Volume 10 - 2005
Editor: Giovanni Torello

 

Fevereiro de 2005 - Vol.10 - Nº 2

Coluna da Lista Brasileira de Psiquiatria

Fernando Portela Câmara

Assuntos:

A Lista Brasileira de Psiquiatria e a Psiquiatria OnLine Brazil

 

O Tarot Psicofágico de Marcos Klar

 

O Psiquiatra e Profissionalização do Seu Trabalho (Cyro Masci, Manoel Berlinck)

 

Não dá mais para esquecer: As histórias da História Contadas por Nossos Amigos da LBP (Irma Ponti)

 

Noticiário

 

Opinião

A Lista Brasileira de Psiquiatria e a Psiquiatria OnLine Brazil

Resumimos abaixo dois breves históricos sobre a LBP e a POL-BR, e como elas se inter-relacionam segundo informações de Giovani Torello. O leitor interessado pode requerer sua inscrição e participar.

Após criar a Psychiatry On Line Brazil (Polbr), o psiquiatra Giovanni Torello e colaboradores criaram a Lista Brasileira de Psiquiatria como complemento da Polbr. A LBP nasceu como uma tentativa de unir os colegas psiquiatras pioneiros na utilização da grande rede através do uso de um dos mais poderosos instrumentos de comunicação que a Internet oferece: o correio eletrônico organizado em Listas de Discussão.

A Psychiatry On Line Brazil foi o primeiro periódico mensal eletrônico brasileiro de psiquiatria, e circulou pela primeira vez na web em junho de 1996. Esta revista eletrônica conta com um corpo editorial responsável pela coordenação de suas colunas mensais e privilegia a publicação de trabalhos de autores nacionais, com o intuito de divulgar democraticamente o conhecimento e estimular a discussão de temas associados a psiquiatria e áreas afins.

A LBP iniciou-se em outubro de 1997, e desde então vem servindo como uma via de comunicação aberta à participação de profissionais de saúde mental em geral.

O Tarot Psicofágico de Marcos Klar

Nosso colega Marcos Klar, psiquiatra em Piracicaba, enviou para a LPB uma série de questionamentos que nos obrigam a repensar nossas profissões e a nossa prática cotidiana. Em uma mensagem (“Questões laicas - propriamente ditas”, em 10/02/2005) ele nos apresenta uma série de questões, com implicações filosóficas, religiosas, antropológicas, etc, sobre o sentido do que fazemos, de como fazemos e por que fazemos. Tomei a liberdade de chamar esta Meta-psiquiatria Klarneana de “tarot psicofágico” para associar-lhe uma simbólica atemporal, considerando que tais questões existem desde que Hipócrates abandou o sacerdócio de Asclépio para abrir sua clínica particular, e também porque me fez lembrar o movimento antropofágico de Oswald de Andrade, com sua proposta arrojada de re-elaboração da arte e da estética. Questões para serem refletidas, debatidas, pensadas ou - quiçá - respondidas.

Questões Laicas - Propriamente Ditas, Marcos Klar

Como havia dito, não farei minuciosamente categorias para os questionamentos, mas é possível imaginar esferas onde se situem (epistemológicas, ontológicas, ideológicas, antropológicas, teológicas, neológicas, tecnológicas, psicopatológicas, gnoseológicas, lógicas e ilógicas, etc.). Alguns comentários ocasionais podem segui-los, seja para discorrer sobre variações das formas de se expor, seja para dar minha opinião (ora como médico, ora como psiquiatra, ora como paciente, ora como paciencioso, ora como gente como a gente), seja para expor angústias minhas. De todo modo, são as que se me deparam mais freqüentemente na prática... também aos colegas, suponho... E para começar a clássica das clássicas perguntas:  ;-)

0. Doutor, qual é a diferença do psicólogo com o psiquiatra? (e com o psicoterapeuta? e com o psicanalista? Por que o psiquiatra precisa ser médico e o psicólogo, psicanalista, não? Por que o psicólogo e o psicanalista consultam mas não podem passar remédios? O psicólogo previne e o psiquiatra trata?) -- Onde o fato de ser médico é diferencial; onde o fato de si próprio ser submetido a um processo psicoterapêutico é distintivo, etc! Qual a relação entre as profissões de complementaridade e de substituição; a diferença entre tratamento com psiquiatra e tratamento psiquiátrico (feito por um médico não especialista)!

1.Doutor, meu psicólogo disse que meu caso não é pra um psiquiatra, será mesmo? (ou: meu médico disse que só conversar com psicólogo não vai ajudar nada, só vai fazer minha cabeça! posso tentar tratar primeiro com um psicólogo (psicanalista, homeopata etc) antes de voltar aqui e tomar remédios? Não acredito em psicólogos, prefiro ir num médico, que se baseia em remédios com estudos científicos) -- Há algum sentido em desincentivar uma pessoa a pedir uma avaliação médica, para orientação preventiva ou, eventualmente, terapêutica! Quando estabelecer os limites seguros para a terapia com remédios, a conjunção com as técnicas verbais e comportamentais e as demais abordagens terapêuticas em geral!

2.Doutor, um psiquiatra também precisa de ir no psiquiatra? (ou; Acontece de  um psicólogo ir a um psiquiatra? Ou um psiquiatra ficar maluco?)-- Até onde a medicina é sobre-humana e até quando um médico é apenas humano! É necessário (e/ou suficiente) ter plena saúde mental para atuar como psiquiatra ou psicólogo!

