Volume 10 - 2005
Editor: Giovanni Torello

 

Dezembro de 2005 - Vol.10 - Nº 12

Artigo do mês

FLUOXETINA

Paulo José da Rocha Soares

Histórico

Foi lançada no mercado no início de 1988.

Estrutura química

A fluoxetina é uma fenil-propilamina de cadeia reta, não relacionada quimicamente e distinta farmacologicamente dos antidepressivos tricíclicos, tetracíclicos e outros.

É um sólido cristalino, de coloração branca a branco-amarelada, solúvel em água na concentração de 50 mg/ml.
É estável durante 24 meses, quando exposta a uma temperatura de 25, 40 ou 50.ºC.

Farmacocinética

A fluoxetina é bem absorvida por via oral. As concentrações máximas no plasma ocorrem depois de aproximadamente 6 a 8 horas de uma dose inicial. A presença de alimento causa um leve atraso na velocidade de absorção, mas não afeta seu grau. Portanto, a fluoxetina pode ser administrada com ou sem alimento.
Cerca de 94,5% da fluoxetina liga-se as proteínas séricas, incluindo a albumina e a a1-glicoproteína.
A fluoxetina é metabolizada no fígado, sendo em parte metabolizada em norfluoxetina (desmetilfluoxetina), metabólito ativo. A meia-vida no soro da fluoxetina é de 2 a 3 dias, e a da norfluoxetina, 7 a 9 dias. A concentração estável no plasma é obtida entre a 2.ª e a 48.ª semana, o volume de distribuição é de 20 a 45 l/kg, e o clearence plasmático é de 20 l/h para a fluoxetina e 91 l/h para a norfluoxetina. Embora as concentrações estáveis no plasma só sejam alcançadas depois de semanas de administração continuada, seus valores parecem não aumentar sem limite depois das 4 a 5 semanas. Deste modo, é improvável que uma falha ocasional na administração da droga possa vir a cansar um efeito clínico significativo nos pacientes.
A norfluoxetina e vários outros metabólitos não identificados são excretados pela urina (65 %) e nas fezes (15 %) por mais de 30 dias. Como o fígado é o principal local de metabolização da fluoxetina, seu comprometimento pode afetar a eliminação da droga. Os portadores de cirrose hepática podem ter uma meia-vida média que pode chegar a 7,6 dias. A eliminação também está retardada, com duração de 12 dias. Portanto, a fluoxetina deve ser usada com cautela em hepatopatas.
Embora nos estudos com dose única em pacientes portadores de insuficiência renal, mesmo em diálise crônica, a farmacocinética não foi alterada. Ainda assim, é recomendada a redução da dose em pacientes portadores de comprometimento da função renal.
Os efeitos da idade sobre o metabolismo da fluoxetina ainda não foram pesquisados totalmente, mas há a possibilidade de existência de alterações farmacocinéticas em idosos, principalmente quando apresentam doença sistêmica ou estiverem em uso de outras drogas concomitantemente.

Ações farmacológicas



A fluoxetina é um potente inibidor específico, seletivo, da captação da serotonina nos neurônios pré-sinápticos, com conseqüente elevação dos níveis de serotonina nas áreas sinápticas cerebrais.
A fluoxetina é 15 a 16 vezes mais potente como bloqueador da serotonina que a amitriptilina ou a doxepina.
Sua ação sobre o bloqueio dos receptores muscarínicos anticolinérgicos, histamínicos (H1), serotoninérgicos (5-HT1 e 5-HT2) e noradrenérgicos (a1 e a2) é muito pequena.



