Volume 12 - 2007 Editor: Giovanni Torello |
Maio de 2007 - Vol.12 - Nº 5 Coluna da Lista Brasileira de Psiquiatria |
Assuntos: |
Segundo um interessante trabalho
apresentado no Encontro Anual da Academia Americana de Neurologia, em Boston, o
sono protege as memórias de interferências externas e
ainda ajuda a fortalece-las. O
estudo focalizou a recordação com ou sem interferência (competição de informação).
48 indivíduos com idades entre 18 e 30 anos, saudáveis, sem distúrbios do sono
e livre de medicamentos, foram divididos em 4 grupos: um grupo desperto sem
interferência, um grupo desperto com interferência, um grupo de sono sem
interferência e um grupo de sono com interferência. A cada grupo eram dados 20
pares de palavras para memorizarem na sessão inicial de treinamento.
Os grupos despertos memorizavam os pares de palavras às 9 horas da manhã e eram testados 3 horas depois. Os grupos de sono memorizavam às 9 horas da manhã e eram testados às 9 horas da noite após 12 horas de sono. Os grupos de interferência recebiam, antes dos testes, uma segunda lista de palavras para serem memorizadas. A primeira palavra de cada par era a mesma em cada lista, porém a segunda era diferente, testando a capacidade do cérebro em lidar com informações competidoras, fenômeno conhecido como “interferência”.
O estudo mostrou que pessoas que dormiam
após memorizar a informação tinham melhores desempenhos de memorização, cerca
de 12 % a mais que os grupos despertos. Com a interferência, a capacidade de
memorização foi 44% maior para os grupos que dormiram. Isto mostrou que o sono
protege as memórias de interferências, e ainda as fortalece. Para o autor do
trabalho, Jeffrey Ellenbogen (Harvard Medical School), talvez os distúrbios do
sono contribuam para piorar significativamente os problemas de memória nas
demências.
(Fernando Portela Câmara)
2. DROGAS CAUSAM DEPENDÊNCIA AO “REMODELAR” O
CÉREBRO –
A síndrome de abstinência que acomete um dependente de heroína ao tentar
abandonar o vício parece resultar de mudanças neurobiológicas induzidas pela
própria droga. É o que Julie Kauer (Universidade Brown, Rhode Island, EUA) e
colaboradores publicaram recentemente na Nature. Eles demonstraram que até
mesmo uma pequena dose de morfina (um opiáceo) pode alterar duradouramente os circuitos
neurais que regulam a sensação de necessidade situados na região ventro-tegmental.
De fato, a mudança persistiu mesmo após se esgotar o efeito da droga. Isto
apóia a teoria da dependência como o efeito de uma "remodelagem" de
circuitos cerebrais relacionados ao aprendizado e à memória.
Para Kauer, "a
dependência é uma aprendizagem patológica (...) o circuito trabalha como
deveria, mas é remodelado de forma inadequada". Isto se dá nas sinapses. As
sinapses excitadoras aumentam o fluxo de um neurotransmissor como, p. ex., a
dopamina (associada à sensação de euforia), e as inibidoras regulam este fluxo.
As sinapses excitadoras participam da formação de memória, e se fortalecem com
o aumento de suas atividades. A liberação de pequenas quantidades de dopamina estimula
a aprendizagem e aguça os instintos básicos de sobrevivência. O abuso de certas
drogas, como a heroína e a cocaína, promove um feito semelhante, conhecido como
“fissura” entre os dependentes, como explicou Kauer: "Se você já sentiu
muita, mas muita sede, esta mesma ânsia pode ser aquela que se passa no cérebro
de alguém dependente de uma droga".
