Volume 10 - 2005
Editor: Giovanni Torello

 

Fevereiro de 2005 - Vol.10 - Nş 2

Artigo do mês

Depressão, Cultura e Temporalidade

Claudio Lyra Bastos

Índice :

I - Introdução

II - A Questão Geral da Temporalidade

III - Temporalidade e Medicina

IV - Depressão, Tempo e Cultura

V - Referências bibliográficas

 

I - Introdução

Les jours sont peut-être égaux pour une horloge, mais pas pour un homme.
Marcel Proust

O presente trabalho procura investigar as diferentes concepções de temporalidade e as suas relações com o tratamento, a medicina e a psiquaitria, especialmente na construção do conceito atual de depressão no idoso. Apesar de utilizar diversos referenciais teóricos de origem antropológica, o estudo se baseia na vivência clínica psiquiátrica diária e em pressupostos fenomenológicos para nortear essa prática. A justificativa da pesquisa se estrutura na premente necessidade de se conhecer melhor clinicamente o paciente a quem a saúde pública se propõe atender, uma vez que qualquer proposta terapêutica eficaz precisa saber qual a sua demanda. Tanto o envelhecimento relativo da população - que proporcionou o surgimento da geriatria e da gerontologia - como o conceito abrangente de “depressão” como problema de saúde pública são problemas relativamente novos, cuja complexidade exige não apenas abordagens multidisciplinares, mas também transdisciplinares, como esta a que nos propomos.

A psicopatologia fenomenológica não busca fixar conjuntos de sintomas, mas sim o estabelecimento de relações de sentido; para isto a noção de temporalidade é fundamental, como mostrou Eugène Minkowski. A antropologia apresenta a perspectiva de vivências culturais diversas para a passagem do tempo, conceito vital nesta pesquisa.

Os conceitos de culturais de temporalidade, assim como também os de internalidade e externalidade, entre outras oposições dialéticas, fornecem interessantes elementos de compreensão para a atividade clínica em diversos referenciais sociais, inclusive aqueles ambientes de transição, plenos de ambigüidades, aos quais as perspectivas determinísticas sempre revelam absolutamente infensas. Tais conceitos permitem uma compreensão muito mais profunda do adoecer, e exigem uma abordagem fenomenológica da subjetividade, o que implica um retorno à clínica para se alcançar o social.

Este trabalho se fundamenta no fato de que toda e qualquer cultura está vinculada alguma idéia sobre a passagem do tempo, e essencialmente à idéia da transitoriedade do homem. A forma pela qual cada uma atua sobre a insanidade, o envelhecimento e a morte mostra-se diferente, porém, estando ligada à visão de mundo peculiar ao seu universo social. O propósito básico desta pesquisa refere-se ao sentido e à forma dessa diferença, mais especificamente no que se refere e à sua relação com o conceito médico de depressão na nosologia moderna.

Temos assim um problema básico, que é o processo de exclusão social do idoso, originado por duas instâncias:

  1. Um processo de envelhecimento populacional que reverte expectativas e cria novas necessidades sociais, médicas e econômicas, para as quais a sociedade não se encontra preparada.
  1. Uma inversão no papel cultural do idoso, que deixa de ser repositário da experiência e do saber da sociedade para se ver excluído da produção e manutenção de conhecimentos, tido como desinformado, ultrapassado, preso ao passado. Essa população idosa crescente não encontra mais respaldo nas tradições culturais e na família para viver satisfatoriamente a fase final da existência, com as suas angústias e sofrimentos, muitos deles inexoráveis.

Procuramos estudar a questão considerando de forma crítica dois dos seus aspectos essenciais:

  1. A situação de exclusão, em muitos casos tende a produzir ansiedade, stress e um progressivo esvaziamento afetivo. Para dar conta do número cada vez maior de indivíduos nesta situação, a cultura científica moderna constrói um novo conceito de depressão que, fugindo dos princípios psicopatológicos fenomenológicos e psicodinâmicos anteriores, se propõe como rigorosamente “biológico” e procura atender às necessidades de classificação e controle da sociedade moderna sobre o estado mental da população. Nele transparece um movimento que procura biologizar e medicalizar todas as dificuldades existenciais, tirando da algibeira “soluções” psicofarmacológicas para todos os problemas possíveis da vida humana.
  1. O momento atual de uma sociedade complexa e ambivalente, que se desenvolve sob um forte processo de aculturação, e procura conviver simultaneamente com sistemas culturais aparentemente incompatíveis, inclusive com dois conceitos diferentes de passagem do tempo: um circular, eterno, que sempre retorna, que tende ao fatalismo e à paciência; o outro contínuo, limitado, progressivo, agitado e inconformista, onde o tempo corre.

Assim, procuramos compreender como essa população idosa que procura o hospital geral e “vai parar” no ambulatório de psiquiatria (seja por vontade própria, seja por encaminhamento a partir de outras especialidades), rotulada de “deprimida”, percebe a passagem do tempo em suas vidas, procurando saber como compreende a natureza do tratamento médico, quais as suas espectativas, seus vínculos religiosos, etc. Propomos também que se investigue se entre as pessoas que tendem a apresentar quadros depressivos há predominância das que tenham sofrido ou venham sofrendo os processos mais bruscos de ruptura com o seu mundo cultural e com as suas concepções de finitude e de eternidade.

II - A questão geral da temporalidade

Si nemo a me quærat, scio; si quærent explicare velim, nescio.

(Se não me perguntam, sei; se me perguntam, não sei.)

Santo Agostinho

 

O sentimento do tempo é importante na música e na dança, pois só pode existe ritmo se o sentimento do tempo for adequado. Tempo e ritmo também são essenciais nas artes marciais, no arco, no tiro e na equitação. Em todas as artes e técnicas existe o tempo.

Miyamoto Musashi, samurai

A idéia de tempo envolve uma multiplicidade de conceitos: tempo físico, biológico, subjetivo, cultural, etc. Por esta razão, temos inúmeras dificuldades na definição da temporalidade, que em última análise são causadas pela própria polissemia da palavra tempo.

Na filosofia ocidental, as idéias sobre a temporalidade motivaram muitos pensadores importantes, desde os comentários sobre a inefabilidade do tempo de Sto. Agostinho à postulação de condição a priori do pensamento por Kant, chegando a fundamento ontológico em Heidegger. A física moderna estimulou fortemente esse debate ao trazer novas questões, antes quase impensáveis.

O tempo físico e a relatividade

À cosmologia de Newton, que concebia tempo e espaço em termos absolutos, já se contrapunha o seu contemporâneo Leibnitz. No entanto, só no século XX a idéia de tempo e espaço relativos se impôs. A relatividade provocou uma revolução no pensamento humano, não apenas na física teórica. O tempo passou a ser visto como algo inseparável do espaço, como uma quarta dimensão deste, e a simultaneidade como um evento apenas local, noções intuitivamente inconcebíveis. De acordo com Einstein (1994):

Quando nenhum sistema de coordenadas (sistema inercial) é usado como base de referência, não há sentido em afirmar que eventos que se produzem em diferentes pontos no espaço ocorrem simultaneamente. É em consequência disto que o espaço e o tempo são fundidos num contínuo uniforme quadridimensional.

O espaço e o tempo físicos eram vistos pela física newtoniana como entidades absolutas, independentes uma da outra, onde a força de gravitação nada tinha a ver com a geometria. Já o espaço-tempo einsteiniano formava um todo único, cuja “curvatura” correspondia à gravidade.

No entanto, em relação à mecânica de Newton, a relatividade e a mecânica quântica não modificaram a possibilidade de reversibilidade do tempo. A segunda lei da termodinâmica, que postula a entropia ou desorganização progressiva e inevitável de sistemas fechados, é que se baseia num sentido único para o tempo. Note-se que o crescimento da complexidade biológica - tanto no sentido filogenético como ontogenético - não traz qualquer incompatibilidade com a idéia de entropia por serem os seres vivos sistemas abertos, em permanente troca, e não fechados, como aqueles a que se refere a segunda lei da termodinâmica.

Na física dos sistemas macroscópicos, a teoria do caos e da complexidade permite explicar a historicidade (irreversibilidade) dos eventos. Já nos níveis subatômicos, os físicos experimentais estão até hoje procurando demonstrar a irreversibilidade do tempo (“flecha”do tempo). Toda a nossa idéia de intencionalidade e historicidade depende de um tempo irreversivelmente direcionado.

De acordo com Krzysztof Pomian, Santo Tomás de Aquino sustentou a idéia de que as criaturas corpóreas existem no tempus (tempo cíclico, de nascimento, corrupção e morte), ao passo que as criaturas espirituais existem no ævum (tempo direcional, sujeito a mudanças), e apenas Deus existe na æternitas (eternidade, tempo imutável). Bem antes, Santo Agostinho havia proposto que o tempo havia sido criado por Deus juntamente com o Universo, de forma que qualquer questão sobre o que haveria antes da Criação não teria nenhum sentido. Curiosamente, essa concepção em muito se assemelha à dos físicos atuais, que entendem que o tempo surgiu com o Big Bang.

Aproximando-se de Santo Agostinho, o físico teórico Anthony Zee confessa: “... eu realmente não compreendia, como ainda não compreendo, a natureza do tempo. E ninguém também compreende.”

O tempo biológico

Sabemos que todos os organismos vivos dispõem de diversos osciladores biológicos (“relógios vivos”) que se influenciam mutuamente e que sofrem a influência externa dos sincronizadores (Zeitgebers), como os ciclos diários e sazonais de luz e temperatura, que estão sempre “acertando” os relógios internos. Nos mamíferos, os principais marca-passos são os núcleos supra-quiasmáticos do hipotálamo, que recebem informações sobre o fotoperíodo - diretamente da retina através de fibras específicas dos nervos ópticos - e também a glândula pineal ou epífise, que secreta o hormônio melatonina. Também os ritmos mais longos, como por exemplo os ciclos reprodutivos, sofrem a influência sazonal de forma semelhante. São dois os principais relógios que nos controlam : um regula o ciclo sono-vigília e o outro regula a temperatura corporal e os ritmos metabólicos. Estes ritmos fisiológicos intrínsecos são chamados ritmos circadianos porque sua duração se aproxima das 24 horas (situam-se entre 22 e 28 horas, sendo chamados ultradianos quando são menores que o dia e infradianos quando o ultrapassam). Precisam, portanto, ser regulados permanentemente.

Alguns desses ritmos parecem estar de alguma forma relacionados à regulação do humor. Os ciclos sazonais de luminosidade, muito marcantes nas latitudes altas, parecem influir no humor, assim como os níveis hormonais - como os da tireóide e os corticosteróides - que seguem oscilações circadianas.

O tempo psicológico

No desenvolvimento da mente infantil, a absoluta inconsciência do tempo - um eterno presente - evolui para uma progressiva ampliação da consciência do passado e da expectativa do futuro. Segundo Piaget, mesmo quando nas suas primeiras fases a criança age dentro de uma seqüência temporal, a consciência dessa temporalidade só vem com o desenvolvimento. Desta forma, no início ela pode ordenar sua atividade no tempo sem se dar conta disto, ou seja, sem nenhuma representação seqüencial dos eventos ou qualquer serialidade temporal.

Na consciência temporal da criança se vai revelando cada vez mais importante a idéia de futuro, pois a sua identidade individual e o seu reconhecimento social se encontram como que armazenados lá, naquele adulto que ela será quando crescer. Durante a adolescência o processo de construção da identidade absorve todas as energias emocionais no momento presente, enquanto que o passado infantil é deixado de lado e o futuro paira incerto num horizonte distante, paradoxalmente muito mais longínquo do que durante a infância. Finalmente, a senectude tende a se dedicar ao passado, já que o presente é pouco gratificante e o futuro não existe. Assim, cabe à idade adulta produzir o equiíbrio entre passado, presente e futuro em que se constitui a maturidade.

Santo Agostinho, no livro XI de suas célebres “Confissões”, inquire-se sobre a natureza do tempo, observando que o presente está sempre deixando de existir, enquanto que o passado não é mais e o futuro é apenas uma potencialidade. Segundo ele existem em nossa mente três tempos: o presente do passado, que é a memória, o presente do presente, que é a atenção, e o presente do futuro, que é a expectativa. Memória, atenção, pensamento e afetividade envolvem aspectos importantes do exame clínico psicopatológico.

A afetividade representa um papel fundamental na formação dos registros mnêmicos, que formam a base da noção de temporalidade. A neurofisiologia nos mostra que as estruturas do sistema límbico-hipocampal estão diretamente ligadas à afetividade e à mnemogênese. Na mente adulta, a memória anterógrada, afetivamente ligada à curiosidade, ao gosto pelo novo, forma uma consciência de tempo progressivo, em permanente expectativa de mudança. A memória retrógrada forma a consciência de um tempo caracterizado por fenômenos que se repetem, cuja previsibilidade cria a experiência.

A memória produz o registro do tempo interno. Podemos propor um tempo afetivo, ao observarmos a diminuição aparente do fluxo do tempo interno nos estados de prazer, e a sua aceleração no sofrimento. Constatamos ainda um tempo cognitivo na medida em que a intensa aquisição de informações acelera o sentido do tempo interno na infância, e a redução do ritmo cognitivo reduz o fluxo temporal interno na velhice. Em certas lesões cerebrais pode ocorrer uma perda da aquisição de novas informações, ocasionando um presente permanente, fixo numa época passada. Nas lesões hipocampais, ocorre uma diminuição da capacidade de consolidação dos registros mnêmicos prévios, ocasionando um esquecimento rápido. Nas lesões diencefálicas, como na síndrome de Korsakoff, diminui o próprio registro ou sua codificação; assim o esquecimento permanece normal, mas o processo de registro torna-se muito lento. Ocorre aí uma perda da localização dos registros no tempo (isolamento contextual), sem que haja perda da percepção do fluxo do tempo.