Ações adversas

As manifestações mais freqüentes sobre o sistema nervoso são: cefaléia em 20 % dos pacientes (levando 2% a interromper o tratamento); tonturas em 18% (com interrupção em 1%); ansiedade em 10 a 15% com interrupção do tratamento em 5%; insônia em 14% dos pacientes e supressão do sono REM, podendo ser controlada com diazepam, mas este pode ter sua meia-vida prolongada (2% interrompem a medicação); sonolência; tremores; fadiga e dificuldades em concentrar a atenção. Convulsões em 0,2%.
Os efeitos anticolinérgicos tem uma incidência menor que os antidepressivos tricíclicos, e são: xerostomia (10%), constipação e visão turva.
Os efeitos colaterais gastrointestinais incluem náuseas, que ocorrem em 25% dos pacientes, tendendo a ocorrer no início do tratamento e podendo desaparecer com a continuidade do mesmo (3% interrompem o tratamento); vômitos em 2%; diarréia, dor abdominal; alterações no paladar e flatulência.
Perda de peso ponderal, freqüente, que parece estar mais relacionado com a redução da ingesta por diminuição do apetite que com efeitos colaterais gastrointestinais. Alguns pacientes recuperam o peso durante o tratamento ou não perdem peso durante o mesmo.
Dentre as ações cardiovasculares, a freqüência cardíaca média foi reduzida em 3 batimentos por minuto. Hipotensão ortostática e a taquicardia ocorrem em menos de 1% dos pacientes. O uso da droga não foi avaliado em pacientes com história de infarto agudo do miocárdio recente ou doença cardíaca instável.
Como alterações dermatológicas encontramos erupções cutâneas ou/e urticariformes, levando à interrupção do tratamento em 1/3 dos pacientes. Em pacientes com rash cutâneo pode, raramente, ocorrer vasculite grave, envolvendo pulmões, rins ou fígado, com casos fatais. As alterações dermatológicas podem estar associadas à febre, leucocitose, artralgia, edema, síndrome do túnel do carpo, desconforto respiratório, linfadenopatia, proteinúria e elevação leve das transaminases. A maior parte dos pacientes melhorou mediatamente com a retirada da medicação e/ou tratamento com anti-histamínicos ou esteróides. Foram relatados eventos anafiláticos, incluindo broncoespasmo, angioedema e urticária, isolados ou combinados.
Foram relatadas raras alterações pulmonares, incluindo processos inflamatórios de diferente histopatologia e/ou fibrose. Estas patologias ocorreram tendo como único sintoma precedente a dispnéia.
Foram relatados, em estudos com doses 7,5 vezes maiores que o máximo recomendado em seres humanos, fosfolipidose, acumulação anormal de fosfolipídios, reversível, em células, sendo mais afetados os olhos, pulmões e nervos periféricos.
Anorgasmia e orgasmo retardado em 5% dos pacientes. Estes efeitos podem regredir com o uso de ciproheptadina (PERIATIN ®, Prodome, 4 mg, 50 comprimidos ou vidro com 240 ml, 2 mg/5 ml) 4 a 8 mg por via oral, 1 a 2 horas antes da atividade sexual.
Outros efeitos colaterais relatados que podem ou não ter relação com o uso da fluoxetina: anemia aplástica; acidente vascular encefálico; confusão mental; discinesia; acatisia; equimoses; pneumonia eosinofílica; hemorragia gastrointestinal; hiperprolactinemia; anemia hemolítica imunorelacionada; transtornos de movimento em pacientes com fatores de risco (transtornos pré-existentes, uso de drogas que os provocam); quadros semelhantes à síndrome neuroléptica maligna; pancreatite; pancitopenia; ideação suicida (que remite com a suspensão da fluoxetina); trombocitopenia; púrpura trombocitopênica; sangramento vaginal depois da interrupção da droga e condutas violentas.

Indicações



Distúrbio depressivo maior.
Depressão associada a transtorno bipolar.
Distimia.
Síndrome de tensão pré menstrual 3.



Outras indicações:



Bulimia nervosa.
Anorexia nervosa.
Obesidade endógena sem depressão.
Transtorno obsessivo-compulsivo.
Transtorno de pânico 4.
Bebedores-problema (por redução da ingesta alcoólica).
Transtorno de personalidade borderline (limítrofe).
Transtorno de personalidade esquizotípico.



Contra-indicações



A experiência clínica da fluoxetina em pacientes portadores de doença sistêmica concomitante é limitada. A droga deve ser usada com cautela em pacientes portadores de doenças ou limitações que possam comprometer o metabolismo ou as respostas hemodinâmicas.
Não existem estados suficientes para indicar o uso de fluoxetina durante a gravidez e não é conhecido se a droga é ou não excretada no leite materno.



