Volume 10 - 2005 Editor: Giovanni Torello |
Agosto de 2005 - Vol.10 - Nº 8 Artigo do mês Transtorno Mental ou Timidez: Percepção dos Leigos em Relação à Fobia Social Gustavo
J. Fonseca D’El Rey Resumo: O presente estudo teve como objetivo, verificar se as pessoas leigas percebem o diagnóstico de fobia social como um problema de saúde mental (transtorno mental) ou como um quadro de timidez. Um caso clínico sobre fobia social foi utilizado para a verificação da percepção dos leigos. Aproximadamente 73% da amostra relataram que o caso era explicado por timidez e 27% por um transtorno mental. As pessoas que reportaram ao caso clínico como sendo um transtorno mental eram em sua maioria homens e apresentavam uma maior escolaridade. O não reconhecimento deste grave transtorno de ansiedade como um problema de saúde mental, faz com que a procura por tratamento especializado não ocorra Palavras-chave: Fobia Social, Transtorno Mental, Timidez, Percepção dos Leigos. Summary: The present survey aims to verify if the laymen perceive the social phobia diagnosis as a mental health problem (mental disorder) or as shyness. A clinical case about social phobia was utilized to verify the perception of the laymen. Approximatelly 73% of the sample reported who the clinical case was explained for shyness and 27% for a mental disorder. The people who reported at the clinical case as a mental disorder, was male and had had a high education. The unrecognition of this serious anxiety disorder as a mental health problem, make with the specialize help-seeking not happen. Key-words: Social Phobia, Mental Disorder, Shyness, Perception of the Laymen INTRODUÇÃO Muitas vezes a fobia social (transtorno de ansiedade social) é confundida pelos leigos e até por alguns profissionais de saúde com a timidez (Sheerant & Zimmerman, 2002; D’El Rey, 2001; Lamberg, 1998). Porém, o portador de fobia social não apresenta apenas falta de confiança e de desenvoltura social, características estas vistas na timidez e que geralmente não interferem significativamente na vida da pessoa (Beer, 2002; Jones et al, 1986), por sua vez ele apresenta um medo acentuado e persistente de uma ou mais situações sociais ou de desempenho com significativa interferência nas rotinas de trabalho, acadêmicas, sociais e/ou acentuado sofrimento (Hofmann et al, 2004; Greist,1995). A própria CID-10 (OMS, 1993), em seu Capítulo V: Transtornos Mentais e de Comportamento, descreve em sua introdução que desvio ou conflito social sozinho, sem disfunção pessoal significativa, não deve ser incluído sobre a terminologia transtorno mental. Spitzer & Endicott (1980), propuseram quatro critérios para a definição de um transtorno mental com base no grau de sofrimento do indivíduo e nos prejuízos funcionais. Critério A: a condição completamente desenvolvida está associada a sofrimento relatado ou manifesto; prejuízo funcional nas diversas áreas da vida; e desvantagem na interação do individuo com seu ambiente. Critério B: a condição deve estar associada a uma disfunção do organismo, ou seja, medidas simples, informativas ou de educação não revertem o quadro ou intervenções não-técnicas não resolvem a situação. Critério C: o sofrimento ou prejuízo funcional não está associado a um ganho maior (ex: elaboração de um trabalho escolar, competição esportiva, etc.). Critério D: a condição tem alguma diferenciação de outra condição no que se refere à epidemiologia, quadro clínico, curso, tratamento, transmissão familiar ou provável etiologia (validade clínico-científica). Conforme D’El Rey & Pacini (2005); Chavira et al (2002); Magee et al (1996), mesmo causando extremo sofrimento e perdas de oportunidades, uma minoria de pessoas portadoras de fobia social procuram tratamento para esta condição, pois interpretam seus sintomas fóbicos muito mais em termos de timidez do que em termos de um problema de saúde mental (transtorno mental). Este estudo