3. Doutor, o que é loucura? (ou: o que é ser doido? quem é doido? qual é a diferença entre loucura e normalidade?) -- Como expor ao paciente porque estamos lá e que estamos fazendo! Quais os critérios que definem a doença física e a doença mental, que lhe dão propriedade de conceito! Lembrar a tríade teológica do sofrimento psíquico humano (citada por Stravinsky): Ignorância / Enfermidade / Malícia, e a dificuldade muitas vezes de poder distingui-las, defini-las, delimitá-las! E a qual delas cabe ao médico agir, ao terapeuta; aos demais membros da sociedade, cultura, etc!

4. Doutor, por que é que a gente fica louco? (ou: estudar demais deixa uma pessoa louca? a paixão adoece? Meu marido alcoólico ou minha mulher evangélica está me deixando louco?) -- O que se sabe sobre etiologia e o empirismo sobre os diagnósticos e procedimentos terapêuticos. Os abismos fenomenológicos entre a neurobiologia e a fenomenologia do comportamento e da linguagem!

5.Doutor, eu estou (sou) mesmo louco? (ou: Tem algum exame que comprove a saúde mental de um indivíduo? Um médico mediu meu lítio no sangue estava quase zero! O senhor não vai pedir uma dosagem de serotonina? Um eletro da cabeça? Uma tomografia? Uma ressonância? Uma segunda opinião? Eu vi na veja que tem um remédio que aumenta a dopamina do cérebro; não seria meu caso, doutor?) -- Como encaixar os critérios categoriais de saúde e doença em cada caso; como associar-se geral e individual! Qual o papel dos exames complementares?

6. Doutor, eu tenho cura? (ou: vou ter que tomar remédios por muito tempo? Vou ter que tomar medicação pro resto da vida? A medicação não vai perder o efeito? Não vai me trazer algum problema de saúde?) -- Qual o conceito de cura (religioso) e de controle (não religioso)! Há controle satisfatório dos distúrbios mentais sem uma remodelação integral da vida e das vivências do paciente! -- Isso não seria uma reforma de cunho holístico, senão mesmo religioso inclusive!

7. Doutor, a depressão é genética? (ou: Meus pais são alcoólatras, também vou ficar assim? Qual a chance de meu filho ter um problema mental se a gravidez da minha esposa for muito problemática?) -- As relações genéticas e ambientais, físicas e metafísicas na gênese e no desenvolvimento das doenças!

8. Doutor, o senhor trabalha com hipnose? (ou: com regressão? ou com terapia de vidas passadas?) -- e mais além:

9.Doutor, o senhor acredita em Deus? (ou: Por que psicólogo e psiquiatra não acreditam em Deus, que Jesus e não os remédios, obra do Homem, poderá me curar? O pastor disse que orar [e  não dizimar (um bom exemplo de duplo sentido!!!!) meu dinheiro nas farmácias, claro]  me fará mais bem que me entregar aos remédios!) -- Onde entra a estrutura e a orientação religiosa do profissional!

10.Você é tão novinho, né doutor?[ = inexperiente? ] (ou: O senhor é formado há bastante tempo, né, doutor?[  =desatualizado? ] -- Como a aparência real (e a esperada) , além do visual do consultório etc influem na decisão, posterior e intransferível, de prosseguir o paciente o tratamento, na tão crítica 'segunda consulta'!

11.Como é que um psiquiatra, que nunca me viu na vida, pode em vinte minutos de conversa conhecer meu problema a ponto de me indicar um tratamento, me passar um remédio? (e: Por que não deveria vir semanalmente até que ele tenha plena certeza de quem sou e do que sinto?) -- os tratamento são sintomáticos?! Quantas categorias de sintomas existem! A medicação é indicada para as alterações biológicas manifestas imediatamente e a terapia, para as psicossociais, manifestas gradualmente!

12.O senhor já leu Lair Ribeiro?(ou: Já leu o livro "A Inteligência Emocional"? Já viu o filme "O Bicho de Sete Cabeças"? ) -- De novo a questão dos fundamentos de cada abordagem, científica ou não,  e da Torre de Babel em cada uma delas.

13.Doutor, homeopatia funciona ou é coisa da cabeça, da crença da pessoa? (ou: Os florais de Bach funcionam? O que é efeito placebo?) -- Como posicionar a homeopatia com respeito ao seu sucesso terapêutico ocasional, sem as mesmas bases da farmacoterapia ortodoxa, com o fracasso ocasional dos psicotrópicos (e medicamentos em geral na medicina)! Além do efeito placebo, e o efeito halo e erro de contraste! E a sugestão!

PS: um dia comprei um livro de homeopatia na psiquiatria (creio ser um livro incomum, nesta interface, mas entendi quase nada)

14. Qual é a diferença entre estresse e depressão? -- Em ambos há lentificação dos processos psíquicos, com apercepção de perda de energia e desregulação dos ritmos circadianos e... que mais há e deixa de haver! E a psicose versus neurose!

15.TPM é doença, Doutor? -- Acho incrível que ginecologistas, e médicas mulheres digam que não! Parece que a TPM está incluída na noção de síndromes somáticas funcionais, como a LER, a fibromilagia, os distúrbios de ATM, a cistite intersticial , a síndrome da alça irritável, as dores precordiais atípicas, etc.