O trabalho, que foi
realizado em animais de experimentação, mostrou que as sinapses inibidoras
também são capazes de "potencialização a longo prazo", e também que a
morfina, um opiáceo, continuou a bloquear esta potencialização muito tempo após
a droga ser eliminado do organismo da cobaia. Isto poderia explicar porque a
ânsia por drogas é tão difícil de vencer. Os resultados também apontam para a
possibilidade de se formular um tratamento farmacológico que atua diretamente
sobre o mecanismo desta ânsia, fazendo o dependente resistir à recaída.
(Fernando Portela Câmara)
EXPLICANDO
Significado e origem da palavra “Resisliência”.
Defini;cão 1: Retorno à posição original.
Uso: o adjetivo resiliente e o substantivo resiliência são hoje muito usados. Em inglês, temos o verbo resile: rubber bands are resilient because they resile after being stretched; humans tend to resile from disruptive tragedies.
Etimologia: Do latim resilire "saltar para trás", de re- "para trás” + salire "saltar."
(Contribuição de Paulo José R. Soares)
OPINIÕES NA LBP
1. Talvez a Terra
esteja ficando novamente pequena demais para o gênero Homo. Hoje os
cientistas além de realmente planejar enviar gente a Marte, têm posto
gente em órbita de novo*. A violência, agressão, vulnerabilidade e destruição
ao contrário de desaparecer aos poucos com a evolução da civilização, acabam
manifestando- se de modo cada vez mais incisivo e gratuito e progressivamente
fora de um contexto social que justifique, como as guerras. Assim, o controle
do bio é feito a serviço de um impulso psico, de curiosidade
e empatia contagiantes, social.
O cérebro
corticalizado dos vertebrados versus o conjunto de gânglios de um polvo dá
idéia de quanto a capacidade associativa dos grandes cérebros redunda em achar
soluções paralelas aos problemas ao invés de só selecionar as mais simples.
Polvos têm tentáculos que são relativamente autônomos, processam imagem visual
a partir de olhos 3D com cristalino e tudo, resolvem problemas de captura
satisfatoriamente complexos. O ser humano são se satisfaz com a resposta
simples, a solução imediata que permite passar adiante na atenção e servir a
outras necessidades. Tudo admite variações e a realidade se mostra mais um
campo de possibilidades que de necessidades. Assim viver inclui um pensar -- e
um sofrer -- que podem ser mais ou menos distantes , mas sempre tendem a ser
palalelos múltiplos à interação com o mundo. O gênero Homo conquistou
várias vezes o mundo, de animais terríveis e climas traiçoeiros. O mundo
era grande o bastante pra suportar as diversidades culturais que o arcabouço
neural era capaz de sintetizar e organizar. A capacidade de autoconsciência e
de metacognição (apercepção do próprio pensamento) permitiu ao homem construir
um sistema nervoso que incorpore -- mais que selecione -- alternativas.
Quando a coleção ao invés de seleção de alternativas confunde ou faseia a noção
de realidade, de mundo interno e mundo externo, isto é, a ruptura da ponte
filosófica de duas mãos que une a capacidade de identificação e a capacidade de
desidentificação, parece que estamos na origem do adoecimento mental, ou como
entendo: no pathos humano.
O cérebro não pode
encolher, nem a Terra crescer. Alguém vai ter que ceder. Em nome dos
sonhos da Razão, menos homens, menos agrupamentos* *, gera maior relação área
terrestre/quilo de cérebro.
Pouco planeta pra
tantos cérebros, e uma cultura virtualmente inesgotável (e em andamento) por
trás, gera uma situação de profunda angústia existencial na humanidade: o
mundo real acaba dando menos esperanças que o mundo imaginado. A
capacidade encefálica de integrar diferentes vivências e projetar-se rumo
ao desconhecido (no tempo e no espaço) que tem o homem só parece ser
compatível com uma vida social saudável (pouco violenta) se esses homens forem
seres de uma profunda religiosidade, de uma autêntica aceitação da Natureza,
incluindo a própria natureza humana. Talvez por centenas de milhões de anos o
grande respeito à morte, mostrado pelos rituais funerais por toda a
Pré-História, fosse um grande pára-raios psicopatológico. A população de
hominídeos cujo mundo externo se impunha ao mundo interno psíquico estaria
protegida de distúrbios mentais até que fosse possível reconstruir as
necessidades naturais através dos devaneios da imaginação e do desejo. Quando a
conquista do mundo externo finalmente se fez, o mundo interno não coube mais
nele.