A percepção do tempo encontra-se alterada sob a ação de drogas estimulantes, nos estados reativos de alarme, nos estados febris, no delirium, nas lesões dos gânglios basais, da substância negra e do estriado. Sob a influência desses estados, a passagem do tempo pode parecer lentificada (quando o sujeito se sente acelerado e o mundo tornado vagaroso) ou então mais rápida (quando o sujeito se percebe lentificado e o mundo, acelerado). Um usuário de cocaína e um doente parkinsoniano tendem a apresentar percepções opostas da passagem do tempo, ocasionadas pelas diferenças na atividade dopaminérgica dos gânglios da base.

Na psicopatologia, sabemos que alguns distúrbios afetivos têm uma certa relação com os ritmos fisiológicos, com a sazonalidade e com o fotoperíodo. Karl Jaspers discrimina as alterações da consciência do curso temporal (aceleração ou lentificação do tempo, perda consciência do tempo, desrealização do tempo, imobilização do tempo), da consciência da extensão temporal, da consciência do presente em relação ao passado e ao futuro, da consciência do futuro e ainda as alterações esquizofrênicas da consciência do tempo (desagregação, confusão).

Podemos considerar que nos estados neuróticos o presente (vida atual) se vê sobrepujado pelo passado (reminiscências) ou pelo futuro (a antecipação e a ansiedade). Nos quadros esquizofrênicos parece interromper-se a passagem do tempo, não havendo mais vida nem prazer. Na depressão melancólica como que desaparece o futuro, tomado pelo fatalismo (tudo já está escrito, já é passado) e pela desesperança e pela idéia de fim e de morte. De acordo com Ludwig Binswanger, o futuro se mostra como que invadido pelo passado. Nos estados maníacos parece não haver mais vínculos entre o passado e o futuro, dando lugar à inconseqüência e à ausência de limites.

E. Minkowski destaca a redução da estrutura temporal na mania e na depressão, utilizando a diferenciação feita por Hönigswald e por Straus entre o tempo imanente (Ich-Zeit: tempo do eu) e o tempo transitivo (Welt-Zeit: tempo do mundo). Observa que na depressão melancólica, o tempo imanente se retarda em relação ao tempo transitivo e a inibição se instala.

Alonso-Fernández procura sistematizar a temporalidade psicopatológica de acordo com a predominância do futuro (neuroses de angústia), do presente (histéricos, maníacos, alcoólicos, dementes, oligofrênicos), ou do passado (depressivos). Relaciona também a temporalidade à expectativa, à esperança e à capacidade de suportar a frustração.

Mais recentemente, Fuchs (2001) propôs uma interpretação da melancolia como resultado de uma dessincronização da relação temporal entre organismo e ambiente, ou indivíduo e sociedade.

O tempo subjetivo

Time travels in divers paces with divers persons.

I 'll tell you who Time ambles withal, who Time trots withal,

who Time gallops withal, and who he stands still withal.

W. Shakespeare: As You Like It. Act III, Sc. 2. 

Achamos conveniente distinguir o tempo subjetivo do tempo psicológico, porque esta última expressão pressupõe um propósito explicativo ou interpretativo implícito, uma intenção de aplicabilidade clínica ou científica, que não existe necessariamente na primeira. Na psicopatologia, vista de acordo com Minkowski como psicologia do patológico (e não como patologia do psicológico) a temporalidade constitui a essência das vivências e das relações de sentido entre elas. Com relação ao tempo subjetivo, diz Portella Nunes (1976, p. 42):

... quando se intenta descrever o puro momento presente, resulta que sempre e necessariamente aparecem elementos constitutivos que o transcendem no passado e no futuro.O homem projeta, espera, teme, e em tudo que faz, atualmente, pré-existe um elemento de futuro. As situações em que sempre nos encontramos impõem-nos, urgências e dificuldades que orientam nossa relação com o futuro... O futuro não deve ser entendido como algo não real e, portanto, ainda irreal, distinto do presente que é o único real, senão que já está contido no presente como algo que atua por completo nele. O passado não pode, igualmente, ser experimentado tão-somente como o fundo que suporta e dá à vida presente apoio e segurança. Revela-se-nos sobretudo, em que o "sido" anteriormente estreita a liberdade de acão do homem no momento presente. Passado é o que, como pressão, pesa sobre o presente e se intromete nele com demandas e exigências.

Estas observações se juntam às palavras de Marcel Proust em À la Recherche du Temps Perdu (À l'Ombre de Jeunes Filles en Fleurs): “Nous appelons notre avenir l'ombre de lui-même que notre passé projette devant nous.”

Voltamos assim à observação de Santo Agostinho, de que o presente está sempre deixando de existir, enquanto que o passado não é mais e o futuro é apenas uma potencialidade. De acordo com Merleau-Ponty (1994, p. 564) : “...passado não é passado, nem o futuro é futuro. Eles só existem quando uma subjetividade vem romper a plenitude do ser em si, desenhar ali uma perspectiva, ali introduzir o não-ser.” Assim, acrescenta, “Um passado em um porvir brotam quando eu me estendo em direção a eles.” Citando Paul Claudel, Merleau-Ponty afirma que o tempo não é uma sucessão de agoras, nem “...uma linha, mas uma rede de potencialidades” (p.556).

Indo além da introspecção, a fenomenologia de Husserl procura “esclarecer o a priori do tempo explorando a consciência do tempo.” De acordo com Husserl, a imanência do tempo torna unificada a multiplicidade das vivências. Já o pensamento existencialista de Heidegger vai além na busca de uma visão ontológica da temporalidade, a qual é constitutiva do próprio Dasein. Assim, das interrelações entre o mundo e o sujeito transparece um conceito de ser-no-mundo que permite abarcar essa multiplicidade de conceitos objetivos e subjetivos da temporalidade. Para a consciência humana, o tempo é o horizonte necessário na sua apreensão do ser.

Como que confirmando os filósofos, a ciência alterou muitas das idéias intuitivas ingênuas que tínhamos sobre o tempo e a simultaneidade dos eventos. Segundo Bertrand Russell: “O tempo não é uma ordem cósmica única. O fato de o tempo ser próprio de cada corpo ... envolve mudanças nas noções de substância e causa, e sugere a substituição de uma substância que atravessa diferentes estados por uma série de eventos.”

A ação, o pensamento e o sentimento humanos só existem dentro do fluxo do tempo. A autoconsciência do homem e a constatação da passagem do tempo lhe permitem tomar conhecimento da inexorabilidade da morte. Em sua Crítica da Razão Pura Kant fez ver que o tempo e o espaço não são referenciais universais, mas concepções a priori da mente humana:

O tempo ... é a forma real da intuição interna. Conseqüentemente, o tempo não é real como objeto. Mas, se eu mesmo ou um outro ente me pudesse perceber sem esta condição da sensibilidade, estas mesmas determinações que nós nos representamos atualmente como mudanças nos dariam um conhecimento em que não se encontrará mais a representação do tempo, nem, por conseguinte, a de mudança, não existiriam. Sua realidade empírica permanece, pois, como condição de todas as nossas experiências. Mas a realidade absoluta não se pode, segundo vimos, conceder ao tempo.

A fenomenologia de Husserl e Heidegger mostra que a subjetividade é inseparável do pensamento humano, e que a objetividade livre, neutra e externa é inexeqüível. Da mesma forma, não há conhecimento atemporal, ou fora do campo temporalizante da consciência Buscar um referencial absoluto é uma fantasia e uma perigosa armadilha. Voltando às palavras do físico Anthony Zee: “O tempo é o único conceito da física sobre o qual não podemos falar sem que apareça, em algum nível, a consciência.”

A ciência moderna tem confirmado que a nossa capacidade de entender o mundo tem seus limites: assim, os problemas da física astronômica e da mecânica quântica podem ser trabalhados no nível matemático, mas nos escapam à compreensão. As verdades da física newtoniana - que pensávamos absolutas - restringem-se apenas à nossa fração de universo. A vida - no sentido biológico - nos fornece referenciais internos: os relógios biológicos, e o mundo físico nos dá referenciais temporais externos: os movimentos dos corpos celestes e as suas conseqüências, os dias e as estações do ano, que acertam os nossos relógios biológicos. No entanto é a nossa vivência psíquica que determina a idéia de temporalidade. De acordo com Henri Bergson, estava na intuição da duração o cerne de sua doutrina sobre o tempo, diferençando-a do tempo abstrato.

Como nos versos de Henri de Régnier: "L' amour est éternel... oui, tant qu'il dure...", que talvez tenha originado os versos do último terceto do conhecido Soneto da Fidelidade, de Vinícius de Moraes, “ ... Eu possa me dizer do amor que tive / Que não seja imortal posto que é chama / Mas que seja infinito enquanto dure.”

A cultura, evidentemente, tem uma parte importante na formação desse substrato psíquico. No campo da literatura, Jorge Luís Borges explorou magnificamente as possibilidades do tempo subjetivo, em relação com o tempo biológico e o tempo físico, em pequenas obras-primas como “Milagre Secreto”, “O Imortal”, “A Escrita do Deus” e “O Jardim dos Caminhos que se Bifurcam”, narrativa sobre uma novela imaginária, da qual reproduzimos um trecho :

O jardim dos caminhos que se bifurcam é uma enorme charada, ou parábola, cujo tema é o tempo; ... é uma imagem ~ uma imagem incompleta, mas não falsa, do universo tal como o concebia Ts'ui Pen. Díferentemente de Newton e de Schopenhauer, seu antepassado não acreditava num tempo uniforme, absoluto. Acreditava em infinitas séries de tempos, numa rede crescente e vertiginosa de tempos divergentes, convergentes e paralelos. Essa trama de tempos que se aproximam, se bifurcam, se cortam ou que secularmente se ignoram, abrange todas as possibilidades. Não existimos na maioria dêsses tempos; nalguns existe o senhor e não eu. Noutros, eu, não o senhor; noutros, os dois. Neste, que um acaso favorável me surpreende, o senhor chegou a minha casa; noutro, o senhor, ao atravessar o jardim, encontrou-me morto; noutro, digo estas mesmas palavras, mas sou um erro, um fantasma.

- Em todos - articulei com um certo temor - agradeço e venero sua recriação do jardim de Ts'ui Pen.

- Não em todos - murmurou com um sorriso. - O tempo se bífurca perpètuamente para inumeráveis futuros. Num dêles sou seu inimigo.

O tempo cultural

Mesmo eu se entenda, como Kant, que o tempo e o espaço sejam intuições a priori da mente humana, deve-se levar em conta que esses conceitos nem sempre são unitários nem entendidos no mesmo nível de síntese (Elias, 1998). Em outras épocas e outas culturas vemos que o tempo e o espaço podem ser particularizados e fragmentados. Muitos relatos antropológicos mencionam concepções de tempo e espaço estritamente vinculadas ao momento e ao local. O conhecido relato bíblico do Livro de Josué, em que Deus faz o sol parar no céu - para proporcionar a Israel a conquista de Canaã, demonstra essa perspectiva.

Como observou William James (1890, p.622-3), para a nossa mente, o registro intuitivo do tempo não vai além de horas ou dias. Além desse limite, a concepção se torna absolutamente simbólica. São as datas e os eventos que nos criam a referência; a sua quantidade simboliza a extensão temporal. É o seu caráter social que nos permite construir uma noção do tempo. Coube ao registro simbólico cultural a tarefa de vincular o tempo natural (os ciclos da natureza) aos eventos humanos.

A partir da semana judaica (ver Zerubavel, 1985) e do horarium beneditino, a sociedade passou a criar seu próprio tempo, abstrato e independente da temporalidade marcada pela natureza. A cultura propicia um modelo arquetípico para as concepções do tempo, e as diversas dicotomias temporais podem ser encontradas entre as sociedades: tempo sagrado e tempo profano, monocronia e policronia, sincronia e assincronia, etc.

Nas culturas tradicionais, onde predomina o tempo circular, fortemente ligado aos ciclos da natureza, observamos com mais freqüência uma certa tendência a temporalizar o espaço. Como exemplo, a frase: “tal lugar dista a um dia e meio daqui”. Nessas mentalidades, o passado tende a ser uma referência muito mais importante que o futuro, pois nos acontecimentos pretéritos encontram-se todas as respostas. Muitas vezes acredita-se numa antiga Idade de Ouro, que um dia retornará.

Nas sociedades modernas, onde a temporalidade predominante é seqüencial, estabelecida pelo homem, tende-se mais a espacializar o tempo, que é cartografado em mapas, que são os calendários, agendas, planners, etc. Dizemos: “tal evento fica próximo deste outro”, ou “tal dia é distante daquele”. O futuro torna-se então a principal referência, já que o passado é visto como todos esforços se direcionam ao porvir.

Aqui no Brasil, vemos surgir uma estranha perspectiva da seqüência do tempo, carregada de ambigüidade, aonde o futuro e o progresso são vistos como metas permanentes, ao mesmo tempo em que se mostram desconectadas do passado e do presente. Como a criança, que imagina um futuro fantasioso, o Brasil vive um permanente sonho do País do Futuro que não tem passado. A construção de Brasíla, a capital “moderna” e desligada da tradição e da história do país, representa esse ideal de esquecer o passado e criar um novo mundo assentado sobre o nada.

Assim, em linha gerais, as concepções culturais do tempo mais relevantes, ou pelo menos as que mais interessam ao contexto da terapêutica e da psicopatologia, ao nosso ver, são as de tempo cíclico e tempo contínuo, sobre as quais nos estenderemos posteriormente.