16.Doutor, não tem um remédio que seja natural, fraquinho, pra que eu não tenha de tomar química? (ou; Preciso mesmo tomar remédios? Não posso tentar sair sozinho da depressão, sem eles? Se eu fizer tratamento com remédios vou engordar, né doutor? Vou perder o tesão? Se meu problema é emocional, por que tenho de tomar remédios?) -- Que é remédio fraco? Quando são indicados? Onde entra a disposição e o acordo do paciente a realizar-se a farmacoterapia (ou outra terapia), os eventos sintomáticos e lapso de tempo para reavaliação dos procedimentos combinados. Esclarecer que o eletrocardiograma é mais importante para o psiquiatra poder medicar que o eletroencefalograma (efeitos colaterais na condução cardíaca etc), e qual a utilidade, limitada, deste último. Explanar o triângulo da ergonomia: eficácia / segurança / conforto, em que a segurança é de responsabilidade do médico evidenciar no contato terapêutico; o conforto, da propriedade do paciente; e a eficácia o ele de intersecção onde acordam e trabalham juntos! A que metáfora podemos recorrer na farmacoterapia: Uma muleta, que nos põe em pé, mas não nos faz andar! Saímos sozinhos sempre pois a disposição da pessoa é que aproveita ou não a atividade do fármaco!

17. Outra clássica: Doutor, como é que os remédios funcionam? (ou: Como é que os cientistas bolam os remédios certinho pra tratar os distúrbios mentais? -- A história da psiquiatria e das medicações envolve a evolução da intenção do prescritor no ato de medicar uma pessoa desequilibrada: o apotropaísmo (q.v.) e o a influência do existencialismo na psicofarmacoterapia, a curto e a longo prazo! A negação da consciências alterada pela afirmação da ordem nas vivências

18.Doutor, não vou ficar viciado nos remédios? (ou: Não é trocar uma droga por outra? Por que devo continuar tomando remédios se já melhorei?) -- Dado um mal estar psíquico, imaginar que a pessoa estava melhor antes do uso regular de um tóxico.. e no caso de um fármaco, está melhor depois do uso regular deste! Evitar o anglicismo droga (drug) pois tem duplo significado ( como os vocábulos dúbios "percalço" ou "relevar") distinguindo-se 'tóxico' e 'medicamento'! Onde entra (e por onde sai) a responsabilidade e o livre-arbítrio no uso de um tóxico e de um fármaco! Lembrar os três períodos do tratamento medicamentoso: Recuperação ( até a pessoa se restabelecer completamente, quando isso ocorre...); Manutenção ( que permanece por alguns meses ou semestres com os medicamentos conferindo se continua bem, se for possível...); e Observação (após a suspensão da medicação, mantendo contato para poder identificar recaídas ocasionais já no início.... todos os períodos podem ser permanentes; e isso não depender só do ato médico!

19.A maioria das pessoas que vai ao psiquiatra acaba tomando remédio, não? -- Será que quase todas não vão muito depois da fase de orientação preventiva! Ou o psiquiatra super-diagnostica enquanto o clínico sub-diagnostica!

20.Posso beber com os remédios, Doutor? (ou: devo parar os remédios se for beber? Terei alguma reação grave?) -- Curioso que as pessoas muitas vezes prefiram interromper um tratamento em que já corfirmaram a utilidade para seguir um protocolo social injustificado e, às vezes, com conseqüências desagradáveis; seria para parecerem bem?! Como equacionar as previsíveis incursões pelos fermentados e destilados com a manutenção farmacológica!

21.Ainda se usa o eletrochoque, Doutor? (ou: Vão fechar mesmo todos os hospícios? A internação prolongada cronifica os doentes mentais? Como se fala em doença mental se não há alterações em nenhum exame? Os psiquiatras internam quem não se adapta à sociedade? e tantas outras questões que carregam o estigma da Luta Antimanicomial) -- Esclarecer a diferença entre a tal Luta e o verdadeiro sentido de uma Reforma da Assistência Psiquiátrica; esclarecer o uso da ECT (seu correto nome, e não "eletrochoque", designação dada ao seu uso malicioso e sórdida nas torturas, assim como se usou a  insulina EV, sem que isso hoje a taxasse de mais tóxica ou a inutilizasse)

22.O senhor fuma bastante, doutor!! Fumar não é um vício, uma doença? (ou: até que ponto beber é hábito e vira doença? Doutor, fumar maconha é menos perigoso que fumar crack? Larguei o crack, a cocaína, a maconha e a bebida depois da internação, mas o cigarro não deu não, doutor?) -- As relações culturais das substâncias psicoativas nas pessoas psicopassivas!

23.O senhor já passou por isso que estou sentindo ou só leu nos livros? (ou: o senhor entende dos remédios e eu entendo do meu problema) -- O que dá ao terapeuta a autoridade e a falibilidade! Onde se embasa a compreensão e a explicação das queixas dos pacientes e dos circunstantes! Como são estabelecidas as metas de tratamento!

24.O Doutor já atendeu algum caso como o meu? (ou: Que caso impressionou mais o doutor na sua vida de médico? Já teve algum caso que não tivesse diagnóstico ou que não tivesse solução?)

