao se graduar no secundário, não quis estudar mais. De 1964 a 1967 ele serviu no Exército, onde continuava interessado em filosofia, questões políticas e religião. Ele chegou à conclusão que não seria capaz de viver dentro dos limites da União soviética e que deveria cruzar as fronteiras do Estado. Por esse motivo ele elaborava diferentes variantes. Após ser liberado do serviço militar, de acordo com informações dadas por sua irmã, ele se tornou desligado, silencioso e não ia a lugar algum. Em 22 de março de 1968 ele foi para a República Armênia onde tentou ultrapassar as fronteiras do Estado ilegalmente, mas foi detido. Durante o inquérito legal ele experimentou “um estranho estado de depressão e desespero”. Apresentou idéias de suicídio e “uma necessidade de expressar seu ódio”. Na prisão (locais de perda de liberdade, segundo a descrição oficial) ele continuou a estudar filosofia, lógica, teorias religiosas “desejando capturar as viradas de pensamento, a universalidade e os conceitos opostos”.. No verão de 1970 começa experimentar a influência de forças mágicas. Alem disso, apresentava estado de dissociação, quando “se separava do corpo”. Nesses momentos ele se via pelo lado de fora, seu cérebro, órgãos internos, ouvia um código Morse ser irradiado, vozes       . Experimentava em algumas ocasiões um sentimento de medo e depois de alegria. Ele sentia que estava em outro lugar, em outro mundo, um planeta onde as casas tinham telhado redondo e de cores incomuns.  Considerava estar sob influência hipnótica e experimentos.

Em 29 de outubro de 1973 foi examinado por um psiquiatra que  diagnosticou seu caso como esquizofrenia. Durante o exame pelo comitê de especialista ele apresentava elação do humor. Durante a entrevista, ele sorria inadequadamente, gargalhava sem razão. Ele dizia que tinha urgência em compreender a herança da cultura humana, para “eliminar a mais valiosa, lógica interna radical, conexões, quinta essência”. Ao mesmo tempo se queixava de um sentimento de pressão, “explosão interior, agitação na cabeça, uma sensação de que uma descarga elétrica passava pelo corpo”. Ele dizia ”uma parte da cabeça estava cercada: a carga elétrica se movia da direita para a esquerda e esses movimentos eram acompanhados por sons”. Posteriormente ele dizia ouvir vozes irradiadas por um rádio. Ele respondia a essas vozes: sua glote era projetada em outros espaços e lá havia alguma forma de confusão. Em respeito a tais experiências ele dizia que pelo menos ele pensava que fosse uma doença.

      O comitê de especialistas chegou à conclusão que Mirkushev tinha esquizofrenia. Por causa da doença não podia ser preso, foi recomendado seu internamento num hospital mental.

 

N 8. Leikina, Meita Leibovna, nascida em 1912.

 

      Foi processada em 1975 por ter infringido a lei durante vários anos, operando com moedas. Ela comprava e revendia em grandes quantidades

moedas, valores, certificados bancários, e outros documentos de valores. Ela terminou sete classes do secundário, uma escola técnica de construção e depois trabalhou como especialista em construção. Casou-se em 1934 e tinha duas filhas. De 1942-1943 ela trabalhou num armazém e correspondeu com suas responsabilidades. No começo de 1969 ela parou de trabalhar e passou a receber pensão. Nessa época ela era muito ativa no ramo que acabou por levá-la a prisão. No começo do inquérito (março-abril de 1975) ela deu detalhado e consistente testemunho das suas ações e falou do seu remorso a respeito. Em maio de 1975 sua condição mudou. Tornou-se ansiosa, queixava-se de insônia, falta de apetite e recusava-se a comer. Posteriormente, sua condição piorou: começou a dizer que estava com doença venérea, que teria infectado muitas pessoas ao seu redor e que seria acusada pela morte de muitas pessoas. Continuou a recusar alimentação, explicando que ela não tinha vaso sanitário. Queixava-se de ter uma sensação de   desaparecimento da sua língua e gengivas. Não dormia, murmurava, andava suja, desleixou-se do cuidado pessoal, negligenciava sua aparência.