A seguir reproduzimos o gráfico esquemático de uma “carta do tempo”, do antropólogo Edward Hall (1996), que procura ilustrar de forma integrada as diversas dimensões dos conceitos de tempo:

III - Uma Investigação sobre a Temporalidade e a Medicina

Casa entre bananeiras

Mulheres entre laranjeiras

Pomar amor cantar.

Um homem vai devagar,

Um cachorro vai devagar,

Um burro vai devagar.

Devagar as janelas olham.

Eta vida besta, meu Deus...

Carlos Drummmond de Andrade

 

“Oh dear! I shall be too late!” said the White Rabbit.

Lewis Carrol, Alice in Wonderland

As vivências do tempo como ciclo e como continuidade

Como vimos, duas concepções filosóficas e culturais básicas sobre a natureza do tempo persistem desde a antigüidade até os nossos dias: a noção de tempo cíclico, rotativo (“roda” do tempo) e a de tempo contínuo, seqüencial, histórico, progressivo (“flecha” do tempo). No dizer de Leach (1977),

Estou inclinado a pensar que todos os outros aspectos do tempo, duração ou seqüência histórica, por exemplo, são apenas simples variações destas duas experiências básicas:

a) que certos fenômenos se repetem

b) que as mudanças da vida são irreversíveis.

Agora, a nossa visão moderna e sofisticada tende a jogar a ênfase no segundo destes aspectos do tempo.

Na primeira o tempo é visto como uma roda, ou uma série de rodas menores que giram em círculos maiores, onde os eventos periodicamente se repetem. Na segunda, o tempo é visto como um fluxo contínuo, sob uma perspectiva histórica, onde os eventos jamais se repetem, e o passado forma o presente e ambos conduzem ao futuro. A afirmação do filósofo grego Heráclito expressa bem esta idéia : “ninguém se banha duas vezes no mesmo rio”, pois nem mais a pessoa nem o rio serão os mesmos.

O hinduísmo, o budismo mahayana, os cultos chineses aos ancestrais tendem a concepções de círculos maiores ou menores de tempo, com retornos periódicos. Já o budismo hinayana, assim como as concepções monoteístas judaico-cristã e islâmica admitem um tempo de fluxo contínuo com um clímax no final dos tempos, ou Apocalipse, e no julgamento, ou Juízo Final.

Concepções cíclicas do tempo - os deuses das doenças (Omolu)

A idéia do tempo cíclico certamente originou-se da observação dos ciclos da natureza : dia e noite, estações do ano, plantio e colheita, ciclos de reprodução, movimentos dos astros, etc. Como disse J. K. Campbell (1974), “It is a common feature of many pastoral with simple material cultures that they are highly dependent on their physical environment ...” Como mencionamos anteriormente, ocorre aqui uma tendência a temporalizar as relações espaciais, submetendo-as ao jugo do Tempo soberano.

As sociedades iletradas, predominantemente extrativistas, nômades, seminômades (transumantes) e agrícolas tendem a ter como principal referência um conceito de tempo concebido como repetitivo e circular. Seu ritmo de mudanças é extremamente lento, quase a-histórico. G. J. Whitrow (1993) menciona o clássico exemplo dos índios Hopi, do Arizona, que não se referem ao passado nem ao futuro. Relata que B. L. Whorf, tendo estudado minuciosamente a sua língua, não conseguiu encontrar quaisquer “palavras, formas gramaticais, construções ou expressões referentes ao tempo ou a qualquer de seus aspectos.”

Evans-Pritchard (1978) assinalou que para os Azande, do sudoeste do Sudão, o presente e futuro se superpunham. Em seu livro clássico “The Nuer”, ele observa que o tempo, para os Nuer, apresenta dois aspectos:

Um se mostra claramente cíclico, ligado aos ciclos da natureza que se repetem, que ele chamou de tempo ecológico. A estações do ano, as secas, as chuvas, as pastagens e as colheitas determinam a passagem do tempo. Ele observa que os Nuer pouco usam os nomes dos meses para indicar épocas, mas preferem referir-se a alguma atividade que esteja em curso naquele momento. Em nosso meio rural, podemos constatar o mesmo hábito, com as pessoas reportando-se às águas, à seca, ao milho, ao ponto do feijão, ao estado do pasto, às capineiras, à silagem, etc. como referências temporais.

O outro refere-se às relações internas da estrutura social. O tempo estrutural parece ser progressivo, mas na realidade trata-se de uma ilusão, pois a estrutura permanece a mesma e o tempo é percebido como o movimento de pessoas ou grupos, através da estrutura. Evans-Pritchard prossegue :

Além dos limites do tempo histórico, encontramos um plano de tradição no qual se pode supor que um certo elemento do fato hist6rico tenha sido incorporado nurn complexo de mitos. Aqui os pontos de referência são os pontos estruturais que já apontamos. Uma das extremidades desse plano funde-se com a história; a outra, com o mito. ... Ter-se-á notado que a dimensão temporal nuer é pouco profunda. A história termina há um século e a tradição, medida generosamente, leva-nos para trás apenas dez a doze gerações na estrutura de linhagem, e, se estivermos certos ao supor que a estrutura de linhagem jamais cresce, segue-se que a distância entre o começo do mundo e o dia de hoje permanece inalterávell. O tempo, assim, não é umn contínuo, mas umn relacionamento estrutural constante entre dois pontos, a primeira e a última pessoa numa linha de descendência agnática. A pouca profundidade do tempo nuer pode ser avaliada pelo fato de que a árvore sob a qual começou a existir a humanidade ainda estava de pé, na região ocidental da terra nuer, há alguns anos!

Os antigos egípcios, cuja vida dependia das periódicas cheias do Nilo, apesar de todos as conquistas de sua civilização, mantiveram-se numa perspectiva predominantemente não-contínua. Os aspectos estereotipados, com figurações repetitivas, em que a representação formal e hierárquica predomina sobre a particularidade e o movimento são caracteríscos na arte egípcia.

A religião judaica em geral tende a uma visão contínua do passar do tempo, e as primeiras marcações do tempo independentes dos ciclos naturais surgiram entre os judeus (ver Zerubavel). Apesar disto, encontramos também alguns aspectos fatalistas e cíclicos no Antigo Testamento:

3. Que proveito tem o homem de toda a fadiga a que se sujeita debaixo do sol?

4. Uma geração passa, outra geração entra, mas a terra permanece para sempre.

9. O que foi é o que será. O que foi feito de novo será feito : nada de novo sob o sol.

10. Admita-se uma coisa da qual se afirma : “Vê que é nova!” Já existia nos séculos que nos precederam!

11. Não há memória daquilo que precedeu, também daquilo que sobreveio e não haverá no futuro.

(Eclesiastes, 1, 3-4 e 9-11)

Na Idade Média, apesar do cristianismo, as concepções cíclicas dos antigos celtas e outros povos, assim como muitos de seus antigos rituais foram preservados, mesmo com a reprovação eclesiástica. Idéias fatalistas, com imagens como a da Roda da Fortuna aparecem nas cartas do tarot e na poesia profana dos Carmina Burana : “Fortuna rota volvitur, / Descendo minoratus; / Alter in altum tollitur; / Nimis exaltatus /Rex cedet in vertice / -Caveat ruinam! / Nam sub axe legimus / Hecubam reginam.”

Jorge Luís Borges, em um conto chamado “Os Teólogos”, de seu livro O Aleph, ilustra o confronto entre as concepções de temporalidade:

Sua douta e comedida refutação bastou para que Euforbo, heresiarca, fosse condenado à fogueira. “Isto ocorreu e voltará a ocorrer”, disse Euforbo. “Não acendeis uma pira, acendeis um labirinto de fogo. Se aqui se unissem todas as fogueiras que eu tenho sido, não caberiam na terra e os anjos ficariam cegos. Isto eu falei muitas vezes.” Depois gritou, porque as chamas o alcançaram. Caiu a Roda diante da Cruz [nas cruzes rúnicas os dois emblemas inimigos convivem entrelaçados]...

Rituais de cura e sacrificio periódicos

Os sacrifícios astecas, os deuses que morriam anualmente (o egípcio Osíris, o babilônio Tammur, o grego Adônis, o nórdico Balder, etc.), os festivais do fim do ano agrícola, representam o mesmo ciclo da vida e da morte. Mesmo no cristianismo, encontramos o sacrifício periódico, repetido, em que a morte origina a vida : a eucaristia, onde o corpo e o sangue de Cristo são ingeridos. “Em verdade, em verdade, vos digo: se o grão não cair na terra e morrer, ficará só; quando morre, porém, gera muitos frutos.” (João, 12:24).

Mesmo constatando que o processo de substituição da idéia do tempo cíclico pela do tempo contínuo já poderia ser traçado desde o início da escrita e da história, vemos que essa substituição jamais se completa. A propósito deste fato, Mircea Eliade assinala que as religiões sempre celebram a restauração periódica, o eterno retorno, que purifica, recupera e lava os pecados. Em Le Mythe de l'Éternel Retour (1949), Eliade mostra que apesar de marcarem uma concepção histórica dos mitos, com a criação, a revelação e a previsão de um final dos tempos, há “uma obsessão pela regeneração” nas doutrinas da seta do tempo, que a transformam novamente no ciclo do tempo.

Assim vemos que as concepções cíclicas do tempo tendem a predominar nas sociedades relacionais, mais hierarquizadas e conservadoras. Constatamos aí uma relativa ausência de concepções progressivas, lineares, de agendas, de programas, de história.

A doença tende nestes casos a ser vista como um castigo causado pelo esquecimento dos rituais e sacrifícios devidos aos deuses: gregos, hebreus, yorubas. Temos então entidades sobrenaturais encarregadas das funções patológicas, os deuses das doenças, como o orixá da varíola, chamado Omolu, ou Obaluaiê, a deusa asteca Tlazoteotl, o deus védico do fogo e da febre Agni, a deusa Sitala da varíola e os deuses da malária. O destino é controlado por forças externas, e só elas podem causar as doenças ou trazer a cura.

Terapias cíclicas

As terapias passam a ter um caráter tão cíclico ou periódico como os rituais cujo esquecimento motivou as doenças. Desta forma temos as bênçãos periódicas, as aspersões de água benta, as sessões de candomblé, umbanda, espiritismo, etc. em possessões ritualizadas semanais. A repetição e o sofrimento são parte do tratamento, ou da penitência, e costumam ser muito bem aceitos. A relação entre provação e eficácia terapêutica é bastante evidente nas idéias de que os remédios amargos e as injeções mais dolorosas são melhores, ou de que deve-se fazer um tipo de “resguardo” durante o tratamento, sem bebidas nem divertimentos. Quando há uma forte relação terapêutica estabelecida, os efeitos colaterais das drogas são suportados com surpreendente facilidade, uma vez que são vistos como parte do tratamento e não como algo indesejável, à parte.

Concepções contínuas do tempo - os deuses da saúde (Asclépios)

Já os antigos gregos haviam começado a desenvolver idéias de tempo contínuo sobre as arcaicas concepções circulares. O deus Cronos (em grego KronoV, com kappa, não confundir com o substantivo comum chronos (cronoV), com chi), filho do Céu e da Terra, devorava os próprios filhos; assim, não havia verdadeiramente um passar do tempo, pois ele não seria jamais sucedido por ninguém. Porém um dos seus filhos - Zeus - foi salvo por sua mãe Rhea, que o escondeu, fazendo Cronos engolir uma pedra em seu lugar. O velho Cronos (o Saturno dos romanos) era um deus agrícola, das festas cronias atenienses e das saturnais romanas, que celebravam as colheitas e propiciavam a fertilidade. A agricultura, com seus ciclos naturais e seus rituais anuais está mais ligada ao tempo cíclico; enquanto que a navegação, o comércio e a indústria relacionam-se ao tempo contínuo. Com a deposição de Cronos por Zeus, enfraquece-se a tendência à temporalização do espaço e surge a espacialização do tempo, onde este é dominado e seus eventos são previstos e descritos num schedule.

Uma outra concepção mitológica da mudança na idéia do tempo é a figura de Héracles, que combateu os rituais tradicionais de sacríficio, vencendo o gigante Anteu, rei da Líbia, filho de Gea, a Terra, e também Busíris, rei do Egito. Ambos sacrificavam todos os estrangeiros que lá aportavam. A vida telúrica está ligada profundamente à idéia dos ciclos do tempo, do conservadorismo, da xenofobia e da busca de segurança. Aliás, por esta mesma razão, a própria idéia de agricultura é incompatível com a idéia do capitalismo moderno, como as crises comerciais internacionais não se cansam de demonstrar. Não é possível uma verdadeira equiparação entre empresas capitalistas e empresas agrícolas. Assim, no chamado primeiro mundo, os conflitos só se resolvem através de soluções de compromisso, como cooperativas, empresas estritamente familiares e pesados subsídios governamentais1. No terceiro mundo, o feudalismo persiste na maior parte da vida rural, e mesmo aquilo que se chama de agricultura “moderna” na realidade não passa, praticamente, da mecanização de uma exploração predatória, de baixo rendimento e altíssimos custos ecológicos e sociais. A terrível instituição do bóia-fria é um exemplo desse completo desligamento da terra que a modernização provoca. As conseqüências sociais disto estão aí à vista de todos. Uma compreensão mais profunda da questão revela que o maior problema não reside realmente na posse jurídica da terra, mas sim na perda ou na falta do vínculo afetivo e cultural com a terra. O culto nacional à Deusa-Mãe, nas figuras da Virgem Maria e das diversas Nossas Senhoras, mostra esta profunda nostalgia telúrica.

