Volume 9 - 2004
Editor: Giovanni Torello

 

Novembro de 2004 - Vol.9 - Nº 11

Artigo do mês

Aspectos Psiquiátricos das Epilepsias

Paulo José da Rocha Soares

HISTÓRICO

A palavra epilepsia é de origem grega, eplmen   epi = em cima e lepsem = abater, significando significa fulminar, abater com surpresa, ser atacado, algo que vem de cima e abate o indivíduo. 34,37 A epilepsia é uma doença conhecida desde épocas muito remotas da humanidade. Há relatos completos de uma crise secundariamente generalizada datados de 3.000 anos atrás, em linguagem acadiana. Outros relatos de casos foram descritos no Egito (1.600 a.C.), China (1.700 a.C.), índia (1.000 a.C.) e Babilônia (500 a.C.). 34,35

A correlação com o biótipo atlético levou a ÆTIUS(500 anos A. C.) a descrever a epilepsia como morbus herculeus, mas outros atribuem este termo ao fato de que Hércules teria sido epiléptico. 35

Antigamente se falava de epilepsia ou de ataque de epilepsia cada vez que um indivíduo perdia sua consciência de forma imprevista. Como as verdadeiras causas foram ignoradas durante muito tempo, por vezes era atribuída à forças mágicas ou foi reconhecida como de origem divina. Daí os termos usados na antiguidade, como: morbus sacer, morbus divinus, por ser tido como castigo para as pitonisas que abandonavam seus oráculos;
morbus comicialis, no tempo de Plínio, porque os comícios se dissolviam quando, durante o seu desenrolar, ocorria um ataque; 37
morbus lunaticus, morbus astralis, porque se estabelecia uma relação entre os ataques e a revolução dos astros;
morbus demoniacus, porque se pensava que o demônio havia entrado no corpo do paciente;
morbus major, o grande mal de CELSIUS, que o distinguia do morbus minor, a histeria;
morbus caducus, por sua queda brusca;
mal de São João, pela semelhança do ataque a São João decapitado, não porque São João Batista ou São João Evangelista fossem epilépticos; 37
gota coral, pois se pensava que a crise seria provocada por uma gota que caía sobre a coração.

As manifestações físicas convulsivas desta doença eram as únicas conhecidas na antiguidade, ignorando-se por completo as manifestações psíquicas. ESQUIROL foi o primeiro a chamar a atenção sobre as manifestações psíquicas da epilepsia, sob a forma de delírios, que considerava como estados de alienação associados à doença. FALRET, em 1861 e MOREL, em 1863, assinalaram que a irritabilidade constitui um traço dominante do caráter habitual dos epilépticos.

Os aspectos psiquiátricos das epilepsias foram enfatizados com vigor, e os psiquiatras lidam com problemas epilépticos mais freqüentemente que os neurologistas. As razões para esta ligação entre as epilepsias e a psiquiatria têm muitas causas. As epilepsias ainda estavam encobertas por um véu de misticismo nebuloso, mesmo na mente do médico com orientação cientifica no início do século XX. Pensava-se que a epilepsia fosse uma doença incurável, progredindo para um estado de demência, numa evolução marcada por episódios psicóticos. Costumava-se fazer generalizações a partir das formas severas para todos os casos, enquanto as formas leves não eram reconhecidas como tal ou são mantidas em segredo pela família do paciente. Além disso, os princípios do tratamento anticonvulsivo não eram largamente conhecidos e as drogas antiepilépticas com pouca ação sedativa ainda eram desconhecidas. O esclarecimento do substrato neurofisiológico da atividade epiléptica através do eletroencefalograma começou somente no inicio do terço médio do século XX.

DEFINIÇÕES E CLASSIFICAÇÕES

VALLEJO-NÁGERA 28 define: "Ataque epiléptico é um fenômeno clínico em forma de acesso, de sintomatologia variada, que incide bruscamente sobre o paciente e que é decorrente de uma descarga de atividade neuronal paroxística de uma certa quantidade de células nervosas de qualquer estrutura ou território cerebral, que se acompanha por uma fenomenologia elétrica característica. Por epilepsia se entende a doença consistente pela presença de crises epilépticas repetidas com maior ou menor freqüência. De acordo com a território de onde parte a primeira descarga que inicia a crise epiléptica, estarão presentes traços clínicos e elétricos específicos para cada caso."

WALZ e colaboradores 34 definem epilepsias como "condições neurológicas crônicas caracterizadas por ataques epilépticos recorrentes", usando o plural epilepsias por existirem diferentes tipos de distúrbios epilépticos. O mesmo autor define ataque epiléptico ou crise epiléptica como "a manifestação clínica (sinais e sintomas) resultante da atividade neuronal excessiva, hipersincrônica e anormal dos neurônios localizados predominantemente no córtex cerebral". Assim, um paciente pode sofrer um ataque epiléptico isolado e/ou circunstancial, sem necessariamente ser portador de epilepsia. As convulsão seria um termo leigo, relacionando a crise com fenômenos motores exuberantes, em geral acompanhada de perda da consciência e caracterizadas por manifestações tônicas e/ou tônico-clônicas bilaterais.

No Tratado de Neurologia de MERRITT, a crise epiléptica é definida como a conseqüência de uma disfunção fisiológica temporária do cérebro, causada por uma descarga elétrica hipersincrônica, anormal e autolimitada, de neurônios corticais. Para aquele compêndio, a epilepsia é um distúrbio crônico, ou um grupo de distúrbios crônicos, em que a característica indispensável é a recorrência de convulsões que são tipicamente não provocadas e em geral imprevisíveis. 38

A classificação do PENFIELD & JASPER, citada por MATTOS20, divide as epilepsias em 4 grupos:

1) Cerebrais focais – somatomotoras, sensitivas, autonômicas, psíquicas e automatismos (epilepsia psicomotora, do lobo temporal ou temporolímbica).

2) Centroencefálicas – grande mal e pequeno mal.

3) Cerebrais não localizadas.

4) Mal sistematizadas.

A classificação usada atualmente é a Classificação de Crises Epilépticas de 1981, elaborada pela Liga Internacional Contra a Epilepsia, que classifica as crises por sintomas clínicos, suplementados por dados do eletroencefalograma. 33,38,40

I. Crises parciais (focais)

Comprometem uma região delimitada de um hemisfério cerebral.

A. Crises parciais simples (sem alteração da consciência)

  • Com sinais motores (incluindo jacksonianas, versivas e posturais)
  • Com sintomas sensoriais (incluindo visuais, cenestésicos, auditivos, olfativos, gustativos e vertiginosos)
  • Com sintomas psíquicos (incluindo disfasia, alterações dismnésicas, alucinatórias e afetivas)
  • Com sintomas autonômicos (incluindo sensação epigástrica, palidez, rubor facial, alterações pupilares)

B. Crises parciais complexas (com alteração de consciência)

  • Início parcial simples seguido de alteração da consciência
  • Com alteração da consciência desde o início
  • Com automatismos, fugas ou estados crepusculares

C. Crises parciais evoluindo para crises secundariamente generalizadas

  • Parcial simples evoluindo para convulsões generalizadas
  • Parcial complexa evoluindo para convulsões generalizadas
  • Parcial simples evoluindo para parcial complexa evoluindo para convulsões generalizadas

II. Crises generalizadas de origem não-focal (convulsivas e não-convulsivas)

São crises que se iniciam simultaneamente em ambos os hemisférios cerebrais e manifestam-se eletroencefalograficamente em toda a superfície cortical.

A. Crises de ausência (complexos de ponta e onda de 3 Hz no eletroencefalograma)

  • Exclusivamente com alteração da consciência
  • Com um ou mais dos seguintes componentes atônicos, tônicos, automatismos, componentes autonômicos

B. Crises mioclônicas

Abalos mioclônicos (isolados ou múltiplos)

C. Crises tônico-clônicas (podendo incluir crises tônico-clônicas)

D. Crises tônicas

E. Crises atônicas

III. Crises epilépticas não classificadas

Quando não preenchem os critérios para classificação, ocorrendo em recém-nascidos.

As manifestações neurológicas e psiquiátricas das epilepsias podem ser classificadas em:

  • Pré-ictais – antes de ocorrer o momento da crise epiléptica propriamente dita;
  • Ictais – ocorrendo no momento da crise epiléptica propriamente dita;
  • Pós-ictais – as manifestações que se seguem ao término da crise epiléptica, na prática se admitindo que tenha uma duração de no máximo 48 horas; e
  • Interictais – manifestações que ocorrem entre o término do período pós-ictal e o início da próxima crise. 34

A crise neonatal é a crise convulsiva que ocorre nas primeiras 4 semanas de vida. 42

A crise febril ocorre na infância, estando associada a episódio febril, sendo geralmente benigna quando não associada à infecção do sistema nervoso central em criança não epiléptica. Podem ser simples quando são curtas, com menos de 15 segundos de duração, com episódio isolado e sem sinais neurológicos focais ou complicadas quando ocorrer o contrário. 42

A crise provocada ou sintomática aguda geralmente é isolada mas pode ocorrer novamente se as alterações que a provocaram ocorrerem novamente. Como exemplo temos as convulsões relacionadas à hipoglicemia. 42

A crise epiléptica não provocada, associada a lesões crônicas do sistema nervoso central como seqüelas de acidente vascular encefálico.42

As crises epilépticas são crises recorrentes não sintomáticas, agudas nem febris. Considera-se a epilepsia ativa quando houve pelo menos uma crise nos últimos 5 anos, epilepsia em remissão com tratamento quando não ocorrem crises há mais de 5 anos em pacientes recebendo tratamento com drogas antiepilépticas e epilepsia em remissão sem tratamento quando não ocorrem crises há mais de 5 anos em pacientes que não recebem tratamento com drogas antiepilépticas. 42

QUADROS CLÍNICOS

As manifestações da epilepsia incluem facetas de igual importância para o psiquiatra e para o neurologista. Alguns aspectos inclusive estão firmemente estabelecidos entre a junção entre as duas disciplinas. A própria crise epiléptica pode tomar a forma de uma convulsão motora clássica ou, em vez disso, consistir de complexas anormalidades no comportamento e na experiência subjetiva. 40

A maior parte dos pacientes portadores de epilepsia apresentam pouco ou nenhum transtorno mental, mas aqueles que apresentam constituem problemas difíceis e complicados. Os fatores causais orgânicos e psicossociais estão geralmente misturados de forma inseparável e a avaliação de todas as evidências disponíveis pode ser complexa e demorada. 40

