Volume 9 - 2004
Editor: Giovanni Torello

 

Outubro de 2004 - Vol.9 - Nº 10

Artigo do mês

PHQ: Questionário breve para detectar as cinco condições psiquiátricas mais prevalentes em serviços de atenção primária à saúde.

Fernando Portela Câmara

Resumo

Este artigo é uma apresentação do PHQ (Patient Health Questionnaire) elaborado por Staab et al [2001] para a detecção das cinco condições psiquiátricas mais prevalentes nos serviços de atenção primária à saúde (depressão, ansiedade, reações a estresse, abuso de substâncias e deterioração cognitiva). Embora situado no cenário epidemiológico dos EUA, sua aproximação com o observado no Brasil justifica uma adaptação deste método. O PHQ consiste em cinco questionários breves de duas etapas: a primeira formada por perguntas para triagem diagnóstica, e a segunda parte por questões confirmatórias para o diagnóstico. A vantagem do PHQ é sua fácil incorporação aos serviços de atendimento primário, sua adequação à filosofia do SUS, e, em nossa opinião, um instrumento epidemiológico importante para a saúde mental de nosso país.

Abstract

This article comments the PHQ (Patient Health Questionnaire) structured by Staab et al [2001] for the rapid detection of 5 psychiatric conditions commonly encountered in primary care: depression, anxiety, stress reactions, sub-stance abuse, and cognitive impairment. It is an efficient 2-step method that consists of carefully targeted screening questions followed by a confirmatory evaluation, that can be incorporated easily into most primary care practices.

Staab et al [1] adaptou um questionário simples para o diagnóstico das 5 sindromes psiquiátricas epidemiologicamente mais prevalentes nos serviços de atenção primária à saúde. Foi pensando nestes serviços que tal empreendimento foi concebido, objetivando estabelecer um diagnóstico em pouco tempo e com alta confiabilidade. Desta forma, o clínico geral terá condição de fazer uma triagem psiquiátrica na sua prática diária.

As 5 síndromes mais comuns (depressão, ansiedade, reações de estresse, abuso de substâncias e dependência, e deterioração cognitiva) são abordadas em breves questionários de duas etapas que podem ser respondidos em pouco tempo. A primeira etapa consiste em perguntas chaves para triagem dos sintomas mais prevalentes, e a segunda, são perguntas confirmatórias. Estes 5 questionários formam o PHQ (Patient Health Questionnaire) que ocupa tres folhas impressas que podem ser respondidos pelo paciente ou aplicados pelo clínico durante o exame, e requer apenas tres a cinco minutos para ser revisado pelo médico. A versão de Staab et al [1] é um aperfeiçoamento do PHQ original [2], que veio substituir o PRIME-MD (Primary Care Evaluation of Mental Disorders), que é eficiente porém consumindo muito mais tempo [3].

Em seguida, apresentamos os cinco questionários precedidos de comentários. Lembramos que eles foram estruturados com base no DSM-IV [4].

Depressão (Tabela I).

A depressão maior incide em cerca de 9% dos pacientes adultos que procuram um serviço de atenção primária à saúde [5]. O PHQ aborda este diagnóstico com 2 perguntas relacionadas aos sintomas principais da depressão maior com 96% de acerto. Sua eficiência é ainda provada pelo fato de estudos recentes terem confirmado que uma abordagem clínica simples é tão efetiva na detecção de depressão maior quanto uma anamnese psiquiátrica completa [3]. Por outro lado, quando a mudança de humor é menor e devida a acontecimentos vitais recentes, aumenta a taxa de falsos positivos no PHQ, porém, isto é resolvido pelas tres perguntas confirmatórias que formam a segunda etapa do questionário, que aumenta a especificidade do PHQ para 94%, mantendo sua alta sensibilidade. Se duas das tres questões confirmatórias são positivas e estão presentes por mais de duas semanas, muito provavelmente o paciente tem depressão maior. Naturalmente, o risco de suicídio não é avaliado e isto será feito pelo psiquiatra ou pelo próprio clínico, se devidamente treinado.

Ansiedade (Tabela II).