25.O senhor já se apaixonou por algum(a) paciente?(ou: a senhora a algum(a)? Algum paciente já se apaixonou pelo senhor? O senhor já saiu com algum?) -- Quando dizer: Não quero! Não posso! Não devo! Como equacionar a distância pessoal correta entre o terapeuta e o consulente! A questão da transferência e da contra-transferência!

26.Doutor, como faço pra trazer minha mãe aqui? Ela não aceita ir aos médicos nem tomar remédios! Se ela não é louca, pelo menos está deixando todo mundo doido! (ou: Meu filho é inquieto assim pela idade, pela situação familiar ou é uma doença? Cada pessoa fala uma coisa.... Meu marido diz-me que o meu psiquiatra fica botando idéias na minha cabeça! ) -- Terapia e assistência à distância, Propor à pessoa complicada que a família está toda precisando de uma avaliação em conjunto, e que cada um fará a sua parte de irem todos ao terapeuta?

27.O senhor por uma acaso já leu a bula do remédio que me passou? (Ou: Pra que serve a bula? Fiquei chocado com as reações descritas que o remédio pode dar! Na bula diz que o remédio que o senhor me passou é usado pra epilepsia, mas eu não tenho convulsões!?) -- As falhas da bula: o exagero dos efeitos colaterais mencionado para que o laboratório não seja acusado de ter escondido alguma reação possível com a medicação; as exigências da Vigilância Sanitária e do Ministério da Saúde; A complexa dificuldade de os médicos participarem da farmacovigilância (em geral, quem tentou uma vez não faz novamente...); os muitos erros na seção de farmacocinética e farmacodinâmica, motivo de provas nos cursos de Farmácia; O fato de só a primeira indicação ser inserida na bula (vide o propranolol, o grande curinga, que tem seis usos distintos só na psiquiatria; além de três na cardiologia, três na endocrinologia, dois na neurologia e outros inúmeros -- até na cirurgia vascular -- que me recorde...)!
P.S. Ler as contra-indicações é a única coisa que ainda se salva, em geral...

28.O senhor é meu médico (terapeuta etc); pode me dar seu celular para eu ligar em qualquer emergência? -- Orientações quanto às diferenças entre emergências (que necessitam de pronto-atendimento, pronto-socorro) e de urgências, que podem ser orientada à distância, mas até o ponto que necessitam de consultas ao prontuário do paciente e suporte técnico (livros, interconsultas, supervisão)! Até que ponto a facilidade de contato ajuda ou atrapalha!

29.Doutor, animais também tem depressão? (ou: também tem doenças mentais? Também tem consciência?) -- Quanto o ser humano é desumano! E a sutil beleza das terapias psicológicas através de animais!

30.Doutor, quem fala com plantas é louco? (ou: Quem fala sozinho está ficando doido?) -- Me lembro da reportagem na Veja desta semana sobre os amiguinhos invisíveis das crianças!

31.Doutor, existe premonição, ou sonho premonitório? (ou: É possível saber a distância o que se passa com outra pessoa? Ou é verdade que pai de santo recebe entidades? Espíritos podem deixar alguém perturbado? Pode alguém ouvir vozes do além sem estar doida de pedra?) -- O preconceito ainda gigante contra as disciplinas esotéricas, e mesmo com os trabalhos estatisticamente embasados dos parapsicólogos (telepatia, telecinesia, prosopopese, clarividência, etc) e mormente seu tabu nos ambientes acadêmicos,por vezes dum medo de reconhecer boa parte dos profissionais terem vivenciado fenômenos incomuns e inexplicáveis pode ser constrangedor e até complicador na terapia.
        ...Por fim, um comentário que todos já ouvimos, e tivemos sempre de concordar, pra terminar essa lista: Doutor, eu sou louco, mas não sou burro!

O Psiquiatra e Profissionalização do Seu Trabalho (Cyro Masci, Manoel Berlinck)

Em uma troca de mensagens sobre a questão de como as condições de trabalho vêm suscitando uma achatamento considerável nas condições sociais do médico, e como as seguradoras de saúde vem proletarizando o profissional da medicina, a idéia da prática liberal da medicina veio a tona. A discussão foi muito interessante e com testemunhos enriquecedores. A certa altura, Cyro Masci enviou um texto de grande sabedoria e experiência. À este, acrescentamos duas observações de Manoel Berlinck, à guisa de complementos, que podem ser lidos independentemente. Em 07/02/05.

Cyro Masci:

Cometi uma enormidade de erros no passado, simplesmente porque nas faculdades somos ensinados a obedecer, seguir as regras sagradas de uma medicina que não existe mais, e não a ganhar a vida como qualquer mortal. Médicos estão tão acima dos mortais que se tornaram vítimas pueris nas mãos dos administradores profissionais. Um patinho na lagoa, pronto pra ser abatido.

Primeiro ponto, é preciso conhecer e quebrar um monte de crenças limitadoras comuns no Brasil. Para quem deseja sair um pouco das falações que vivemos no Brasil varonil, sugiro a leitura de um livro que todo intelectual passa longe nas livrarias: “Manual do sucesso total”, de um psicólogo chamado Rhandy di Stéfano, que viveu uma parte da vida no Brasil e outra nos EUA. Ele lista uma série de crenças bem brasileiras que limitam nossa capacidade produtiva, um monte de bobagem que a gente acredita sem saber que acredita e que dirige e limita sua vida. Se não bastar, coaching profissional (não é terapia, é aconselhamento de carreira em geral feito por psicólogos com experiência em negócios).