1 – PEQUENO MAL (PETIT MAL)

Para muitos especialistas, o pequeno mal é constituído apenas pela ausência, enquanto outros insistem em manter sob esta designação a tríade admitida por LENNOX: ausências, abalos mioclônicos e ataques acinéticos, ou mesmo, como KORKINA, diferenciar a ausência do pequeno mal, por não haver componente convulsivo. 15,40

As crises de ausência, termo introduzido por CALMEIL em 1824 37, se iniciam e terminam subitamente, sendo o principal sintoma um estado alterado da consciência. Por vezes são chamadas de picnolepsia quando, como habitual, se iniciam na infância e terminam na adolescência. 40 Não existe nunca uma aura, e a presença de aura deve excluir o diagnóstico de pequeno mal. O período de alteração da consciência é rápido, durando 5 a 30 segundos (geralmente 4 a 5 segundos). 40 Em alguns pacientes ocorre uma perda completa da consciência, em outros, apenas uma obnubilação ou confusão mental. Na maioria dos casos, o paciente olha fixamente o vazio durante a crise, com midríase acentuada e palidez. 40 Ele interrompe a conversa e pode deixar cair objetos que esteja segurando. Podem ocorrer automatismos simples, como o piscar de olhos, estalar os lábios, deglutição ou mastigação, mas é incomum um comportamento automático mais complexo. Contrações musculares breves podem ser vistas em volta dos olhos, ocasionalmente se estendendo para espasmos mioclônicos nos membros, sempre bilaterais e simétricos. 40 Muitos pacientes apresentam sintomas autonômicos secundários, como palidez ou rubor facial, alterações do ritmo cardíaco, respiratório e da pressão arterial. O retorno da consciência é súbito. Os pacientes podem até continuar com a conversação anterior à crise, como se não tivesse havido interrupção. Quase nunca existe um período de confusão pós-ictal, que, quando presente, deve sugerir mais a possibilidade de convulsões complexas parciais do que de pequeno mal. Diferentemente do grande mal, as ausências ocorrem com maior freqüência, por vezes chegando a 20 ou 30 em uma hora. São relativamente raras durante exercícios ativos. Ocorrem quase que exclusivamente em crianças e em adolescentes, entre os 4 e os 12 anos de idade. 37,38

A atividade do eletroencefalograma durante um ataque de ausência caracteriza-se por descargas estereotipadas, ponta-onda de 3 Hz, bilaterais. Crises tônico-clônicas generalizadas também ocorrem em 30% a 50% dos casos. 38

Quando a crise é mais intensa, com perda do tônus que pode levar o paciente a cair, temos os ataques acinéticos ou pequeno mal amiotônico. Envolve os mecanismos que controlam a postura. 40

O ataque mioclônico ou pequeno mal mioclônico são movimentos súbitos como um choque que duram somente uma fração de segundo e afetam principalmente pescoço, braços e ombros. Os objetos que estão nas mãos podem ser deixados cair ou serem lançados violentamente. Quando o tronco e as pernas são afetados o paciente pode ser lançado e perder o equilíbrio. Não se sabe se há consciência é perdida ou está preservada pois as crises são muito rápidas. 40

2 – CRISES TÔNICO-CLÔNICAS GENERALIZADAS (GRANDE MAL) Se apresentam como crises paroxísticas generalizadas, com predomínio das manifestações somáticas, especialmente as motoras (convulsões), sendo escassas as de ordem psíquica.

A irrupção da crise pode ser brusca, sem nenhuma manifestação prévia, ou vir precedida por sintomas premonitórios ou pródromos. Os pródromos não surgem abruptamente, e sim vão se evidenciando gradualmente por horas ou dias antes que ocorra a crise convulsiva. Os pródromos são mais comuns em crianças que em adultos e provavelmente são mais comuns na epilepsia do lobo temporal que nas demais formas epilépticas. Caracteristicamente consistem de manifestações psicológicas como irritabilidade crescente, apreensão, teimosia, apatia ou períodos de embotamento mental. Raramente o paciente pode apresentar sensação de bem estar e de maior energia durante o período prodrômico. Podem ocorrer alterações no apetite ou alterações autonômicas como palidez, rubor ou dispepsia. Outros sintomas são cefaléias, inquietude motora, insônia, tonteiras, náuseas, eructações, flatulência, crises de sudorese. Estes pródromos são incompletamente compreendidos e falta o significado clínico de uma aura bem definida. Todavia, podem ser de valor em alguns pacientes como um aviso de que as crises estão para ocorrer. 40 Vez por outra, estes fenômenos cessam sem chegue a ocorrer o grande ataque.

Outras vezes, os sintomas premonitórios precedem imediatamente as crises, chamados de aura, do grego aúra, termo introduzido por GALENO 37, que significa brisa, sopro, considerada como o início do ataque convulsivo. A aura é a denominação genérica dada a diferentes fenômenos reunidos por suas características bruscas e breves (alguns segundos). A aura varia de paciente para paciente, mas cada paciente tem sempre a mesma aura, e suas características indicam a localização do primeiro setor excitado, o local de origem do distúrbio epiléptico dentro do cérebro, daí a importância de elucidá-la em detalhes. 40 A aura pode ser consciente. O epiléptico conhece seu significado, mas não consegue controlar a crise. Quando é rápida e seguida imediatamente pelo ataque, o paciente cai no mesmo momento, sem ter como se resguardar e, quando mais demorada, o paciente pode conseguir evitar uma queda brusca. Em essência, a aura é a porção da convulsão que ocorre antes que se perca a consciência e que pode ser guardada na memória, podendo ser descrita como um evento retrospectivo, correspondendo ao que o paciente consegue descrever depois que a convulsão terminou. 40 Existem vários tipos de auras:

A) Auras sensitivas – Manifestações que se relacionam com a sensibilidade geral, transtornos do esquema corporal, vertigem, sensação de compressão, de formigamento, de corrente de ar, de sopro frio ou quente, dores e outras sensações cutâneas.

B) Auras sensoriais – Apresentam-se sob a forma de alucinações. Na aura visual, o paciente tem sensações ópticas como círculos ou bolas coloridas em frente aos olhos, cegueira transitória, os objetos vistos por vezes se tingem de vermelho, de forma a parecer que estão em chamas ou cobertos de sangue, diplopia, metamorfopsias, micropsias e macropsias. Na aura auditiva ocorrem sensações de zumbidos ou de ruídos, como sons de coisas se quebrando, explosões ou campainhas, embora, em alguns casos possam ocorrer alucinações mais complexas, tais como melodias, gritos, ameaças, perguntas absurdas ou ordens em tons imperativos. As auras olfatórias e gustativas estão geralmente combinadas com outras auras sensoriais, e o paciente refere odores desagradáveis ou fétidos e gostos estranhos na boca. São as crises uncinadas, descritas em 1873 por H. JACKSON, alucinações olfativas e gustativas com vivência paramnésica e onírica de angústia e estranheza, relacionadas ao sofrimento do uncus ou gancho do hipocampo. 37

C) Auras motoras – São extremamente variadas, consistindo em movimentos involuntários de diversos grupos musculares, resultando semelhantes a tiques ou na realização de atos mais ou menos complexos, como caminhar, rasgar-se ou correr, sendo a carreira brusca chamada de aura cursativa.

D) Auras vaso-motoras – Transtornos vaso-motores, como palidez ou rubor facial e transpiração.

E) Auras viscerais – São encontradas com freqüência, sendo manifestações localizadas em diversos órgãos internos, como palpitações, dificuldades respiratórias, sensações desagradáveis na boca do estômago, acompanhadas por náuseas e vômitos, fome insaciável, sede e urgência em satisfazer necessidades fisiológicas.

F) Auras psíquicas – Freqüentemente ocorrem juntamente com qualquer uma das auras anteriores, e consistem em sensações de medo, ansiedade, pavor ou, mais raramente, por êxtase e tranqüilidade. Podem ocorrer também vivências de desrealização e de despersonalização.

Estes múltiplos aspectos das auras podem ocorrer em toda e qualquer combinação. Há, geralmente, uma seqüência característica, passando por exemplo de uma sensação epigástrica inicial para alucinações gustativas e para compulsão a pensar, ou de um déjà vu intenso para uma sensação avassaladora de medo. Muitas vezes, vários aspectos da aura parecem ocorrer simultaneamente, ou seu conteúdo é tão rico e estranho que o paciente não tem vocabulário para descrever sua experiência. Muitas são extremamente bizarras, especialmente quando envolvem distúrbios do juízo de realidade e do self. 40

Algumas vezes, o conteúdo exato das auras pode mudar ao longo do tempo e vasculhar as anotações do paciente pode revelar fenômenos anteriores da doença bem documentados, dos quais agora o paciente não se lembra. Esta tendência por vezes pode aumentar o risco do paciente ser diagnosticado como portador de um transtorno psicogênico. 40

Mais raramente, a crise de grande mal é introduzida por pequenos ataques acumulados preliminares – subentrantes – que duram minutos ou horas. O acúmulo em crescendo de mioclonias indica, de forma especial, a ameaça de um ataque de grande mal.

A crise motora do grande mal epiléptico apresenta as seguintes fases em seu desenvolvimento:

I. Fase inicial: Irrompe-se brusca e violentamente. O doente empalidece, perde a consciência subitamente e, se estiver em pé ou sentado, cai ao solo, muitas vezes sofrendo ferimentos. É comum que se observe, nos epilépticos, cicatrizes na cabeça, face e diversas partes do corpo, como conseqüências de ferimentos provocados por estas quedas. Por vezes ocorre um grito ou gemido abafado característico, ao ser o ar expelido vigorosamente por espasmo da musculatura respiratória, diafragma e glote. 38

II. Fase de convulsões tônicas: Uma vez que a doente cai, todo o seu corpo se enrijece. A musculatura voluntária se contrai energicamente, com predominância extensora, e o paciente apresenta os membros rígidos em extensão, torção dos braços com o dedo polegar aduzido, cabeça para trás (opistótono) ou rodada para um lado por contração da musculatura do pescoço, mandíbula cerrada por contração massetérica, dentes mordendo a língua, os lábios ou a superfície interna das bochechas. A face, no início pálida, se torna cianótica, pois o doente permanece durante toda esta fase – que varia de segundos a um minuto no máximo – em apnéia. A musculatura facial se contorce e os globos oculares giram por baixo das pálpebras semicerradas para cima ou para o lado. A estase venosa leva à projeção das veias cervicais e congestão facial. As pupilas se apresentam em midríase, sem reflexo fotomotor. O pulso é de pequena amplitude e a freqüência cardíaca, bem como a pressão arterial, duplicam seus valores iniciais, havendo hipersecreção glandular, principalmente salivar e traqueobrônquica. A força do espasmo tônico pode ser tão intensa, a ponto de provocar luxação na cintura escapular.