De modo semelhante ao que ocorre com pacientes deprimidos, a maioria dos pacientes com alguma forma de transtorno de ansiedade procuram os serviços de atenção primária, especialmente em função dos seus sintomas autônomos [6]. Das várias formas de ansiedade, somente duas delas são epidemiologicamente as mais prevalents na clínica [7]: a preocupação crônica e os ataques de ansiedade. A triagem é feita por perguntas dirigidas aos sintomas mais comuns nos transtornos de ansiedade, e as questões confirmatórias esclarecem o diagnóstico diferencial, especificando os elementos presentes na queixa do paciente.

Vejamos como funciona o questionário neste caso. A primeira questão caracteriza um indivíduo com ansiedade aguda + sintomas autonômicos. Isto define um ataque de pânico em contraste com uma ansiedade situacional, menos intensa. A segunda questão separa indivíduos que são cronicamente preocupados daqueles que reagem somente a um estresse situacional. Os dois últimos fatores completam o diagnósitico diferencial, e foram projetados para detectar elementos de transtorno de ansiedade que demandam a atenção de um psiquiatra ou de um psicólogo como, p. ex., comportamento fóbico (evitativo), obsessões e compulsões, condições que não respondem satisfatoriamente aos métodos de tratamento disponíveis numa unidade de atenção primária. Finalmente, a confirmação diagnóstica é feita na segunda parte.

Reações de Estresse (Tabela III).

Há ainda dois tipos adicionais de ansiedade, que são as reações agudas ou crônicas à um estressor conhecido [7]. O diagnóstico aqui é orientado para definir se a reação é relativamente benigna, necessitando apenas de apoio social e farmacoterapia de curto prazo, ou se é uma reação séria (transtorno de estresse pós-traumático) que requer tratamento especializado. Epidemiologicamente, cerca de 12% dos pacientes em uma unidade de atenção primária sofrem de TEPT [8] e devem, ser encaminhados ao psiquiatra. Esta tabela foi elaborada com bases no questionário de Meltzer-Brody et al [9].

Abuso de Substância e Dependência (Tabela IV).

Cerca de um paciente em cada cinco que procuram uma unidade de atenção primária está nesta condição [10, 11]. Os critério utilizados para elaborar este questionário foram baseados naqueles do NIAAA (National Institute on Alcohol Abuse and Alcoholism) e do CAGE-AID (Cut down, Annoyance, Guilt, Eye-opener - Adaptated to Include Drugs), adaptados pelos autores do PHQ [1, 2, 12, 13]. A questões confirmatórias, portanto, estão dirigidas tanto para o álcool quanto para drogas, e o paciente que responde positivamente a duas ou mais estas questões muito provavemente tem uma adição.

Deterioração Cognitiva (Tabela V).

Aproximadamente 5% dos adultos maiores de 65 anos sofre de deterioração cognitiva, percentual que sobre para cerca de 16% quando se tem mais de 85 anos [14]. Por outro lado, cerca de metade dos idosos em instituições asilares sofrem de séria deterioração cognitiva. O MMSE (Mini-Mental State Examination) é o instrumento mais usado para se avaliar o grau de deterioração cognitiva neste contingente humano [15]. Ele também pode ser administrado por um clínico treinado, e leva apenas cerca de cinco minutos para ser completado, sendo muito mais eficiente que perguntar ao paciente ou à família sobre perda de memória do paciente, pois, não somente o paciente desconhece seu déficit, como também a família compensa o problema com amor até que a demência se torne moderadamente avançada. A pontuação normal para o MMSE é >27 para idosos >65 anos com nível de escolaridade equivalente ao 2o ou 3o graus. Pontuação <24 sugere demência, embora também possa ser devido a pouca escolaridade ou analfabetismo, desinteresse no exame, ou lesões neurológicas focais. O MMSE apresentado na tabela V é uma adaptação de Anderson et al [16].