Este país pune cruelmente as pessoas que fazem sucesso, ganhar dinheiro dá sentimento de culpa, parece pecado. Como dizia minha analista, só falta a gente atender de beca, aquele vestidão que usamos na formatura. Sabe por que ele tem o bolso atrás e não na frente? Um costume antiqüíssimo, os doutores do passado negavam-se a colocar a mão no dinheiro, e as moedas eram colocadas no bolso de trás. Honorários, vem de honra!

Alguns erros do passado: tive uma clínica que se chamava CEMEPS - Centro de Medicina Psicossomática, os pacientes tinham que fazer um curso pra pronunciar o nome CEMEPS, e pós graduação para saber o que é psicossomática. E todo mundo confundia com a CEMES, uma clinica na mesma cidade de uma amigo de colégio. Erro na marca.

Comprei com muito esforço um imóvel para só mais tarde aprender que um dos principais motivos de uma empresa quebrar é a falta de capital de giro, você jamais deve imobilizar o capital num imóvel, só se o dinheiro estiver sobrando, o que nunca foi meu caso. Erro de gestão, custou muito mais caro que o dinheiro envolvido, simplesmente faltou dinheiro em momentos cruciais.

Custei muito a compreender que nenhum paciente busca psiquiatra, medicina, nenhum tipo de serviço para o qual fomos treinados a oferecer. Ele busca solução para seus problemas. Nosso conhecimento é um instrumento, um livro que você tira da prateleira e usa com sabedoria e conveniência. Quanto mais conhecimentos voltados a oferecer soluções você possuir, melhor.

Já paguei anuncio nas páginas amarelas sem resultado nenhum (mas para isso você precisa perguntar ao paciente como ele chegou no seu consultório, tabular isso e repetir o que dá certo). Já cai no engano de atender convênio achando que um dia essas pessoas iriam tornar-se pacientes particulares, ou comprar outros serviços, para só então descobrir que o meu nome tinha passado a ser “médico do convênio”, em geral acompanhado se um sorriso condescendente de quem não espera muito dessas pessoas.

Fiz e faço muita besteira. Uma coisa que aprendi foi que não basta o bom senso para ser liberal, você precisa aprender como gerenciar um negócio. O Sebrae é um dos melhores começos.

Se fosse dar conselhos a um residente saindo da escola, seriam:

  • siga seu coração, jamais faça absolutamente nada porque algum professor falou que é assim que se faz, e muito menos porque você será bem visto por meia dúzia de colegas;
  • se alguém falou para você ser bom, preocupar-se apenas com isso que o dinheiro é conseqüência, ou não sabe das coisas da vida ou deseja que você seja bucha de canhão dos convênios.
  • defina por escrito o que você quer da vida. Se for viver de consultório, não seja amador a ponto de acreditar que o bom senso basta para tornar-se um empreendedor, que é isso que um médico liberal no fundo deve ser. Procure cursos no sebrae, comece por baixo, o primeiro é o “como abrir seu negócio” para não cometer erros primários como eu cometi e deixei uma pequena amostra acima.
  • se é vida universitária que você deseja, procure mestrado e doutorado. Esses cursos formam professores, mas não qualificam para atendimento. Se você pretende viver de clinica, procure fazer cursos que aumentem sua competência no atendimento ou ao menos aumentem seu arsenal de procedimentos e soluções. Os professores da lista por favor me desmintam, mas currículo universitário dá credibilidade, mas o que traz pacientes mesmo são outros fatores, principalmente o sucesso no tratamento de outros pacientes.

Eu ainda estou aprendendo a ganhar dinheiro como liberal, na verdade já quebrei uma vez, abri um negócio com minha mulher fora da medicina e me dei muito mal! Não achei nada engraçado, e não pretendo cometer os mesmos erros de novo.

Essa queda foi minha maior escola, tive que aumentar o faturamento da clínica para pagar uma fortuna de juros a bancos, e nisso aprendi que é perfeitamente possível atender de modo ético, sem jamais resvalar, nem de longe, em qualquer conduta que prejudique ou deixe de auxiliar meus pacientes, e também ganhar dinheiro com isso, sem culpa, e sempre com ética e profissionalismo.

A meta dessas observações é tentar auxiliar outros colegas a não cometerem os mesmos erros que cometi. São estritamente pessoais e espero que sejam úteis.

Duas intervenções de Manoel Berlinck

1)

Prezados Colegas,

Esta história de diplomas é bem divertida!

Como professor universitário há 44 anos, posso dizer o seguinte.

Há pessoas que investem em títulos e diplomas porque pretendem fazer carreira universitária. Para esses, os títulos, diplomas, bolsas, auxílios e publicações são indispensáveis, pois o que conta é o tal do Curriculum Lattes. Eles investem em seus cv Lattes. Estudam e escrevem para o CNPq.

Há pessoas que investem em títulos e diplomas porque assim se sentem  seguros. Porém, títulos e diplomas raramente ou nunca trazem clientes para consultórios. Lembro-me de um consultório médico cuja parede era forrada de diplomas. Isso era impressionante. Mas de eficiência duvidosa.

Há algum tempo conversava com um empresário, querido amigo, um desses experimentados negociantes, e reclamava da falta de dinheiro. Ele me olhou no fundo dos olhos e disse: "Você investe em livros, vai receber livros. Se você investisse em dinheiro, receberia dinheiro". Quem investe em títulos e diplomas vai receber títulos e diplomas.

