Volume 11 - 2006
Editor: Giovanni Torello

 

Novembro de 2006 - Vol.11 - Nº 11

Coluna da Lista Brasileira de Psiquiatria

Fernando Portela Câmara

Esta coluna resume os principais fatos e novidades veiculadas na Lista Brasileira de Psiquiatria.

Assuntos:

XI Simpósio sobre Transtorno Bipolar - Lisboa/Portugal

Este mês de novembro a LBP esteve em Lisboa, Portugal, nas pessoas de Giovanni Torello e Fernando Portela Câmara, prestigiando o XI Simpósio sobre Transtorno Bipolar, que este ano focalizou a vida dos paciente bipolares. O evento teve o patrocínio da World Psychiatric Association, Clínica Universitária de Psiquiatria da Faculdade de Medicina de Lisboa, e Sociedade Portuguesa de Psiquiatria e Saúde Mental. Na presidência do Simpósio, Hagop Akiskal e Maria Luíza Figueira.

Por ocasião do Simpósio, visitamos o Hospital Psiquiátrico Júlio de Matos, um bem administrado manicômio tradicional de Lisboa, sob a direção do nosso colega Luiz Gamito. Fotografamos o museu deste hospital, visitamos suas dependências, e no próximo número da Pol-Br teremos um relato iconográfico desta visita. Fomos levados pela simpaticíssima colega Marina Dinis, e ciceroneados pelo bem humorado Gamito.

Infelizmente, não tivemos tempo de fotografar e registrar o material de Egaz Muniz, que foi encontrado e está sendo organizado no Hospital Santa Maria (ainda não exposto ao público). Ficará para uma próxima vez.

A psiquiatria em Portugal é forte nas cidades de Lisboa, Porto e Coimbra, e fomos informado por uma estudante de pós-graduação que há apenas 107 psiquiatras em atividade no país.

Como uma nota interessante, a eletroconvulsoterapia é bem aceita pela população portuguesa, e até mesmo pedida por pacientes que não conseguem melhora com a medicação.  Do ponto de vista técnico, segue o mesmo protocolo usado no Brasil, mas não encontra as dificuldades que aqui temos para indicar este eficiente método terapêutico..


Giovanni (à direita) e Portela (esquerda) em Lisboa

SOBRE O USO MEDICINAL DA MACONHA

No dia 4 de outubro deste ano, o nosso colega Sílvio Saidemberg deu uma entrevista à TV Band no programa “Falando Nisso”. O assunto foi o uso medicinal da maconha e suas implicações. Transcrevemos abaixo o conteúdo desta importante entrevista.

Os estados patrocinaram um estudo com objetivo de avaliar as evidências científicas dos benefícios e dos riscos do uso da maconha na medicina. Afinal de contas o que é verdadeiro e o que é falso a respeito do efeito terapêutico da maconha. ?

Todos os estudos são bem vindos desde que obedeçam às normas éticas na realização de pesquisas. O que se sabe nos tempos atuais é que a maconha possue princípios ativos que merecem ser estudados pela medicina. Em realidade a cannabis índica tem figurado na farmacopéia por 4000 anos, tendo sido removida das especialidades farmacêuticas em 1941 nos Estados Unidos por medida de segurança à saúde pública. De qualquer forma, o fumar maconha é fortemente desaconselhável pelo forte impacto negativo para o funcionamento cerebral e pelo impacto biológico devido às substâncias cancerígenas contidas na fumaça da maconha.  O THC (sigla de delta 9 tetrahidrocanabinol ) que é o princípio ativo  mais estudado pelas propriedades farmacêuticas tem sido sintetizado com o nome de dronabinol e doses terapêuticas orais foram determinadas na faixa de 10 a 20 mg para náuseas e vômitos decorrentes da quimioterapia para o câncer.

Quais os locais de ação da droga?

O dronabinol atua em receptores cerebrais e cerebelares denominados CB1 e em receptores CB2 mais dispersos pelo corpo, particularmente mais cocentrados, nos nódulos linfáticos e no baço. Originalmente, esses receptores eram naturalmente presentes para uma outra substância moduladora de funções do sistema nervoso central e do sistema imunológico. O nome desta substância é anandamida, um derivado do ácido aracdônico. Nos olhos também há receptores CB1, já se discutiu a possibilidade do dronabinol ou um futuro derivado ser de utilidade no tratamento do glaucoma. A ação terapêutica do dronabinol para o tratamento do glaucoma não tem confirmação e aprovação científica.