Em resumo, o PHQ pode ser auto-aplicado pelo paciente ou pelo clínico durante um exame de rotina. Ele tem a vantagem de checar as cinco mais comuns condições psiquiátricas em breves questionários formados de duas partes: a primeira formada por um mínimo de perguntas chaves necessárias para uma triagem; e a segunda por um conjunto mínimo de questões confirmatórias para o diagnóstico. Duas perguntas de triagem e tres de confirmação bastam para diagnosticar a depressão maior. O transtorno de ansiedade é reduzido a duas condições pelo processo de triagem (preocupação crônica e ataques de ansiedade), e refinado pela confirmação de sintomas associados. As reações de estresse são abordadas em simples e auto-limitadas, e crônicas e incapacitantes. Duas ferramentas breves e simples são estabelecidas para triagem de abuso de substâncias, pouco investigada nos serviços de atenção primária à saúde. Finalmente, encerra-se o PHQ com o MMSE quando se trata de paciente geriátrico.

Conclusão

O PHQ não foi ainda validado para o Brasil, mas seria uma grande contribuição se fosse implantado nos serviços de atenção primária pela simplicidade, economia de tempo e facilidade de sua aplicação, pois, ajusta-se bem à orientação do SUS no princípio de universalidade de acesso à saúde. Além do mais, em nossa opinião, favoreceria um melhor e mais amplo conhecimento epidemiológico dos transtornos mentais em nosso país. Por outro lado, embora elaborado dentro do cenário epidemiológico dos EUA, acreditamos que não seja diferente do Brasil. O PHQ está estruturado sobre o DSM-IV e não será difícil adapta-lo para a CID-10, se isto for necessário.

Deve-se ter também em mente que os sintomas identificados com a ajuda do PHQ só terão valor real se estiverem presentes por um tempo longo o suficiente para justificar um diagnóstico. Por exemplo, o DSM-IV requer que os sintomas da depressão maior estejam presentes por pelo menos duas semanas, assim como os ataques de pânico tenham pelo menos um mês, e a ansiedade generalizada um mínimo de seis meses. Finalmente, sendo um instrumento para o médico trabalhando na atenção primária, se não houver certeza no diagnóstico ou se o follow-up não confirma o diagnóstico da triagem, resta a opção de se fazer o encaminhamento ao psiquiatra.

Tabela I: Depressão (v. texto)

Triagem

  1. Você tem se sentido desanimado, deprimido, ou desesperançado desde o mês passado?
  2. Você está preocupado pela falta de interesse ou prazer em fazer as coisas?

Confirmação

  • Alteração do apetite
  • Distúrbio do sono
  • Alteração da auto-estima (desvalia, culpa)

Tabela II: Ansiedade (v. texto)

Triagem

  1. Você tem ataques súbitos ou inesperados de ansiedade ou nervosismo?
  2. Você se sente tenso, preocupado ou estressado com freqüência?

Confirmação

  • Ataque agudo de sintomas autônomos (dor no peito, palpitações, respiração ofegante, tremor, suores, rubores, náuseas)
  • Presença de ansiedade ou preocupação crônicas (pessimismo)
  • Evitação de lugares ou situações devido a ansiedade ou preocupações
  • Presença de obsessões ou compulsões

DSM-IV Transtornos de Ansiedade

Transt. de Pânico

Espontâneos ou múltiplos ataques de pânico > ansiedade crônica

Pânico com Agorafobia

Múltiplos ataques de pânico = evitação freqüente > ansiedade crônica

Ansiedade Generalizada

Ansiedade crônica ou preocupação > evitação > ataques de pânico

Fobia Social

Evitação > ansiedade crônica = ataques de pânico (situações sociais)

Transt. Obsessivo-compulsivo

Obsessões ± compulsões > ansiedade crônica > ataques de pânico (ansiedade e pânico geralmente relacionados a conteúdos obsessivos)

Tabela III: Reações de estresse (v. texto)

Triagem

  1. Você tem atravessado algum período significativamente estressantes nos últimos 6 meses (ou desde sua última visita)?
  2. Você enfrentou em sua história algum evento potencialmente ameaçador à sua vida tais como catástrofes naturais, um grave acidente, violência física ou sexual, combate militar, ou abuso infantil?

Confirmação

Desde sua experiência com o (estresse/evento), v. se sente:

  • Facilmente atemorizado?
  • Zangado ou irritável?
  • Emocionalmente anestesiado de seus sentimentos?
  • Tendência a reações físicas quando recorda o evento?

