Volume 12 - 2007
Editor: Giovanni Torello

 

Março de 2007 - Vol.12 - Nº 3

Coluna da Lista Brasileira de Psiquiatria

Fernando Portela Câmara

Esta coluna resume os principais fatos e novidades veiculadas na Lista Brasileira de Psiquiatria.

Assuntos:

GENE QUE OTIMIZA FUNÇÕES EXECUTIVAS PODE ESTAR IMPLICADO NA ESQUIZOFRENIA - Fernando Portela Câmara

Pesquisadores do Instituto Nacional para Saúde Mental dos EUA (Bethesda, Maryland), em artigo publicado no Journal of Clinical Investigation, sugerem que a esquizofrenia, uma doença que afeta cerca de 60 milhões de pessoas no mundo, pode ser um risco no curso do desenvolvimento da capacidade de processar e permutar informações. Esta capacidade está associada a um gene que otimiza o desenvolvimento dos circuitos pré-frontais  implicados nas funções executivas, que vão da inteligência a atenção. Em outras palavras, a inteligência e a esquizofrenia podem estar associadas a um gene que aumenta a habilidade do cérebro de pensar.

“Descobrimos que DARPP-32 forma e controla um circuito entre o striatum e o córtex pré-frontal, participando de funções chaves implicadas na esquizofrenia tais como motivação, memória de trabalho e aprendizagem associada a recompensa”, declarou Andreas Meyer-Lindenberg, do programa NIMH Genes, Cognition and Psychosis.

Os resultados desta pesquisa levanta a questão de se uma variante genética favorecida pela evolução, portanto, que normalmente confere uma vantagem, pode resultar numa desvantagem, como a esquizofrenia, se o córtex pré-frontal estiver danificado pelo mau funcionamento de outros genes ou por fatores ambientais. “Normalmente, a conectividade aumentada com o striatum proporciona uma maior flexibilidade, memória de trabalho, e controle executivo”, disse um dos pesquisadores, Daniel Weinberger, “porém, se outros genes e o ambiente conspiram para incapacitar o córtex de lidar com tais informações, ele não vai a lugar nenhum, como se entrasse num beco sem saída.”

Estudos prévios com animais demonstraram que o gene DARPP-32 no striatum aciona fluxos de informação provenientes de múltiplos sistemas químicos processados pelo córtex. O neurotransmissor dopamina e o locus cromossômico deste gene tem sido implicados na esquizofrenia há duas décadas.

Para entender o papel do gene DARPP-32 no cérebro humano, os pesquisadores do NIMH usaram genética, ressonância nuclear magnética estrutural e funcional, e técnicas post-mortem para identificar as variantes do gene humano e suas conseqüências funcionais. 75% das pessoas têm a versão mais comum do gene, que impulsiona circuitos de ativação, conectividade estrutural e funcional e performance nas tarefas cognitivas (provavelmente pelo aumento da expressão gênica). Em 257 famílias afetadas pela esquizofrenia, era mais comumente encontrada esta versão do gene DARPP-32.

Ref.: Meyer-Lindenberg A, Straub R, Lipska B, Verchinski, B Goldberg T, Callicott J, Egan M, Huffaker S, Mattay V, Kolachana B, Kleinman J, Weinberger D. Genetic evidence implicating DARPP-32 in human fronto-striatal structure, function and cognition. J. Clin. Investigation, 2/8/2007.

SOBRE A INTERNAÇÃO DE PACIENTES PSIQUIÁTRICOS – PONTOS A CONSIDERAR – Cláudio Lyra Bastos

Quanto às funções da internação, à parte as necessidades sociais e de proteção ao paciente, temos alguns pontos interessantes, no que se refere ao espaço:
a) Há uma função terapêutica intrínseca no espaço institucional: redefinir e reorganizar todos os outros espaços, estabelecendo limites e referências.
b) A transferência institucional se dá no espaço, e não no tempo, numa projeção simultânea sobre múltiplas pessoas e objetos (em vez sucessivas idéias, representações e sentimentos).
c) O enquadramento no espaço asilar pode acabar sendo a única moldura que muitos pacientes encontram para definir os limites de suas personalidades desestruturadas.

As linhas gerais dos critérios de internação todo mundo já conhece, mas podemos levantar alguns problemas que complicam o estabelecimento desses critérios.
i) A falta de um bom exame psíquico se torna a maior causa de erro diagnóstico nos encaminhamentos.
ii) O diagnóstico psiquiátrico errôneo ou impreciso impossibilita traçar estratégias terapêuticas eficazes.
iii) Protocolos ou guidelines não resolvem o problema porque a análise dos fatores intervenientes é complexa e não pode ser feita por esse método.

Para que diagnóstico, estratégia e metas terapêuticas sejam bem estabelecidas são indispensáveis os profissionais de qualidade nos diversos setores, com hierarquias, atribuições e responsabilidades claramente definidas.