 

2)

Essa conversa sobre organização de  produção me interessa.

Afinal, como editor, livreiro e líder de uma sociedade científica, considero-me um empresário e aprendo muito com essa atividade.

Creio que a primeira lição é a formulada pela Márcia. Quem decide investir numa organização não pode ter pressa.

Uma empresa, ong, sociedade civil sem fins lucrativos etc., para chegar ao ponto de equilíbrio (break even), no Brasil, leva, em média, 14 anos. Nos EUA, leva 24 anos e na França leva 30 anos.

Essa história que capitalista fica rico da noite pro dia é uma grande bobagem. Quem fica rico rapidinho é bandido.

Enquanto isso não acontece, o(s) proprietário(s) tem que investir com trabalho e dinheiro.

Assim, é indispensável ter uma fonte de renda que permita sustentar a organização por um longo tempo. O empresário investe no futuro. Para isso, precisa ganhar no presente. O Cyro tem razão, um emprego é necessário para essa fase de transição. Ou, então, um pai ou um(a) amante rico(a).

A Editora Escuta e a Livraria Pulsional têm 18 anos e, no ano passado  (2004), pela primeira vez, foi possível receber algum dinheiro. Pouco, é verdade, mas algum. Menos, por exemplo, do que alguns funcionários recebem. Até então, ou seja, por 17 anos foi necessário investir.

O giro do capital de uma Editora é tão lento que nenhum banco brasileiro fornece crédito pré-aprovado para editoras.

Livrarias, por serem comércio, tem um giro mais rápido e, por isso, têm crédito pré-aprovado. Esse crédito, entretanto, é o mais caro do mercado e deve ser usado com extrema cautela.

Não sei como seria com uma organização de prestação de serviços.

A primeira coisa, então, é conversar com o gerente do banco e saber dele qual é a política de crédito para a organização que se quer criar.

Essa conversa com o banco é necessária, mas nunca deve ser usada pelo empresário. Quem toma dinheiro de banco para investir na empresa está fadado ao fracasso e à escravidão.

Imagino que essas observações possam ser úteis para quem pense em criar organização de venda de serviços.

NÃO DÁ MAIS PARA ESQUECER: As histórias da História Contadas por Nossos Amigos da LBP (Irma Ponti)

O texto abaixo, de Irma Ponti, psicanalista em Recife/Denver, sintetiza uma discussão na LBP onde colegas deram seus depoimentos e testemunhos a uma pergunta feita na lista sobre como foram os anos da ditadura e como era viver sob esta. A leitura do artigo abaixo fala por todos e por si só.