III. Fase de convulsões clônicas: Seu início é marcado pela volta dos movimentos respiratórios, geralmente por uma inspiração convulsiva, a que sobrevêm imediatamente as contrações clônicas. A face cianótica é substituída pela hiperemia. Há risco de asfixia, se o paciente estiver com a face comprimida contra alguma superfície como, por exemplo, um travesseiro. Há um aumento gradual das contrações convulsivas rítmicas nos músculos da cabeça, globos oculares, língua e extremidades. As arcadas dentárias se chocam uma contra a outra e, pelas comissuras labiais, aflora saliva espumosa, por vezes sanguinolenta, se houve mordedura. Como isto ocorre em 50% dos casos, ferimentos na língua, lábios ou bochechas podem constituir uma das poucas pistas para sugerir a existência de convulsões noturnas não testemunhadas, juntamente com as mialgias. A respiração é estertorosa, ruidosa e entrecortada. O paciente está em coma, sem responder a estímulos auditivos ou dolorosos. Há ausência de reflexo pupilar ou corneano. A urina ou, mais raramente, as fezes e as poluções, podem ser eliminadas involuntariamente durante uma convulsão. O pulso é taquicárdico e cheio. Esta fase tem meio a dois minutos de duração, terminando com um relaxamento muscular e respiração ruidosa.

IV. Fase terminal (comatosa ou estuporosa): Raramente a crise convulsiva tem uma duração maior que 3 minutos. Pouco a pouco, as convulsões perdem a intensidade até desaparecer totalmente. Há. um relaxamento muscular completo com respiração ruidosa. Os reflexos proprioceptivos e exteroceptivos ficam ausentes durante um certo período e o sinal de Babinski está quase sempre presente. São freqüentes as hemorragias capilares conjuntivais com hiperemia e as equimoses pelo corpo. O estado comatoso então, dá lugar à obnubilação pós-comicial, quando os pacientes se apresentam "torpes", falando com lentidão e dificuldade, desorientados têmporo-espacialmente e desconhecendo as pessoas que os rodeiam. Mostram uma expressão fisionômica perplexa e muitas vezes tensa. Não falam espontaneamente, mas reagem relativamente bem aos estímulos verbais, embora não compreendam as perguntas que lhe são dirigidas ou só depois de repetidas 3 ou 4 vezes e, mesmo assim, não dão a resposta adequada. É peculiar a mudança brusca entre respostas coerentes e incoerentes, como também a confusão multiforme de ações adequadas e inteligentes com outras repentinas e absurdas. Por vezes, as perguntas e ordens enérgicas passam interromper a obnubilação, mas pode ser confundida com simulação por um médico desavisado. A fase terminal tem uma duração média de 30 minutos e a estado confusional pode passar imediatamente para um estado de sono profundo, que dura horas. O doente desperta apresentando amnésia total e completa, com características lacunares para o ocorrido. Em alguns casos, porém, o paciente apresenta amnésia retardada, onde, logo após despertar, recorda a crise e, um pouco mais tarde, não consegue lembrar mais de coisa alguma. Quase todos os pacientes têm um período de atividade mental perturbada depois dos episódios convulsivos, e sua ausência levanta a dúvida quanto a possibilidade de uma pseudoconvulsão.

Como foi assinalado, a maior parte das convulsões do tipo grande mal é seguida por um período de sono ou por mal estar, cefaléia ou náuseas transitórias. Algumas vezes, contudo, as manifestações pós-ictais são mais complexas e um período de confusão ou de comportamento alterado emerge depois da crise. Os estados confusionais pós-ictais podem por vezes durar horas ou, até mesmo, dias e, em raras, ocasiões, 1 a 2 semanas. 40

A recuperação plena da consciência pode demorar, havendo recuperação da atividade motora, o que pode resultar em automatismos pós-ictais. Em especial na epilepsia do lobo temporal, a verdadeira crise pode ser breve e trivial em comparação o com o automatismo pós-ictal que se segue. A maioria destes episódios é breve, durando não mais que um ou dois minutos, mas os automatismos têm maior probabilidade de serem mais demorados e envolver comportamento complexo . Os pacientes geralmente estão claramente confusos e seus movimentos são grosseiros e descoordenados, mas o grau de organização do comportamento varia de acordo com a severidade dos distúrbios da consciência. Ocasionalmente, fatores psicogênicos podem desempenhar um papel importante na determinação da conduta, uma vez que impulsos dotados de carga afetiva têm maior probabilidade de adquirir controle quando as funções superiores estão comprometidas. A agitação e a irritabilidade por vezes são fatores proeminentes e o conteúdo paranóide do pensamento pode estar evidente. Em uma pequena minoria de pacientes com lesões cerebrais importantes, podem ocorrer um comportamento agressivo perigoso. É o furor epiléptico onde o paciente se torna selvagemente hiperativo por alguns minutos depois da crise convulsiva e pode tornar-se um comportamento seriamente destrutivo, inclusive com ataques físicos às pessoas. Em todos os automatismos pós-ictais a regra é a amnésia para todos os eventos. 40 O furor epiléptico constitui uma das formas mais assustadoras de alienação mental, mais que a catatonia, síndromes pós-traumáticas, alcoolismo e uso de drogas. Os golpes são rápidos e precisos e, para torná-los piores, os pacientes geralmente são adultos fortes. Objetos pesados podem se tornar armas mortais. A fisiopatologia pode ser uma recuperação pós-ictal parcial, com colapso persistente dos sistemas corticais superiores de inibição. Os episódios ocorrem subitamente como, por exemplo, enquanto o paciente estava tranqüilo falando ao médico ou enfermeiro. A súbita dilatação pupilar é imediatamente seguida por se levantar, pular da cama e desferir murros. Existem razões para se presumir que o paciente apresente sensopercepções alucinatórias ameaçadoras, que a fazem acreditar que está sendo atacado. O eletroencefalograma, quando realizado neste estado, apresenta um traçado alterado de baixa voltagem, sem anormalidades significativas e com uma ausência notável de spikes. As drogas anticonvulsivantes, sedativas ou antipsicóticas não costumam ajudar muito e podem até mesmo tornar as coisas piores. Estes quadros também podem ser induzidos artificialmente com a eletroconvulsoterapia. Em muitos casos, a conduta é a contenção do paciente até a crise ceder, sem utilização de grandes quantidades de psicofármacos.

Os estados crepusculares pós-ictais geralmente são consideravelmente mais prolongados, por vezes durante muitas horas ou mesmo dias. Como os estados crepusculares ictais, são caracterizados por retardo psicomotor, alucinações vívidas e anormalidades marcadas na experiência afetiva. Muitas vezes são acompanhados por conduta negativista e inquietude. Reações violentas podem, por vezes, serem desencadeadas até por estímulos tácteis leves. 40 O limite de duração da obnubilação ou delirium pós-comicial é de 1 a 2 semanas.

As psicoses pós-ictais são demarcadas de forma indistinta dos fenômenos anteriores, mas tendem a serem mais demoradas e estão caracteristicamente separadas dos episódios convulsivos por intervalos lúcidos.A maior parte melhora espontaneamente em menos de uma semana, mas alguns casos levam um mês ou mais. Somente nos últimos anos, as características detalhadas destas psicoses passaram a estar sob observação sistemática. 40

Outras manifestações de estados pós-comiciais incluem a exibicionismo e agressões sexuais.

Horas ou mesmo dias após a crise convulsiva, o epiléptico se queixa de fraqueza, cansaço, sensações dolorosas e desagradáveis em todo a corpo e cefaléias, mas é capaz de voltar a suas ocupações. Não é raro, principalmente nas crianças, o vômito após a crise.

Existem crises epilépticas incompletas ou crises epilépticas abortadas, onde os pacientes apresentam somente convulsões parciais, pronunciam palavras sem ilação, frases incoerentes e guardam das crises uma recordação confusa.

Chamamos de estado de mal epiléptico (status epilepticus) à repetição, durante horas, de um paroxismo epiléptico com tantas variantes como existem formas de paroxismo. O estado de mal epiléptico mais grave é o estado de grande mal, onde os episódios se sucedem numa freqüência de 1 a 12 por hora, sem que o paciente tenha a possibilidade de recobrar a consciência, havendo risco de vida pela possibilidade de ocorrer asfixia ou parada cardíaca. 37 Em 50% dos casos, o paciente não tem antecedentes de epilepsia e apresenta uma síndrome neurológica ou metabólica como traumatismo crânio-encefálico, tumor cerebral, acidente vascular cerebral, uremia, hipoglicemia, choque anafilático grave e outras causas. O estado de mal é sempre muito grave, acompanhando-se de sintomas neurovegetativos importantes, como hipertermia, edema bronco-pulmonar,hipertensão e em seguida hipotensão. No eletroencefalograma aparecem andas lentas entre os paroxismos. É considerado uma emergência médica grave, onde o tempo é fator importante, pois a anóxia cerebral pode levar à seqüelas físicas e mentais permanentes, e há uma mortalidade significativa.40 A evolução fatal ocorre em cerca de 1/3 dos casos.