      Quando foi examinada pelo comitê de especialistas, em agosto de 1975, ela se mostrava depressiva, retardo motor e de  acordo com aquela ansiedade. Tinha pobre contato pessoal, respondia as questões vagarosamente. Ela falava com uma voz quieta e monótona, e, freqüentemente, ficava em silêncio de forma inesperada. Ela dizia que experimentava um luto, “é difícil pensar, as idéias fluem lentamente”. Ela afirmava que algo tinha acontecido com seus familiares e que não os veria novamente. Seu organismo passava por “mudanças qualitativas” o volume de diferentes partes do seu corpo mudou, o intestino parou de funcionar, sentia existir uma “autodestruição de órgãos”. Ele conectava essas sensações com sua doença venérea, que ela reclamava possuir. Não tinha insight. O comitê de especialistas concluiu que, durante o tempo da s ações das quais era incriminada M.L. Leikina, não tinha demonstrado sinais de transtorno mental e foi considerada responsável. Após sua prisão em maio de 1975 ela teve uma doença mental transitória na forma de um estado reativo, desenvolvido em idade involutiva e adquirindo um desenvolvimento protraído. De acordo com sua condição mental, ela não poderia aparecer diante da Corte, e requereu encaminhamento para um hospital mental até que ocorresse a descontinuação do seu estado. (uma provocação reativa de depressão involutiva não pode ser excluída).

 

 

N 9. Yevdokimov, Boris Omitrievich, nascido em 1923.

 

Esteve sob perícia psiquiátrica forense no Instituto Serbsky no período de 29 de dezembro de 1972 a 22 de fevereiro de 1973. Ele foi acusado de estabelecer contato com a organização anti-Soviética “NTS”.

      Ele foi encaminhado ao Instituto porque seus familiares descreveram sua conduta estranha. Desde a infância ele era isolado, irritável, com tendência a furtos e a por fogo. Ele foi repetidamente examinado por psiquiatras que o diagnosticaram como um “psicopata degenerado”. Pela primeira vez, com a idade de 15 anos, desenvolveu um estado depressivo com tentativa de suicídio. No futuro, tal condição apareceu repetidamente e eram acompanhadas por alucinações visuais e auditivas singulares. Esse fenômeno foi subseqüentemente ligado a fantasias obsessivas nas quais ele imaginava como ele “com o exército conduzia as revoluções do Estado”. Por causa desses sinais mórbidos ele foi examinado em várias ocasiões  no dispensário Neuropsiquiátrico.

Após sua graduação escolar, ele tentou estudar em diferentes Institutos superiores, porém, devido à dificuldade em progredir, ele desligou-se.

Por volta de 1942, ele se tornou desconfiado, suspeitava de tudo, acreditava que estava sendo vigiado por pessoas que tentavam criar uma “situação provocativa”. Em 1945 começou a dizer-se membro de uma organização supostamente anti-Soviética que era financiada do exterior por certos países, com objetivo de realizar uma revolução. Como conseqüência de estar sendo processado em 1945, ele foi submetido a um comitê de especialistas psiquiátrico-forense. Durante o período de exames foram registradas: alucinações auditivas, idéias mórbidas de superestimação da sua personalidade. Ele proclamava que sua tarefa era de reconstruir o mundo e dirigir o país, formado dentro de um sistema totalitário. Apresentava idéias de referência, de influência física, ele dizia que sentia a ação de “hipnose”. Ele foi considerado com tendo uma grave personalidade psicopática (um processo esquizofrênico não podia ser excluído). Após tratamento num hospital mental, seu estado melhorou e, em 1948 obteve alta. Depois disso ele casou-se e se graduou na faculdade de História da Universidade de Leningrado. Durante períodos ele trabalhou como bibliotecário, professor de História, mas na maior parte do tempo ele ficava inativo, recluso, era mantido por seus familiares. Em 1963, durante sua estada no hospital mental de Leningrado, onde ele foi visto por uma comissão de especialistas em trabalho, ele se mostrou inibido, dormia mal e tinha alucinações auditivas. Ele recebeu o grau três do grupo de invalidez. Naquele período de tempo ele estava “elaborando um programa de atividades anti-Soviéticas, para uma organização sob o nome" “NTS” ressaltando que a ideologia dessa organização era o anarco-sindicalismo.