DISCUSSÃO DO MÊS NA LBP – DESCRIMINALIZAÇÃO DAS DROGAS

O governador do Rio de Janeiro está em campanha pela descriminalização das drogas (usuários). Já há uma lei federal sobre isso, suponho. Não estou ainda certo, mas por enquanto penso nos seguintes termos: nossa experiência social de repressão às drogas não deu resultados, portanto, talvez seja agora a vez de vivermos uma experiência social de descriminalização, para ver que resultados ocorrerão e então poderemos avaliar comparativamente. O que os listeiros pensam? Este é um momento que pertence a nós também.
Portela

Aqui em BH há um Centro Mineiro de Toxicomania, já conceituado. Falam muito em descriminalizaçã o e em política de redução de danos. Geralmente, quando se trata de descriminalizar, refere-se apenas (inicialmente) ao uso de maconha (cannabis), que seria vendida em postos controlados, a quantidades pequenas para usuários. Em alguns países já existe isso, o que levou a diminuição de corrupção policial, crimes, tráfico e toda sorte de desgraças associadas. Dessa forma, acho válida a experiência. A questão é: a quem interessa descriminalizar? Os cartéis (traficantes e colaboradores) deixarão? Vai provocar aumento de abuso de outras drogas? O povo 'vai endoidar' e comprar droga em excesso? Os compradores serão cadastrados? Há muitas questões...

Cláudio Costa

Primeiro que isso só poderia ser feito em âmbito da Federação, nunca em um estado ou outro, pois implicaria de uma alteração na Constituição para que cada Unidade arbitre independentemente na legalização des drogas. Segundo, isso cessaria o influxo de capital para o mercado das drogas, portanto liberaria milhares (milhões??) de bandidos "latentes" no transporte e venda de narcóticos para outras esferas criminológicas, que são até imprevisíveis. A começar de roubos, furtos, seqüestros, estupros. Terceiro que pegaria mal para a maioria das nações do planeta que o Brasil aceitasse o uso e porte livre de entorpecentes , vendidos (mesmo que em condições de supervisão) pelo Estado. Teríamos de comprar a cocaína dos Andes para bancar a demanda. Ou teríamos tal tecnologia algum dia? Só poderia ser uma alternativa saudável se ocorre em âmbito mundial, utopia demais, melhor vigiar melhor as fronteiras e acabar com as favelas.

Marcos Klar

Descriminalizacao do usuário não é o mesmo que oficializar o consumo. O problema com políticas que criem mais disponibilidade da droga e aceitação social de seu uso é que o consumo deve aumentar, e por conseqüência as complicações médicas/comportamentais do uso em termos populacionais. vide álcool e tabaco, que são as maiores fontes de morbidade e mortalidade. Entretanto, álcool e tabaco em si não são fonte de marginalidade, pois não há ilegalidade de produção e distribuição, apesar do controle e dos impostos.

Sob o ponto de vista econômico, não sei se a oficialização do consumo -e o desemprego da marginalidade- deslocaria o crime para outras áreas.  talvez fosse o caso do crime organizado.  mas, na ausência de dados, imagino que em geral crimes já estão associados a uso de drogas, portanto, já fazem parte de uma subcultura de violência reforçada por busca de substancias e tornada volátil pela intoxicação pelas mesmas (então nesta população, em termos de Complicações comportamentais do uso de drogas, o parágrafo inicial não se aplicaria pois já esta' aplicado).  talvez o deslocamento do eixo _financeiro_ da marginalidade para longe do trafico (não o grande trafico, intercontinental, mas o trafico local nas grandes metrópoles) desarmasse estes criminosos, envolvidos na bandidagem no contexto de seus comportamentos aditivos e personalidade antissocial.

Mas a descriminalização e redução de danos não são o mesmo que liberação, isto inclui penas alternativas e tratamento, não encarceramento, etc., disponibilizarão de agulhas limpas, e outras intervenções que substituam punição por prevenção / tratamento.

Paulo José Negro

Eis o link do Centro Mineiro de Toxicomania:
www.cmt.mg.gov. br
O que é o CMT (release):
O Centro Mineiro de Toxicomania - CMT, localizado no bairro Santa Efigênia, em Belo Horizonte, foi inaugurado em 1983 com o nome de Unidade de Reintegração Social - URS.
O serviço foi transferido da Secretaria de Segurança Pública para a Secretaria de Saúde, funcionando no Hospital Maria Amélia Lins da FHEMIG. Em 1985, a URS passou a funcionar em sede própria, recebendo o nome de Centro de Reintegração Social (CRS). No ano seguinte, o serviço passou a se chamar Centro Mineiro de Toxicomania (CMT). Um dos primeiros serviços públicos de saúde destinados ao tratamento de alcoólatras e toxicômanos.
O Centro é reconhecido como referência e excelência na área de toxicomania, foi também recadastrado, junto ao Ministério da Saúde, como Centro de Atenção Psicossocial - álcool/ drogas (CAPS ad), serviço que oferece assistência ambulatorial em saúde mental para pacientes com dependência e/ou uso prejudicial de álcool e outras drogas. Em 2003, o CMT foi vinculado à Sub-Secretaria Antidrogas da Secretaria do Estado de Desenvolvimento Social e Esportes/MG.
Atualmente o CMT tem a missão de prestar, com qualidade e ética, assistência médica e atenção psicossocial a pessoas dependentes ou em uso prejudicial de álcool e outras drogas.
Cláudio Costa.