3 – CRISES PARCIAIS OU FOCAIS

São crises nas quais as manifestações clínicas e eletroencefalográficas iniciais indicam ativação de uma região delimitada de um hemisfério cerebral. Dependendo da área comprometida, surgirão sintomas positivos ou negativos, relacionados à fisiologia da região. Quando a crise focal envolve estruturas dos lobos temporal (hipocampo, córtex entorrinal, córtex perirrinal e temporal) ou frontal, associadas aos processos de memória, pode ocorrer perda da consciência. As crises parciais são divididas em crises parciais simples, nas quais não ocorrem alterações da consciência, e crises parciais complexas, nas quais ocorrem alterações da consciência. Quando uma crise de início focal se propague para ambos os hemisférios, tornando-se generalizada, é denominada crise parcial ou focal (simples ou complexa) secundariamente generalizada. 34

Nas convulsões parciais ou focais simples (ou elementares 36) geralmente não há alteração da consciência, sendo objeto de estudo mais da neurologia. São conseqüentes a uma descarga epiléptica que ocorre em uma área limitada e, com freqüência, circunscrita do córtex, o foco epileptogênico. 38 São geralmente divididas em motoras, sensitivo especiais, somato-sensitivas ou autonômicas. As convulsões com sintomas motores podem incluir convulsões motoras focais, convulsões jacksonianas, convulsões afásicas e convulsões com interrupção da fala ou vocalizações espontâneas. Eventualmente podem evoluir para crises parciais complexas. 34

As convulsões parciais ou focais complexas, definidas por distúrbio da consciência e implicam na disseminação bilateral da descarga epiléptica no mínimo a áreas límbicas e do prosencéfalo basal. 38 São doenças convulsivas razoavelmente comuns na vida adulta, que podem revelar a vasta variedade de funções do lobo temporal e sistema límbico que, sob irritação ictal (paroxística), podem se apresentar como distorções bizarras ou caricaturas do estado fisiológico. Geralmente são precedidas por auras. Podem substituir inteiramente as convulsões de tipo grande mal e constituir as únicas manifestações da crise ou posteriormente evoluir para uma crise de grande mal que encerra o episódio. Possuem diversas denominações, algumas pouco claras, outras com diversos significados, como crises psicomotoras, equivalentes epilépticos, estados crepusculares, variantes psíquicas e automatismos. 40 São as manifestações ictais clássicas do lobo temporal (onde se originam em 70% a 80% dos casos, enquanto focos nos lobos frontais e occipitais são responsáveis pela maioria das demais) 38, extremamente ricas em achados semiológicos, que consistem principalmente em fenômenos físicos e motores. Também ocorrem manifestações ictais autonômicas e sensoriais. As crises psicomotoras podem ocasionalmente evoluir para convulsões do tipo grande mal e alguns pacientes com evidências eletroencefalográficas de foco do lobo temporal podem apresentar somente grande mal. Os sintomas podem ser divididos em:

A) Sintomas psíquicos: As sensações são claras para o paciente, mas este tem dificuldades em descrevê-las para os demais, usando termos "como se tudo parasse", "como se tudo acontecesse no ritmo" e sensações de extrema solidão ou felicidade inaudita, chegando ao êxtase. Algumas vezes, preponderam o medo e a ansiedade. As crises podem set acompanhadas por sentimentos de desrealização e despersonalização associadas a uma profunda alteração intrapsíquica. Podem ocorrer fenômenos de tipo déjà vu com freqüência, mas são raros os de tipo jamais vu. Os distúrbios da sensopercepção compreendem pseudoalucinações com transtornos abruptos no tamanho dos objetos percebidos, com macro e micropsias. Podem ocorrer ou não amnésias lacunares para os episódios convulsivos. Os sintomas são geralmente de curta duração (menos de um minuto) e muitas vezes têm características de flash, experimentado de forma abrupta. Muitas destas crises não são detectadas e escapam dos circunstantes, porque só ocorrem alterações na franja do campo de consciência (estados crepusculares). Somente a associação de distúrbios motores, o que ocorre em um número mensurável de casos, poderá evidenciar a condição epiléptica do paciente. Na infância, os ataques psicomotores podem caracterizar-se por experiências aterrorizadoras e a criança pode correr para sua mãe, buscando proteção. O pavor noturno pode se enquadrar nesta categoria, mas a maior parte dos casos são evidenciados em crianças neuróticas.

Por vezes, o estado crepuscular pode prolongar-se por alguns dias, caracterizando-se por uma lentidão psicomotora, desorientação temporo-espacial e amnésia subseqüente. O indivíduo, neste estado, pode apresentar uma conduta deambulatória e automática, com tendência a atitudes ditas anti-sociais, tais como agressão, exibicionismo, masturbação, dromomania, entre outras. 35

Delitos podem ser cometidos durante um automatismo psicomotor, mas crimes causando lesões corporais dificilmente se materializam durante o estado ictal, pois a execução dos atos é lenta e desajeitada. Foram relatados episódios de fúria, mas deve-se ter em conta que dificilmente um ataque de fúria com agressão criminosa pode ocorrer durante uma crise psicomotora. A alta probabilidade de agressão física está associada com estados confusionais pós-ictais prolongados, após uma crise do tipo grande mal, em pacientes epilépticos crônicos e geralmente institucionalizados. Na epilepsia do lobo temporal são raros os casos de automatismo na fala.

B) Distúrbios motores: Consistem principalmente em automatismos psicomotores, definidos como um estado de turvação da consciência, que ocorre durante ou imediatamente após a convulsão e durante o qual o paciente mantém o controle da postura e do tônus muscular, executando movimentos simples ou complexos e ações sem se dar conta do que está ocorrendo. São acompanhados pos distúrbios elétricos contínuos no eletroencefalograma. 40 As atividades motoras primárias desempenham papéis secundários, mas podem estar presentes extensão tônica de um braço, movimentos adversivos de cabeça e tremores clônicos unilaterais breves. Os automatismos psicomotores são estados ictais caracterizados por atividades motoras complexas isoladas do controle da vontade devido a descargas paroxísticas. Uma quantidade significativa dos automatismos ictais está limitada à esfera oral. Estes automatismos orais incluem deglutição, movimentos labiais, grunhidos, hipersalivação, mastigação com movimentos nas bochechas e língua. Pode haver transtornos da fala com palilalia e jargonofasia. 37 Podem fazer parte do automatismo inspirações ou fungadelas, sendo comum o olhar penetrante, injetado e desvairado. Os movimentos mastigatórios isolados são freqüentemente vistos nos estados pós-ictais, enquanto a mastigação rítmica e outros tipos de automatismos acompanham as descargas eletroencefalográficas ictais. Outra grande parte dos automatismos psicomotores é caracterizada por movimentos nas mãos de apanhar ou procurar, apalpações na roupa, abotoar e desabotoar peças do vestuário, tanto de um modo casual, como executando os movimento de forma rítmica e estereotipada. Os movimentos estereotipados repetidos podem ocorrer enquanto o paciente estiver trabalhando e a crise fica evidente para os circunstantes porque o paciente fica fazendo a mesma coisa repetidamente. Isto ocorre num grau elevado de automatismo, havendo um certo grau de organização e propósito. Gargalhadas ou risos falsos podem ser uma manifestação de um automatismo psicomotor. O tempo de duração dos automatismos psicomotores variam de 30 segundos a 5 minutos. Condutas automáticas com duração maior, como horas ou dias, é muito sugestiva do um estado histérico dissociativo, durante o qual ações muito complexas são levadas a cabo. Pacientes idosos e portadores de doença vascular cerebral leve podem apresentar estados amnésicos prolongados, com conduta externa aparentemente normal, cuja causa seria uma insuficiência vascular transitória, provavelmente envolvendo regiões límbicas, mas estes casos são muito raros.

C) Sintomas autonômicos: São freqüentes, concomitantes com os automatismos, enquanto outros são constituintes da aura, precedendo as crises de grande mal a partir de focos primários no lobo temporal. São sensações epigástricas dolorosas 37, móveis 36 ou localizadas, hipermotilidade gastrintestinal, rubor, palidez, cianose, apnéia breve, hiperpnéia, dispnéia, piloereção (goose flesh) 37, sudorese ou alterações na freqüência cardíaca. Estes sintomas podem constituir convulsões isoladas mas, em geral, acompanham crises motoras ou precedem as de grande mal.

D) Sintomas sensoriais: Não são facilmente distinguíveis dos fenômenos descritos anteriormente. Compreendem todo o tipo de pseudoalucinações e ilusões, e o paciente geralmente distingue sua natureza irreal. São muito conhecidas as pseudopercepções olfativas ictais que geralmente consistem em odores desagradáveis. Também são encontradas pseudopercepções visuais, auditivas (tinnitus paroxístico ou contínuo) 37, gustativas e vestibulares. Sensações complexas, como cenas, ao invés de fenômenos visuais elementares, são encontrados no envolvimento neuronal temporal.

E) Fugas e poriomania: As fugas epilépticas são muito menos comuns que os automatismos e sua base fisiológica é muito menos compreendida. Consistem de distúrbios de comportamento com longa duração associados com uma tendência de vagar a esmo. Episódios de peregrinação sem destino ou viagens, aparentemente bem organizadas, por carro ou utilizando meios de transporte público podem ser realizadas em um estado de amnésia lacunar, sendo atribuídas geralmente à epilepsia. 31 A diferenciação entre automatismos e fugas pode ser parcialmente uma questão de grau. A consciência estaria menos severamente comprometida nas fugas e os comportamentos anormais seriam mais complexos, extensos e integrados. Distinguir de modo seguro uma fuga de origem epiléptica de fugas histéricas ou depressivas é por vezes difícil, posto que observações detalhadas, inclusive estudos eletroencefalográficos, raramente são possíveis durante o estado anormal. Alguns especialistas questionam se a fuga epiléptica constitui uma entidade clínica válida, considerando-as de origem psicogênica. A interação de fatores orgânicos e psicogênicos muitas vezes existe, com a obnubilação da consciência epiléptica ajudando a liberar mecanismos dissociativos. Assim, em alguns casos, um automatismo inicial breve pode se tornar gradualmente prolongado posteriormente, resultante de um episódio de dissociação histérica. Como nos automatismos, o foco epiléptico geralmente está situado em estruturas mediais inferiores do lobo temporal.40

Quanto mais prolongado o episódio de fuga, mais cuidado se deve ter em aceitar uma origem somente disrítmica para o quadro. Deve ser questionar as fugas ordenadas, com finalidade e principalmente quando associada a atos anti-sociais. Uma história de epilepsia tipo grande mal ou de automatismos típicos breves certamente vai influenciar o diagnóstico no sentido de uma etiologia epiléptica, bem como alterações no eletroencefalograma fortemente sugestivas de convulsões originadas nos lobos temporais.40

As fugas epilépticas podem durar de muitas horas a dias. O paciente pode vagar para longe de casa e depois se recobrar espontaneamente em um local estranho, não sabendo como teria conseguido chegar até ali. Ou pode ser encontrado quando ainda se encontra no estado anormal, parecendo vago, perplexo e incoerente. Estes são alguns dos pacientes que são detidos pela polícia sem saber referir sua própria identidade. O paciente pode andar grandes distâncias, fazer compras ou viajar em transportes públicos. As atitudes do paciente são erráticas e ele pode aparentar estar sonolento ou drogado. Sua aparência geralmente denota descaso e seu comportamento é como se ele não estivesse presente. O dinheiro geralmente é gasto sem cuidado e o paciente vaga a esmo, sem objetivo ou propósito. Depois da recuperação, a amnésia caracteristicamente é completa para todos os eventos ocorridos desde que a fuga foi iniciada. 40