Voltando à questão específica do tempo, vemos que o desenvolvimento da escrita, evidentemente, também favoreceu as tendências à continuidade e à historicidade. Certamente não foi por mero acaso que o alfabeto surgiu entre os fenícios, povo de navegadores e comerciantes. Ampliações dos intervalos de repetição são também formas de transformação dos ciclos em grandes “espirais”. A determinação do enorme intervalo entre as posições zodiacais das constelações, pela localização angular destas em relação à eclíptica, feita pelos antigos astrônomos é um exemplo desta perspectiva. A precessão dos equinócios - movimento angular do eixo da Terra - completa-se a cada 25.920 anos, o que faz com que as doze constelações zodiacais mudem de posição, após cerca de 2.160 anos. O culto dos mistérios mitraicos, de origem persa e muito difundido no mundo helênico, comemorava a substituição da constelação de Taurus por Aries, ocorrida há mais de quatro mil anos, e preparava-se para a chegada da era de Pisces. Dessa nova era esperavam grandes mudanças. Ainda hoje há quem aguarde Aquarius - que se inicia em 2200 - com essa mesma esperança. O estudioso de religiões David Ulansey, em um trabalho sobre a cosmologia dos mistérios mitraicos, relata que a precessão dos equinócios foi descoberta em 125 A.C., pelo astrônomo grego Hiparco. Segundo Ulansey (1989), todo o universo estava em mudança, para os adoradores de Mitra :

From the geocentric perspective, the precession (a movement of the earth) appears to be a movement of the entire cosmic sphere. For people who held both a geocentric woridview and the belief that the movements of the stars influenced human fates, the discovery of the precession would have been literally world-shaking: the stable sphere of the fixed stars was being unseated by some force apparently larger than the cosmos itself. Ancient intellectuals, accustomed as they were to seeing the work of the gods reflected in the works of nature, could easily have taken this great movement as evidence for the existence of a powerful, hitherto unsuspected deity. The meaning of the tauroctony now becomes clear: the death of the bull aptly symbolized the end of the reign of Taurus as the constellation of the spring equinox and the beginning of the most recent era.

É talvez a partir desse alargamento dos ciclos que surgem as concepções mais contínuas do tempo, que vai passando a ser visto como uma flecha direcionada. Surgem então as idéias de um deus único, com uma meta determinada, seus profetas, um messias redentor, e a previsão de um final dos tempos antes da eternidade. Talvez a fracassada tentativa de imposição do monoteísmo por Akhenaton (ou Amenhotep III), em 1374 A.C., no Antigo Egito, já fosse um prenúncio da necessidade do estabelecimento do conceito de tempo contínuo sobre os ciclos naturais. Um Deus onipotente e criador não é concebível sem a idéia de um fluxo de tempo contínuo, unidirecional. Deuses que desempenham um papel semelhante a Zeus, que rompeu com seu pai Cronos e iniciou um tempo mítico-histórico, estão presentes em diversas mitologias.

Concepções mais racionais surgiram e se sobrepuseram às idéias mágicas ou religiosas de doença, entre os gregos e também entre diversos outros povos da antigüidade. O homem-deus Asclépios (o Esculápio dos romanos) é uma representação dessa perspectiva, já que é a divinização da pessoa de um médico humano. Com Hipócrates, a doença passa a ser vista sob um aspecto mais internalizado - como uma disfunção que ocorre dentro do corpo - e o tanto o médico como o paciente passam a adquirir alguma responsabilidade sobre a doença e sobre o seu tratamento.

Ainda assim, porém, a medicina permanece uma prática sagrada, e os médicos, o seus sacerdotes. No século XIX, a Higiene2 começou a ser venerada, e no século XX, a farmacologia e os equipamentos eletrônicos entraram para o culto. Mesmo na mais extrema medicina tecnológica, a dicotomia sagrado-profano e puro-impuro permanecem claramente presentes, juntamente com o seu culto, só que desta vez transferidos para a adoração da ciência e da tecnologia.

No Brasil, ambas as perspectivas convivem de foram complexa. Como diz Roberto da Matta: “...há um sistema, mas o que predomina não é todo, mas as partes.” Comparando eventos como Sete de Setembro - o Dia da Pátria - e o Carnaval, da Matta (1990, p.44) ressalta que o primeiro corresponde a “...uma temporalidade registrada, empírica, que tem um início documentado e que faz parte de um conjunto de momentos críticos da vida brasileira, os quais são vistos como encadeados. Esta temporalidade se mostra claramente “... marcada pelo sentido de progresso, evolução, e sobretudo, `não-repetição'.” Já no segundo caso, “...o Carnaval se situa numa escala cronológica cíclica, que independe de datas fixas.” Observa-se assim uma cronologia cósmica, divina, que focaliza valores universais e transcendentes.

Robert Levine, professor de psicologia social da Universidade da California, relata em seu livro “A Geography of Time”, de forma muito interessante e divertida, o seu choque cultural quando veio ao Brasil, para lecionar na Universidade Federal Fluminense, em Niterói. Diz ele: “From my past travel experiences, I anticipated difficulties ... But these turned out to be a piece of cake compared to the distress that Brazilian's ideas of time and punctuality were to cause me.” (“Pela minha experiência de viagens anteriores, eu já previa dificuldades ... Mas estas não seriam nada comparadas com os problemas que as idéias brasileiras de tempo e pontualidade iriam me causar.”)

O Tempo e a Saúde Pública

O desenvolvimento histórico do conhecimento humano vem tendendo cada vez mais para a superação das concepções cíclicas pelas contínuas, de uma forma lenta e gradual. A idéia de uma história natural da doença vem se estabelecendo com a mesma força das agendas e planejamentos em geral. O desenvolvimento econômico, o comércio, a indústria e uma complexa rede de relações sociais e de trabalho não são compatíveis com filosofias de tempo descontínuo. Naturalmente tais idéias tendem a predominar nas sociedades mais individualizadas, menos pessoais, menos hierarquizadas. O tratamento médico é então encarado como a correção de uma falha, como o conserto de um defeito qualquer. As terapias costumam ser planejadas, tendo schedules que apresentam começo, meio e fim, com exames e verificações entre as etapas.

No campo da saúde pública vemos como exemplo dessa perspectiva o estabelecimento dos exames pré-natais, das tabelas de vacinação, dos programas de tratamento e prevenção de hipertensão, diabetes, câncer, tuberculose, hanseníase, doenças mentais, AIDS, etc.

No Brasil, com toda a sua característica de sociedade dividida, cheia de ambigüidades, de duplicidades, temos com freqüência o uso indiscriminado de todas as concepções possíveis de saúde e doença, e a busca de tratamentos múltiplos. Uma concepção não contradiz necessariamente a outra, mas pode até legitimá-la, eventualmente, de forma complementar ou mesmo sincrética.

Vemos diariamente situações como a da terapia da tuberculose, em que a seqüência programada do tratamento muitas vezes não é cumprida, conduzindo às recidivas e à criação de resistência. De acordo com Natal et al. (1999), os estudos de abandono do tratamento indicam uma alta porcentagem de pacientes bacilíferos, e também altas taxas de resistência bacteriana à quimioterapia. Portanto, “... a resistência secundária decorre, muito mais, da não-aderência ao tratamento...” Assim também ocorre com a lepra, as vacinações e mesmo com as psicoterapias de base analítica, que exigem o cumprimento disciplinado de um planejamento ou um calendário programado, e que por esta razão, enfrentam grandes dificuldades em sua implantação nas populações carentes. Essas dissociações, que são muito comuns, poderiam ser talvez resolvidas ou minoradas por atitudes mais flexíveis, mas se vêem eternizadas através das radicalizações e das dicotomias impostas.

Recentemente veio à baila um episódio em que pastores evangélicos da famosa Igreja Universal andaram divulgando para a população que a lepra era uma doença incurável pela medicina, e que por isso os doentes deveriam jogar fora os medicamentos fornecidos pelo governo e procurar a cura apenas em Jesus, de quem eles acham ter adquirido o franchising.

Eles estavam na verdade jogando com uma idéia que já estava presente na consciência da população, a de que tratamento de verdade tem de ser imediato e miraculoso, ou então cíclico, ritualizado e repetitivo, objetivando a expiação e a penitência do pecador. Tratamentos complexos, múltiplos, conjugados ou que exijam planejamento ou acompanhamento progressivo não costumam ser bem aceitos pela população, e tendem a fracassar. As mesmas pessoas cuja grande capacidade de suportar o sofrimento, e realizar enormes esforços e sacrifícios em busca de tratamento é testemunhada diariamente pelos que trabalham na saúde pública, surpreendem a estes contrastando esse esforço com uma absoluta negligência quanto ao cumprimento das prescrições, dos exames ou do planejamento terapêutico. A mobilidade entre diversos enfoques e formas de tratamento são um elemento característico de nossa abordagem cultural da doença. Quando é necessária uma disciplinada aplicação a determinadas práticas terapêuticas específicas, falhamos redondamente.

Uma excelente ilustração etnográfica desse problema da estratégia terapêutica surge no livro de Anne Fadiman, “The Spirit Catches You and You Fall Down” (1997), que relata o caso de uma menina de etnia Hmong (imigrantes provenientes do Laos) que sofria de epilepsia (Síndrome de Lennox-Gastaut) e narra as desventuras dela e de seus pais decorrentes do absoluto desentendimento entre a família e os médicos americanos quanto à natureza da doença e os métodos de tratamento. Para os americanos, os Hmong eram criaturas primitivas e inconfiáveis, pois não respeitavam as oredens médicas, nunca cumpriam as prescrições e jamais davam os medicamentos nas doses corretas nem nas horas previstas. Para os Hmong, os médicos era mais uma representação da prepotência, da intolerância e da opressão que o seu povo já vinha enfrentando há muitos séculos no Laos, na Tailândia e na China.

O seguinte exemplo, extraído do nosso dia-a-dia clínico, também ilustra com clareza estes fatos: uma senhora hipertensa, diabética, obesa, sofrendo de úlcera péptica, artrose e varizes, que se recusa a procurar tratamento no posto de saúde vizinho à sua casa, mostra-se capaz de pegar quatro ônibus lotados, viajando durante cinco horas, para finalmente chegar ao hospital universitário e dizer sorrindo ao seu médico que infelizmente não fez os exames pedidos, não tomou os remédios prescritos, nem se lembrou de trazer qualquer dos exames anteriormente solicitados...

Um outro exemplo típico é o caso dos exames pré-natais, freqüentemente negligenciados, apesar da sua enorme importância preventiva, exaustivamente divulgada nos hospitais e postos de saúde. No entanto, vemos que não é a gravidez em si mesma que é negligenciada, mas apenas a atitude de prevenção face às suas possíveis complicações. Dá-se o contrário com o resguardo, período sem maior importância fisiopatológica, mas que é observado rigorosamente pela população.

O caso das vacinações infantis também é significativo: só se conseguiu vacinar as crianças em massa criando um “Dia da Vacinação”, um evento único, meio religioso, meio carnavalesco, com bombástica divulgação pela TV pela Xuxa, Renato Aragão e artistas de novela. Este novo evento cultural que passou a se repetir todos os anos simplesmente conseguiu eliminar a poliomielite.

Nenhuma das tentativas anteriores de imposição das cadernetas e calendários programados de vacinação jamais conseguiram atingir amplamente a população. A explicação que as Secretarias e o Ministério da Saúde tinham para os fracassos era a de sempre: falta de instrução do povo. Mas nem a ignorância nem a incapacidade intelectual são explicações satisfatórias para estes insucessos, já que nenhum calendário de vacinação é mais complexo do que, por exemplo, o jogo do bicho. A origem da questão parece estar em outro lugar. Refletir profundamente sobre esses problemas, antes de se tentar tirar soluções prontas da algibeira, parece-nos fundamental.

Em seu belo livro “Galinha D'Angola”, Vogel, Mello e Barros (1998), buscam respostas à questão “Porque a Iaô [noviça, no rito iniciatório iorubá] deve ir à missa?”, pergunta esta que em alguns aspectos se assemelha à do médico: “Porque Dona Maria insiste em vir ao Hospital Universitário, se não faz os exames nem segue o tratamento?”. Concluem eles: “Como dispositivo capaz de reduzir a complexidade real de um universo marcado pela heterogeneidade religiosa e social, o sincretismo tornou possíveis as transações significativas entre identidades fortemente diferenciadas.”

Da adoração da doença à sacralização da medicina

Os historiadores das representações sociais da doença mostram-nos que se as concepções sobre a doença claramente variam, no decorrer do tempo histórico, na sua forma, em,,.. seu conteúdo mudam muito pouco. O desamparo de todo ser humano face à doença e à perspectiva da morte fazem com que essas concepções, em sua essência sejam mais ou menos as mesmas. Interpretações mágicas e religiosas das doenças - que são vistas como fatalidades ou punições - persistem até hoje. Interpretações racionais e naturalistas já existiam há centenas ou milhares de anos, entre médicos gregos como Hipócrates, assim como chineses, egípcios e hindus. Le Goff (aqui citado por Sevalho, G., 1993) chega mesmo a dizer : “...da mais remota antigüidade, donde surgem os ainda mais espantosos documentos da Babilônia, até o bloco operatório mais futurista, as atitudes face às doenças em nada se alteraram.”