* aí os metais: as
armas, o dinheiro, como sendo a invenção mais própria do Homo sapiens e
que permitiu finalmente a concretização (hipóstase) de qualquer
possibilidade pensada, viável com verificação, apoio, social.
** no sentido de
espaço geográfico e recursos que ocupam.
Marcos Klar D.
Costa
2. Tenho ouvido queixas constantes dos colegas que
atendem no serviço público e trabalham com a população carente aqui da Baixada
Fluminense. Os pacientes não procuram mais o psiquiatra para buscar o
tratamento e a cura de seus males psíquicos. O que eles querem do médico é só o
"papel". É assim que eles chamam a Declaração Médica que vão
apresentar ao INSS (se têm algum vínculo empregatício ou pagam autonomia) ou
vão tentar uma interdição judicial para obter o benefício não contributivo
(quando não podem nem pagar uma autonomia).
Isto
está levando os colegas a uma desmotivação maciça e o ambulatório a ser
encarado como um fardo nada gratificante.
O
fato não está se restringindo à Psiquiatria. Um oncologista meu conhecido aqui
do Rio reclamou da mesma coisa. Os pacientes oncológicos dele não estão mais
preocupados em se curar, pois assim voltariam ao trabalho. Acham mais
importante se aposentar e se aborrecem com ele quando os considera curados.
Dentro
deste contexto cruel, acenar com uma reabilitação, nem pensar. É mostrar a cruz
para o capeta.
Paulo
José R. Soares
3. Aqui em Maceió, num
Estado onde a maioria da população vive uma realidade de grave estagnação
econômica, eu trabalho com motoristas de onibus com T de Estresse
Pós-Traumático que chegaram a ser assaltados a mão armada 3 vezes em uma
semana. Como posso achar que essa pessoa vai querer se recuperar e voltar ao
trabalho para ser morta da próxima vez? Não existe segurança no trabalho. Não
existem outros empregos disponíveis. Nem existe uma ajuda profissional para
readaptação ao trabalho, mudança de função ou para aprender outra profissão
(esqueci como se chamam essas coisas na linguagem técnica, mas o sistema parece
que nunca sequer soube que existem).
Pior ainda é quando essas pessoas têm benefícios recusados pelo INSS e ficam
vivendo da caridade dos vizinhos e te procurando no ambulatório esperando de vc
algum alento. Isso também é freqüente. E tenho muitos outros pacientes
cuja queixa de origem é provavelmente somática (cefaléias provocadas por
mastoidites ou sinusites crônicas) que não conseguem tratamento e muito menos
atestado correspondente para o INSS e ficam como "neuróticos" (sem
benefício, sem trabalho, sem saúde).
Acho que a principal função do médico do paciente é funcionar como aliado do
paciente. Não estou como perita e nem juíza. Minha conduta tem sido funcionar
como uma aliada dando, junto com o remédio e a terapia, o melhor
"atestado" eticamente possível (não é difícil, pq eles logo passam a
sofrer de outros sintomas e desenvolvem problemas somáticos). Procuro oferecer
um cuidado e um olhar de pessoa que possa ajudar a combater a
"desmoralização" do paciente e espero ajuda sei lá de onde (às vezes
santo de brasileiro é forte!). Ainda não cheguei a esse ponto (e rezo para
nunca chegar!), mas vejo colegas que se desesperam e humilham o paciente,
chamam-no de mentiroso, sentem-se usados. Acho que isso é uma falta um olhar
mais amplo para as coisas, é querer tapar o sol com a peneira e puxar a corda
para que estoure no lado mais fraco.