O uso medicinal da maconha pode promover alterações do estado mental, as mudanças de humor e as alterações da coordenação motora?

Sim, elas ocorrem quando a via é pulmonar para a fumaça aspirada. Já no caso do dronabinol, que é ingerido,  essas alterações ocorrem principalmente se as doses estiverem acima da recomendada para combater náuseas e vômito. Para pessoas acima de 65 anos, os sintomas colaterais mais acentuados, sejam as alterações psíquicas ou problemas de tonturas e perda de equilíbrio fazem que essa medicação não seja recomendada. Esta medicação também não está aprovada para indivíduos de idade inferior a 18 anos.

E seus efeitos sobre o sistema imune ainda não são bem conhecidos?

O dronabinol tem um efeito de reduzir a resposta imunológica, este é um efeito de breque. Não há uma aplicação bem estabelecida para este efeito. Por enquanto, esta resposta nos faz acautelar quanto a este impacto imuno-supressor do dronabinol, afinal de contas, o tratamento com agentes quimioterápicos traz também o indesejável efeito de imuno-supressã o, o que torna o paciente mais vulnerável a doenças infecto-contagiosas .

A maconha pode produzir um efeito analgésico?

Os canabinóis, componentes químicos da maconha, particularmente o THC têm também um efeito analgésico, isto é de reduzir a percepção da dor. Este efeito é explorado no dronabinol, se o paciente recebendo quimioterapia para câncer também tiver um quadro de dor. Mas, o dronabinol não tem seu uso aprovado para o tratamento de quadros álgicos ou seja de dor.  No passado, a cannabis índica foi muito usada no tratamento de enxaquecas. No entanto, modernamente, outros medicamentos têm sido indicados para o tratamento de enxaquecas.

Quais os pacientes que poderiam ser beneficiados com o uso dessa droga?aqueles em uso de quimioterapia, por exemplo?

A indicação única aprovada do dronabinol tem a ver com náuseas e vômitos causados pela quimioterapia.  Poderá ser prescrito para prevenir quadros leves a moderados de náuseas e vômitos, naquelas circunstâncias, havendo outros medicamentos muito eficientes para o mesmo propósito. Para quadros mais severos existem medicamentos mais indicados, os chamados medicamentos de primeira linha, entre eles estão o ondansetron, o granisetron  e outros medicamentos análogos. Dronabinol está entre os medicamentos de segunda linha.

E os efeitos colaterais podem ser aumentados?

Sim, eles são dependentes da dose, da faixa etária, sendo particularmente, mais inconvenientes nas pessoas idosas.

Estudos sobre os efeitos da maconha sugerem que esta droga pode ser importante no tratamento da desnutrição? Como é isso?

Desde a década de setenta, têm-se confirmado que os canabinóis, particularmente o THC causam aumento do apetite. No entanto este não é um efeito aprovado para fins terapêuticos, existem numerosos medicamentos orexígenos, isto é que aumentam o apetite e que são mais seguros para o sistema imunológico. No caso de algumas pessoas portadoras de Aids, isto é apresentando manifestações clínicas do vírus HIV, e estando em fases mais avançadas da doença, já bastante emagrecidas,   elas se auto reportaram como apresentando aumento de peso como resultado de fumarem maconha.  Volto a afimar, esta não é uma prática medicamente aprovada. Existe uma preocupação de se usar substâncias imuno-supressoras como o THC em pessoas já imuno-suprimidas. Portadores de AIDS não necessitam piorar ainda mais a sua resposta imunológica, isto é, piorar as suas defesas orgânicas contra infecções e câncer.

Estudos já mostraram também que essa substância pode ser bastante útil no combate aos efeitos colaterais da quimioterapia do câncer, podendo ser usada também no tratamento de pacientes terminais com aids e em casos de esclerose múltipla?

Só há confirmaçào através de pesquisas mais abrangentes a respeito do uso de dronabinol como medicação que pode ser útil no tratamento e prevenção de náuseas e vômitos relacionados à quimioterapia.  No caso de pacientes terminais com AIDS, o uso não é aprovado e é considerado desaconselhável e no caso de esclerose múltipla e outras doenças auto-imunes, efeitos dos canabinóis poderão ser explorados no futuro e até mesmo, alguma medicação similar e mais segura poderá vir a ser testada e aprovada. Ainda é cedo para uma confirmação, só se tem conjecturas.  