Ele considerava ter uma personalidade privilegiada, “gênio”.

      Em 1964 ele foi submetido ao segundo exame psiquiátrico-forense no Instituto Serbsky. Durante seu exame, apresentou alucinações auditivas, idéias delirantes de perseguição e experiências mórbidas hipocondríacas (recusava-se a comer por longos períodos, acreditando que a comida influenciava o cérebro, explosões emotivas e depois apatia). Yevdokimov foi considerado como portador de personalidade psicopática grave não responsável. O tratamento foi continuado no hospital mental de Leningrado de forma especial. Lá ele demonstrava idéias de referência e perseguição, tinha mudado emocionalmente. Posteriormente, no período de 1966-71 ele estabeleceu ligações com a organização “NTS”, “por vontade própria”. Ele passou a enviar documentos para o exterior e por isso levado a julgamento.

Durante seu período de exame no Instituto Serbsky em 1972, Yevdokimov se mostrava mudado emocionalmente, parecia flácido, passivo. Com voz monótona ele dizia que suas idéias foram interrompidas e em diferentes direções, ao mesmo tempo ele ria inapropriadamente. Ele falou na conduta das pessoas que era influenciada por “demônios”. Ele alegava que tais “inovações” pertenciam a ele e que pela sua significância poderia ser comparada a invenção da energia atômica. Nas enfermarias do Instituto Serbsky  ele escreveu artigos, “elaborou os diversos tipos de demônios”, que ele dividia em “cósmico, estético, filosofantes, psicologisantes, assustadores, banais, etc. Ele dizia que os demônios, influenciavam e ensinavam a gostar de “odores indecentes”, e despertavam nele um humor depressivo. Ele calmamente dizia que o conteúdo de seus artigos que eram enviados ao exterior eram totalmente submetidos as ordens de estrangeiros, que solicitavam que escrevesse mais agudamente possível, porque assim pagariam mais pelo artigo.

      Yevdokimov foi considerado como tendo uma esquizofrenia, não responsável, requerendo tratamento compulsório num hospital mental.

 

N 10. Igrunov, Viacheslau Vladimirocitch, nascido em 1948.

 

      Ele cresceu como uma criança doente e teve muitas hospitalizações em conseqüência de diferentes doenças somáticas. Teve uma concussão cerebral sem perda da consciência. Na escola se saiu bem, mas era   estudante desorganizado. Quando terminou o secundário, apresentou mudanças no caráter, tornou-se explosivo e rude. Sem consentimento dos pais, aos 19 anos, apareceu com uma mulher em sua casa e disse ser sua esposa. Na mesma época surgiram novos interesses, começou a desenhar pinturas “não compreensivas”, começou a estudar filosofia. Em 1969 entrou para a Universidade de Odessa. Não demonstrou interesse nos estudos, raramente atendia aulas, as considerava desnecessárias porque se considerava um erudito. Ele era retraído, não se comunicava, dava uma idéia de ser uma pessoa distraída. Em 1973 foi excluído da universidade por não preencher seu currículo. A despeito dos esforços dos seus pais, recusava estudar ou trabalhar. Ele parou de falar com seu pai. Ao mesmo tempo, se engajou num trabalho ativo na distribuição de artigos de conteúdo anti-Soviético, pelo qual foi levado a julgamento em março de 1975.