O médico detém o terrível poder de desenganar, de pronunciar o vaticínio, determinando - ou profetizando - o tempo da morte dos seus pacientes. Deste poder - ou desta função - não há como escapar. Mesmo hoje em dia, em que os laudos impessoais dos exames complementares parecem assumem esses papéis, que se diz: “Os exames mostram que...”, ou “De acordo com a tomografia ...” e que essa responsabilidade parece se diluir, ainda assim a função sacerdotal do médico não desaparece. A absoluta irracionalidade com que se encaram os erros e falhas médicas ilustra este ponto. Nos Estados Unidos, cada médico é processado em média três vezes em sua carreira; 60% dos custos médicos se referem aos seguros e nove milhões de processos indenizatórios são ajuizados por ano. De nenhuma outra profissão se pensaria jamais em exigir essa infalibilidade divina.

A medicina como religião da saúde

enorme desenvolvimento científico e tecnológico dos dois últimos séculos, no entanto, criaram dificuldades de convivência entre essas duas mentalidades, num antagonismo inevitável. Uma forma de conciliação vem sendo feita, nos países mais desenvolvidos, onde o racionalismo científico está mais solidificado, através de uma espécie de sacralização 3 da ciência médica, entre o público, e uma cientificização dos rituais de cura, entre os profissionais. Assim, aparelhos complicados são venerados como oráculos e deuses da cura, e os profissionais que os manipulam como uma espécie de babalaôs que interpretam as suas falas. Por outro lado, os profissionais muitas vezes transformam fantasias colhidas na cultura, no Zeitgeist, ou no inconsciente coletivo e tentam dar-lhes um colorido cientificista. Como exemplo dessas tendência temos a adoração das drogas e dos neurotransmissores, oferecidas como solução mágica até para as questões existenciais.

Num país como o Brasil, essa interação encontra-se ainda incipiente, persistindo uma dicotomia entre uma cultura médica dita popular e uma cultura médica dita científica. Um interessante trabalho realizado em São Paulo (Queiroz, 1993), abordando as necessidades de saúde como um elemento de consumo, mostrou claramente que o cientificismo “mágico” estabelece a única passagem entre ambas, mas que na realidade não chega a ocorrer diretamente um contato real e significativo entre a cultura científica e a não científica. A pesquisa foi realizada numa comunidade periférica aonde foi instalado um serviço médico público moderno, de alta qualidade, com médicos da Unicamp, jovens, bem preparados para a prática de uma medicina popular estritamente científica e voltada para a saúde pública. No entanto, apesar da gratuidade e do bom nível do seu trabalho, constataram que em diversas situações, acabavam sendo preteridos pelo público em favor dos médicos antigos da região, por prescreverem pouco e pedirem poucos exames. Quando dispunha de algum dinheiro, o povo parecia preferir a medicina “tradicional” dos médicos e farmacêuticos locais, que num falso paradoxo, mostrava-se muito mais modernosa, valorizando exames e medicamentos em profusão. A tendência de aproximação entre os extremos revela que na realidade não há grandes diferenças entre o tecnicismo e as práticas tradicionais. Já com relação à prática médica mais afeita ao rigor científico, existe um profundo abismo. Como se viu, a prática “tradicional”, usando “mal” a tecnologia moderna, acaba tendo muito mais apelo frente à população que a prática da “boa” medicina, que a população considera pouco sensível às suas necessidades subjetivas, mostrando-se mesquinha em seus recursos aos “deuses” tecnológicos e avara na distribuição de “milagres” farmacêuticos.

Assim, constatamos que muitos problemas da saúde pública situam-se além da mera falta de verbas, e necessitam de outros recursos para a sua compreensão. Para que a medicina possa servir bem à sociedade, é necessária uma ampla compreensão das necessidades da população, vistas de uma maneira muito mais abrangente que a utilizada pela medicina social. Como se vê, não se trata apenas de um conceito como illness contra outro conceito como disease (Kleinman, 1988), mas da permanente interação entre eles. A presença do conhecimento verdadeiramente científico na medicina só pode se dar por dentro da sua existência como cultura, ideologia e desejo, e nunca contra a influência cultural, ideológica ou psicológica em sua formação. Essa visão da ciência como uma vestal intocada já não tem mais sentido hoje em dia, o que de maneira alguma tira o seu valor, ou a iguala a qualquer feitiçaria.

Niveis de autoconsciência

Podemos distinguir, em quaisquer dos diferentes níveis ou instâncias da consciência humana, uma série de dicotomias ou de oposições dialéticas. Todas elas porém, parecem guardar complexas relações entre si, ao constituírem a personalidade.

Podemos chamar de níveis alopsíquicos ou psicossociais aqueles que situam o sujeito no mundo. Assim temos um nível temporal, onde podemos ver a concepção do tempo como um ciclo eterno ou como uma continuidade histórica. Temos um nível espacial onde distinguimos realidade externa e a interna. Observe-se que aqui não nos referimos à percepção do tempo nem do espaço, mas sim à relação da consciência interna com estes conceitos.

Podemos chamar de níveis autopsíquicos os que situam o sujeito em si mesmo. Teríamos assim uma consciência influenciada ou uma consciência autodeterminada. No que se refere à chamada consciência moral, encontramos as tendências à atribuição de responsabilidade externa ou interna.

Podemos chamar de níveis sócio-relacionais os que situam o sujeito na vida social e cultural. Teríamos assim uma consciência tendendo ao personalismo (hierarquizado) ou uma consciência tendendo ao individualismo (igualitário).

Podemos ainda chamar de nível existencial aquele que se refere à plenitude do sujeito em sua capacidade de apreensão da realidade (que proporcionará condições para a compreensão, a escolha e a determinação). Assim, podemos ter uma consciência massificada ou uma consciência independente e reflexiva.

A internalidade e a externalidade

Internalidade e externalidade são conceitos que se referem à atribuição de responsabilidade pelos eventos. Na psicologia, os termos antagônicos "intrapunitivo" e "extrapunitivo" foram cunhados por Saul Rosenzweig em 1938, para indicar o sentido (interno ou externo) da reação individual à frustração ou à responsabilização. O psicanalista e antropólogo francês Tobie Nathan (1995) também destacou a tendência à internalidade nas culturas ocidentais modernas, por oposição às africanas, tanto no que se refere à atribuição da causa doença como ao seu tratamento, seja este medicamentoso ou psicoterápico. Assim, tanto a psicanálise como o psicofármaco tratam de um problema interno - seja físico ou psíquico - do indivíduo, ao contrário do ritual possessivo e da beberagem ou da “garrafada”, que tratam de problemas externos da pessoa, como “encosto”, “mau-olhado”, etc. Assim, nos estados depressivos - de esvaziamento afetivo - existe uma tendência à paranóia (perseguição extrapunitiva) nos deprimidos externalizantes, Enquanto que se observa uma predominante tendência à culpa (perseguição intrapunitiva) nos deprimidos internalizantes. A constituição da moralidade, ou seja, da estrutura do superego, está estreitamente ligada às concepções sócio-culturais (ideológicas, míticas, religiosas) dos elementos que exercem o controle social sobre o sujeito numa determinada sociedade. Esta Nêmesis - o elemento punitivo (perseguidor) presente em cada membro do grupo - coloca-se de maneira diversa nas diferentes culturas.

Nos grupos sociais com menor nível de organização - ditas “primitivos” - o sujeito tende a externalizar a punição (exercida pelo grupo social) sob a forma de perseguição sobrenatural. A punição visa sobretudo disciplinar as relações entre o sujeito e o grupo como um todo. Este é simbolizado pela entidade sobrenatural. As sociedades modernas, urbanizadas e mais complexamente organizadas, inclinam-se para um maior controle das relações entre os indivíduos, exigência indispensável para o funcionamento de suas enormes estruturas e a manutenção do individualismo básico que as forma. A administração e controle das relações interpessoais é tarefa da lei, pois dela depende o funcionamento das instituições. Não há mais lugar para soluções pessoais ou familiares para os conflitos.

Seguindo este raciocínio, podemos notar uma certa tendência a se associar os conceitos de internalidade e de individualismo, mas o exemplo japonês mostra que isto nem sempre é adequado: Kimura, comparando pacientes deprimidos alemães e japoneses, sutilmente observou que a culpa entre os japoneses se dá com muito mais intensidade em relação aos outros, enquanto que os sentimentos culposos dos alemães se ligavam a erros pessoais. À diferença do individualismo ocidental, o chamado “ego partilhado” das culturas orientais seria, segundo o autor (Kimura, 1993), responsável por essas diferenças. Separamos então a vergonha da culpa, e desta forma, podemos fazer a interessante constatação de que a internalidade pode se desenvolver por caminhos diferentes do individualismo ocidental.

A externalidade parece ter uma estreita relação com a concepção cíclica da temporalidade, que é determinada pelos eventos da natureza, independente da vontade humana. O tempo contínuo, só pode existir de forma internalizada, condicionando em sua estrutura seqüencial todas as atividades do sujeito.

A fenomenologia das vivências do tempo e da atribuição de causalidade (responsabilidade) como determinantes psicopatológicos

A estreita relação do sentimento de responsabilidade com o stress psicossomático já foi abundamente demonstrada em inúmeros estudos clínicos e experimentais. Estudos feitos com primatas na década de 60 já evidenciaram amplamente que a responsabilidade em evitar choques elétricos provocava úlceras nos animais, enquanto que nos macacos que levavam os choques, mas não podiam evitá-los, nada acontecia.

É importante ressaltarmos no entanto, que a correlação psicopatológica não pode ser feita de maneira superficial. Se o relógio do Coelho Branco de Alice provoca ansiedade e tensão, o tédio e a rotina também provocam aborrecimento e irritação. O personagem de Chaplin em “Tempos Modernos” enlouquece de tanto apertar parafusos. Na literatura popular, vende-se a idéia simplória de que a vida campestre, ou a vida na selva seriam menos estressantes ou mais saudáveis que a vida nas cidades. Isso não passa de uma ingênua persistência do mito do bom selvagem de Rousseau. Na realidade, tanto os sentimento de previsibilidade, repetição e segurança das concepções cíclicas do tempo quanto os sentimentos de indeterminação, criatividade e liberdade das concepções contínuas podem ser provocadores de stress, caso sejam ego-distônicos, ou estejam em desacordo com a estrutura da personalidade.

O grande problema é a proporção entre a gratificação proporcionada pelo ambiente sócio-cultural e a angústia provocada por suas exigências ou por suas omissões. Assim autonomia e segurança mostram-se inversamente proporcionais. Vemos na patologia social e do trabalho que o grande problema é quando o sentimento de segurança não acompanha mais a falta de autonomia, ou quando a liberdade não se soma à incerteza criando um binômio insuportável: dúvida e opressão (desequilíbrio na balança liberdade/segurança).

Patoplastia e patogênese

Patoplastia, por oposição a patogênese, é uma expressão introduzida em 1923 por Birnbaum e que tem sido usada na etnopsiquiatria no sentido de dar à cultura um papel moldador dos quadros psiquiátricos, mas não essencialmente causal. Este conceito foi combatido pelos antropólogos radicais que não admitiam qualquer realidade intrínseca à doença psiquiátrica, fora da cultura.

À parte os sectarismos, porém, a clínica demonstra que há uma hierarquia de sintomas, que vão desde os mais profundos, menos patoplásticos e menos suscetíveis de variação cultural, aos mais superficiais, essencialmente patoplásticos. Isto não significa que qualquer sintoma, profundo ou não, deixe de sofrer alguma influência cultural. O grande problema para o diagnóstico psicopatológico é que os sintomas secundários - ou superficiais - costumam ser os mais aparentes, os que chamam mais a atenção, especialmente por envolverem a quebra das normas e expectativas sociais. É aqui que surgem as “culture-bound syndromes” e se origina a maior parte dos erros diagnósticos. E é também exatamente neste ponto que se encontra a maior fraqueza prática dos critérios “objetivos” de diagnósticos, como os DSMs e CIDs. A busca da objetividade ontológica (e não apenas epistemológica) conduz à concretude cientificista, valorizando apenas o que seja redutível ao estritamente biológico. Como observam Russo e Henning (1999): “...o pressuposto empiricista implicado nessa posição `ateórica' implicou, de fato, a adoção de uma visão fisicalista da perturbação mental.” Assim esse “ateoricismo” não apenas é mais uma visão teórica, mas uma visão teórica especialmente estreita e empobrecedora.

Diagnóstico diferencial

As diferenças na concepções temporais podem confundir as avaliações psicopatológicas menos cuidadosas. Sem uma compreensão fenomenológica ou etnopsiquiátrica mais profunda, o fatalismo, a resignação e o extremo conformismo comuns em certas populações podem ser interpretados como indiferença e diagnosticados como embotamento afetivo, dentro do pacote de “sintomas negativos” da esquizofrenia. Em outro texto (Bastos, 1997), dei como exemplo o caso de um paciente de manicômio judiciário, um sertanejo, que cometera um homicído mas não apresentava nenhum quadro psiquiátrico. Seu laudo pericial, no entanto, apontava para uma suposta esquizofrenia, baseando-se exatamente nesses “sintomas negativos”. A metáfora “Vidas Secas”, título célebre de Graciliano Ramos, ilustra com rara felicidade essa diferença cultural.

Affonso Romano de Sant'Anna, em uma crônica de jornal, menciona o caso, documentado em uma reportagem, de uma menina de área rural do interior que bebia sua água tranqüilamente numa lata usada de agrotóxico, expressando a sua perplexidade com a nossa displicência, o nosso descaso pela vida. No entanto, essa inconseqüência talvez não se encontre realmente neste tipo de pessoa, muito semelhante àquelas que provocaram o acidente radiativo em Goiânia. Talvez a inconseqüência esteja muito mais naqueles que impõem práticas que exigem projetos complexos, planejamento seqüencial e execução rigidamente disciplinada para populações que vivem sob um outro tempo, um tempo soberano, natural, que subjuga o destino.