A maconha pode ajudar no controle do espamo muscular encontrado na esclerose múltipla?

Existem outros espasmolíticos, ou seja medicamentos para espasmos musculares, com indicação confirmada, por enquanto, os canabinóis apesar de seu efeito ter sido constatado em espasmos musculares não têm sua ação aprovada para uso medicinal.

E no tratamento da epilepsia?

Não contamos com uma confirmação através de pesquisas abrangentes a respeito da efetividade dos canabinóis no tratamento das epilepsias e de quadros convulsivos. Este é um outro campo a ser explorado em pesquisa. E novamente, é possível que uma nova linha de medicamentos anti-epilépticos venha a ser desenvolvida no futuro, que tenha a ver com os receptores CB1 no cérebro.

No século 19, escravos já usavam a maconha em crises de asma e bronquite crônica principalmente nas crianças, de acordo com elisaldo carlini, chefe do centro brasileiro de informações sobre drogas psicotrópicas.

Uso da maconha tem sido historicamente muito variado, já se usou no passado para enxaquecas, no tratamento da dor e certamente, para outros problemas de saúde. No entanto, são usos não aprovados medicamente, particularmente seria desaconselhável fumar-se maconha em quadros de asma e bronquite devido aos efeitos irritativos da fumaça sobre a mucosa dos brônquios.  É bom nos lembrarmos que 4 a 5 cigarros de maconha são equivalentes a 20 cigarros de tabaco em seu impacto sobre os sistema respiratório. A fumaça da maconha contem de 50 a 70% mais hidrocarbonetos com ação cancerígena que a do cigarro, além disto, usualmente,  inala-se mais profundamente  e  retem-se a fumaça da maconha por um tempo mais prolongado nos pulmões.

Como o uso medicinal da maconha pode ser controlado? ... Só em hospitais?

O dronabinol poderia ser prescrito para os quadros de náusea e vômitos a critério clínico e somente médicos lidando com o sofrimento de seus pacientes e olhando para riscos e benefícios próprios de cada tratamento e de cada medida profilática poderão decidir sobre o uso de dronabinol que poderia sim ser usado em casa, enquanto perdurar a náusea pós tratamento quimioterápico.

As campanhas educacionais ajudam?

Deverão ajudar, principalmente, porque este assunto tem sido algumas vezes apresentado de forma a mobilizar a opinião pública a considerar a maconha como um produto vegetal que não causa prejuízo aos usuários. Isto é falso e tem desarmado a população em relação aos riscos do abuso de substâncias.

Aqui no brasil o uso medicinal da maconha é totalmente proibido. Isso é uma contradição, pois o governo brasileiro assinou a convenção da onu que permite esse uso, mas essa medida não é aplicada no território nacional. O senhor acha que essa determinação deveria ser modificada?

Na realidade, a aprovação do uso de substâncias seguras para a prescrição médica é uma função do ministério da saúde, que só pode atuar mediante confirmações científicas confiáveis. A convenção da ONU se refere à obrigação dos estados signatários a controlar substâncias com potencial de uso abusivo. Há substâncias aprovadas para uso farmacêutico em alguns países que não são aprovadas em outros, mesmo quando há forte evidência científica para a sua utilização. Uma substância é considerada também de alta periculosidade, particularmente quando ela possa vir a ser utilizada para efeitos recreativos ou de auto-intoxicaçã o. O dronabinol está entre as substâncias classificadas como "psicotrópicas" e que precisam de receita especial do tipo A, isto é sofre  restrição prescritiva mais severa de forma semelhante como sofre a anfetamina, em ambos casos existe o potencial para abuso. Finalmente, as modificações na legislação só deveriam ocorrer com o avanço do conhecimento médico. A medicina não se responsabiliza pelo uso recreativo de substâncias e nós médicos precisamos alertar a população parar os seus riscos.

Há um consenso que permita essa alteração?

Não há um consenso científico. 

E a tese da redução de danos e da substituição do uso do crack pelo uso da maconha? Como o senhor avalia essa questão?

