Volume 12 - 2007
Editor: Giovanni Torello

 

Setembro de 2007 - Vol.12 - Nº 9

Psiquiatria Forense

CAPACIDADE CIVIL E DOENÇA MENTAL – um estudo dos fatores determinantes da incapacidade civil no município do Rio de Janeiro.

KATIA MECLER
Tese de doutorado – Defesa programada para 19 de outubro de 2007
Instituto de Psiquiatria da UFRJ
Mestre em Psiquiatria UFRJ, Doutoranda em Psiquiatria UFRJ, Psiquiatra Forense do Instituto Médico-Legal Afranio Peixoto e do Hospital de Custódia e Tratamento Heitor Carrilho – RJ, Coordenadora do Departamento de Ética e Psiquiatria Legal da APERJ.


A interdição dos direitos civis tem se revelado um tema de extrema importância na psiquiatria forense. A relevância do tema pode ser destacada por aspectos como as recentes modificações nos dispositivos de interdição e curatela com a entrada do Código Civil de 2002. A presente tese contém 4 artigos que focalizam a evolução dos conceitos de interdição e curatela, bem como de sua aplicação, no Brasil. Investigamos os fatores preditivos das interdições civis no município do Rio de Janeiro, comparando-os com a literatura científica disponível na literatura nacional e internacional. Buscou-se descrever o perfil sócio-demográfico, os motivos para os requerimentos, as conclusões dos peritos, a concordância dos juízes e os resultados dos processos de interdição, de quatro varas de órfãos e sucessões, localizadas no fórum do Rio de Janeiro, no período de 1º de janeiro a 31 de dezembro de 2002. Correlacionamos os resultados encontrados e analisamos suas eventuais implicações jurídico-administrativas.

Nossos achados revelaram que as características predominantes da amostra foram: interditandos do sexo masculino (51,1%), caucasianos (77,8%), solteiros (65,4%), com baixo nível de escolaridade (82,8%), qualificação profissional (63,6%), e (73,8%) situação socioeconômica(73,8%), com diagnósticos de Deficiência Mental (38,9%) ou Demência (35,2%), motivados, na grande maioria, por exigência de órgãos da União e dos Estados para a obtenção de benefício em decorrência de incapacidade para o trabalho por doença mental. A maior parte utilizou-se da justiça gratuita (72%) e teve pais, irmãos ou filhos como requerentes (70,2%).

Quando a motivação foi a necessidade de administrar o patrimônio do interditando, prevaleceram mulheres, de nível sócio-econômico, escolaridade e qualificação profissional mais elevados, apresentando quadros demenciais. As conclusões dos peritos foram acatadas pelos juízes em 100% dos processos, e a interdição global de direitos civis foi a sentença em 95,8%.

Foi possível confirmar nossa expectativa inicial, de que, em função das exigências ilegítimas de órgãos da administração pública - que têm o dever legal de dispensarem benefícios sociais para doentes mentais incapazes para o trabalho - e não por efetivos problemas na proteção jurídica dos direitos civis destes pacientes, um grande número de processos de interdição tem curso.

Nossos dados concordam com os dos estudos nacionais citados, no sentido de que as interdições têm sido amplamente conduzidas na medida da existência de motivadores de ordem econômica – recebimento de benefícios ou interesses patrimoniais – e não de ordem assistencial. Esta seria essencial como um instrumento de proteção no tocante a uma exigência ao curador de cuidar dos indivíduos gravemente comprometidos.

Numa perspectiva internacional, nossos dados acerca do grupo interditado por motivo relacionado a interesses patrimoniais concordam com algumas das características dos interditos nos países desenvolvidos: predominância de mulheres, casadas ou viúvas, posse de patrimônio, com diagnóstico de Demência. Isto deve refletir o fato de que este grupo no Brasil é parte da população que pertence aos extratos socioeconômicos mais elevados.

É igualmente um consenso entre os autores nacionais e internacionais a impressão de que poderá ser perversa a não aplicação do instituto da interdição parcial. Os documentos legais mais modernos têm enfatizado a necessidade de preservar nos pacientes portadores de transtornos mentais o exercício autônomo de seus direitos, dentro de seu universo de competências.

É essencial que o tema da capacidade civil e  interdição continue sendo estudado e pesquisado, tanto no âmbito da psiquiatria quanto no do direito. O direito do cidadão portador de doença mental deve ser revisado dentro de uma perspectiva atualizada, com o intuito de estabelecer  conceitos claros e bem definidos, promovendo a proteção ao cidadão que realmente dela necessita, pelo tempo que realmente necessitar. A interdição total dos direitos civis em todos os casos onde é firmada a presença de alguma doença mental é de uma radicalidade alarmante, e infelizmente esta é a compreensão dada à letra da lei por muitos peritos, promotores, juizes e a sociedade.

Hilda Morana, PhD


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