Tabela IV: Abuso de substância e dependência (v. texto)

Triagem

 

Álcool

  1. Com que frequência você usa bebidas alcoólicas?
  2. Nos dias em que você bebe, quantos drinks você toma em média?

Drogas

  1. Você usa medicamentos com frequência para:
  • Relaxar ou aliviar o estresse?
  • Acalmar seus nervos?
  • Controlar sua dor?
  • Ficar “alto”?
  1. Nos dias em que você usa medicamentos ou drogas por essas razões, que quantidades você costuma usar (ex.: número de comprimidos, quantia gasta em dinheiro?)

Bebedor Pesado
(critérios do NIAAA)

Adultos masculinos: bebe >14x/semana ou >4x/dia, >1x/semana
Adultos femininos: bebe > 7x/semana ou >3x/dia, >1x/semana
Adultos idosos >65 y: bebe > 7x/semana ou >2x/dia, >1x/semana

Uso Problemático de Drogas

Drogas compradas ilegalmente: >$35/semana our $10/dia, mais de uma vez/semana (*)
Medicamentos: uso exagerado da receita, uso de outras receitas, compra de medicamentos sem prescrição (**)

Confirmação
(critérios do CAGE-AID)

  • Esforços para Cortar (“cut down”)a bebida ou a droga?
  • Perturbado (“annoyance”) por pessoas que o/a criticam por beber ou usar dorgas?
  • Sente-se Culpado(a) (“guilt”) por usar álcool ou drogas?
  • Bebe logo ao Acordar (“eye-opener”) ou usa drogas para firmar seus nervos, livrar-se de uma ressaca, ou aliviar sintomas de abstinência?

(*) Não tenho idéia de como seja isto no Brasil, retive o original para apreciação do leitor.

 

(**) Vê-se logo que também este item necessita adaptação para o Brasil, já que medicamentos sem prescrição é uma instituição popular aqui.

Tabela V: Deterioração cognitiva (v. texto)

Exame do Estado Mental (MMSE)

Orientação: mes, data, ano, estação, dia da semana (1 PONTO CADA) >

5 pontos

cidade, estado, país, onde está no momento e a localização (1 PONTO CADA) >

5 pontos

Registrar: Repetir 3 palavras faladas pelo examinador (bola, gato, menino)

3 pontos

Recordar (após 5 minutos ou final do exame): Repetir as mesmas 3 palavras

3 pontos

Atenção/concentração: o pacient faz subtrações em seqüências
subtrai 7 de 100 em seqüência (93, 86, 79, 72, 65) ou soletra “marte” de trás para a frente (e-t-r-a-m)

5 pontos

Linguagem: o paciente repete “não se, e, ou porém”

1 ponto

Nomear 2 objetos comuns apresentados pelo examinador (1 PONTO CADA)

2 pontos

Siga um comando em 3 passos (1 PONTO CADA)

3 pontos

Escrever uma frase

1 ponto

Leia a frase abaixo e faça o que ela diz:

<FECHE OS SEUS OLHOS>

1 ponto

Construção: o paciente copia o desenho abaixo:
<DOIS PENTÁGONOS ENTRELAÇADOS>

1 ponto

TOTAL

30 pontos

Referências

  1. Staab JP, Datto CJ, Weinrieb RM, Gariti P; Rynn M; Evans DL. Detection and diagnosis of psychiatric disorders in primary medical care settings. Med Clin North Am, 2001; 85: 579-96.
  2. Spitzer RL, Kroenke K, Williams JB. Validation and utility of a self-report version of PRIME-MD: the PHQ primary care study. JAMA. 1999; 282: 1737-1744.
  3. Spitzer RL, Williams JB, Kroenke K, Linzer M, deGruy 3rd FV, Hahn SR, Brody D, Johnson JG. Utility of a new procedure for diagnosing mental disorders in primary care. The PRIME-MD 1000 Study. JAMA. 1994; 272: 1749-1756.
  4. American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, Fourth Edition. Washington, DC: American Psychiatric Association; 1994.
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  6. Kessler RC, McGonagle KA, Zhao S, Nelson CB, Hughes M, Eshleman S, Wittchen HU, Kendler KS. Lifetime and 12-month prevalence of DSM-III-R psychiatric disorders in the United States. Results from the National Comorbidity Survey. Arch Gen Psychiatry. 1994;51: 8-19.
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