Princípios para utilização



A vantagem da fluoxetina, que possui uma ação equivalente à maioria dos demais antidepressivos, e uma maior incidência de ações colaterais associada a uma administração mais fácil, sendo o antidepressivo mais vendido nos Estados Unidos.
A dose inicial 4 de 20 mg ao dia, por via oral, pela manhã, independentemente das refeições. Após algumas semanas de uso (2 ou 3), se não for observada melhora clínica, a dose pode ser gradualmente aumentada até o máximo de 80 mg ao dia, fracionada em 2 tomadas: pela manhã e ao meio-dia. Ocasionalmente pode haver sedação e então a droga deverá ser tomada à noite. Em muitos pacientes, a dose de 10 mg pode ser eficaz, sendo a medicação dada em dias alternados ou metade da cápsula diluída em água ou sucos gelados. Este esquema também pode ser usado em pacientes que apresentem grande intolerância as ações colaterais da fluoxetina.
No tratamento da obesidade ou da bulimia nervosa, a dose necessária pode ser de 60 mg ao dia.
Está indicada uma dose menor ou menos freqüente em pacientes portadores de insuficiência hepática ou renal, idosos ou em uso de outras medicações concomitantemente.
Como os demais antidepressivos, o efeito pleno sobre o humor não surge antes de 4 ou mais semanas de tratamento.
Caso o paciente esteja em uso de outro antidepressivo, o mesmo deve ser gradualmente suspenso, devendo haver um intervalo de uma semana de suspensão antes de ser iniciada a fluoxetina.
Antes de se iniciar o uso de IMAO, deve se aguardar pelo menos 5 semanas de suspensão da fluoxetina.
O tratamento com a fluoxetina pode ser concluído pela simples interrupção da droga. Um único paciente apresentou sintomas relacionados com a interrupção da fluoxetina: agitação, dificuldade em concentrar a atenção e insônia nas primeiras 48 horas sem a droga. Transtorno do pânico. Assim como os antidepressivos tricíclicos, os inibidores seletivos da recaptação da serotonina provocam uma piora inicial em alguns pacientes portadores de transtorno do pânico. Esses pacientes sentem um aumento da ansiedade, agitação e tontura. Por esta razão, a dose inicial deve ser menor que a usualmente prescrita para pacientes com depressão 4. A dose recomendada para o início do tratamento é baixa, 5 ou 10 mg/dia de fluoxetina 4,5. Esta dose deve ser mantida por vários dias até a adaptação aos efeitos colaterais e daí se faça o ajuste para a dose padronizada de 20 mg/dia. Em alguns estudos, a fluoxetina se mostrou eficaz em doses variando entre 5 a 80 mg/dia. Se o paciente não responder ao tratamento após algumas semanas, pode-se fazer, então, um novo aumento nas doses. Em geral não se observa uma resposta por pelo menos 4 semanas e alguns pacientes não atingem remissão total dos sintomas após 8 a 12 semanas. Há poucos dados sobre a duração do tratamento 4. Caso ocorram sintomas ansiosos, associar um benzodiazepínico nas duas primeiras semanas 5.

Apresentações comerciais



CLORIDRATO DE FLUOXETINA ® (Teuto Brasileiro) caixa com 7, 14 e 28 cápsulas de 20 mg; frasco com 70 ml de solução com 20 mg/5 ml (medida).
DAFORIN ® (Nova Química-Sigma Pharma) caixa com 20 comprimidos sulcados de 20 mg, caixa com 10 e 20 cápsulas de 20 mg; frasco conta-gotas com 20 ml de solução com 20 mg/1 ml.
DEPRAX ® (Aché) caixa com 14 e 28 cápsulas de 20 mg.
DEPRESS ® (União Química) caixa com 7, 14 e 28 cápsulas de 20 mg.
EUFOR 20 ® (Farmasa) caixa com 14 e 28 comprimidos de 20 mg.
FLUOXETINA ® (Knoll/BASF Generix) caixa com 14 cápsulas de 20 mg.
FLUOXETINA ® (Neo-Química) caixa com 7, 14 e 28 cápsulas de 20 mg; frasco com 70 ml de solução com 20 mg/5 ml (medida).
FLUXENE ® (Eurofarma) caixa com 7, 14 e 28 cápsulas de 20 mg.
NORTEC ® (Ativus Farmacêutica) caixa com 28 comprimidos revestidos de 10 mg; caixa com 14 e 28 comprimidos revestidos de 20 mg.
PROZAC 20 ® (Lilly) caixa com 7, 14 e 28 cápsulas de 20 mg; caixa com 70 cápsulas de 20 mg (hospitalar); frasco com 70 ml de solução com 20 mg/5 ml (medida); caixas com 14 e 28 comprimidos solúveis de 20 mg.
PSIQUIAL ® (Merck) caixa com 14 e 28 comprimidos de 20 mg.
VEROTINA ® (Libbs) caixa com 14 e 28 comprimidos de 20 mg.