Eugène Minkowski destacou a importância da vivência do tempo na psicopatologia da esquizofrenia. Segundo ele, a esquizofrenia consiste fundamentalmente numa perda do élan vital, o que impede o esquizofrênico de manter um contato com a realidade que não seja circunstancial ou superficial. O tempo parece inexistir, e assim, nem o trabalho nem o descanso, nem o sofrimento nem o prazer parecem adquirir qualquer sentido. Às vezes parece só ser possível alguma mudança através da transformação ou de um processo de morte e da ressurreição. Fora destes episódios, a chamada indiferença afetiva então se torna predominante.

Isto aparenta ser muito pouco compatível com as necessidades prementes de estreito controle e programação do tempo nas sociedades modernas. Talvez por isso alguns autores (como Devereux) chegassem até a considerar a esquizofrenia como uma doença da sociedade moderna. De acordo com um conhecido estudo multicêntrico da OMS (Jablensky, Sartorius et al.) parece haver um melhor prognóstico para a esquizofrenia no chamado Terceiro Mundo, apesar da escassez de recursos. Um dos fatores que talvez condicionasse esses resultados fosse uma maior tolerância dos povos de culturas tradicionais para com a esquizofrenia. Neste caso, as concepções não-seqüenciais da temporalidade poderiam representar um importante papel.

Num quadro reativo de depressão, a quebra das seqüências temporais é extremamente mobilizadora para as sociedades que exigem atividade laborativa regular e planejada. Numa sociedade tradicional, porém, um período de inatividade pode ser bem tolerado, até que a personalidade encontre forças para se recuperar. Não é por outra razão que a atual “epidemia” de depressão tem seu epicentro nos Estados Unidos, onde as distinções psicopatológicas jasperianas entre reação, processo e desenvolvimento nunca chegaram a se estabelecer.

A psiquiatria como prática científica e como produção cultural

The Red Queen noted : “Here it takes all the

running you can do, to keep the same place.”

Lewis Carrol, Alice in Wonderland

Modernidade, individualismo e representações culturais

Faz parte dos pressupostos ideológicos do individualismo da moderna sociedade pós-industrial a globalização e a homogeneização das culturas, pois se vê como a única forma viável de existência (que já chegou ao “fim da história”). “Cultura” passa a ser um sinônimo de folclore, à qual só restam duas alternativas: transformar-se em atração turística ou desaparecer. No entanto, dentro dos próprios centros de produção ideológica dessa cultura globalizada surgem milhares de núcleos de resistência a essas mudanças. No mundo, os nacionalismos se exacerbam. Nos Estados Unidos, cultos, seitas e mesmo religiões são fundadas diariamente, e o seu mercado parece inesgotável. Isto nos faz pensar que se duzentos anos de individualismo em nada mudaram as necessidades humanas. O culto à medicina, ao corpo, à saúde, às dietas, às vitaminas e aos medicamentos tornou-se tão ou mais intenso que o de qualquer outra divindade “cultural”.

A relação entre o psiquiatra e o curandeiro

O médico é o intermediário entre o doente e a divindade, entre a vida e a morte; toda a angústia das incertezas humanas vem às suas mãos. Partimos do princípio de que todo e qualquer terapeuta, seja ele médico ou feiticeiro, tem como função social o acolhimento e a resolução de duas necessidades fundamentais: o alívio do sofrimento do doente (dor, incapacidade, frustração, angústia, etc.) e o alívio do sofrimento da sociedade face à doença (ameaça, fragilidade, incerteza, insegurança, descrença, etc.).

Assim, cabe a ele impedir que os laços entre o doente e o grupo se fragilizem pelo isolamento, pela desesperança ou pelo abandono. Em sociedades mais complexamente organizadas e individualizantes, o atendimento à primeira necessidade automaticamente reflete na segunda; ambas, porém, devem ser atendidas. Não é difícil compreender que a psiquiatria, por sua própria natureza, está ainda mais envolvida com o atendimento às necessidades específicas da sociedade que qualquer outra especialidade médica. Seja aonde for localizada a fonte do sofrimento (externa ou interna), o trabalho é o mesmo: cumprir os rituais necessários e fornecer os tratamentos. Isto nada tem a ver com o charlatanismo, que é uma forma de exploração do desamparo e da fragilidade humana. Aliás, podemos imaginar que até mesmo o mais descarado charlatanismo pode ocasionalmente ser útil, se não impedir o doente de obter algum outro tratamento mais eficaz e realmente aliviar a dor do paciente.

Psicodinâmica e cultura

Procuramos demonstrar os elementos psicodinâmicos presentes nas diversas culturas, e estudar as maneiras como são utilizados na interpretação, como uma mitologia (no sentido usado por Lévi-Strauss) à qual a pessoa com problemas pode ser reintegrada. Cada elemento mitológico tem um papel explanatório e organizador da vida social; papel que se torna reparador e terapêutico quando aplicado nas situações patológicas. Queremos ressaltar que pode perfeitamente existir grande profundidade psicodinâmica em formas de psicoterapia que não obedecem às regras individualizantes da internalidade e da seqüencialidade temporal.

Na Bahia, os estados dissociativos podem ser vistos como elementos terapêuticos, em que cada entidade sobrenatural pode exercer o seu papel específico de cura ou reintegração social. Já nos Estados Unidos os quadros dissociativos são vistos como uma patologia em si mesma, anteriormente descrita como “esquizofrenia” - na forma exageradamente abrangente dos americanos - e mais tarde diagnosticada como “personalidade múltipla”, uma típica culture-bound syndrome não encontrada em nenhum outro lugar. Desta forma, se num lugar o quadro é visto como uma forma terapêeutica, que produz algo estável, uma maneira de ser, no outro é considerado algo patológico em si mesmo, de natureza disruptiva e que exige tratamento.

As vivências temporais e a psicoterapia

Vemos que as sociedades ocidentais - individualistas - tendem à internalização da responsabilidade social, da doença e da cura, sejam estas biológicas ou psicológicas. O tratamento deve então ser contínuo, progressivo, com início, meio e fim marcados. Nas sociedades tribais, o tratamento costuma ser descontínuo, repetitivo, cíclico, em periódicas renovações. Apesar de ambas as perspectivas incluírem diagnósticos, estratégias e técnicas, o seu curso se dá de forma muito diferente.

Quando um estagiário de psiquiatria ou psicologia, atendendo um paciente em ambulatório, marca sessões semanais de psicoterapia e o paciente não comparece, o seu supervisor certamente tende a dizer que o “problema” se deve à fragilidade do vínculo terapêutico e/ou à resistência inconsciente. A mesma explicação pode ser usada quando o paciente retorna, quando ele some de novo e quando retorna novamente. Em nenhum momento se pensa em questionar a adequação do método terapêutico. Lembro-me que há uns quinze anos, um colega4 relatou-me que os seus pacientes de ambulatório que mantinham o melhor vínculo terapêutico eram justamente os que só vinham a cada quinze dias ou a cada mês. Desde então, jamais vi qualquer estudo, observação ou sequer uma menção a esse assunto.

Na nossa prática psiquiátrica, nem as tendências culturais à externalidade (Bastos, 1995), nem o relacionamento destas com os conceitos cíclicos do tempo são levadas em conta, seja no diagnóstico, seja na terapêutica. Como destaca Tobie Nathan (1995) :

Dans une société non occidentale, un médicament est un objet actif permettant de créer, de maintenir puis de pérenniser la disjonction du symptôme et de la personne. Un médicament est donc un objet permettant de rendre concrète la théorie que professe la communauté sur la nature du désordre. ... Un comprimé de Largactyl est bien un médicament, puisqu'il rend sensible la théorie selon laquelle la schizophrénie se trouve à l'intérieur du sujet - de même, nous pouvons dire qu'une séance de psychanalyse est aussi un médicament.Vous comprendrez aisément que, dans les societés non occidentales, les médicaments ne sont efficaces que dans la mesure où ils instaurent puis aident à maintenir la théorie générale selon laquelle il faut â tout prix - et it l'aide de tous les dispositifs disponibles - disjoindre symptôme et personne.

Os mesmos aspectos psicodinâmicos que a psicoterapia tenta reconstruir progressivamente podem ser percebidos e redirecionados num tratamento religioso, dependendo da habilidade pessoal do xamã ou feiticeiro. Ocorre sempre uma mais ou menos bem sucedida reinterpretação dos problemas emocionais do paciente de acordo com perspectiva mitológica do analista ou do feiticeiro. As principais diferenças tendem a ocorrer nos aspectos temporais e de atribuição de responsabilidade, pois a feitiçaria tende a criar um espaço terapêutico ritualizado e periódico para as manifestações patológicas, sem qualquer preocupação de progressão ou continuidade, já que o problema é visto como inteiramente externo ao paciente. O mais difícil neste caso, é compreender que não existe uma idéia de progresso ou evolução do indivíduo para a cura, mas sim uma espécie de reequilíbrio de forças externas em sua relação com o paciente.

IV - A Depressão, O Tempo e a Cultura

“... neither the life of an individual nor the history of a

society can be understood without understanding both”

C. Wright Mills

Cultura, Envelhecimento e Morte

O tempo é a substância de que sou feito.

O tempo é um rio que me arrebata, mas eu sou o rio...

O mundo, infelizmente, é real; e eu, infelizmente, sou Borges,

Jorge Luis Borges

O tema do envelhecimento e da morte não é estranho a nenhuma sociedade humana, e sempre esteve presente nos contos, mitos e representações teatrais desde a antiguidade. Todas as tradições folclóricas e mitologias têm algo a dizer sobre o assunto.

De acordo com a antiga tradição budista, o príncipe Siddharta Gautama partiu em busca da verdade após ter sido confrontado com quatro visões conturbadoras. A primeira delas foi precisamente a de um homem velho, em franca decrepitude.

Na mitologia grega temos diversos mitos referentes ao destino do homem. Na Teogonia, após guerra dos Titãs e a deposição de Cronos por Zeus, instala-se uma nova era, em que o tempo agrícola vai sendo substituído pelo tempo urbano. Como já foi mencionado, as lutas de Héracles, filho de Zeus, contra Anteu, filho de Gea, a Terra, e contra Busíris, do Egito, que capturavam os estrangeiros (comerciantes) que aportavam em suas terras e os sacrificavam às divindades telúricas para obterem fertilidade na produção agrícola, representam simbolicamente essa época de mudanças.

As Moiras - Cloto, a fiandeira, Lachesis, a medidora, e Atropos, que corta o fio da vida - eram divindades responsáveis por cada vida humana, conhecidas como As Parcas pelos romanos. No célebre enigma da Esfinge, solucionado por Édipo, propõe-se o homem como o animal que anda com quatro pernas pela manhã, duas ao meio dia e três à noite.

Desfecho irônico teve o caso da deusa da aurora, Eos, que se apaixonou por um jovem mortal, Titon, e pleiteou que fosse dada ao rapaz a imortalidade. Zeus concedeu o pedido, negando-lhe porém a eterna juventude. Assim Eos acabou ficando com um amante imortal, mas decrépito. A dramática história de Medéia e Jasão envolve também o caso do rei usurpador Pélias. Sendo Medéia uma feiticeira e conhecendo uma fórmula de rejuvenescimento, persuadiu as filhas de Pélias a aplicá-la no velho pai. Mas o tal procedimento consistia em cortar o sujeito em pedaços e fervê-lo numa mistura de ervas. Naturalmente, não deu certo, deixando as pobres moças arcarem com o crime de parricídio. Na peça teatral Alceste, de Eurípides, vemos o diálogo ferino entre o rei Admeto, que não queria deixar a vida ainda jovem, e seu pai, que, mesmo velho, não via porque devesse morrer pelo filho, já lhe tendo dado a existência.

Dessa forma, vemos que a velhice, a decrepitude e fim da vida nunca deixaram de ser fatos angustiantes, ou pelo menos desagradáveis, para todas as pessoas, em todas as épocas. No entanto, certas formas de se perceber a passagem do tempo podem dar outros sentidos à existência e tornar os seus momentos finais senão felizes, ao menos mais dignos e serenos.

O tempo cíclico e o envelhecimento

Eis os anos da vida de Abraão: viveu cento e setenta e cinco anos. Depois Abraão expirou; morreu numa longevidade feliz, velho e saciado de dias; e foi unir-se aos seus antepassados.

Gênesis, cap.25, v.7 e 8

Na tradição hebraica, vemos os patriarcas, os juízes, o profetas serem vistos como personagens eternos e recorrentes, assim como estava escrito que todos os povos de Israel já se encontravam no seio de Abraão. Como os gerontes gregos, os idosos tinham uma imagem de respeitabilidade, e até hoje, devido às expressões bíblicas, certos grupos religiosos cristãos usam o termo “ancião” para estabelecer respeitabilidade e autoridade, independente da idade. No entanto, já mencionamos que a primeira marcação artificial do tempo, independente da natureza, surgiu entre os judeus.

Os patronímicos, partículas nominais que significam filho de-, existentes até hoje em línguas eslavas, e remanescentes como sobrenomes em todas as outras línguas indoeuropéias (latinas, germânicas, célticas, etc.), lembram e marcam a presença do pai toda vez que o nome do filho é pronunciado. Não podemos falar em Liev Nicolaievitch Tolstoi sem notar que seu pai se chamava Nicolai. Assim como os sufixos eslavos -vitch, -wicz, -vic, como em Pavlovitch, Petrowicz, Ivanovic, temos os sufixos ibéricos -es e -ez, como em Álvares, Peres, Esteves, Nunes, Vásquez, Ramírez, Rodríguez, etc.; os sufixos germânicos -son, -sson, -sen, -sohn, como em Peterson, Gunnarsson, Andersen, Johannsohn, etc.; o sufixo grego -poulos, como em Dimitropoulos e Papadopoulos; o prefixo Fitz-, como em FitzGerald, FitzPatrick, FitzJames, FitzWilliam, etc., que se originou do franco-normando fiz (de fils); os prefixos celtas O' e Mac, como em O'Brien, O'Connor, McGregor, McDonald, etc. Nas línguas semíticas, temos os prefixos ibn- e ben-, que designam o nome do pai, como em ibn-Sina (que originou a transcrição Avicena), Ben-Bella, Ben-Gurion e Benjamin.