F) Distúrbios sexuais: A hipossexualidade global é um achado comum na epilepsia do lobo temporal, com diminuição da libido e da potência em homens e frigidez nas mulheres, que pode chegar ao grau de anestesia sexual total. Estes sintomas podem melhorar com o uso da medicação. Um pequeno número de pacientes apresenta parafilias, como sadomasoquismo, exibicionismo e fetichismo. 40

Os sintomas, no intervalo entre as crises, são determinados pela doença etiológica básica, como tumor do lobo temporal, que geralmente leva à hipertensão intracraniana e déficits neurológicos e a esclerose hipocampal que evolui para a refratariedade. 42

Cuidado para não confundir uma ausência com uma crise parcial complexa ou uma crise mioclônica com uma crise parcial complexa motora, deixando de fazer o diagnóstico diferencial com o eletroencefalograma. 42

A epilepsia do lobo frontal se caracteriza pela variedade de quadros clínicos produzidos e por suas manifestações por vezes bizarras, dependendo do local específico em que a descarga epiléptica se originou e das vias subseqüentemente envolvidas em sua propagação. 40

O espalhamento da descarga por vezes é tão rápido que não ocorre aura, levando a uma súbita perda da consciência e crise do tipo grande mal, semelhante a uma epilepsia generalizada primária. Raros casos de ausência do lobo frontal podem se apresentar como pequeno mal com interrupção da fala e inibição do movimento. Descargas que se originam numa porção mais posterior do lobo podem comprometer áreas oculares frontais com uma aura adversiva na qual a cabeça e os olhos viram para o lado oposto da lesão. Desvio ipsilateral também tem sido descrito. O comprometimento do córtex motor pré-Rolândico pode levar a uma marcha motora Jacksoniana clássica, que consiste de movimentos clônicos rítmicos que se iniciam em alguma parte do membro contra-lateral ou lado da face e língua e se espalhando pelas regiões contíguas até que a convulsão maior ocorra. Alternativamente, a convulsão Jacksoniana pode morrer sem evoluir para convulsões generalizadas e neste caso a consciência permanece íntegra durante todo o tempo. Do mesmo modo, a interrupção da fala pode ocorrer com a consciência preservada e pode ser encontrada com descargas se originando em qualquer dos hemisférios. 40

O envolvimento do córtex motor provoca posturas tônicas assimétricas súbitas e mesmo explosivas. O quadro característico é de flexão e abdução distônica do braço contra-lateral e o giro da cabeça na direção da mão levantada. Geralmente a perna contra-lateral está estendida. Esta postura pode ser acompanhada por afasia ou repetição de uma palavra monossílaba, mas a consciência geralmente está preservada. 40

Sintomas sensoriais incluem tonteira, cabeça vazia e sensação de opressão ou aperto na cabeça, bem como sensações vagas de calor ou arrepios no tronco e membros. Os sintomas autonômicos consistem em piloereção e rubor, por vezes acompanhados de uma fácies de medo, palpitações e urgência miccional. Também foram descritos compulsão a pensar com pensamentos obsessivos intrusivos e o olhar fixo atraído por algum objeto do ambiente. Além do mais, as descargas podem por vezes vir a implicar os lobos temporais com produção de auras indistinguíveis da epilepsia do lobo temporal. 40

As manifestações mais dramáticas e mais intrigantes consistem em automatismos do lobo frontal, muitas vezes surgindo das porções anteriores e mediais do lobo. Suas manifestações bizarras não infreqüentemente levam a um diagnóstico errôneo de pseudoconvulsões. Algumas são idênticas aos automatismos da epilepsia do lobo temporal, mas deles podem ser diferenciados por sua brevidade e rápida recuperação da consciência. Caracteristicamente são constituídos por fenômenos motores de perseveração de natureza florida e idiossincrática: movimentos involuntários e descontrolados de membros superiores movimentos de chute ou de andar de bicicleta com os membros inferiores. Se o paciente está em pé pode pular, saltar ou correr em círculo. Automatismos sexuais consistem em movimentos coma pelve e manipulação genital. Posturas tônicas podem acompanhar a atividade motora, bem como vocalizações sob a forma de gritos, berros, gemidos ou uivos. Os exames intracranianos têm mostrado que em muitos pacientes as descargas convulsivas permanecem confinadas ao lobo temporal enquanto em outros claramente se difundem pela as estruturas mediais dos lobos temporais. 40

Apesar dessa variabilidade, as características a seguir, quando tomadas conjuntamente, sugerem uma epilepsia do lobo frontal:

  • Crises rápidas, que começam e terminam abruptamente, com pouco ou nenhum período pós-comicial;
  • Uma tendência das crises em se agrupar e a ocorrer à noite;
  • Manifestações motoras proeminentes, porém freqüentemente bizarras, movimentos de pedalar das pernas, movimentos dos quadris para frente e vocalizações altas, por vezes obscenas, todas as quais podem sugerir crises psicogênicas;
  • Anormalidades mínimas nos registros eletroencefalográficos do couro cabeludo; e
  • Uma história de estado de mal epiléptico. 38

A epilepsia do lobo parietal pode se iniciar com uma marcha sensorial Jacksoniana, que consiste em parestesias, insensibilidade, formigamento ou sensação de frio e calor, que se inicia focalmente e se espalha para as áreas contíguas do corpo a medida em que o córtex vai se envolvendo progressivamente. As partes mais freqüentemente envolvidas são aquelas que têm uma maior representação cortical como a mão, braço e face. Fenômenos visuais incluem alucinações complexas ou metamorfopsias. O envolvimento para-central pode levar a sensações genitais lateralizadas. Convulsões se iniciando mais posteriormente podem levar a transtornos significativos da imagem corporal. Um membro ou mesmo um dimídio corporal pode parecer estar pesado, maior, menor, ausente ou separado do resto do corpo. O membro pode ser sentido como deslocado, estendido ou retraído para dentro do corpo, mesmo quando o paciente pode se ver que está normal. Muito raramente pode haver a sensação de membro fantasma. Constituem formas bizarras de auras. 40

A epilepsia da superfície medial se inicia na superfície medial e borda superior do hemisfério comprometido. O envolvimento da área motora suplementar, logo anterior à fissura rolândica, pode produzir movimentos posturais tônicos. Podem ocorrer sensações epigástricas indistinguíveis das da epilepsia do lobo temporal, bem como fala arrastada e confusão. Lesões mais posteriores estão associadas com parestesias na perna e pé contra-laterais, sensações retais e por vezes genitais, inclusive com sensação de orgasmo. 40

A epilepsia do lobo occipital se inicia com distúrbios visuais bem localizados na metade do campo visual oposto. Um escotoma ou hemianopsia pode ocorrer ou mais comumente alucinações visuais simples consistindo em flashes luminosos, cores, ziguezagues ou espectros irradiantes. Alucinações complexas com conteúdo significativo podem ocorrer quando as descargas envolvem a junção têmporo-parieto-occipital. 40

A epilepsia do lobo temporal produz as auras mais variadas e complexas de todas as epilepsias. São de grande importância para os psiquiatras pois podem conter elementos que fazem pensar em transtornos neuróticos e psicóticos, principalmente quando as auras surgem repetidamente e sem evoluir para convulsões motoras. As auras isoladas, com conteúdo psíquico proeminente, como alucinações, despersonalização ou outras experiências subjetivas por vezes são chamadas de convulsões psíquicas. 40

Nas auras do lobo temporal figuram de modo destacado uma variedade de sensações viscerais e de sinais autonômicos. A aura epigástrica é talvez a mais comum, consistindo de sensações de mal estar subindo do epigástrio para cima, em direção da garganta, tipicamente descrita como uma bateção no estômago, medo no estômago ou mesmo dor. Também são freqüentes sensações estranhas inexplicáveis na cabeça. Outros sinais autonômicos incluem salivação, burburinho, rubor, palidez, taquicardia, dor precordial, tosse e apnéia. São comuns as tonteiras subjetivas ou mesmo vertigem acompanhada de tinniutus e alterações na audição. 40

Experiências perceptivas alteradas incluem tanto distorções das percepções reais como alucinações espontâneas. Os sons podem parecer subitamente distantes ou intensamente altos, objetos podem parecer maiores ou menores, mais próximos ou mais distantes. A avaliação agregada às percepções pode mudar, assim os objetos, sons ou acontecimentos subitamente adquirem um significado peculiar vívido. De outro modo, o paciente pode se sentir afastado do ambiente e sem contato significativo com as coisas à sua volta. Sensações de desrealização e de despersonalização podem se importantes. A qualidade essencial do reconhecimento pode mudar, com fortes sentimentos de familiaridade ou estranheza que podem levar ao déjà vu e ao jamais vu. Estas alterações são mais freqüentes quando o lobo esquerdo está comprometido. 40

Alucinações visuais podem consistir em alucinações elementares como as descritas na epilepsia do lobo occipital mas também compreendem a formação de alucinações complexas, faces ou visões de experiências passadas. As alucinações lilliputianas, nas quais o material visual aparece muito pequeno deve ser diferenciada da micropsia, onde os objetos parecem menores que o normal. Alucinações auditivas brotando da região do giro temporal lateral superior podem também ser simples ou complexas, variando de sons elementares a música ou vozes. As alucinações olfativas e gustativas derivam das estruturas do lobo temporal medial, especialmente a região uncinada e são de grande significado para o diagnóstico, de epilepsia do lobo temporal. Podem ser acompanhadas por movimentos labiais, mastigatórios ou de deglutição característicos. Sensações olfativas e gustativas podem ocorrer separadas ou juntas com uma alteração peculiar da consciência composta por despersonalização, déjà vu e reminiscências oníricas, o clássico estado de sonho ou a crise uncinada dos psiquiatras clássicos. 40

Alterações cognitivas incluem alterações da fala, pensamento e memória. Pode ocorrer uma disfasia transitória, discurso compulsivo incorreto ou inadequado ou exclamações súbitas. A disfasia como parte da aura indica foco no lobo temporal esquerdo, enquanto automatismos na fala (expressões recorrentes, irrelevantes ou com tônus emocional) são fortemente indicativos de foco no lobo temporal direito. 40