Interações medicamentosas



Potencialização da depressão sobre o sistema nervoso central provocada pelo álcool e outros depressores.
Aumento da meia-vida do diazepam e do alprazolam.
Aumento da concentração plasmática do haloperidol em cerca de 20%.
Aumento de 2 a 3 vezes no nível plasmático de antidepressivos tricíclicos. Portanto, em caso de associação, a dose do antidepressivo tricíclico devera ser reduzida, como por exemplo 50 mg de nortriptilina, antes de associar a fluoxetina.
Relatado aumento e diminuição dos níveis séricos de lítio.
Aumento dos efeitos colaterais extrapiramidais, especialmente acatisia e tremores das drogas antipsicóticas e dos tremores provocados pelo lítio (2).
A associação com triptofano provoca inquietude, mioclonias, agitação e desconforto gastrointestinal. Portanto, cuidado com alimentos ricos em triptofano.
Cuidado quando estiverem associadas drogas que se ligam a proteínas plasmáticas como warfarina e digoxina, que podem ser deslocadas e aumentar a fração livre circulante (6).
Em diabéticos a fluoxetina pode provocar hipoglicemia e, quando interrompida, hiperglicemia. Há, portanto, necessidade de ajuste nos pacientes em uso de insulina ou hipoglicemiantes orais.
Hiponatremia em pacientes idosos ou que estavam em uso de diuréticos ou outros depletores de volume, que desaparece com a interrupção da fluoxetina. Há a possibilidade deste efeito ser explicado pela síndrome de excreção inapropriada de hormônio antidiurético (SIADH). Relato de prolongamento das convulsões em pacientes submetidos a eletroconvulsoterapia.
Em pacientes que associaram a fluoxetina a IMAO e a l-triptofano (2), ocorreu uma síndrome serotoninérgica, caracterizada por alterações na consciência, hipomania, agitação psicomotora, rigidez, mioclonia, hiperreflexia, incoordenação motora, tremores, instabilidade autonômica com hipertermia, sudorese, calafrios e diarréia, evoluindo progressivamente para delirium, coma, e por vezes morte. Alguns quadros eram muito semelhantes à Síndrome Neuroléptica Maligna. Os inibidores seletivos da recaptação da serotonina necessitam de 14 dias de washout antes de iniciar um inibidor da MAO, mas devido à sua meia-vida prolongada, a fluoxetina necessita de 5 semanas (1).
Outras medicações psiquiátricas conhecidas por provocar condição menos severa, porém semelhante à síndrome serotoninérgica com os inibidores seletivos da recaptação da serotonina: lítio, buspirona, antidepressivos tricíclicos (especialmente a clomipramina) (2).
Dextrometorfan, meperidina e pseudo-efedrina também podem provocar um estado hiperserotoninérgico (2).
Não potencializam os efeitos sedativos do álcool; pelo contrário, pode haver antagonismo do efeito agudo sobre o sistema nervoso central 2.

Intoxicação



Os relatos de morte atribuída à ingestão somente de fluoxetina têm sido extremamente raros.
Em doses extremamente elevadas com uso isolado de inibidores seletivos da recaptação da serotonina poderá ocorrer hiponatremia, convulsões e cardiotoxicidade. (6)
O quadro se caracteriza por náuseas, vômitos, tremores, inquietude e agitação psicomotora, hipomania, insônia, convulsões e outros sinais de estimulação do sistema nervoso central.
As alterações eletrocardiográficas são leves e inconstantes, consistindo de taquicardia sinusal, alterações inespecíficas de ondas ST e T e depressão do segmento ST.
O tratamento devera ser:
1) Manter as vias aéreas prévias e estabelecer a ventilação;
2) Lavagem gástrica e êmese;
3) Carvão ativado, que pode ser utilizado com sorbitol, será tanto ou mais eficaz que a indução dos vômitos ou lavagem gástrica;
4) Monitorização dos sinais vitais e medidas gerais e de suporte;
5) As convulsões costumam cessar espontaneamente, mas podem responder ao diazepam 10 mg administrados via intravenosa pelo menos durante 3 minutos; (6)
6) Não há antídotos, até o momento, para o cloridrato de fluoxetina;
7) São ineficazes: diurese forçada, diálise, hemoperfusão ou exangüineotransfusáo, devido ao grande volume de distribuição.
Nos casos de intoxicação pela fluoxetina, apesar de sua extraordinária segurança, o paciente deverá ficar em observação por um tempo maior que os demais inibidores seletivos da recaptação da serotonina, em função de sua meia-vida e de seu metabólito principal ativo, a norfluoxetina. Dependendo das condições clínicas, um tempo mínimo de 72 horas, nos casos não complicados, pode ser bastante seguro. (6)

Bibliografia
1. BROQUET, KE. Status of treatment of depression. South Med. J. 92(9):848-858, 1999.
2. SHAD, UM, PRESKORN, SH e MARCOLIN, MA. Interações farmacológicas com drogas antidepressivas. In: MARCOLIN, MA Interações farmacológicas com drogas psiquiátricas. Rio, MEDSI, 1998. pp. 21-91.
3. CHENIAU JR., E. A eficácia dos antidepressivos no tratamento da síndrome de tensão pré-menstrual. Inform Psiq. 15 (3): 80-88, 1996.
4. YACUBIAN, J & MINUTENTAG, N. Tratamento do transtornos de pânico com inibidores seletivos da recaptura de serotonina. Rev. Psiq. Clín. 28 (1):19-22, 2001.
5. TESS, V. Manejo clínico dos efeitos colaterais dos antidepressivos no transtorno do pânico. Rev. Psiq. clín. 28 (1):29-34, 2001.
6. SUCAR DD. Fundamentos de Interações medicamentosas. São Paulo, Lemos, 2003. 238 p.


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