Estudos são bem vindos desde que obedeçam a normas éticas. Informação tem sido registrada de que alguns usuários de crack passaram a fazer um uso menor do mesmo e atribuíram isto ao uso de maconha. Todo registro de ocorrências é um ponto de partida para pesquisas que tentam avançar no conhecimento de como podemos melhor controlar a dependência química a alguma substância. Tanto o uso de cocaína quanto a de seus derivados como é o caso do crack ocorrem em quantias variáveis por dependentes químicos com diferentes perfis de personalidade, sexo, idade e problemas psiquiátricos concomitantes, além disto as drogas de rua possuem graus diferentes de impureza. Esses fatores precisam ser melhor estudados no Brasil. A maconha não é uma substância sem riscos para a saúde, o seu uso habitual é preocupante. Quando se constata que  os seus efeitos psicotrópicos não se limitam às primeiras horas de alterações da percepção do ambiente, de tempo e distância, mais a lentidão de movimentos e piora de movimentos reflexos. Sob a influência de maconha fumada uma vez por semana o pensamento fica mais lento de forma mais contínua e isto é particularmente problemático para crianças e adolescentes que precisam de agilidade mental para desenvolver o seu potencial de aprendizado e habilidade para raciocinar. Ainda, maconha é um fator importante que contribui para a eclosão de episódios esquizofrênicos e depressivos e mais frequentemente episódios ansiosos. Existe uma síndrome bem caracterizada de abstinência à maconha, ela se manifesta como inquietação, irritabilidade, alguma agitação, insônia, transtornos eletroencefalográ ficos do sono, náusea e espasmos musculares.

O canadá foi o primeiro país no mundo a permitir legalmente o uso da maconha para fins medicinais. Agora os canadenses poderão cultivar maconha e consumir a erva se tiverem receita médica e um documento de autorização emitido pelo governo. No brasil isso funcionaria?

A questão é se isto funciona realmente no Canadá. Em primeiro lugar, fumar maconha tem a ver com uso recreativo e não com uso medicinal, mesmo que o usuário desta planta acredite estar melhorando seus sintomas de náusea e vômitos, espasmos musculares ou dor de cabeça. Até o dia de hoje, isto é 4 de outubro de 2006,  a única apresentação de canabinóis para uso médico é o dronabinol que nas dosagens terapêuticas tem poucos efeitos psicotrópicos e não causa geralmente incapacitação para dirigir veículos ou para executar tarefas que requeiram mais habilidades motoras e intelectuais. Os direitos individuais e leis vão sofrer influência de muitos grupos de pressão, não somente da medicina e da pesquisa médica responsável. Há também aqueles profissionais dentro da área médica que mantêm opinião de que o controle legal de drogas é pouco prático e em si causa outros males devido à resistência da população em aceitar ser educada e aplicar medidas de controle. Porém, o combate a doenças sempre esbarra com impedimentos práticos, nem por isto vamos desistir de combater a varíola, a febre amarela e as doenças vasculares.  Em relação à liberação da venda de drogas, temos o exemplo do álcool e do cigarro, ambos liberados para venda para fins recreativos, ambos sendo causa de doenças gravíssimas e de alta prevalência na população, ainda o álcool por causar acidentes é responsável por pelo menos metade das vítimas fatais de acidentes nas estradas, muitas delas abstêmias. Álcool e cigarros são bons exemplos do uso não medicinal de substâncias.

A FDA, agência federal americana que regula alimentos e produtos farmacêuticos nos estados unidos, considera que não existe base científica que justifique o uso medicinal da maconha.
A FDA tem uma preocupação muito grande com a segurança dos medicamentos propostos para serem usados na população dos Estados Unidos; além de eficácia comprovada, há a necessidade de se comprovar que esses medicamentos não causem problemas para a gravidez, para o desenvolvimento fetal, para o aleitamento materno, para o desenvolvimento humano, ainda verifica-se a existência do potencial para abuso, causar acidentes, promover mutaçòes genéticas etc.  A única apresentação de canabinóis aprovada nos EUA pelo FDA  é o dronabinol de uso restrito para náuseas e vômitos causados por quimioterapia. Em medicina, toda a substância pode ser louvada  pelo seu potencial terapêutico, a diferença entre o veneno e o medicamento está na dose e no modo em que se administra essa substância.  Há outras substâncias utilíssimas que são bastante controladas pelo seu potencial de uso inapropriado e abuso, entre elas encontra-se a morfina, fantástica no combate à dor severa, trágica quando é usada de forma irresponsável. 