Transtornos subjetivos do pensamento e da memória constituem uma das manifestações mais fortes das auras do lobo temporal. O paciente se torna abruptamente cônscio de ter dificuldade de pensar de forma coerente, de misturar as coisas ou de grande confusão e turbilhão em sua mente. Pode haver uma compulsão em pensar sobre determinados tópicos restritos como eternidade, suicídio ou morte (compulsão a pensar ou pensamento forçado). Ou pode haver intrusão de pensamentos, palavras ou frases contra a vontade do paciente (pensamentos feitos ou pensamentos introduzidos). Uma súbita interrupção do fluxo do pensamento pode ocorrer e ser depois descrito d  um modo indistinguível da interrupção do pensamento esquizofrênico. 40

Os transtornos da memória variam de uma súbita dificuldade para lembrar a lembranças compulsivas sobre determinados assuntos, cenas ou eventos do passado. Muitos fenômenos de déjà vu ou jamais vu talvez possam ser interpretados como distorções dos processos da memória. Na rara memória panorâmica, o paciente sente que todos os episódios passados de sua vida estão vivos novamente por um breve período de tempo sob a forma de experiências complexas organizadas. Inclusive a distorção da sensação do tempo é geralmente uma parte integral da experiência da aura, onde o tempo parece correr ou passa devagar. Em meio a todas estas experiências, o paciente geralmente retém algum grau de juízo crítico de realidade de forma que, posteriormente, pode relatar que estava tendo conhecimento de que experimentava um fenômeno anormal. 40

Finalmente, fortes vivências afetivas freqüentemente surgem nas auras da epilepsia do lobo temporal. As mais comuns são o medo e a ansiedade intensa que transborda sem controle, de modo súbito e sem fatores desencadeantes. Outros sentimentos desagradáveis incluem depressão, culpa e raiva, que podem alcançar graus extremos. Sentimentos agradáveis de prazer, bem-aventurança e êxtase ocorrem mais raramente (a chamada epilepsia de Dostoievski). O medo corre quando a descarga epiléptica envolve a metade anterior ou ambos ou lobos temporais e ocorre em 70% dos pacientes que apresentam focos nesta região, A depressão foi associada com lesões em qualquer parte do lobo temporal. Sentimentos inespecíficos, prazerosos ou não, são associados principalmente a lesões temporais posteriores. Foi demonstrado que 13 entre 15 pacientes com medo ictal que a origem das convulsões estava no lobo temporal direito (não dominante). 40

Estas experiências devem ser aceitas como uma parte intrínseca da crise e não meramente uma reação a outros aspectos da aura. Assim, o afeto despertado geralmente é estereotipado e primitivo, lhe faltando a sutiliza dos sentimentos normais. Tende a ser constante tanto em qualidade como em tempo de ocorrência da crise, apesar de poder, por vezes, mudar seqüencialmente ao longo do tempo em um dado paciente. O conteúdo emocional da aura pode, todavia, colorir as experiências alucinatórias ou ocasionalmente dar ensejo a uma alteração de comportamento. 40

4 – TRANSTORNOS INTERICTAIS

A) Personalidade Epiléptica: Os conceitos de especificidade dos traços da personalidade epiléptica foram firmemente propostos pela escola psiquiátrica alemã, principalmente antes da 2.ª Grande Guerra. Suas características clínicas seriam a lentidão dos processos mentais (bradipsiquismo), perseveração do afeto, pensamento e fala, falta de flexibilidade, adaptabilidade e criatividade. Haveria uma circunstancialidade marcada e pedante, com certeza da própria honradez, moralidade e virtude, especial intolerância para com as crenças e ações dos demais, num profundo sentido de justiça pessoal. Não haveria esquecimento ou perdão para as ofensas recebidas e a vingança é buscada quando a ocasião se apresenta. Outros autores, contudo, enfatizam os traços anti-sociais e coléricos do paciente epiléptico, que seriam específicos, segundo BUMKE 7, principalmente na epilepsia idiopática. Os psiquiatras de orientação psicodinâmica, pelo contrário, consideram as alterações mentais e de conduta observadas acima como respostas secundárias do paciente a sua doença e à discriminação sofrida por parte da sociedade. Para ALONSO-FERNÁNDEZ 1, as teses constitucionalistas sobre os epilépticos contém 5 pontos que são conflitivos:

  • A constituição atlética se correlaciona positivamente com a morbidade epiléptica;
  • Muitos atléticos sadios exibem qualidades temperamentais análogas aos epilépticos, especialmente o bradipsiquismo, a viscosidade, as explosões coléricas e a perseveração;
  • Parece provável que a personalidade e a inteligência se modificam pelo processo orgânico epiléptico mais facilmente nos biótipos atléticos que nos demais;
  • É indubitável a intervenção de fatores biotipológicos na patogenia de algumas síndromes epilépticas; e
  • Os traços de personalidade viscosa e explosiva aparecem freqüentemente entre os parentes mais próximos dos pacientes epilépticos.

Para este autor, pode se dar por resolvido, inapelavelmente, a inexistência de uma personalidade epiléptica específica, cuja imagem era procurada com o maior interesse nos estudos sobre constituição. As qualidades típicas da personalidade dos epilépticos não representam nada específico de constituição, senão com as ressalvas dos cinco pontos acima. São uma desestruturação da personalidade, que adquire certas peculiaridades nos epilépticos, representando mais uma expressão do orgânico do que do constitucional e do genético. Há uma espécie de antagonismo entre as crises motoras e as alterações de caráter, evidenciado pelos seguintes fatos:

  • Nos epilépticos com ataques exclusivamente motores, é rara a alteração perseverante da personalidade; e
  • O controle dos episódios motores pela medicação anticomicial muitas vezes acentua os transtornos de caráter e mesmo as manifestações psicóticas em 10% dos casos.

MIRANDA-SÁ JR. 36 objeta o emprego da expressão personalidade epiléptica, julgando mais correto designar como traços epileptóides da personalidade ou estrutura epileptóide da personalidade.

Quanto ao papel do lobo temporal na determinação dos distúrbios da personalidade epiléptica, é evidente que o epiléptico lento, perseverante e prolixo (circunstancial), provavelmente sofre mais de epilepsia adquirida que da idiopática, estando o lobo temporal freqüentemente envolvido nestes casos. Os termos para designar este tipo de personalidade são: gliscróide (MINKOWSKA, 1923), enequético STAUDER 1936), ixotímico, ixóide ou ixofrênico (STROMGREN, 1936) e viscosa (KRETSCHMER, 1956), denotando que o fluxo livre natural do pensamento e das idéias é impedido e suplantado por apego ou fixação, sendo muito diverso da apatia observada em outras síndromes cerebrais não específicas. Este tipo de personalidade se desenvolve gradualmente e representa mais uma alteração mental que uma combinação de traços reais da personalidade, sendo comumente encontrada na epilepsia do lobo temporal. Pacientes não epilépticos com personalidade impulsiva ou esquizóide, e mesmo portadores de esquizofrenia franca, podem apresentar estes traços de personalidade.

No subgrupo tipo irritável e agressivo, o controle dos impulsos é insuficiente e podem ocorrer delitos, embora não sejam particularmente comuns. O comportamento violento em epilépticos, especialmente nos portadores de epilepsia do lobo temporal, é mais provável nos eventos interictais, sendo extremamente raros durante as crises, embora possa ocorrer numa forma muito severa e perigosa, no curso de um estado pós-ictal prolongado (Figura 1).

Um comportamento interictal agressivo não é mais comum em pessoas com epilepsia. A agressão expressada durante as crises ocorre em menos de 0,02% dos pacientes com epilepsia grave; e!l é quase certamente menos comum na população epiléptica geral. Empurrões ou resistência ocorrem ocasionalmente no período pós-critico, ao serem feitas tentativas de contenção de pacientes mentalmente confusos. 38

FIGURA 1: COMPARAÇÃO ESQUEMÁTICA ENTRE UMA POPULAÇÃO BASICAMENTE "AGRESSIVA" E UMA
POPULAÇÃO DE PACIENTES COM EPILEPSIA DO LOBO TEMPORAL.
OBSERVA-SE COMO É DIMINUTA A ZONA DE SUPERPOSIÇÃO.

 

Traços esquizóides de personalidade foram observados freqüentemente em pacientes com epilepsia do lobo temporal. Alguns pacientes desenvolvem estados psicóticos esquizofrênicos crônicos, com sintomas paranóides alucinatórios indistinguíveis da esquizofrenia comum. A ocorrência de esquizofrenia em epilépticos do lobo temporal não pode ser explicada com base na mera coincidência. Em alguns pacientes, a psicose tende a melhorar se as convulsões forem particularmente freqüentes. Esta relação inversa pode levar a uma oscilação de um quadro com manifestações predominantemente epilépticas à preponderância da psicose e vice-versa, podendo a medicação desempenhar um importante papel nesta dinâmica.

Na epilepsia não há manifestações pré-psicóticas como comportamento estranho ou solitário, o quadro remite sem evidência de defeito, o epiléptico é capaz de criticar o estado delirante alucinatório em que se encontrava, predominam as concepções mágico-místico-religiosas sobre os delírios persecutórios, as alucinações visuais são freqüentes e as auditivas raras ou representadas por acúfenos, podem ser freqüentes as alucinações olfativas ou gustativas, o humor e a afetividade estão embotados nos esquizofrênicos enquanto os epilépticos tendem ao êxtase ou à depressão, não há desagregação e sim fuga de idéias e prolixidade, as automutilações relatadas são da língua, orelha, mãos e dedos e não do pênis nem a auto-enucleação dos olhos. 37

B) Estados psicóticos não esquizofrênicos: As psicoses atribuíveis à epilepsia podem ter características esquizomorfas ou distímicas (depressivas ou eufóricas), sendo temidos os quadros de agitação crepuscular, uma vez que podem chegar ao furor. 36 Supõe-se que os estados confusionais, os episódios crepusculares interictais e as manifestações maníacas e depressivas sejam mais comuns em epilepsias com descargas convulsivas generalizadas do que em epilepsias do lobo temporal.