      Durante o inquérito processual ele agia de modo estranho, recusava testemunhar, ficava retraído. Foi submetido ao exame psiquiátrico-forense no Hospital Mental Regional de Odessa. Nessa época ele agia com sentimento de superioridade, apresentava maneirismos, caretas, agia de forma inesperada, ações estereotipadas e súbitas (corria para uma porta, colocava sua mão nela, retornava ao seu local original e isso era repetido inúmeras vezes), durante longos períodos se contorcia no leito, caminhava estritamente dentro dos quadrados do refeitório. Algumas vezes sorria, noutras falava consigo mesmo. Apresentava transtorno do pensamento

(racionalização, inconsistência, simbolização patológica, pensamento paralógico). Quando foi examinado em Moscou, Igrunov recusava o exame, era desconfiado, alerta, não confiava nos médicos. Era difícil entrar em contato com ele, recusava ser entrevistado pelos médicos.

    Sua fala era distorcida, com expressões bizarras, inconsistentes. Ele estava sempre fazendo caretas, maneirismos, estacava em posições não naturais. Era negativista e inconsistente em suas ações. Por exemplo, ele recusou ser examinado por um oftalmologista, mas prontamente compareceu ao exame com um internista, Algumas vezes, em presença de outras pessoas, masturbava-se e ria. Mantinha-se isolado dos outros pacientes, algumas vezes sorria sem razão aparente, falava para si mesmo.

O comitê de especialistas chegou à conclusão que Igrunov sofria de esquizofrenia e foi considerado não responsável. Tratamento num hospital mental foi recomendado.

Considerações Finais da All Union Society of Neurologists and Psychiatrists.

      Nós apresentamos aqui resumos curtos dos casos freqüentemente  apresentados na imprensa ocidental. Como podem ser visto, os relatos de caso contem informações indicando anormalidades mentais nos acima mencionados indivíduos antes de irem a julgamento e durante o período do inquérito judicial, bem como nos indivíduos cujas doenças ocorreram quando estavam presos. Eles foram considerados não responsáveis, de acordo com a lei e por isso não foram condenados, enquanto o último, por causa de transtorno mental, foi liberado de um maior período de prisão.

Sob o ponto de vista clínico, os casos são bem diferentes. Excluindo o caso de depressão reativa (possivelmente precipitando uma depressão involutiva), os demais podem ser descritos como portadores de delírios de grandeza dentro de quadros tipo psicopático, paranóide ou síndromes alucinatórias paranóides. Nosologicamente alguns dos casos podem ser considerados como desenvolvimento paranóico (fora do tipo paranóide) dentro dos quadros de psicopatia ou esquizofrenia. Entretanto, do ponto de vista científico a determinação da natureza da doença nesses pacientes pode ser baseada em diferentes pontos de vista. No entanto, em nenhum dos casos há campo par falar em reações normais, ou mesmo em sociopatia. Por exemplo, o transtorno de tipo psicopático em Fainberg e Gorbanevskaya surgiu após ataque esquizofrênico, o que determina dano significativo na personalidade, um defeito no pensamento e na esfera emocional. Um desenvolvimento lento, próximo à paranóia, pode ser demonstrado em Bucoviskyi e Plushch, embora nesses casos tenha ocorrido uma mudança definitiva na adolescência. Um desenvolvimento progressivo da doença pode ser visto nos casos de Teralia, de Mirkushev e de Yevdokimov, onde uma síndrome delirante com idéias de perseguição e influência somática foi desenvolvida posteriormente. Durante a investigação por especialistas o tipo de idéias dominantes (seja delirantes ou não delirantes -super valorizadas) foi levada em consideração. Entretanto, esse não foi o único critério pelo quais esses indivíduos foram considerados não responsáveis ou responsáveis.

