Volume 10 - 2005 Editor: Giovanni Torello |
Maio de 2005 - Vol.10 - Nº 5 Artigo do mês Atenção a Saúde Mental no Estado do Amazonas: Maximiliano
Loiola Ponte de Souza Resumo: Avaliam-se as diferenças na atenção a saúde mental entre o Estado do Amazonas (AM) e o Brasil (BR), no período de 1992-2003. Demonstra-se que no AM e no BR houve diminuição tanto nas internações como nos leitos psiquiátricos. Por outro lado não se observou no AM uma expansão na rede de serviços substitutivos. Discutem-se possibilidades para o entendimento desta situação e aponta-se a necessidades de pesquisas subsequentes sobre o tema. Palavras-chave: Saúde Mental, Serviços de Saúde, Política de Saúde, Brasil Summary: The differences in the mental health attention were evaluated between the Amazon State (AM) and Brazil (BR), in the period of 1992-2003. It was demonstrated that in the AM and in the BR had been reduced the internments and the psychiatric’s beds. On the other hand an expansion in the net of substitute services was not observed in the AM. Possibilities for the agreement of this situation are argued and it was pointed the necessity of more research about this subject. Key-words: Mental Health , Health Services, Health Policy, Brazil INTRODUÇÃO No Brasil (BR), a década de oitenta foi marcada pela democratização política associada à derrocada da ditadura militar. Esta conjuntura permitiu que uma série de anseios populares passasse a fazer parte da agenda política nacional. Data deste período a elaboração da nova constituição federal e a implantação do Sistema Único de Saúde (SUS). No campo da saúde mental, em 1987 o Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental, “assume-se enquanto movimento social (...) e lança o lema por uma sociedade sem manicômios”1, trazendo para discussão a necessidade de mudanças nos paradigmas de atenção aos portadores de sofrimento mental (PSM). A atenção à saúde dos PSM no BR é disciplinada por lei2, que explicita o direito destes a serem tratados preferencialmente em serviços comunitários, disciplina as internações psiquiátricas, bem como responsabiliza o Estado pelo desenvolvimento de políticas de saúde que priorizem a assistência em serviços não asilares. Em consonância com esta legislação, a atual Política Nacional de Saúde Mental, apresenta, dentre outros, os seguintes objetivos: reduzir progressivamente os leitos psiquiátricos, qualificar, expandir e fortalecer a rede extra-hospitalar ou serviços substitutivos3. Levcovitz et al4, ao avaliarem o processo de consolidação do SUS no BR evidenciam, dois pontos fundamentais para este trabalho. Primeiro, apesar de vários avanços terem ocorrido, estes estão se dando de forma desigual em diferentes partes do país. Segundo, destacam as mudanças na assistência à saúde mental como exemplo bem sucedido de alterações nas práticas de assistência à saúde. Desta forma, tem-se por objetivo apresentar dados preliminares sobre a atenção à saúde mental no Estado do Amazonas (AM), localizado na região norte do BR, caracterizado por grande extensão territorial, baixa densidade populacional e importantes deficiências no sistema de saúde5, comparando-os com dados nacionais, tendo como foco as internações psiquiátricas e a implantação de serviços substitutivos (internações em hospital-dia psiquiátrico e número de Centros de Atenção Psicossocial, CAPS). Metodologia Realizou-se um estudo retrospectivo, de natureza quantitativa, através de pesquisa eletrônica à base de dados DATASUS, tendo como fontes o Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS) e o Sistema Ambulatorial de Informações do SUS (SAI/SUS). Através da primeira fonte, teve-se acesso a: número de internações em psiquiatria (em hospitais públicos e privados), gastos hospitalares, número de leitos e de semi-internações psiquiátricas em hospital-dia. Na segunda fonte teve-se acesso ao número de CAPS. Através destes dados construíram-se indicadores para avaliar a assistência, cuja forma de cálculo e resultados encontram-se na Tabela 1. Nos indicadores com base populacional utilizaram-se dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), também disponíveis na base de dados DATASUS. O período investigado foi de 1992 a 2003, sendo este divido em dois períodos de seis anos cada, com intuito de possibilitar a comparação entre dois momentos distintos. Os dados referentes aos serviços CAPS só estavam disponíveis a partir de julho de 1998, desta forma avaliou-se o número de serviços existentes neste mês e julho de 2003.