A psicose pós-ictal ocorre em 25% das psicoses epilépticas, geralmente surgindo depois de um aumento na freqüência das crises epilépticas. É comum um intervalo de lucidez de 12 a 72 horas entre o fim das crises e o início da psicose. A duração média é de aproximadamente 70 horas. Os sintomas são variáveis, com alucinações auditivas, visuais ou tácteis, indiscrições sexuais, delírios persecutórios, místicos, somáticos ou de grandeza. Apesar de pleomórfico, há uma tendência à persecutoriedade, irritabilidade, agressividade e depressão. A psicose pós-ictal parece correlacionar-se com a presença de focos ictais e interictais bilaterais nas regiões temporais límbicas, menor QI verbal, ausência de convulsões febris e ausência de esclerose mesial temporal. Essa condição não causa psicose crônica. 38,43

A psicose interictal é um estado psicótico persistente, caracteristicamente paranóides, não associados com os eventos ictais e sem comprometimento da consciência. Tem ocorrência aproximada de 9% nas populações epilépticas acompanhadas ambulatorialmente, iniciando-se por volta dos 30 anos de idade. Os sintomas mais comuns são delírios persecutórios e místicos, comumente de início insidioso, alucinações auditivas, maneirismos, falta de iniciativa, pensamento desorganizado, agressividade e ideação suicida. A duração é de algumas semanas (psicose interictal breve). podendo se prolongar por mais de três meses (psicose interictal crônica). Comparada à esquizofrenia, a psicose interictal pode apresentar menor prejuízo intelectual, melhor funcionamento pré-mórbido, menor presença de sintomas negativos e maior preservação do afeto e da personalidade. 43

A psicose de normalização forçada é um tipo de psicose interictal breve, no qual o estado psicótico é desencadeado após a normalização de um eletroencefalograma previamente alterado, remitindo-se com o ressurgimento das anormalidades eletrográficas e o reaparecimento das crises epilépticas. Isso faz com que as duas condições sejam excludentes ou antagônicas. A psicose de normalização forçada tem baixa prevalência, estimada em 1% das psicoses epilépticas. Manifesta-se principalmente por delírios paranóides, alucinações auditivas, inquietação, tristeza e sintomas pré-monitórios, como insônia e ansiedade. 43

C) Demência epiléptica: Há uma pequena proporção de pacientes epilépticos que evoluem com um declínio de suas funções cognitivas com comprometimento progressivo da memória, concentração e juízo crítico. Isto pode ocorrer depois de muitos anos de desempenho em um nível razoavelmente adequado. Geralmente está associado a uma severa deterioração da personalidade e por vezes com um importante transtorno de conduta sob a forma de impulsividade, irritabilidade e crises de ira. Os estudos de neuroimagem mostram atrofia cerebral. Estes casos parecem ser mais comuns quando a epilepsia é secundária a uma lesão cerebral e quando a epilepsia é severa e de longa duração. 40

LÓPEZ IBOR, em 1943, assinalou que entre a demência e as alterações epilépticas da personalidade não existiria uma fronteira bem definida, postulando que ambas pudessem constituir graus distintos de um mesmo processo fundamental. ALONSO FERNÁNDEZ 1 coloca que pode se falar em uma síndrome cerebral orgânica epiléptica, cujo grau leve corresponderia à alteração epiléptica de personalidade e a grave, ao quadro demencial. Na vida psíquica do epiléptico se enfraquecem a vontade, os valores, os sentimentos altruístas e a capacidade de criação, enquanto se hipertrofiam os instintos, os impulsos primitivos, os sentimentos individuais e as tendências egocêntricas. O paciente perde a capacidade de diferenciar o essencial do acessório, se atrapalha com os detalhes, já que, para ele, tudo é igualmente importante. O pensamento se torna descritivo e concreto, a memória enfraquece e o vocabulário se reduz. O círculo de interesses fica restrito. Reações de furor e cólera não são raras. As causas dos transtornos de personalidade e da inteligência seriam:

1 – quedas súbitas, com freqüência ocasionando traumatismos crânio-encefálicos;

2 – fase de esgotamento neuronal com diminuição das reservas de glicogênio, fosfocreatina, ácido adenosinatrifosfórico (ATP) e outros, aumento dos metabólitos ácidos, estabelecendo-se a hipóxia, que pode ocasionar danos morfológicos, principalmente em estruturas têmporo-límbicas; e

3 – edema cerebral.

Quando se trata de explicar os estados demenciais e psicóticos atribuíveis à epilepsia, nem sempre é fácil separar a influência da encefalopatia epileptógena de base dos prejuízos ocasionados pelas convulsões (principalmente pela hipóxia prolongada) e das drogas antiepilépticas usadas pelo paciente. 36

São termos que caíram em desuso por serem considerados vagos e inadequados: equivalentes comiciais ou equivalentes epilépticos (termo cunhado por MAUDSLEY no final do século XIX), relativos às manifestações que surgiriam em lugar da crise epiléptica, como impulsos, automatismos e fugas, e epilepsia larvada ou epilepsia psíquica (termo de MOREL, em 1860, referente às alterações psíquicas que acompanham ou precedem os paroxismos convulsivos). 37

Atenção para a relação temporal entre o transtorno mental encontrado e a epilepsia ou o tratamento da epilepsia. Procurar sinais de toxicidade medicamentosa, como tonturas, desequilíbrio e ataxia, verificar se os sintomas mentais são mais atípicos ou polimorfos, se há co-morbidades, verificar problemas cognitivos relacionados ao pensamento e ao discurso, procurar sintomas afetivos e comportamentais sugestivos de organicidade. 42

SINAIS E SINTOMAS ASSOCIADOS

São os sinais e sintomas dos distúrbios associados à epilepsia, como os de abstinência ao álcool ou drogas, defeitos congênitos, traumatismos cranianos, meningite, encefalite, tumores, abcessos, granulomas, cistos de parasitas, doenças degenerativas do sistema nervoso central, distúrbios metabólicos ou intoxicações urêmicas, por água, por álcool, edema cerebral, policitemia, asfixia, envenenamento por monóxido de carbono, anafilaxia, doença de Raynaud, síndrome de Stokes-Adams, hipersensibilidade do seio carotídeo, tetania, choque insulínico, hiperventilação e ingestão de drogas convulsivantes.

A capacidade reprodutiva pode estar comprometida tanto em mulheres como em homens. As taxas de fertilidade em homens e mulheres com epilepsia são de 1 a 2/3 daquelas em homens e mulheres sem epilepsia. A menor freqüência de nascimentos não pode ser explicada com base numa freqüência menor de casamentos porque a freqüência atual de casamento de mulheres com epilepsia é semelhante à de mulheres não-epilépticas. A menor fertilidade parece ser a conseqüência direta de um distúrbio na fisiologia reprodutiva. 38

Homens e mulheres com epilepsia apresentam uma freqüência maior que a esperada de distúrbios endócrinos reprodutivos. Esses distúrbios incluem anormalidades tanto na liberação cíclica como na concentração do hormônio luteinizante e prolactina hipofisários e na concentração dos hormônios esteróides gonadais. Algumas dessas anormalidades podem ser uma conseqüência da atividade epiléptica. As convulsões relacionadas a estruturas do lobo têmporo-mesial estão associadas a um aumento imediato e significativo (3 a 5 vezes) nos níveis hipofisários de prolactina. Distúrbios semelhantes foram relatados para o hormônio luteinizante hipofisário. Alterações nesses hormônios hipofisários podem ser um mecanismo para a maior probabilidade de ciclos menstruais anovulatórios e anormalidades na duração do ciclo menstrual, que são observadas em cerca de um 1/3 das mulheres com epilepsia. As drogas antiepilépticas podem também alterar a concentração de esteróides gonadais, por afetarem o metabolismo e a ligação dos hormônios esteróides. As drogas antiepilépticas que aumentam o metabolismo e a ligação dos esteróides reduzem a realimentação dos hormônios esteróides no hipotálamo e hipófise. As drogas antiepilépticas que inibem o metabolismo dos esteróides (por exemplo, valproato) aumentam a concentração de hormônios esteróides, especialmente androgênios. 38

Ovários policísticos são mais comuns em mulheres com epilepsia. Múltiplos cistos ovarianos são detectados em 25% a 40% das mulheres com epilepsia. A base dessa associação não é conhecida, mas pode estar relacionada às drogas antiepilépticas (especialmente ao valproato) ou as convulsões. Em mulheres não epilépticas, os ovários policísticos associam-se a infertilidade, intolerância a carboidratos (resistência à insulina), dislipidemia e elevação do risco em toda a vida de carcinoma do endométrio e outras condições malignas ginecológicas. As conseqüências mais a longo prazo dos ovários policísticos em mulheres com epilepsia não são conhecidas. 38

A disfunção sexual atinge cerca de um terço dos homens e mulheres com epilepsia. Os homens relatam pouco desejo sexual, dificuldade em obter ou manter uma ereção, ou retardo na ejaculação. As mulheres com epilepsia podem apresentar relações sexuais dolorosas devido a vaginismo e a falta de lubrificação. Embora certamente haja razões psicossociais para a disfunção sexual em algumas pessoas com epilepsia, causas fisiológicas podem ser demonstradas em outras. As causas fisiológicas de disfunção sexual incluem a desorganização de regiões cerebrais controlando o comportamento sexual por descargas epileptogênicas, anormalidades dos hormônios hipofisários e gonadais e efeitos colaterais de drogas antiepilépticas. 38

As mulheres com epilepsia que tenham dificuldade para conceber, ciclos menstruais irregulares ou anormais, sangramento menstrual em meados do ciclo, disfunção sexual, obesidade ou hirsutismo devem se submeter a uma avaliação endócrina reprodutiva. Isso inclui os níveis de hormônio luteinizante e prolactina hipofisários, níveis de estrogênio, testosterona e progesterona e exame ultra-sonográfico do ovário. Os homens com disfunção sexual, ou dificuldade em conceber, também devem ser submetidos a uma avaliação endócrina e uma análise do sêmen. Todos os distúrbios reprodutivos vistos em pessoas com epilepsia são potencialmente passíveis de tratamento. 38

O impacto da epilepsia na qualidade de vida geralmente é maior do que as limitações impostas exclusivamente pelas convulsões. O diagnóstico de epilepsia freqüentemente acarreta outras conseqüências que podem alterar expressivamente a vida de muitos pacientes. Em adultos, os problemas mais importantes são a discriminação no trabalho e a restrição de dirigir, que acarretam uma perda de mobilidade e independência. Crianças e adultos podem ser igualmente rejeitados por amigos mal informados. Os pacientes têm de aprender a evitar situações que desencadeiam crises e pode ser necessária uma mudança no estilo de vida. Os fatores comuns que aumentam a probabilidade de ocorrência de crises incluem privação de sono, álcool (e outras drogas) e estresse emocional (Quadro 1). A aderência ao regime de tratamento farmacológico antiepiléptico com freqüência é um problema, especialmente em adolescentes. Sintomas psiquiátricos, notadamente depressão, podem complicar o tratamento. 38

