Volume 9 - 2004
Editor: Giovanni Torello

 

Abril de 2004 - Vol.9 - Nº 4

História da Psiquiatria

Jacinto de Godoy Gomes (1886-1959)

Walmor J. Piccinini
 

 

Psiquiatra. Administrador. Construtor, Político. Figura marcante da psiquiatria gaúcha da primeira metade do século XX. Sua vida esteve sempre ligada ao serviço público e por um acidente da política acabou fundando o mais tradicional hospital psiquiátrico particular de Porto Alegre. Sua vida é surpreendente em seus momentos de grandeza e ostracismo. Foi um homem do seu tempo.

Jacinto Godoy como todos nos referimos a ele, foi filho de Pedro Gomes, um pequeno comerciante que faleceu aos 33 anos. Deixou sua jovem esposa, Corina Godoy Gomes e nove filhos. Essa mulher valente criou os filhos dentro das possibilidades da época. As mulheres se tornaram professoras e os homens tiveram profissões variadas. Coube o destino que a família tivesse ligações com Antônio Augusto Borges de Medeiros, caudilho gaúcho, que veio a governar o Estado do Rio Grande do Sul por 25 anos.

Jacinto Godoy nasceu em 2 de maio de 1886 em Cachoeira do Sul. Estudou no Colégio N. Senhora da Conceição em São Leopoldo. Em 1904 foi admitido na Faculdade de Medicina de Porto Alegre, onde se formou médico em 1911. Seus estudos sofreram interrupção em 1908 devido a complicações que levaram a amputação de um pé. Voltou para o interior em Cachoeira, onde permaneceu dois anos, num lento processo de reabilitação. Aprendeu a utilizar uma prótese e o fez com tal desenvoltura que poucos sabiam do seu problema. Desde cedo demonstrava talento para escrever e no início do Curso Médico trabalhava com redator no “Petit Journal”. Quando retornou aos estudos em 1910, foi convidado e tornou-se secretário particular de Borges de Medeiros.

 

Em 1911 formou-se em Medicina. Em 1913 tornou-se funcionário público e interessou-se por Medicina Legal sob influência do Dr. João Pitta Pinheiro Filho (avô do Prof. Manoel Albuquerque Pitta Pinheiro).

Em 1919, com a filha Wanda, com o patrocínio do pai da esposa Eulália Bica Godoy Gomes, partiu para estudos na França onde permaneceu dois anos no Serviço do Prof. Pierre Marie. Descobrimos recentemente que, na verdade, foi sua esposa quem patrocinou sua viagem vendendo jóias de estimação.

Jacinto Godoy e Eulália tiveram 4 filhos: Wanda (1919 - 1996) Jacinto Godoy Filho ( 1921 - 1995 ) Carlinda Godoy ( 1926 - ) e Luiz Felipe Godoy que faleceu de Leucemia aos 53 anos ( 1930-1983). Jacinto filho o Jacintinho nasceu em Paris. Carlinda deve seu nome a esposa de Borges de Medeiros, seus padrinhos.

Jacinto Godoy começou sua carreira médica como Neurologista (chefiou a enfermaria 15 da Santa Casa). Tornou-se médico-legista e depois do estágio na França tornou-se alienista e contribuiu para o nascimento da Psiquiatria no RGS.

Vale o registro que construiu em 1924 a sua famosa residência na Av. Independência onde instalou seu consultório. A casa, “art nouveau alemã", hoje é um patrimônio da nossa cidade.

A vida profissional de Jacinto Godoy foi principalmente dedicada ao serviço público:

  1. De agosto de 1913 até 1924 foi médico-legista da Chefatura de Polícia.
  2. Em 1924 tornou-se diretor do segundo manicômio Judiciário do Brasil. Primeiro paciente foi o José da Caixa D'água que, numa crise comicial atacou e matou colegas de trabalho. Perícia do Dr. Carlos Penafiel.
  3. Em 1926 assumiu a Diretoria de Assistência aos Alienados que compreendia o Manicômio Judiciário e o Hospício São Pedro.
  4. Em 1932 foi exonerado pelo Gen. Flores da Cunha. Isso se deveu a sua estreita ligação com Borges de Medeiros, que se alinhou aos paulistas na Revolta Constitucionalista de 1932.
  5. Retornou a Direção do HSP em 1937 e lá permanecendo até 1950. Com a subida ao poder do PTB de Brizola, perdeu o cargo.

Entre suas realizações podemos destacar:

1927. Obras de remodelação do Hospício São Pedro. O Governador era Borges de Medeiros. O Secretário do Interior era Oswaldo Aranha. Foi dele a idéia de criar um Manicômio Judiciário independente. Assistência a menores. Residências onde enfermeiros do HSP morariam e teriam aos seus cuidados 1,2 ou 3 doentes. (Seriam os nossos lares protegidos de hoje). Além disso, propugnava Assistência familiar. Jacinto era seguidor das idéias francesas, principalmente de Esquirol, que no seu tratado de 1817 sobre “Maladie Mentales”, propunha normas para a construção de asilos (pavilhões, 30m3 por doente).