teve como finalidade, verificar se as pessoas leigas percebem o diagnóstico de fobia social como um problema de perda da saúde mental (transtorno mental) ou associam os sintomas fóbicos a timidez. METODOLOGIA - Participantes: O estudo foi realizado com residentes de ambos os sexos e maiores de 18 anos do bairro da Água Rasa na cidade de São Paulo-SP e que não tivessem nenhum contato com a área de saúde mental - Procedimento: Aleatoriamente escolherem-se 04 ruas do bairro da Água Rasa em São Paulo-SP. Foram elegíveis para este estudo as pessoas que atendessem primeiramente à porta, sendo maiores de 18 anos e sem contato com a área de saúde mental. Os entrevistadores desta pesquisa eram 02 estagiários do Centro de Pesquisas e Tratamento de Transtornos de Ansiedade – São Paulo-SP. Eles receberam um treinamento de 03 horas para a realização da entrevista deste estudo. Após uma breve introdução sobre o assunto da pesquisa e a coleta dos dados sócio-demográficos, era solicitado ao entrevistado que lê-se atentamente um caso clínico referente à fobia social (anexo) extraído de Picon (2003, p. 140). Ao final da leitura, era entregue à pessoa entrevistada um cartão contendo 03 afirmativas sobre o caso clínico, ou seja, se a pessoa da história era portadora de um transtorno mental; ou se era uma pessoa tímida; ou se não apresentava nenhum problema. Era solicitado que o entrevistado opina-se sobre o caso, escolhendo apenas uma das 03 afirmativas. Cada entrevista durou em média 03 minutos. As entrevistas foram realizadas no período de 23 a 24 de novembro de 2004. RESULTADOS a) Características da amostra Foram entrevistadas 52 pessoas residentes no bairro da Água Rasa na cidade de São Paulo-SP, sendo 19 (36,5%) homens e 33 (63,5%) mulheres. As idades das pessoas entrevistadas compreenderam entre 18 até 67 anos, sendo a média de 40,4 anos (DP = 16,1). As características sócio-demográficas da amostra pesquisada estão sumarizadas na Tabela 1.
Nota: IC 95% = Intervalo de confiança b) Transtorno mental X timidez Apenas 14 (26,9%) das 52 pessoas entrevistadas responderam que o caso clínico descrito neste estudo era relativo a um transtorno mental. A Tabela 2 apresentará os resultados deste item para uma melhor visualização.
Nota: IC 95% = Intervalo de confiança c) Fatores sócio-demográficos associados à percepção dos leigos Encontramos uma maior concentração de homens (17,3%), entre 28 e 37 anos (9,6%), com ensino superior completo (11,5%) e casados (17,3%) respondendo que o caso clínico em questão era relativo à um transtorno mental. As mulheres (53,8%), entre 28 e 37 anos (25,0%), com ensino médio incompleto (26,9%) e casadas (34,6%) responderam que tratava-se de timidez. A Tabela 3 apresentará os resultados deste item.
Nota: IC 95% = Intervalo de confiança DISCUSSÃO Neste estudo aproximadamente 73% das pessoas entrevistadas relacionaram o caso clínico (anexo) à timidez. As pessoas leigas, apresentam dificuldade em atribuírem aos transtornos de ansiedade, principalmente a fobia social, o significado de problema relacionado à saúde mental, ou seja, um transtorno mental, como afirmam Haiser et al (2003); Blashfield (2001); Lamberg (1998). Acreditamos, que se descrevêssemos um caso clínico relacionado a um quadro psicótico, provavelmente a maioria das pessoas relacionariam a história a um transtorno mental. Pois o senso-comum, dá o significado de transtorno mental apenas a quadros clínicos geralmente onde o portador do sofrimento psíquico “rompe com a realidade”, como nas psicoses, como relatam Shapiro & Wilker (2001); Borgna (2000). Dois fatos nos chamaram a atenção nos resultados encontrados neste estudo. O primeiro é que a maioria das pessoas entrevistadas que responderam tratar-se de um caso de transtorno mental eram homens, ao passo que a maioria das pessoas que responderam tratar-se de um caso de timidez eram mulheres. O segundo fato diz respeito ao grau de