Assim, em seguida ao primeiro nome (ou nome de batismo, geralmente de origem bíblica), a lembrança do pai, ao lado da profissão tradicional da família ou do lugar de origem, era tradicionalmente sugerida na maior parte dos sobrenomes. Um forte vínculo entre religião, terra, trabalho e família criava um sentido de eternidade, como na expressão “retornar aos ancestrais”.

O tempo contínuo e a idade

Life is too short to be small.

Benjamin Disraeli

A sociedade moderna, tendendo ao individualismo, fragmentou os ciclos familiares, o vínculo telúrico, os laços de origem e as tradições profissionais. São constituídas relações impessoais, estruturas burocráticas de poder e carreiras planejadas, que seguem uma linha inexorável: competição → ascensão → decadência → aposentadoria → morte. O mercado não mostrava interesse no idoso e a aposentadoria passou a ser compulsória, deixando de ser uma opção para as pessoas mais debilitadas ou para aqueles já sem condições de trabalho. Nos EUA, de acordo com Medge & Cahn (2000), os salários representavam apenas 17% da renda dos maiores de 65 anos em 1986; em comparação, o Seguro Social fornecia 38% e os fundos de pensão outros 16%. Isto reflete uma dramática diminuição na proporção de idosos empregados. Em 1948, mais de 50% dos maiores de 65 anos estavam empregados, em comparação com apenas 16% dos homens e 7% das mulheres da mesma faixa etária em 1987.

Como o desenvolvimento do conhecimento inverteu a hierarquia do saber, e o jovem passou a saber mais que o idoso, o estabelecimento de um status econômico e social suficientemente elevado para permitir um envelhecimento condigno passou a ser condição sine qua non para permitir uma vida mental equilibrada (ver Krause, 1991, West, 1998) O nível de tensão na faixa limítrofe passou a ser muito grande. Na Austrália, de acordo com Hassed (2000), o nível de stress em populações ocidentalizadas cresceu em 45%. De acordo com Gardner et al. (1964) os pacientes deprimidos de 55 anos ou mais apresentam o dobro da taxa de suicídio dos deprimidos mais jovens. No gráfico (Blazer, 1995), vemos que o índice de suicídios entre os brancos do sexo masculino cresce enormemente na faixa entre os 50 e os 60 anos. Schmitz-Scherzer (1995) atribui aos valores individualistas o crescimento dos suicídios de idosos na Alemanha.

A impossibilidade de se desvincular afeto, responsabilidade e poder dentro da hierarquia familiar é um tema-chave no Rei Lear, de Shakespeare. A realidade clínica mostra que muitas famílias, hoje em dia, vivem pequenas tragédias muito semelhantes. A diferença é que em geral terminam de forma mais prosaica, em tribunais, asilos e medicamentos, sem nenhuma grandiloqüência.

Não muito estranhamente, uma nova entidade nosológica psiquiátrica, chamada “depressão” veio surgindo em proporções epidêmicas nas últimas décadas, de acordo com a OMS, e paulatinamente tomando o lugar da categoria psicopatológica do mesmo nome, muito mais restrita na sua versão anterior.

O individualismo conduz também ao isolamento social dos improdutivos e assim o envelhecer nos asilos torna-se o destino inexorável de todos aqueles que já não conseguem mais manter a sua autonomia. Tudo o que lhes resta são a previdência social e os planos de saúde, para quem a idade é sinônimo de prejuízo, e o idoso se vê considerado como um fardo para o sistema.

A perda do vínculo familiar e do pertencimento

Know that we have divided

In three our kingdom; and 'tis our fast intent

To shake all cares and business from our age, 

Conferring them on younger strengths, while we

Unburden'd crawl toward death.

W. Shakespeare, King Lear, Act I, Scene I

Como a proximidade da morte e o sentimento de perda não são suportáveis na sociedade globalizada consumista, nem há nenhuma forma de se encarar isso, a tragicidade da questão precisa ser negada a todo custo. "In America, dying is the most culturally obscene subject. We talk easily about sex, money, hate, and private family matters-- but not about death.” (Ebersole, 1990). Um enorme esforço é gasto para demonstrar que, com exercícios, bons hábitos e boa alimentação (além de hormônios e uma boa plástica), a velhice é um problema que tem solução. No cinema, vemos as atrizes européias de meia-idade e idosas apresentarem bravamente os sinais do tempo em seus rostos, com uma plástica aqui e outra ali. Já suas colegas americanas parecem bonecas louríssimas sorridentes e de olhos arregalados. Os cemitérios americanos são sempre belos e amplos jardins, onde absolutamente nada de lúgubre se sobressai para evocar a idéia da morte. Já os nossos velhos e sujos cemitérios mantém um ar pesado e dramático, com suas inscrições chorosas ou solenes, e tudo à volta destacando a tragicidade da perda, o sofrimento e a fragilidade da condição humana.

Apesar da faixa média da mortalidade em geral ter aumentado em muito, a idade máxima do ser humano permanece mais ou menos a mesma. Como revelam Olshansky e Carnes (2001), apesar de todo o estardalhaço da imprensa em torno dos progressos científicos sobre o envelhecimento, é muito pouco provável que a expectativa de vida humana venha a ultrapassar os 85 anos. O que se conseguiu em todos estes anos de ciência médica foi reduzir a mortalidade infantil e as doenças infecciosas, deslocando as taxas mais altas de mortalidade da juventude para a velhice.

Assim, a busca da juventude eterna reorientou-se para a melhora da qualidade de vida do idoso. Nas palavras da Gerontological Society of America, a gerontologia deveria procurar "adding life to years, not just more years to life." No entanto, parece ser difícil encontrar algo mais do que hábitos saudáveis de vida e bem-estar econômico na perspectiva moderna de “successful aging”, e um fim como o de Abraão, cercado pela família, pleno de realizações e farto de dias, parece muito afastado no passado. As perdas pessoais, a queda na produtividade e no valor social, as diminuições nas capacidades físicas e cognitivas, as dificuldades face às inovações e alterações culturais, entre outras mazelas, deixam o idoso da sociedade individualista moderna numa posição muito pouco confortável.

O conceito fenomenológico de depressão

Na perspectiva psicopatológica fenomenológica a depressão consiste num estado de esvaziamento afetivo, de perda da energia vital, do entusiasmo, da motivação, da disposição de viver. O luto normal, a tristeza pela perda, o desânimo circunstancial pelas frustrações não devem ser incluídos nesta categoria. O diagnóstico se submete aos critérios gerais do adoecer psíquico, tais como definidos por Karl Jaspers - reação, processo e desenvolvimento - fazendo-se a discriminação entre as reações depressivas situacionais, os processos melancólicos (endógenos) e os desenvolvimentos depressivos da personalidade (os traços depressivos de caráter).

Como destaca E. Minkowski, na depressão melancólica, dita endógena, vemos a predominância da inibição - do pensamento, da fala, da psicomotricidade, etc. - enquanto que nas depressões secundárias o que encontramos é um sentimento de impotência, de fragilidade, de incapacidade, sem que haja qualquer inibição real. Podemos acrescentar que aqui vemos com freqüência a ansiedade como sintoma predominante, acompanhada de stress e sintomas psicossomáticos. Nas personalidades depressivas, no entanto, o que mais se destaca é o sentimento de dependência, com tendências à hipocondria e à manipulação dos vínculos afetivos.

A construção sócio-cultural do conceito de depressão

A classificação nosológica - como todo e qualquer sistema classificatório - é construída socialmente. Esta constatação nada tem a ver com o problema da sociogênese da doença, que é uma questão mais complexa e abrangente, e envolve o conceito de níveis patológicos.

Do ponto de vista da psicopatologia fenomenológica, não há nenhum problema nem com a construção social das classificações, pois sempre foram encaradas como aproximações mais ou menos objetivas a uma realidade essencialmente subjetiva; nem com a sociogênese, já que a multiplicidade causal faz parte de seus pressupostos. Ao mesmo tempo em que ocorria a passagem do psicologismo de orientação psicanalítica para o biologismo neuropsiquiátrico que observamos na história dos DSMs (ver Russo e Henning, 1999), a compreensão clínica psicopatológica foi cedendo lugar às classificações quantitativas e as escalas psicométricas foram substituindo o exame psíquico.

Particularmente, o que nos interessa destacar aqui é a medicalização da depressão, ou seja, a transformação de toda a dor, de todo o sofrimento humano em objeto da medicina, em “brain disorder” ou em alguma doença qualquer que pareça “real”, objetiva e supostamente tratável pelos novos psicofármacos e pelas técnicas comportamentais.

A depressão moderna

De acordo com Alexopoulos (1999-2001), 22% da população idosa apresenta sintomas depressivos, sendo que destes, 1% teria depressão “maior” e 4% transtornos de ajustamento com depressão. Huntley et al. (1986, cit. por Blazer) encontraram 15% de depressivos na população de New Haven maior de 65 anos. Na Inglaterra, Copeland (1990, cit. por Blazer) achou 11,5% em Liverpool, sendo 8,5% considerados neuróticos e 3% psicóticos. De acordo com Hassed (2000), na Austrália, 20% dos adultos estão propensos a apresentar um quadro depressivo “maior” em suas vidas, e 16% dos maiores de 65 anos mostram sintomas persistentes. Van Marwijk et al. (1994) estimam em 17% os quadros depressivos e em até 29% a presença de sintomas depressivos. Nos Estados Unidos, cerca de 11 milhões de pessoas (1 em 20, ou 5%) são afetadas por depressão “maior” a cada ano. Cerca de 5% a 6% de americanos adultos experimentaram um transtorno depressivo maior durante um período de 6 meses, Até 12% de todos os individuos podem requerer tratamento para depressão durante suas vidas. A prevalência do transtorno depressivo maior vai de 10% a 25% para as mulheres e de 5% a 12% para os homens (Weissman et al., 1978; Myers et al., 1984; Regier et al., 1984.

Mas essa insidiosa “doença” depressiva, encarada como uma estranha epidemia que atinge números enormes de pessoas hoje em dia, não deixa de ser uma criação bastante recente, ligada ideologicamente:

  1. Como constructo cultural, ao culto individualista do sucesso, que tende a transformar automaticamente em “losers” todos aqueles que não o alcançam.
  2. Ao conceito moralista, puritano e fundamentalista do trabalho, que o encara como atividade sagrada, excluindo socialmente de forma automática todos os que não o cultuam, seja por falta de desejo ou de capacidade. O estar doente “de verdade” se torna a única justificativa aceitável para o não-trabalhar.
  3. Como forma de sofrimento psíquico, ao vazio existencial, à perda dos nexos afetivos com o grupo familiar e à perda dos vínculos com a terra, com as tradições e com o próprio sentido do trabalho.
  4. Como entidade nosológica, ao cientificismo biologizante e à tendência à medicalização de todos os problemas da existência humana, que assim “explica” neurofisiologicamente todas as três situações anteriores, propondo-lhes automaticamente uma solução psicofarmacológica ou behaviorista, recondicionadora do comportamento.

Antidepressivos vs. estimulantes

Drogas estimulantes como as anfetaminas já eram conhecidas desde a década de 30 - e a cocaína desde o século XIX - mas jamais foram usadas no tratamento da depressão, pois era fato conhecido que tendiam a piorar os quadros depressivos, favorecendo mesmo um aumento no risco de suicídio. Até a década de 60, a eletroconvulsoterapia (ECT) era praticamente a única terapêutica eficaz para a depressão. No entanto, até essa época, o que se entendia por “depressão” eram apenas os chamados quadros “endógenos” ou psicoses afetivas, cuja prevalência nunca passou de aproximadamente 1%. As depressões reativas e as neuróticas ou distímicas eram mais freqüentes, mas o tratamento recomendado era principalmente psicoterápico.

Os antidepressivos tricíclicos foram descobertos no fim da década de 50 e até hoje não foram desbancados no tratamento dos quadros depressivos ditos “endógenos” ou “processuais”. Nenhum antidepressivo mais recente se lhes iguala em eficácia quando essa diferenciação nosológica é feita com rigor, ou mesmo quando a gravidade do quadro entra em questão. Esta impressão clínica dos psiquiatras foi confirmada em diversos estudos europeus (e mesmo americanos), especialmente quando os quadros eram aqueles que exigiam internação, e para os quais não se encontrava qualquer relação de causa e efeito entre as manifestações psicopatológicas e os eventos externos ou história de vida do paciente. Quando a classificação behaviorista e quantitativa dos DSMs substituiu a observação fenomenológica, as diversas formas de depressão perderam qualquer aspecto diferencial entre si, exceto o número e a duração dos sintomas: assim hoje temos a depressão “maior” e a depressão “menor”. Uma avaliação rigorosa reduziria a prevalência das atuais depressões maiores a níveis próximos dos 1% das antigas depressões endógenas, mas os critérios meramente quantitativos sempre permitem uma abrangência muito maior. Além disso, essa categorização permite a confusão entre sintomas de doenças orgânicas e de perda cognitiva. Como ressalta Blazer (1995): “DSM-IV ... poorly differentiates psychiatric symptoms from those that signify the presence of physical illness and impaired cognition.” Por causa dessa salada pseudo-objetiva que são os DSMs, mais voltados para fins jurídicos, administrativos e comerciais do que científicos, até mesmo psiquiatras de orientação fortemente biologizante, como van Praag (1998), os criticam: “Psychiatric taxonomy is currently based on invalid nosological premises...”