A idéia de que a descriminalização das drogas (sim, é assim que a questão costuma ser colocada! as drogas psicoativas ilegais como um todo!) iria resolver, magicamente, diversos problemas me parece por vezes ingênua, por vezes claramente "mal intencionada" . E não me venham com o exemplo de Zurique (não deu certo!! A criminalidade aumentou, entre outras mazelas. Voltaram atrás) ou da Holanda, que não é um país propriamente, é praticamente uma família. Em nenhum outro lugar no mundo se adotou esta idéia absurda. Drogas são, como nós psiquiatras todos deveríamos saber gravemente maléficas e lesivas, fisiológica, psicológica, individual e socialmente, e com um imenso custo para o seu (incerto) tratamento. Já na situação atual que vivenciamos no Brasil, de "epidemia combatida" o Sistema de Saúde nacional não consegue dar conta! Há pouquíssimos Centros com profissionais especializados. ..experimentem encaminhar alguém para tratamento sem ser na base do favor de colega...Quanto ao argumento de que "nossa experiência de repressão não deu resultados", me perdoem, pode nos levar a concluir que deveríamos também liberar outros delitos penalmente puníveis e dos quais nossa sociedade não consegue se livrar (agressões, sequestros, assaltos, furtos, corrupção política, mensalões, etc , etc).

Flavio Jozef

Trabalho como psiquiatra num CAPS - AD da rede pública da cidade de Mossoró aqui no Rio Grande do Norte distante 280 km de Natal, 230 km de Fortaleza e 80 km de Canoa Quebrada - distrito de Aracati onde existem 300 pousadas com uma população de aproximadamente 5000 hab com 69 nacionalidades. O uso de drogas, sexo e rock and roll é a tônica básica e consiste num desafio a compreensão dessa mistura de cultura, raças, credos e costumes.

No CAPS - AD usa-se como tratamento para as síndromes de abstinência a terapia substitutiva ou seja diazepan, amitriptilina, clorpromazina, haloperidol, clomipramina, biperideno, fluoxetina e prometazina; medicamentos da rede pública. Associa-se ação psicoterápica em grupo, oficinas de artes, alimentação básica e noções de redução de danos que crescem dia a dia. 

A liberação de drogas é tema polêmico pois sendo complexa a operacionalizaçã o questionamos como funcionaria por exemplo, identificação do fornecedor, emissão de nota fiscal, controle de qualidade, implicações da existência clandestinidade mesmo com a legalização e outros aspectos correlatos.

É uma oportunidade para que nós psiquiatras estejamos estudando como contribuir com nossa experiência no sentido de minimizar os efeitos do uso das drogas.

Creio que o problema maior no binômio SER HUMANO x DROGAS, está no SER HUMANO que de forma personalidade sente sua angústia existencial e às vezes busca associar por diversos motivos a DROGA como agente amenizador das dores do viver.

Precisamos centrar a questão no SER HUMANO, obviamente que é tarefa grandiosa e que exigirá de nós a compreensão de um monge sacerdote e da ousadia de um guerreiro.

Gabriel Oliveira

OPINIÃO

Hoje recebi um texto brilhante de Rubem Alves, A CITARA HUMANA, onde ele conta que a citara tem dois planos de cordas, a de cima é tangida pela mão humana e a de baixo, não tocada, responde à música da de cima. Claro que acho a idéia genial apenas discordo dele quando diz que a de baixo não é tocada. Nós, como Dorian Gray, temos uma aparência que os outros vêem e um retrato oculto onde as nossas maldades deformam-nos mas os outros não vê. Claro que eu penso que as cordas de cima tocamos quando acordados e as de baixo são tangidas só nos sonhos. Se a pessoa está em harmonia com o seu profundo ser, os sonhos produzem uma melodia que nos permite acordar em paz, prontos para a vida que amamos e para o contacto com o outro. Mas se estamos como Dorian Gray ou o Dr, Jekyll em rixa avec soi même, acordamos apavorados com a música que ouvimos no sonho e dizemos, apavorados que tivemos um pesadelo. Todos começamos a vida crentes na nossa onipotência mas depois de cortado o cordão descobrimos que ou nos entendemos com a nossa cuidadora ou seremos profundamente infelizes. A relação cuidado-cuidador repete a mesma cítara que tanto pode alegrar-nos e amar a vida sendo o cuidado ou o cuidador ou odiamos e queremos mentir, representar, fingir ou mostrar o que o retrato esconde.

Marcello Blaya

HOMENAGEM

"O canibalismo é a forma mais sutil de hospitalidade"
Jean Baudrillard (1929-2007)


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