Foi um período difícil para todo brasileiro - para os que ficaram aqui, e para os que tiveram que ir embora. Foi difícil no começo, durante e ainda no agora - não somente pelas marcas profundas que ainda sangram - mas porque perdura ainda aquele sentimento popular de que quem fez uma, faz duas. Luciano pediu a história dos que viram o começo desse período amargo. José de Matos se interessou, e os que sabiam e tinham o que contar foram falando. Devagar e com paixão e uma certa melancolia - o estilo do Tosta, e com o rir para não chorar do Walmor, com a dor mal contida do Portela, com a cautela e carinho do Luiz Salvador, com o voltar não voltando, mas estando conosco, do Eliezer, com o partilhar de suas histórias de todo mundo - do lado de cá e do lado de lá - como a coragem e candura do Marcelo Lourenço. As histórias contadas, assim do fundo da alma de cada um, foram virando mais do que momentos vividos no passado. Elas foram entrando devagarzinho na mente, no coração e de repente no todo nosso, fazendo a gente perceber que ali, à nossa frente, estavam profissionais que são mais do que simples sobreviventes de uma época quando se "falava de lado e olhando pro chão". São gente que teve a coragem de sentir medo sem perder sua humanidade, essa categoria de existência que uma vez o Tosta explicou como "uma espécie dolorida." Sentir dor é do humano. Saber doer e continuar sendo humano, não é pra qualquer um. Os mais jovens, os que nasceram e tiveram os anos mais importantes de seu desenvolvimento e crescimento sob um regime de ditadura, precisam falar também. Foi daí que surgiu a idéia de um questionário, encorajando todos a falar. O que foi antes, e o que foi durante, tudo vai atuando no que é hoje, por isso é preciso saber, por isso é preciso falar. A voz. A palavra. Quando nem cantar se podia, um amigo nosso aqui da Lista, pegou, seu violão e começou a cantar. Foi preso por isso. O violão até hoje está mudo. Quero uma canção dele. Quero que não nos deixe esquecer. Porque sem a liberdade de ser, nos tornaremos mais do que uma espécie dolorida. Seremos uma espécie extinta. E assim íamos conversando, histórias compartilhando, quando o Walmor chegou de férias e nos disse: “Gentes. Os depoimentos de vários colegas foram carregados de emoção e me fizeram pensar em algo mais abrangente. O elo que nos une nesta lista, além das afinidades gerais, é uma ”retidão de caráter". No velho sentido de ter uma origem familiar com modelo parecido, independente do Estado da nação. Não importa se do centro, do sul, do nordeste ou do centro-oeste, todos mostram que aprenderam a lição de casa. Passar por períodos turbulentos sem vender a alma ao diabo, me parece o fato mais significativo das nossas vidas.” “Nasci pouco antes do golpe militar”, fala DAN. “E só vim tomar conhecimento do Al5 quando comecei o primeiro grau”. “Em 31 de março, Irma, estava terminando a dissertação de Mestrado e puto com os militares que estavam atrapalhando o meu trabalho. Precisava embarcar para Ithaca em julho, e nada funcionava neste país em revolução”, conta-nos Tosta. Assim, aos poucos foram chegando as respostas à pergunta “Onde estava você quando ouviu que os militares haviam tomado o poder? José de Matos estava no segundo ano da Faculdade Nacional de Medicina da Universidade do Brasil, enquanto Portela “estava indo para o Colégio Estadual de Pernambuco e tinha treze anos na época. Passava pelo palácio do governador e vi tanques na praça, esquinas com soldados armados e trincheiras de sacos de areia.” Ismair tinha apenas cinco anos, Raquel tinha quatro e Durval, dez. Giovanni nos conta que veio da Itália em 1966 e cursava o Colegial na ocasião do golpe militar. Leopoldo tinha dezesseis anos e lembra de seu pai “acompanhando o noticiário pelo radio, interrompendo, para andar em círculos repetindo indignado `são uns estúpidos, uns arrogantes, uns animais', referindo-se aos militares revolucionários” Chega o mestre Luiz Salvador, contando sem pressa: “O primeiro de abril de 1964. Bem cedo, saímos para Quipapá. Os dois dentistas de equipe e eu. O restante do pessoal havia ido no caminhão mais cedo. Encontramos o primeiro rastro de guerra em Japaranduaba. Aquele trevo à beira-rio defronte de Palmares, quando a Estrada que vem do Recife bifurca para Maceió ou Garanhuns. Vi diversos ninhos de metralhadora.50. A maior parte .30. Outros chegam e vão falando também: Elizabeth estava no Rio e Márcio Pinheiro, nos Estados Unidos. Sinto na sua voz o drama de sua família quando diz, “Meu irmão mais novo era líder estudantil na UNE (São Paulo). Foi eventualmente preso.” Eliezer, responde da França, “No dia 31 de Março de 1964, havia quatro meses que eu interrompera minhas atividades políticas `oficiais', começadas em 1960 e terminadas em novembro de 1963: duas vezes representante de turma (em 1960 e 1961), presidente do DA em 1962, candidato à presidência da UEP em 1963. A política tornara-se quase o meu único centro de interesse e meus estudos de medicina passaram ao segundo plano. Eu passara as férias estudando pois havia deixado duas matérias para a segunda época, como dizíamos.”. “Encontrei José Tinoco, meu vencedor e novo presidente da UEP, no Hospital Universitário, na manhã do 31 de Março. Apesar de tudo, continuávamos amigos, embora nossas relações tivessem se tornado mais frias após a campanha eleitoral. Foi nesta conversa que Tinoco, num dado momento, sussurrou-me, num tom bastante grave: tome cuidado, Eliezer, O GOLPE ESTÁ DADO !” Outras perguntas me ocorreram: e o medo? E o que faz um indivíduo torturar o outro? O que podem dizer para os que não viveram de muito perto a experiência da tortura física e mental? As respostas nos comoveram e nos uniram ainda mais. “O medo tomou forma gradualmente”, fala Portela num desabafo dolorido, “e o vejo em flashes. Inicialmente, vendo toda hora aqueles presos políticos serem humilhados pela televisão, declarando-se arrependidos, eu sentia um tremendo mal estar e muita raiva. Isto me deixava com mais medo porque meu pai era declaradamente comunista e proletário, admirador ferrenho de Fidel, e defendia abertamente o cubano de Sierra Maestra. TAos 18 anos conheci os "porões" na Rua da Aurora, onde fiquei um dia e uma noite sob interrogatório (havia um outro) em circunstâncias já relatadas. Aí senti um medo mortal, a ponto de, ao ser liberado, tatear até o terminal de ônibus e não me lembrar como cheguei lá e nem como cheguei em casa. O que me desmoronou foi uma espécie de fuzilamento onde o escrivão de repente pegou a arma e atirou em minha direção. Era pólvora seca ou espoleta, não sei. E tinha também aqueles gritos abafados horríveis que parecia sair do fundo do poço da escadaria. Era tarde da noite...” José Antonio era menino no interior da Bahia, e nos conta que logo cedo as coisas estavam mudadas na cidade e as noticias que podiam ser compreendidas por um garoto de l3 anos. Volto correndo para casa. Começam as prisões na cidade. Cecília acrescenta “vivi a adolescência e o inicio da vida adulta sob o poder da repressão e do medo”. Sinto como se tudo acontecera ontem. “Não sou frouxo, nem paranóico”, fala Cláudio Duque, “Já peguei trombadinha no braço, no Rio de Janeiro. Conto isso para que os mais jovens saibam o quanto à ausência de garantias elementares de direito pode contaminar e enlouquecer as pessoas”.Durval nos diz que “genericamente, o medo é o momento de suspensão do ser.” E quanto o que faz alguém torturar o outro, cita Arendt: “o mal é banal. E o ato destrutivo é mais simples de todos. Difícil é construir”, enquanto Elizabeth, num depoimento comovente, conta da sombra de uma outra história de medo e terror: “O medo meu e de minha família era bem relacionado às dificuldades anteriores como imigrantes. Subitamente toda esperança desmoronou. Haveria campos de concentração? Fuzilamentos? Gás?” Ao falar do medo e da capacidade humana de torturar, de maltratar o outro, as respostas do grupo foram respostas que nos levam a refletir sobre nossa presença neste planeta, onde sua própria estrutura geológica é bastante instável e nossa constituição de seres civilizados malabariza precariamente, cada vez mais. “É muito duro ser humano! A civilização é uma rala camada de verniz sobre a animalidade do homem”, ensina Tosta. Giovanni, acrescenta “O poder inebria, corrompe a alma, o caráter, a razão. Separa o bem do mal rompendo o precário e dinâmico equilíbrio que existe dentro de cada um de nós.” Então, do que deveríamos falar agora? Quais as perguntas que temos um para o outro? Walmor inaugura a fila com saudosismo: “Na época da ditadura existia o milagre brasileiro, se ganhava mais dinheiro, se comprava apto. pelo BNH, a música era melhor, os shows de contestação arrastavam multidões, havia mais entusiasmo, algo contra o que lutar etc., em resumo, a vida era mais intensa e colorida. Ou quem sabe seria a minha juventude perdida e tudo isso não significava nada?” Chegando de Belo Horizonte, Márcio apresenta questões que não podem ser ignoradas, porque além de nos fazer aprender do passado, nos capacita a entender nossa cultura e nosso presente como nação: “Porque os países sul-americanos estão sempre enfrentando ditaduras? Porque essa busca do caudilho, do pai forte? Já, Marcos Klar, receoso de uma divagação, pergunta:” Como jovem queria saber se posso acreditar que nossas ciências mentais, as psi-profissões, têm mesmo a liberdade de livre pensamento e expressão como parece ser, exemplo o desta Lista.”. Marcelo Lourenço pergunta sobre uma força externa ao militarismo que governava o país. E José de Matos oferece uma pergunta pragmática: “O quê aprendemos com tudo aquilo?” E o nosso amigo, Luciano, que começou esse fluir de sentimentos e recordações neste nosso espaço de catarse particular, ajuda-me a encerrar com esta pergunta, talvez, cínica, talvez ingênua, mas certamente uma questão que vem desde a criação do homem: “Sabe, Irma, quem é o lobo mau e quem é o Chapeuzinho Vermelho?” Faz-me lembrar de um quadro religioso onde aparece Deus no jardim de Éden apontando para Adão que aponta para a Eva e esta, para a serpente. Quem foi o culpado afinal?