Essa abrangência exagerada permite que um número enorme de problemas, psiquiátricos ou não, acabe entrando no pacote da “depressão maior”. Além disso, por exemplo, a clínica nos mostra que os quadros depressivos podem cursar, eventualmente, com manifestações paranóides, o que dificilmente permite a sua detecção pelos critérios do DSM-IV, do CID-10 ou pelas escalas psicométricas como a de Hamilton ou CES-D. Isto ocorre porque estas sempre tendem a privilegiar o sintoma da culpa e a desprezar o da paranóia (ver Nikelly, 1988 e Bastos, 1995).

Vemos que hoje em dia, porém, os estimulantes - incluindo até mesmo as próprias anfetaminas - têm largo uso na terapêutica de algo que se também se chama “depressão”. A explicação mais simples para esta aparente incongruência parece ser o fato de que o diagnóstico da depressão foi mudando completamente com os DSMs, tendo perdido toda a sua essência fenomenológica e psicodinâmica.

Até a década de 70, os estados depressivos ou depressivo-ansiosos decorrentes de eventos da vida - tais como luto, aposentadoria, separações, desemprego, incapacidade, doença ou abandono - eram classificados como depressões secundárias ou reativas e o uso de antidepressivos para esses casos não era recomendado em nenhum texto de terapêutica psiquiátrica.

A partir da década de 80, surgiram novos antidepressivos, cuja ação estimulante sobre esses quadros essencialmente reativos parecia ser mais eficaz e produzir menos efeitos colaterais. Criou-se então um enorme boom comercial e acadêmico na psiquiatria em torno dessas drogas, e assim, paralelamente, o diagnóstico de depressão foi perdendo todo o seu caráter qualitativo, fenomenológico (distinguindo depressões processuais, depressões de personalidade e depressões reativas), para se tornar meramente quantitativo e comportamental (depressão maior ou menor, baseando-se na simples soma de sintomas). Assim, os novos estimulantes, chamados de antidepressivos, encontraram um imenso campo de aplicação na sociedade globalizada. Para a indústria farmacêutica a década de 90 foi a década da depressão. Entre 1991 e 2001, as vendas de drogas antidepressivas multiplicaram-se por dez, atingindo os onze bilhões de dólares e tornando esse setor o mais lucrativo de toda a indústria farmacêutica.

Tanto a sua relativa ineficácia nas depressões processuais, a sua tendência a produzir estados de euforia com indiferença afetiva, como a sua propensão a induzir o suicídio foram escamoteadas das pesquisas, seja pelo fato de que tais casos de fracasso (geralmente nas “velhas” depressões) eram muito menos freqüentes do que as “novas” depressões, seja pelo mascaramento das amostras através de alguns “truques” de pesquisa. Vários trabalhos, geralmente europeus, demonstraram uma grande diferença de eficácia quando o grau (ou o tipo, dependendo de se usar critérios quantitativos ou qualitativos) da depressão era levado em conta.5

Ainda não contentes em considerar doente uma parcela significativa da população, muitos ainda procuram tornar patológica a presença de alguns sintomas isolados de depressão, produzindo a chamada “depressão subclínica”, que evidentemente, exige o mesmo tratamento (ver Lyness et al., 1999).

Todo esse movimento visava a ampliar enormemente o escopo do tratamento psiquiátrico, criando uma ilusão de controle sobre os problemas da relação entre os indivíduos e a sociedade. Especialmente no que se refere aos psicofármacos, banalizou-se enormemente o seu uso, o que tornou os novos antidepressivos campeões de vendas. De acordo com David Healy (1997), ex-secretário da British Association for Psychopharmacology, “the idea that unhappiness can be categorized as a disease and should be treated with drugs” (“a idéia de que a infelicidade possa ser categorizada como doença e possa ser tratada com drogas”) é um claro sinal da alienação da chamada “revolução psicofarmacológica”.6

Do isolamento social à depressão clínica

Idle old man, 

That still would manage those authorities

That he hath given away! Now, by my life,

Old fools are babes again, and must be us'd

With checks as flatteries, when they are seen abus'd.

W. Shakespeare, King Lear, Act I, Scene 3

A perda da vinculação a uma família, a uma terra e a um ofício, e o estabelecimento de uma programação individualizada, externa, de forma extrínseca, não natural e voltada apenas para os interesses da produção, deixa a cada ser humano uma única chance de ter um envelhecimento menos sofrido: naqueles casos em que o idoso consiga desfrutar de sucesso, bens e poder. Como tais casos são raros, evidentemente, só resta para grande parte da população idosa uma existência esvaziada de sentido, uma lenta e penosa espera da morte, na qual as velhas Moiras se vêem substituídas pelos burocratas, pelo managed care e finalmente pela eutanásia. Em mais um milagre da tecnologia, as novas Lachesis já podem medir o fio da vida pelo telefone: “Infelizmente, já se esgotaram os direitos do seu plano”, o que é o mesmo que dizer: “Seus dias estão contados”. Enquanto isso, as técnicas mais modernas de se pôr termo à existência vão sendo difundidas em livros e pela Internet, e milhares de piedosos Drs. Kevorkians assumem pelo mundo o papel da ultrapassada Atropos. De acordo com Ingebretsen & Solem (1998), 60 a 80% do público nos países ocidentais são favoráveis à eutanásia voluntária, se bem que esta opção seja menor entre os idosos (Waller, 1986, cit. ibidem). Encerrar uma vida sem perspectivas parece ser vista como uma boa alternativa para o paciente e para a família, além de ser, sem dúvida, uma excelente decisão do ponto de vista dos acionistas das seguradoras de saúde.

Como seria impensável que o novo way of life proposto pela sociedade globalizada pudesse jamais estar errado, concluiu-se forçosamente que o número crescente de pessoas desestimuladas e angustiadas deveria estar relacionado a alguma grave doença cerebral, que atingia proporções de epidemia, sendo chamada de “depressão”. Como os neurotransmissores apresentavam-se alterados - aliás, como sempre se apresentam em todas as atividades mentais específicas - pela lógica do post hoc ergo propter hoc, decidiu-se que se tratava de uma disorder indubitavelmente originada por algum desequilíbrio de neurotransmissores. O fato de que nunca se conseguiu formular uma hipótese consistente para explicá-la, assim como a patente inespecificidade dos psicofármacos e dos neurotransmissores envolvidos em seu tratamento, não foi empecilho para que essa “teoria” fosse e continue sendo apresentada como científica em todas as instâncias. Transformou-se assim a mera infelicidade em uma doença médica, como bem disse Healy.

A concepção da temporalidade, o envelhecer e a depressão

Como vimos, nas concepções culturais que tendem a perceber a passagem do tempo de forma predominantemente cíclica, o envelhecer é visto como parte de um movimento eterno, e a família se perpetua em seus descendentes, nas suas tradições, no cultivo da terra ou no exercício do ofício familiar. As transformações culturais que proporcionam a passagem para enfoques mais direcionais do tempo vão produzindo uma história social e destacando cada vez mais o papel individual nessa história. Quando mais difícil for a passagem de uma Weltanschauung tradicional, de tendência circular, fatalista, repetitiva e eterna para uma outra individualizada, burocratizante, planejadora e sucessiva, mais difícil se torna a possibilidade de uma senectude satisfatória. Se ambas as perspectivas buscam a previsibilidade e o controle do destino, na segunda o fardo da decadência recai sobre o indivíduo, que deve planejar o fim da sua própria existência, se quiser suportá-lo com dignidade. O pragmatismo individualista americano reagiu ao aumento relativo e absoluto de idosos na população através da proposta de se alcançar o “successful aging”. Cole (1991) critica esse conceito, reconhecendo nele o problema implícito da velhice mal-sucedida, e denunciando a sua negação.

De acordo com Hazan (1994), na sociedade moderna ocorre uma ruptura entre o universo de significados do idoso e a sua capacidade de controlá-lo. Ele propõe quatro tipos de respostas: a primeira seria o abandono do controle, pelo isolamento e indiferença; a segunda seria o a desistência do significado em favor do controle, com atitudes egocêntricas e socialmente inadequadas; a terceira seria o abandono de ambos, com a perda do desejo de viver; a última consistiria num ajuste do significado ao campo de controle ainda disponível, emprestando enorme importância a pequenas rotinas e rituais particulares. A repetição seria então uma forma de manter tudo como está. Assim, o objetivo último do idoso torna-se interromper a passagem do tempo que traz a decrepitude e a morte. De certa maneira, há sempre uma tendência a se retornar aos ciclos.

Nos aspectos em que os constructos modernos sobre a velhice ideal não satisfazem as necessidades da população idosa, assim como quando a sociedade transita entre modelos culturais diferentes, inúmeros problemas vão sendo criados, entre eles o vazio existencial, assim como também as suas “soluções”: a medicalização da angústia, da decadência e da própria morte. Em populações em que escasseiam ou inexistem os substratos culturais que permitem a assimilação completa dessas propostas cria-se uma espécie de limbo onde o idoso fica psicologicamente desamparado e sem quaisquer referências, tendo perdido a inserção social e já não dispondo mais da familiar. Processos parciais de aculturação podem ocasionar situações de indefinição da identidade, deterioração dos valores, dos registros de memória (ver Candau, 1998), assim como esvaziar afetivamente os indivíduos (ver Swenson et al., 2000), produzindo estados depressivos e abundantes queixas somáticas. Shetterley et al. (1996) observaram uma clara discrepância entre o estado de saúde objetivo e o subjetivo em sujeitos hispânicos, comparados com brancos não-hispânicos.

Achamos que seria necessário investigar a importância das concepções temporais de tendência cíclica em pacientes idosos deprimidos de ambulatórios de psiquiatria de hospitais gerais. Sabemos que uma porcentagem extremamente alta - em torno de 50% - da demanda total das instituições públicas de saúde apresenta quadros depressivo-ansiosos surgidos em momentos de declínio na vida social - como aposentadoria, separação, abandono pelos filhos, etc. - gerando então sentimentos rejeição, desvalorização e de falta de reconhecimento, construindo assim uma auto-imagem de decadência, deterioração e exclusão.

Poderíamos assim descobrir se nesse universo de queixosos de sintomas depressivos existiria alguma predominância daqueles cujas concepções sobre a continuidade e terminalidade da passagem do tempo vêm sendo mais radicalmente alteradas, assim como daqueles cujo universo cultural, cujos valores religiosos e familiares vêm perdendo importância ou sofrendo modificações essenciais. Seria também possível complementarmos a observação investigando também as possíveis correlações entre as apresentações dos sintomas psicopatológicos e as características de personalidade que promovam inclinações à internalização ou à externalização da responsabilidade.

Hendricks & Hendricks (1976) alertam para a tendência a se procurar modelos em que se encaixem todos os idosos como categoria. Como perspectiva mais abrangente, lembram a tipologia de Mann, Siegler e Osmond (1972, cit. por Hendricks, 1976), baseada em Jung, que distingue os tipos de personalidade perceptiva, sentimental, pensativa e intuitiva. O primeiro tipo tenderia a viver só o presente; no segundo predominaria o passado, de forma circular; o terceiro tenderia a ligar os eventos no fluxo do tempo, de forma contínua; o último experimentaria o tempo como que de trás para frente, introjetando o futuro no presente. Assim eles destacam a multidimensionalidade das experiências temporais, observando que as características de personalidade podem ser tão importantes como o próprio envelhecimento.

A construção de cada um dos múltiplos universos culturais tende a favorecer alguns aspectos mais específicos dos traços de caráter que se observam nas personalidades individuais. Assim, a observação fenomenológica não pode ser substituída na compreensão da participação da cultura nos eventos psicopatológicos.

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1. A necessidade generalizada de subsídios que a produção agrícola apresenta no mundo inteiro é uma prova inconteste, objetiva e econômica desta absoluta incompatibilidade.

2. De Higiéia, a Saúde, uma das filhas de Asclépios. A outra era Panacéia, a que tudo cura. Elas representam as duas grandes vertentes da medicina moderna, a curativa e a preventiva.

3. A tentativa racionalista de se pôr fim à dicotomia sagrado-profano resultou apenas em algumas mudanças nos objetos de culto: do culto a Deus passa-se ao culto à saúde; do culto a Esculápio passa-se ao culto à tecnologia médica e à magia científica. A ciência permanece como uma entidade numinosa, da qual emana o poder.

4. O Dr. Ricardo Maciel da Costa, da Universidade Federal Fluminense.

5. Por exemplo, os trabalhos do Danish University Antidepressant Group (Psychopharmacology 90:131-138, 1986; Journal of Affective Disorders 18:289-299, 1990), de SM Miller et al.: Acta Psychiatrica Scandinavica 80 (350):143-144, 1989, de JH Heiligenstein (Journal of Affective Disorders 30: 163-173, 1994), de Roose et al. (American Journal of Psychiatry 151: 1735-1739).

6. O Dr. David Healy havia sido convidado para professor na Universidade de Toronto. Ousou fazer uma conferência crítica à indústria farmacêutica e logo foi “desconvidado”. Houve grande celeuma no Canadá e a conferência foi posta à disposição do público interessado pela revista Nature (David Healy Lecture http://www.nature.com/nm/voting/intro.html). Agradeço a lembrança ao Dr. Walmor Piccinini.

 


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