Entrevistadores: Solange Moraes e Cláudio Nicolini; organizador: Marcos Limão

TRATAMENTO DO ETILISTA NA PRÁTICA CLÍNICA

Um colega perguntou à lista qual o melhor tratamento para etilismo na clínica. O colega Manoel Garcia Junior respondeu:

“Tanto a naltrexona (ReVia 50 mg/dia) e o acamprosato (999 mg/dia) são opções razoáveis. Gosto muito do velho dissulfiram (500 mg/dia), mas tem de ser muito bem combinado com paciente e família. Associar naltrexona com acamprosato pode ser interessante, mas  tem de cuidar função hepática. Aqui em por Porto Alegre o acamprosato está meio desaparecido das farmácias...

Claro que medicar bem a comorbidade é mais importante que tudo acima.”

LINKS DO MÊS

(Colaboração de Marcos Klar)

Dicionário de termos e símbolos usados em Farmacologia.

http://www.bumc. bu.edu/Dept/ Content.aspx? DepartmentID= 65&PageID=7797

Atlas do cérebro (anatomias e neuroimagens normais e patológicas)

http://www.med. harvard.edu/ AANLIB/home. html 

Amplo glossário de psiquiatria e neurologia (em inglês)

http://www.abess. com/glossary. html

Links e recursos em Comportamento e Sociedade

http://www.eurekalert.org/links.php?subj=social

Coletânea de assuntos úteis (Eurekalerta)

 http://www.eurekale rt.org/links. php

OPINIÃO

A propósito da informatização de um serviço público de Saúde Mental:

“... o projeto é muito interessante e abre diversas possibilidades! Principalmente se ele se afastar um pouco da burocracia e se aproximar da clínica.

Será que seria possível utilizar a informatização do município para melhorar o atendimento e, também, estimular uma reflexão compartilhada dos trabalhadores em saúde mental sobre suas vivências clínicas?

Para que isso possa acontecer, o programa a ser utilizado deveria possibilitar a existência de um espaço reservado só aos trabalhadores de saúde mental. Só eles e quem fosse autorizado por um responsável ... teriam acesso a esse espaço. Será que isso seria possível?

Penso, especificamente, na seguinte questão, ... que coincide com minhas observações antropológicas: os trabalhadores de saúde mental, aqueles que estão envolvidos no "corpo à corpo" com os usuários, apresentam sintomas que Lasègue e Falret denominariam de "folie à deux" e que Nina Rodriguez diria que se trata de loucura coletiva. Trata-se, na verdade, de uma identificação inconsciente massiva com os usuários que tratam porque esses trabalhadores não possuem um espaço onde possam refletir e comentar o trabalho que realizam e ficam desamparadamente expostos - os epidemiologistas poderiam dizer "contaminados" - à miséria dos usuários. Miséria material e psíquica, bem entendido. Essa proximidade intensa, freqüente e sistemática produz uma espécie de entropia entre os trabalhadores e os usuários, que é prejudicial ao trabalho de atendimento, pois os trabalhadores ficam tão miseráveis quanto os usuários.

A psicanálise desenvolveu, há muito tempo, a supervisão clínica, inventada para estabelecer uma certa distância entre o psicoterapeuta e o paciente, distância necessária para o psicoterapeuta se diferenciar (psíquica e materialmente) do paciente, colocando em palavras aquilo que se passa em sua atividade. Com o tempo, a supervisão clínica se transformou, também, num instrumento de controle e obediência a um "ianismo": freud(iano); klein(iano), lacan(iano), bion(iano) etc, que serve, também, para ensurdecer e cegar o psicoterapeuta.

O SUS não tem recursos nem capacidade político-administrativa para contratar e gerir uma vasta equipe de "supervisores clínicos" dedicados a identificarem e ajudarem a desfazer os caroços existentes no angú da clínica no âmbito da chamada Reforma Psiquiátrica Brasileira.

Aqui entra a sua idéia (ou será que ela é minha? Sei lá. E isso não interessa): utilizar a informática e montar um dispositivo de supervisão clínica integrada.

Isso vai dar trabalho prá muita gente (ao Portela e ao Departamento de Informática da ABP, por exemplo). Levanta, imediatamente, uma questão que aparece com certa freqüência aqui na Lista: o sigilo. Ele é necessário por questões éticas, ou seja, para permitir a liberdade de pensamento e de fala dos trabalhadores. Mas, que tal correr o risco e fazer uma experiência?...”

Manoel T. Berlinck


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