De acordo com a legislação Soviética, a responsabilidade criminal pelo ato de infringir a lei só pode ser aplicada em pessoas que não tenham transtorno mental.  Nos casos acima mencionados é evidente que são pessoas doentes mentais (independentemente de do fato que tenham total ou parcial dissociação psíquica), e que deveriam receber correção médico-legal e não a vitimização pelo julgamento. A questão de reconhecer doença mental, e a opinião do especialista nesses casos não é fácil, e pode ser resolvida de diferentemente em outros tempos, como pode ser visto no caso de Bukoviskiy. Isso reflete o atual nível de desenvolvimento da psiquiatria clínica. Entretanto, fica bem claro que as acusações  na imprensa ocidental de uma prática especial da psiquiatria soviética a respeito dos dissidentes é uma total deturpação e falsificação da teoria, da prática e da tradição humanística da psiquiatria Russa.

 

Assina G.N.Morozov

(Presidente da All-Union society of Neurologists a Psiquiatrist)

 

Outras observações sobre esses pacientes

 

- Natalya Gorbanevskaya. China Rose.

Natalya Gorbanevskaya é uma legenda viva da poesia Russa, seus poemas circularam clandestinamente nos anos 60s, sob a forma de Samizdat. Depois de participar da manifestação na Praça Vermelha contra a invasão soviética da Thecoeslováquia em 1968,ela foi presa e forçada a abandonar a URSS e  se estabelecer em Paris. Lá ela teve papel importante em diversas publicações dos emigrados, entre elas Kontinent e Russkaya Mysl. Recentemente ela recebeu cidadania polonesa  como um símbolo da gratidão pela sua contribuição à cultura polonesa, consistindo entre outros aspectos a tradução de clássicos da literatura polonesa, tais como Norwid, Milosz e outros.
Para registrar os 70 anos de Gorbanevskaya, uma coleção de seus novos poemas, com o título de China Rose, foi  publicada na série “Poetas da Diáspora Russa”.

A primeira vista, esses poemas podem ser ascéticos e tradicionais, mas um exame profundo revela uma rara elegância e uma atitude destemida sobre assuntos contemporâneos. O livro é complementado com vários poemas escritos em oitavas e foi essa a primeira vez que o trabalho de Gorbanevskaya sob essa forma foi coletado num volume. No prefácio, Danila Davydov, uma líder da geração de poetas novos, registra as inovações da autora.

Mais sobre  Gorbanevskaya (http://www.arlindo-correia.com/060804.html)

 

Vladimir Bukovisky (http://psi.ece.jhu.edu/~kaplan/IRUSS/BUK/GBARC/buk.html)

É candidato a Presidência da Federação Russa e tem um site particular (http://bukovsky2008.org/)

 

Victor Fainberg

 

“Your opinions are your symptoms. Your disease is dissent. Your kind of schizophrenia does not presuppose changes of personality noticeable to others. – Doctor”.

In 1976, Stoppard conheceu o dissidente Soviético Victor Fainberg, um do grupo de pessoas presas, durante um processo pacífico realizado em 1968, protestando contra a invasão da Tchecoslováquia. Declarado insano, Fainberg passou cinco anos no sistema prisão-hospital da Russia e, mais tarde, escreveu sobre suas experiências na Revista  "Index on Censorship." No exílio trabalhou para a libertação de outro dissidente, Vladimir Bukovisky. Stoppard escreveu sobre  Bukovsky: "Ele não é um homem para ser dobrado ou silenciado, é uma nota dissonante, assim podemos dizer, numa sociedade orquestrada”. Stoppard encontrou então o tema para sua colaboração com Previn.

Graças a uma campanha internacional, Bukovsky foi libertado e mandado para o Ocidente em 1976. Ele pode assistir um ensaio de  Every Good Boy Deserves Favour ,em junho do ano seguinte. A peça foi dedicada a ele e a  Victor Fainberg.