Resultados Considerando-se o número absoluto de internações, nos períodos 1992-1997 e 1998-2003, observa-se uma tendência de queda, tanto no AM, como no BR, com redução de 18,44% e 20,3%, respectivamente. Calculando-se a proporção de internações pela população residente, identifica-se a manutenção da tendência de redução. Independentemente do período investigado, a proporção de internação na população geral é cerca de nove vezes maior no BR. Em consonância com este fato, observa-se que a disponibilidade de leitos é certa de 8 a 9 vezes maior no BR. Há uma clara relação entre número de leitos e o número de internações, não havendo diferença relevante na proporção de internações por leito. Avaliando-se o percentual de gastos hospitalares em psiquiatria, evidencia-se um gasto proporcional de cerca de 5 a 6 vezes maior no BR. Por outro lado, nos períodos investigados, tanto no BR como no AM houve um aumento proporcional dos gastos hospitalares em psiquiatria. Um outro aspecto a se observar é que as internações realizadas no BR são em sua maioria realizadas em hospitais particulares conveniados ao SUS, não ocorrendo esta modalidade de internação no AM. Em relação a internações em hospital-dia psiquiátrico, houve expressivo aumento no BR, e uma ausência total no AM, uma vez que não houve a implantação neste estado de serviço desta modalidade. Tendo-se o número de CAPS como variável, observa-se que no BR houve um aumento de mais de 100%, mantendo-se inalterado no AM, pela mesma razão apontada anteriormente. Cabe ressaltar que embora haja o registro na base de dados DATASUS de 01 CAPS no estado, de fato este serviço não existe. Em síntese podem-se fazer as seguintes inferências: a) tanto no BR como no AM, houve uma diminuição no número absoluto e proporcional de internações psiquiátricas; b) a diminuição das internações no AM não está associada ao incremento da oferta de serviços substitutivos (CAPS ou hospital-dia psiquiátrico), nem à diminuição das internações em hospitais particulares. Discussão Desviat6 observa que a disponibilidade de leitos psiquiátricos está relacionada com a quantidade de internações, bem como o fato que a existência de um menor número de leitos é um fator facilitador para que possam ser implementadas políticas para mudança do modelo asilar. Em consonância com a primeira colocação do autor, percebe-se que a redução dos leitos no BR, e no AM relacionou-se com queda nas internações. Por outro lado, a existência de uma menor quantidade de leitos no AM, não vem sendo acompanhada de alterações no modelo de assistência. Segundo Amarante1, a mudança do sistema asilar para outras formas de assistência tem no setor privado um importante foco de resistência. No BR, grande parte das internações se dá em hospitais privados; no AM, já em 1992 não se registra internações nestes hospitais, visto que o único serviço privado existente no estado foi fechado há mais de quinze anos. Tais fatos evidenciam peculiaridades da conjuntura amazonense, não sendo a existência de grande número de leitos, nem a resistência do setor privado hospitalar obstáculos para implantação da reforma psiquiátrica. Um ponto de discussão adicional é a questão dos gastos hospitalares em psiquiatria, que apesar da redução de leitos continuam aumentando proporcionalmente, tanto no BR, como no AM. Tal fato vem sendo observado em outras partes dos mundo6. Criando-se um modelo híbrido, a existência do hospital permanece como um caminho fácil para pacientes difíceis. Por outro lado, o discurso contra-reformista ao buscar a “humanização” do manicômio, aumenta seus custos dificultando a transferência de recursos para a implantação de serviços extra-hospitalares. Considerando os serviços substitutivos em saúde mental tomados como parâmetro neste trabalho, evidencia-se de forma inequívoca a iniqüidade na oferta de serviços de saúde no país, corroborando a colocação de Levcovitz et al4, a cerca das desigualdades no avanço na mudança do modelo de atenção a saúde no BR. Enquanto no BR houve um incremento destas modalidades de assistência, o AM em nada evoluiu. Tal fato não é uma exclusividade brasileira, Desviat6 demonstra que na Espanha e Itália as mudanças no modelo de atenção à saúde mental dá-se de maneira desigual, havendo uma tendência a modificações nas regiões com melhores condições econômicas. A busca da compreensão dos motivos que levam o AM a estar em um estágio embrionário na implantação de mudanças na assistência à saúde mental, merece ser investigada de forma detalhada. No discurso do senso comum dos profissionais de saúde mental, sobretudo dos psiquiatras, as dificuldades de se promover mudanças na assistência está associada à escassez destes profissionais no AM. Tal hipótese, mesmo que parcialmente correta, não deixa de ter implicitamente um viés ideológico, ao centralizar nesta categoria a responsabilidade pelas mudanças. Talvez a questão não seja apenas numérica. Faz-se necessário investigar o perfil dos recursos humanos existentes, não apenas psiquiatras, além da questão da quantidade, mas também a capacitação, suas representações sobre saúde mental e assistência em saúde mental, a capacidade de mobilização política deste seguimento, seus receios em relação à diminuição do mercado de trabalho e de perda do poder profissional. Outro ponto relevante a ser investigado é buscar apreender como está se dando o processo de participação popular na formulação de políticas públicas de saúde mental em nível local, em particular a atuação de usuários e familiares, que de acordo com Rotelli7 são forças sociais importantes a exercer pressão sobre os gestores para fazer cumprir localmente a legislação federal. Deve-se também buscar apreender qual é envolvimento e entendimento dos gestores da saúde sobre a reforma da assistência e os temores que esta mudança necessariamente traga consigo um aumento dos gastos públicos, o que trabalhos como o de Deiker8 contradizem. Necessita ainda ser investigado como está se dando o atendimento dos pacientes a partir da redução das internações no AM. Inicialmente podem-se levantar duas hipóteses. Primeiro, estaria ocorrendo um aumento nos atendimentos ambulatoriais em psiquiatria, dados que não estão disponíveis nas fontes da pesquisa. Mesmo que confirmada esta hipótese, não seria uma mudança real de paradigma, uma vez que no AM existem apenas dois serviços ambulatoriais, sendo o principal (com maior número de atendimentos) ligado ao próprio hospital psiquiátrico, mantendo extra-muros uma lógica manicomial. Por outro lado, não é possível descartar a possibilidade de que parte dos pacientes previamente internados simplesmente não esteja recebendo qualquer forma de tratamento, fazendo crescer a demanda reprimida por assistência. Por fim, espera-se que este trabalho possa ter contribuído com o desenvolvimento do “estado da arte” sobre a assistência a saúde mental no Brasil, ao demonstrar as iniqüidades existentes no país, e ao trazer informações sobre um estado periférico sem tradição de pesquisa na área, buscando agregar a complexidade do desafio na mudança da assistência a sua realização em áreas distantes geográfica-econômica e culturalmente dos grandes centros do país. Referências bibliográficas:
Correspondência: Maximiliano Loiola Ponte de Souza. Centro de Pesquisa Leônidas & Maria Deane. Rua Teresina, número 476, Bairro Adrianópolis, CEP 69057-070, Manaus, Amazonas, Brasil. [email protected]. Telefone: (092) 621-2357; Fax: (092) 621-2326. |
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