instrução (escolaridade) dos entrevistados. A maioria das pessoas que responderam ser um caso de transtorno mental tinham nível superior (incompleto e completo), e a maioria das pessoas que disseram ser timidez tinham cursado apenas até o ensino médio incompleto. Este achado nos faz pensar que quanto maior o grau de instrução da pessoa, maior a probabilidade dela interpretar o caso descrito de forma correta, ou seja, como um transtorno mental. A afirmação de D’El Rey & Pacini (2005); Chavira et al (2002); Lamberg (1998); Magee et al (1996), parece estar correta, pois mesmo trazendo perdas de oportunidades e sofrimento significativo, a maioria das pessoas ainda interpreta sintomas fóbicos sociais em termos de timidez e não de um transtorno mental. Nardi (2000), assinala que a fobia social difere da timidez pelos seguintes aspectos: a fobia não permite que a pessoa portadora treine seu desempenho de forma eficaz; a ansiedade antecipatória do transtorno é grave e incapacitante; o transtorno é rico em sintomas físicos de ansiedade quando a exposição está próxima ou durante a mesma; a pessoa com fobia social tende a quase sempre a evitar ou fugir das situações sociais; e a fobia traz comprometimento significativo na vida diária de seu portador. E devido a este entendimento errôneo por parte das pessoas leigas, ou seja, em se tratando de um aspecto da personalidade (timidez) e não de um quadro clínico reconhecido pela medicina como uma doença, que a procura por tratamento especializado não ocorre, como descrevem Stemberger et al (1995). Indo mais a fundo nesta questão, podemos dizer que a falta de percepção por parte dos leigos e dos próprios portadores do distúrbio, de que a fobia social seja um transtorno mental, acarreta em diversos prejuízos para a vida da pessoa acometida, como relatam Wittchen & Beloch (1997). A percepção errônea de que a fobia social seja apenas timidez, portanto falta de confiança e de desenvoltura social somente (Beer, 2002), faz com muitas pessoas fiquem sem tratamento especializado em saúde mental, como afirmam Hudson & Rapee (2000); Montgomery (1998); Magee et al (1996). Acreditamos que os profissionais de saúde, principalmente os de saúde mental, devem divulgar nos meios leigos sobre a fobia social e outros transtornos de ansiedade, pois somente desta maneira, ou seja, através da informação, é que as pessoas acometidas podem receber a devida atenção para seu sofrimento. Podemos concluir com este estudo, que a grande maioria dos leigos entrevistados tem a percepção de que o diagnóstico de fobia social é um quadro de timidez e não um problema relacionado à saúde mental (transtorno mental). Este fato, tem implicações diretas sobre a procura de tratamento na fobia social, pois sendo a timidez um aspecto da personalidade e não uma doença, a procura por ajuda profissional infelizmente não ocorre. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: BEER, JS. (2002) - Implicit self-theories of shyness. Journal of Personality & Social Psychology 83: 1009-1024. BLASHFIELD, RK. (2001) - The vulgate DSM-IV: a review of am i ok? A layman’s guide to the psychiatrist’s bible. Journal of Nervous & Mental Disease 189: 3-7. BORGNA, E. (2000) - La vergogna: dimensione antropologica e clinica. Recenti Progresso Medico 91: 91-96. CHAVIRA, DA; STEIN, MB; MALCARNE, VL. (2002) - Scrutinizing the relationship between shyness and social phobia. Journal of Anxiety Disorders 16: 585-598. D’EL REY, GJF. (2001) - Fobia social: mais do que uma simples timidez. Arquivos de Ciências da Saúde da Unipar 5: 273-276. D’EL REY, GJF; PACINI, CA. (2005) - Motivos da não-procura de tratamento em pessoas com medo severo de falar em público. Anais do XI Simpósio Multidisciplinar da U.S.J.T.: 52-53. GREIST, JH. (1995) - The diagnosis of social phobia. Journal of Clinical Psychiatry 56: 05-12. HAISER, NA; TURNER, SM; BEIDEL, DC. (2003) - Shyness: relationship to social