Em junhode 1977 Foucault e Sartre participaram em Paris, de uma comissão de recepção a Bukovisky e outros dissidentes. Era uma forma de contrapor a recepção que o presidente Giscard dÉstaing prestava ao líder soviético Leonid Breznev

Muitos países apresentam falhas e inadequações nos seus serviços de saúde mental, mas o uso deliberado desses serviços para lidar com opositores politicos é incomum e parece ser restrito a países que possuem governos com poderes absolutos sobre seus cidadãos.

O país onde esses abusos foram documentados foi a União Soviética.

Alguns autores tentam extrapolar conclusões a partir dessa experiência Soviética, utilizando-a como base para justificar afirmações que a psiquiatria ocidental operaria como uma forma de controle social. Espero que esse documento mostre que o abuso psiquiátrico ocorrido União Soviética foi uma resposta específica a uma situação particular. As comparações são intoleráveis. É uma forma conveniente de deturpar a história e de alguma forma diminuir a responsabilidade dos envolvidos no abuso. (Sobre esse tema há interessante artigo de uma enfermeira psiquiátrica:

Spencer I. J Psychiatr Ment Health Nurs. 2000 Aug;7 (4):355-61.
Lessons from history: the politics of psychiatry in the USSR.)
 

Semen Gluzman compara o abuso da psiquiatria para punição de dissidentes políticos, como tortura e que os responsáveis por esses atos devem ser considerados criminosos. (J Med Ethics. 1991 Dec;17(Suppl):19-20.Abuse of psychiatry: analysis of the guilt of medical personnel.

 

Há uma grande preocupação e crescente literatura sobre abusos psiquiátricos na China.  Os revoltosos da Praça Vermelha tiveram uma réplica na Praça Tianmen.

On 24-29 August 2002 the Twelfth World Congress of the World Psychiatric Association (WPA) took place in Yokohama, Japan. The congress turned out to be much smaller than previous ones, with only 5000 people attending. However, after the congresses of Mexico (1971), Honolulu (1977), Vienna (1983) and Athens (1989), this was the fifth congress that was dominated by the issue of political abuse of psychiatry. This time it was not the former Soviet Union that was the focus of attention, but the People's Republic of China, where abuses are said to take place in an even more widespread form than in the Soviet Union in the 1970s and 1980s. (Robert van Voren, the General Secretary of Geneva Initiative on Psychiatry (GIP).

Esse assunto ficará para outra ocasião.

 

 

 

Adendo

DECLARAÇÃO DO HAWAI

SOBRE GUIAS ÉTICOS PARA OS PSIQUIATRAS

(Adotada pela Assembléia Geral da Associação Médica Mundial no Hawai, outubro de 1977 e  revisada pelo VII Congresso realizado em Viena, julho de 1983)

 

1. O objetivo da psiquiatria é tratar as enfermidades mentais e promover a saúde mental. O psiquiatra estará a serviço dos interesses do paciente , no melhor sentido, e se preocupará pelo bem comum e também pela justa distribuição dos recursos sanitários, de acordo com sua capacidade e com os conhecimentos científicos e princípios éticos aceitos. Para alcançar estas metas se requer uma investigação contínua e uma educação permanente do pessoal sanitário, dos pacientes e do público em geral.

2. Cada psiquiatra oferecerá ao enfermo o melhor tratamento disponível que conheça, e a ser Aceito, deve tratá-lo com atenção e respeito devido a dignidade de todos os seres humanos. Quando o psiquiatra for responsável por um tratamento que vai ser administrado por outros, a estes proporcionará ensino e supervisão adequados. Quando seja necessário ou quando o enfermo expresse um pedido razoável, o psiquiatra deverá pedir ajuda de outro colega. 