E apesar de todo o fardo tenho ficado muito contente: muitos pacientes
melhoram.
Milma Miranda
4. Atividade física associa-se a
mudanças metabólicas, que por sua vez podem gerar satisfação a curto e longo
prazo, com modificações catabólicas e anabólicas. Oferecem risco por condições
de exposições sucessivas a uma desregulação temporária da homeostase. Os
sistemas ósteo-esquelético e circulatório parecem mais susceptíveis de lesão a
longo prazo. Há medicamentos que minimizam a lesão; há drogas que podem
facilitar a recuperação, implementar a resposta anabólica imediata ou
mesmo aumentar a resposta catabólica posterior. Fármacos que tem sua toxicidade
conhecida assim como as indicações razoáveis.
Tóxicos são agentes que alteram o
metabolismo mas como são químicos, não agentes físicos, então a agressão não se
situa mais circunscrita aos sistemas acima, mas a toda célula em que há
interação farmacodinâmica. Naturalmente, não são situações que se assemelham às
exposições do esportista, mas correspondem- lhes na medida em que há toxicidade
, logo morbidade, diferentes conforme a quantidade, freqüência e contexto de
ingesta.
Psiquiatriacamente podemos encarar os
hábitos, socialmente aprendidos e individualmente recriados, conforme quanto
tempo vivido do paciente é ocupado com a atuação em questão: jogar bola, fumar
(tabaco ou não), masturbar-se, etc. O médico deve conceituar claramente os
limites compreensíveis ao paciente que apontem o hábito mais como uma
necessidade que uma possibilidade, assim mais que ser uma resposta viável, torna-se
uma solicitação inelutável. O empobrecimento cognitivo e uma afetividade
monótona estão presentes no hábito, um comportamento repetitivo e sem
desenvolvimento, podem ser retratos de um sintoma mental. Uma doença pode ser
diagnosticada se houver a incapacidade de o paciente escolher quando,
como e se manterá o hábito em freqüência distinta, em geral menor.
Obviamente os abusos com tóxicos são
mais freqüentes que os exageros nas práticas esportivas. Também que somos
psiquiatras não ortopedistas. Mas quem sabe a tendência a extrapolar a
normalidade nos treinos e suplementos, fazendo alguns atletas usarem hormônios
ou psicoativos com fins de promovê-los nesta estética distorcida dêem indícios
de quadros psiquiátricos presentes ou iminentes e mereçam nossa atenção também?
Malhar dá barato. Atividades aeróbicas
regulam sono e alimentação. Além da suave dor após uns pesos erguidos, o
SNC sofre alterações nos neurotransmissores, principalmente
produzindo endorfinas, que por sua vez modulam circuitos de dopamina
e neurotensina, velhos conhecidos que tem sua transmissão alterada nos quadros
de adição crônica.
Comer vicia também, o assunto de
prolonga. A Bariatria trata uma forma de toxicofilia, a dependência de
calorias. Mas o psiquiatra deve se deter enquanto supervisor e moderador da
equação sujeito-hábito- mundo, para que ela não deixe de ser uma possibilidade
substituível, sem tornar-se uma condição para se fazer qualquer coisa,
confundindo a contingência do seu ato com a realidade do sujeito. Um senhor que
acaba servindo a seu escravo. Como a Humanidade fez com o dinheiro.
Marcois Klar D. Costa
LINK ÚTIL AOS PSIQUIATRAS
está disponível no
site da abp as DIRETRIZES PARA UM MODELO INTEGRAL
http://www.abpbrasi
l.org.br/ diretrizes_ final.pdf
HOMENAGEM
"Filosofar é como tentar descobrir o segredo de
um cofre: cada pequeno ajuste no mecanismo parece levar a nada. Apenas quando
tudo entra no lugar a porta se abre."
(Ludwig Joseph Johann Wittgenstein)
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