phobia and other psychiatric disorders. Behaviour Research and Therapy 41: 209-221. HOFMANN, SG; HEINRICHS, N; MOSCOVITCH, DA. (2004) - The nature and expression of social phobia: toward a new classification. Clinical Psychology Review 24: 769-797. HUDSON, JL; RAPEE, RM. (2000) - The origins of social phobia. Behaviour Modification 24: 102-129. JONES, WH; BRIGGS, SR; SMITH, TG. (1986) - Shyness: conceptualization and measurement. Journal of Personality & Social Psychology 51: 629-639. LAMBERG, L. (1998) - Social phobia: not just another name for shyness. Journal of American Medical Academy 280: 685-686. MAGEE, WJ; EATON, WW; WITTCHEN, H-U; McGONAGLE, KA; KESSLER, RC. (1996) - Agoraphobia, simple phobia, and social phobia in the National Comorbidity Survey. Archives of General Psychiatry 53: 159-168. MONTGOMERY, AS. (1998) - Implications of the severity social phobia. Journal of Affective Disorders 50: 17-22. NARDI, AE. (2000) - Diagnóstico diferencial. In: NARDI, AE (eds.). Transtorno de Ansiedade Social: Fobia Social – A Timidez Patológica. Rio de Janeiro: Medsi, pp. 15-22. ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE. (1993) - Classificação de Transtornos Mentais e de Comportamento da CID-10: Descrições Clínicas e Diretrizes Diagnósticas. Porto Alegre: Artes Médicas. PICON, P. (2003) - Terapia cognitivo-comportamental do transtorno de ansiedade social. In: CAMINHA, RM; WAINER, R; OLIVEIRA, M; PICCOLOTO, NM (eds.). Psicoterapias Cognitivo-Comportamentais: Teoria e Prática. São Paulo: Casa do Psicólogo, pp. 129-144. SHAPIRO, GK; WILKER, JJ. (2001) - Anxiety and psychotic disorders: a phenomenologic analysis. Cognitive Psychotherapy & Brain Research 2: 17-29. SHEERANT, T; ZIMMERMAN, M. (2002) - Social phobia: still a neglected anxiety disorder? Journal of Nervous & Mental Disease 190: 786-788. SPITZER, R; ENDICOTT, J. (1980) - Medical and mental disorder: proposed definition and criteria. In: SPITZER, R; KLEIN, DF (eds.). Critical Issues in Psychiatry Diagnosis. New York: Raven Press, pp. 102-114. STEMBERGER, RT; TURNER, SM; BEIDEL, DC; CALHOUM, KS. (1995) - Social phobia: an analysis of possible developmental factors. Journal of Abnormal Psychology 104: 526-531. WITTCHEN, H-U; BELOCH, E. (1997) - The impact of social phobia on quality of life. Biological Psychiatry 42: 134-135. ANEXO “Juliana é uma moça de 24 anos, solteira e estudante universitária. Apresenta grande ansiedade diante de diversas situações sociais, as quais evita com prejuízo em sua vida social, afetiva e acadêmica. Juliana desde criança, sempre foi muito retraída e ao trocar de escola, aos 13 anos, seu isolamento social se acentuou. Ela passou a não ter amigos, apresentava ansiedade intensa se tivesse de falar em voz alta na sala de aula, tinha medo de ser ridicularizada pelos colegas. Atualmente não tem amigos de sua idade, não vai a festas e nem tem namorado. Ela está prestes a abandonar a faculdade pela terceira vez. Juliana segue sem conversar com seus colegas, tem vergonha de fazer perguntas em sala de aula, por acreditar que não saberá o que dizer e que será avaliada de forma negativa. Acredita ainda, que se falar em público, vai chamar atenção sobre si e que todos perceberão sua ansiedade, e que se afastarão dela por lhe julgarem esquisita e incapaz. Acha que dificilmente alguém vai lhe dar alguma atenção. Teve de abandonar a faculdade duas vezes em função de sua intensa ansiedade ao ter de apresentar trabalhos em sala de aula e até cumprimentar os colegas e professores. Nas situações sociais temidas em que se sente exposta à avaliação, apresenta tremor na voz e mãos, taquicardia, aperto no peito, dificuldade de concentração e rubor facial” (Picon, 2003, p. 140). Correspondência: Gustavo D’El Rey. Rua Bom Jesus, 274-B – São Paulo-SP, Brasil. CEP 03344-000. Tel / Fax: (11) 6965-5163. E-mail: [email protected] |
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