3. O psiquiatra aspira estabelecer uma relação terapêutica baseada em acordo mútuo. Em seu nível ótimo requer confiança, confidencialidade, cooperação e respeito recíproco. Esta relação pode não ser possível com alguns pacientes , em cujo caso deve estabelecer-se contato com familiares ou pessoas indicadas. Se estabelecer uma relação com a finalidade distinta da terapêutica, como acontece por exemplo em psiquiatria forense, sua natureza deve ser cabalmente clara com as pessoas envolvidas. 

4. O psiquiatra deve informar ao paciente da natureza de sua doença, do diagnóstico proposto e dos procedimentos terapêuticos disponíveis, incluindo possíveis alternativas., e do prognóstico previsível. Esta informação deve ser oferecida com consideração e ao paciente deve-se dar a oportunidade de escolher entre os métodos adequados que estão disponíveis.

5. Não se deve realizar nenhum procedimento nem administrar-se nenhum tratamento contra ou a margem da vontade do paciente, a menos que devido a sua doença mental este não possa formar um juízo sobre o que é melhor aos seus interesses pessoais, ou quando sem esse tratamento possa dar lugar a prejuízos importantes para o paciente ou para ouras pessoas.

6. No momento em que as condições para levar a cabo um tratamento involuntário deixe de existir, o psiquiatra suspenderá a obrigatoriedade do tratamento e se for necessário continuar com ele deverá ter um consentimento informado. O psiquiatra deve informar ao paciente e/ou aos familiares ou responsáveis da existência dos recursos para apelação dos casos de internação involuntária e para qualquer outra demanda relacionada com seu bem-estar.

7. O psiquiatra nunca deve usar seus recursos profissionais para violar a dignidade ou os direitos humanos de nenhum indivíduo ou grupo, e nunca deve deixar que sentimentos, prejuízos, crenças ou desejos profissionais inadequados interfiram no tratamento. O psiquiatra não deve, em nenhuma hipótese, utilizar os meios de sua profissão quando não tenha deixado de existir a enfermidade psiquiátrica. Se um enfermo ou terceiros solicitem do psiquiatra ações contrárias ao conhecimento científico ou princípios éticos, este recusará sua participação.

8. Tudo que o paciente diga ao psiquiatra ou o que ele tenha observado durante o exame ou tratamento, deve considerar-se confidencial, a menos que o paciente libere o psiquiatra do segredo profissional, ou quando for necessário comunicar para prevenir um dano sério ao próprio paciente ou a outros. Sem dúvida, nestes casos, o paciente deve ser informado que se transgrediu a confidencialidade. 

9. O enriquecimento e a difusão dos conhecimentos psiquiátricos e de suas técnicas, requer a participação dos pacientes. Entretanto, é necessário obter-se um consentimento informado antes de apresentar o paciente numa sala de aula e também, se possível, quando sua história clínica for objeto de uma publicação científica. Nestes casos devem se tomar todas as medidas razoáveis para preservar a dignidade e o anonimato do indivíduo e para salvaguardar sua reputação pessoal. A participação de um enfermo num projeto de pesquisa deve ser voluntária, depois de haver recebido uma informação completa sobre os objetivos, procedimentos, riscos e inconvenientes do mesmo, e tem de existir sempre uma relação razoável entre os riscos calculados e as doenças e o benefício do estudo. Na investigação clínica, cada caso deve conservar e exercer todos os seus direitos como paciente. Quando se tratar de crianças ou de outros pacientes que não possam proporcionar eles mesmos um consentimento informado, este deve ser obtido do responsável legal. Cada paciente em casos de pesquisa é livre para abandonar o projeto em que está participando por qualquer razão e em qualquer momento. Esta retirada, assim como qualquer negativa para participar de um programa, nunca deve influir nos esforços do psiquiatra para ajudar o em caso de investigação.

10. O psiquiatra deve suspender qualquer programa de tratamento, de ensino ou de investigação que, ao longo do seu desenvolvimento, estiver em desacordo com os princípios desta Declaração.


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