Ainda em 1927. Apresentou a Tese “Os Serviços Abertos de Psiquiatria. Esta foi a Tese Oficial dos Serviços de Assistência aos Alienados“ num congresso de Municípios”.

Ao ser demitido do Hospício São Pedro em 25.11.1932, Com apoio do Sr. Álvaro Bernardes, investidores e alguns médicos ( Murilo da Silveira, Décio de Souza e Luiz Pinto Ciulla partiu para a construção de um Hospital. Graças a uma amiga soube da chácara da Educadora Cecília Corseuil Du Pasquier, esposa do Eng. Ivo Corseuil. Esta chácara estava pronta para receber um projeto educacional, mas com a morte da sua idealizadora foi posta a venda. Em 1933 surgiu o Sanatório São José.

No Rio Grande do Sul existiam: o Sanatório Santa Elizabeth de S.Leopoldo. O Sanatório Henrique Roxo de Pelotas (de Avelino Costa) e a casa de Saúde Bela Vistam de Santa Cruz. Mais tarde surgiu o Hospital Espírita e em março de 1960 a Clínica Pinel.

No período em que esteve fora do HSP o mesmo foi dirigido por Luiz Guedes, alienista de formação no Rio de Janeiro e, hoje, patrono do Centro de Estudos ligado a Faculdade de Medicina da Universidade Federal.. Em 1937 foi decretada uma lei que proibia acúmulo de funções federais com estaduais. Luiz Guedes optou por ficar na Faculdade de Medicina e Jacinto retomou a Direção do HSP. Em 1938 realizou o famoso concurso para preenchimento das vagas de psiquiatras do Hospital. Foram aprovados Luiz Pinto Ciulla, Victor de Brito Velho, Mário Martins e Cyro Martins, estes podem ser considerados os primeiros psiquiatras do Estado, legitimados por concurso público. No mesmo ano articulou a fundação da Sociedade de Neurologia e Psiquiatria do RGS.

A primeira diretoria foi assim constituída:

Pres. Jacinto Godoy.

Vice. Fábio de Barros.

Tesoureiro Cyro Martins.

Jacinto gostava de destacar o valor dos médicos de São Pedro e estimulava suas viagens e estágios: Dr. Januário Bittencourt, em 1929 fez estágios na França, Alemanha e Bélgica e depois se radicou no RJ.(Seu filho, Raul Bittencourt participou ativamente na fundação da ABP). Dyonélio Machado, psiquiatra e escritor, em 1929 estagiou por um ano no RJ. Décio de Souza conquistou a Cátedra de Psiquiatria da Fac. De Medicina e em 1934 saiu para analisar-se em Londres. Na volta morava no RJ e seguia catedrático em Porto Alegre. Ernesto La Porta estagiou no RJ, mais tarde tornou-se analista e mudou-se para o Rio. Mário Martins foi fazer formação analítica em Buenos Aires e em 1947 voltou e iniciou a formação analítica no Estado. Luiz Pinto Ciulla e Almir Alves estudaram dois anos nos EUA. Almir Alves fez a maioria das lobotomia do HSP e depois trouxe o primeiro eletroencefalógrafo para a cidade. Cyro Martins seguiu os passos de Mário e foi para Buenos Aires.

Do seu período de estudos em Paris. Jacinto guarda o nome de vários alienistas famosos que estagiaram no mesmo período:

Nerio Rojas. Veio a ocupar a cátedra de Medicina Legal da Fac. De Buenos Aires

Beretoide, Balestra e Angesta eram argentinos.

Mucio Fournier e José Maria Estape eram Uruguaios.

A C. Pacheco e Silva foi Diretor do Juqueri e Depois catedrático da USP.

Constantin Trétiakof foi Chefe de Laboratório de Pierre Marie e veio trabalhar em São Paulo a convite do mesmo Pacheco e Silva.

A idéia de Laboratório funcionando em Hospital Psiquiátrico era defendida por Juliano Moreira, Pacheco e Silva e Jacinto Godoy.

Introduziu a Malarioterapia no Hospício São Pedro em 1929, (com a ajuda do parasitologista Raul di Primio que ia buscar os impaludados no município de Tôrres).

Jacinto Godoy está ligado a estruturação do Hospício São Pedro nos moldes dos hospitais franceses. Introduziu no nosso meio a clinoterapia, serviços de emergência, serviços abertos e as modernas técnicas terapêuticas da época. Era um homem de baixa estatura, enérgico, defendia com todo vigor suas realizações. Deixou sua marca na psiquiatria do Rio Grande do Sul e seu trabalho segue na figura dos netos que hoje dirigem o Sanatório que fundou.


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