Noticiário

(1) Tramita na Câmara dos Deputados um projeto de lei que autoriza os estabelecimentos privados, contratados ou conveniados a disponibilizarem acomodações com padrão e conforto diferenciados para o usuário que assim o desejar.

Além de o estabelecimento receber do SUS pelos serviços prestados, receberá também um plus pago por fora diretamente pelo usuário. O projeto ainda prevê o mesmo mecanismo para o pagamento de honorários aos profissionais.

O PL 3268/2004 de autoria do deputado Dr. Francisco Gonçalves (PTB/MG) foi aprovado em dezembro pela Comissão de Seguridade Social com parecer favorável do relator deputado Rafael Guerra (PSDB-MG).

O deputado Roberto Gouveia (PT-SP) vai recorrer para que o projeto, depois de apreciado pela Comissão de Constituição e Justiça, seja votado pelo plenário da Câmara antes de ir ao Senado. Mais de 100 deputados já aderiram ao recurso, e Gouveia quer ampliar esse número, dada a gravidade da proposta.

Na justificativa do projeto o autor expressa que cidadãos acabam por adquirir planos privados de assistência à saúde não por falta de confiança no SUS, mas apenas para poder ter acesso a acomodações diferenciadas do padrão oferecido pelo sistema. O relator afirma que, com a falta desta diferenciação,para a classe média, em contrapartida, restou como única alternativa ingressar no sistema suplementar e arcar com despesas adicionais e crescentes representadas pelas mensalidades dos planos de saúde.

(2) O CFM através da resolução #1.755/04 institui a re-certificação dos títulos de especialista. Na matéria publicada na revista Medicina do CFM (20[152] dez2004/jan2005, p. 11) lemos: “O médico que não fizer a revalidação terá o seu título desconsiderado, o que poderá acarretar a negativa dos convênios e a proibição de divulgação do título, mesmo que possa continuar atuando em todas as áreas da medicina”.

Opinião

“Digo que as diferenças de linguagem são absolutamente necessárias e não impedem o diálogo entre duas pessoas. Ora, 'diálogo' somente se há diferença. A ausência desta impõe um simples jogo de espelho. Não há 'diálogo' propriamente. Os desencontros, insisto, são o resultado de como os interlocutores se posicionam. Se há de um lado um psicanalista que diz 'vá se analisar para entender isto ou aquilo', este desqualifica o interlocutor. É o mesmo o resultado quando o interlocutor diz 'a última metanálise concluiu que para o tratamento de sei lá o quê deve ser feito isso ou aquilo'. Ambos são enunciados que retiram do 'diálogo' a inteligência e a criatividade. E, não tão no fundo assim, são elementos próprios à luta de poder e prestígio que habita massivamente o imaginário humano.”

Durval, 05/02/2005


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