QUADRO 1: FATORES QUE ABAIXAM O LIMIAR CONVULSIVANTE

Comuns

Ocasionais

Privação de sono

Intoxicação barbitúrica

Abstinência de álcool

Hiperventilação

Estresse

Luzes piscando

Desidratação

Dieta e refeições perdidas

Drogas e interações entre
drogas

Desencadeantes "reflexos" específicos

Infecções sistêmicas

 

Trauma

 

Desnutrição

 

Algumas restrições são apropriadas do ponto de vista médico, pe!o menos por um período !imitado. No caso de crises que alteram a consciência ou o juízo crItico, por exemplo, dirigir veículos e certos tipos de emprego (trabalhar em grandes alturas e com equipamento de energia elétrica) e algumas outras atividades (nadar sozinho) devem ser proibidos. Por outro lado, proibições legais de dirigir variam em diferentes estados dos Estados Unidos e em diferentes países e, com freqüência, sem justificativa médica. Os empregadores geralmente têm temores pouco realistas em relação aos efeitos físicos de uma convulsão, ao potencia! de responsabilidade legal e ao impacto sobre os custos de seguro saúde. 38

As crianças apresentam problemas especiais. porque suas convulsões afetam toda a família. Os pais podem, com a melhor das intenções, prejudicar a criança por serem excessivamente restritivos. A atenção necessária e especial recebida pela criança "doente" pode encorajar um comportamento passivo e manipulador e uma dependência excessiva, exacerbando ao mesmo tempo, sem querer, as rivalidades normais entre irmãos. 38

O médico deve ser sensível a essas importantes preocupações relativas à qualidade de vida, mesmo quando não são levantadas espontaneamente pelo paciente ou seus familiares. Na verdade, os problemas psicossociais tomam-se com freqüência o grande foco das consultas de seguimento depois de se ter feito o diagnóstico, completado a avaliação inicial e iniciado o tratamento. 38

Em centros de referência, a depressão e suicídio são mais comuns em pacientes com epilepsia que em pacientes com outros distúrbios neurológicos ou em indivíduos-controle sem doenças. Não se sabe se essa predileção é válida para a população epiléptica em geral, por terem sido realizados poucos estudos populacionais de base comunitária. A depressão na epilepsia pode ser influenciada por vários fatores: o tipo ou a gravidade das crises, a localização do foco epileptogênico, afecções neurológicas ou clínicas associadas, as drogas antiepilépticas usadas e o estigma e as limitações pessoais que acompanham o diagnóstico. Curiosamente, a depressão pode por vezes surgir após uma cirurgia de epilepsia bem-sucedida. 38,40

PATOGENIA E ANATOMIA PATOLÓGICA

Excitabilidade e sincronia são propriedades básicas dos neurônios e redes neurais fundamentais para processos fisiológicos (como o sono) e patológicos (como a crise epiléptica) do sistema nervoso central. Descargas epilépticas são caracterizadas por hipersincronia e excitabilidade excessiva de populações neuronais. 34

A excitabilidade é definida como uma propriedade pela qual neurônios e populações neuronais podem despolarizar-se quando adequadamente estimulados, envolvendo íons Na+ e Ca++ e neurotransmissores como glutamato e aspartato. 42 A excitabilidade é uma característica intrínseca do neurônio, não dependendo necessariamente de sua inter-relação com os demais neurônios de uma determinada região. A combinação entre despolarização, repolarização e hiperpolarização dos neurônios de uma ou mais regiões (corticais e/ou subcorticais) são a marca do funcionamento cerebral. A resposta de um neurônio a um determinado estímulo depende da sua fisiologia intrínseca, da sua interação com a rede neural a qual pertence (neurotransmissão e conexões sinápticas) e das características do estímulo propriamente dito. 34 Condições sistêmicas como a hipoglicemia, a hipertermia, a hipóxia, a hiponatremia e a hiperventilação, concorrem para o aumento da excitabilidade anormal dos neurônios. A fisiologia intrínseca do neurônio depende de propriedades de sua membrana celular (canais iônicos) e de propriedades metabólicas (bombas iônicas, mensageiros intracelulares, cinases, fosfatases, aporte energético). Os neurônios também podem interagir com células gliais e vice-versa, por meio de neurotransmissores excitatórios, como o glutamato, e pela liberação de fatores neurotróficos. A importância dessa interação neurônio-astrócito vem sendo estudada tanto em eventos fisiológicos quanto patológicos, entre os quais as epilepsias. Recentemente, demonstrou-se que astrócitos do foco epiléptico de hipocampo humano apresentam potencial de repouso significativamente aumentado (despolarizado) quando comparado aos controles. Da mesma forma, a densidade de canais de Na+ era 66 vezes maior na cultura de astrócitos obtidos de tecido humano epiléptico em relação aos controles. Assim, uma resposta neuronal aparentemente simples como "sim" ou "não" depende de fatores intrínsecos e extrínsecos à célula ou grupo de células neuronais e gliais que estão intimamente relacionadas ou que eventualmente interagem à distância em uma rede neuronal.34

A inibição envolve correntes intracelulares de íons K+ e Cl- e o neurrotransmissor GABA. 42

A sincronia neuronal, como o nome já diz, refere-se a um grupo de neurônios que está se despolarizando ao mesmo tempo. Para que isso ocorra, é necessário que, em um dado momento, todos tenham estado simultaneamente repolarizados. Os interneurônios inibitórios do tipo GABAérgicos são fundamentais para que ocorra sincronização tanto em estruturas subcorticais (hipocampo, amígdala, tálamo) quanto no neocórtex.

A anormalidade epileptiforme mais comumente observada no eletroencefalograma de pacientes com epilepsias focais são as ponta e ondas agudas, que surgem sobre a atividade de base do traçado. Esses paroxismos epileptiformes interictais do tipo ponta e onda aguda estão relacionados com a zona irritativa que é a área cortical que freqüentemente (mas não sempre) está próxima do foco primário de origem das crises, a zona epileptogênica. Essas pontas e ondas agudas caracterizam breves períodos de excitação seguida de inibição sináptica (hiperpolarização) de células piramidais, que resultam do desbalanço entre excitação e inibição em uma rede neuronal predisposta à epilepsia. Essas descargas epilépticas surgem quando uma população neuronal é despolarizada em um mesmo tempo (sincronicamente), o que requer a interação harmônica entre mecanismos inibitórios e um próximo estímulo excitatório, que irá estimular essa população neuronal em conjunto quando ela estiver fora do período refratário. 34 Ha décadas que se discute a existência de "neurônios epilépticos" e "circuitos epilépticos". Atualmente, considera-se que essas hipóteses não sejam excludentes. 34

As epilepsias parciais correspondem a mais de 50% das epilepsias, sendo as de lobo temporal as mais freqüentes, seguidas pelas do lobo frontal. A característica histopatológica clássica da epilepsia de lobo temporal é a chamada esclerose hipocampal. A epilepsia do lobo temporal mesial associada à esclerose hipocampal corresponde, em media, a 70% do volume cirúrgico dos centros mundiais de tratamento de epilepsia. O termo esclerose hipocampal vem da descrição dos primeiros achados macroscópicos, datados de 1825, e, posteriormente, de estudos microscópicos realizados por SOMMER em 1880. Até a década de 1950, acreditava-se que as crises epilépticas repetidas acarretavam a morte neuronal e, conseqüentemente, a esclerose hipocampal. Na década seguinte, surgiu o conceito de que a esclerose hipocampal fosse uma patologia crônica associada com um dano cerebral, inicialmente atribuído à dificuldades no parto e a hipóxia neonatal. Nos anos 60, FALCONER e colaboradores levantaram a suspeita da existência de mais de um fator etiológico, incluindo convulsões na infância e traumatismo crânio-encefálico. Posteriormente, o próprio FALCONER concluiu que as crises convulsivas precoces seriam a causa da esclerose mesial temporal. 34

A esclerose consiste de densa infiltração glial do corno de Amon e estruturas adjacentes como amígdala e uncus na porção medial do lobo temporal. A epilepsia associada comumente se inicia na primeira década de vida e freqüentemente é severa e responde particularmente bem ao tratamento de ressecção cirúrgica da lesão. Há antecedentes de convulsões febris na primeira infância sugerindo que a anóxia decorrente destes episódios, se for suficientemente prolongada neste período vulnerável, pode causar lesão irreversível para as estruturas mediais do lobo temporal, resultando em uma evolução para lesão esclerótica epileptogênica. 40

Não há uma patologia especIfica na epilepsia. As convulsões são comuns em pacientes com diversas lesões do sistema nervoso central, como tumores expansivos, atrofias simples ou cicatriciais.

EVOLUÇÃO E PROGNÓSTICO

Muitas pessoas que apresentam uma primeira convulsão não provocada nunca têm uma segunda. Por definição, essas pessoas não apresentam epilepsia e geralmente não necessitam de tratamento prolongado. Infelizmente, nossa capacidade de identificar esses indivíduos corretamente é falha. As decisões terapêuticas têm de se basear em considerações epidemiológicas e individuais. Alguns tipos de crises, como de ausência e mioclônicas, praticamente sempre recidivam até o paciente chegar a ser visto por um médico. Por outro lado, pacientes com crises convulsivas podem procurar cuidados médicos depois de uma primeira ocorrência, devido à natureza dramática do episódio. Estudos prospectivos de recorrência após uma primeira crise mostram um risco de recorrência em 2 anos de cerca de 40%, que é semelhante em crianças e adultos. O risco é menor em pessoas com uma primeira crise generalizada idiopática e eletroencefalograma normal (cerca de 24%), maior no caso de crises generalizadas idiopáticas e eletroencefalograma anormal (aproximadamente 48%) e maior ainda no caso de crises sintomáticas (isto é, lesão cerebral, ou síndrome neurológica anterior conhecida) e eletroencefalograma anormal (cerca de 65%). Anormalidades epileptiformes no eletroencefalograma acarretam um risco maior de recorrência, mas o mesmo não ocorre com as anormalidades não epileptiformes. O risco relativo também aumenta quando a primeira convulsão é uma crise parcial. O risco de recorrência adicional após uma segunda crise não provocada está acima de 80%. Uma segunda crise não provocada é, portanto, um marcador fidedigno de epilepsia. 38

A evolução da epilepsia vai depender do processo etiológico subjacente e nas formas essenciais pode evoluir para a cura, espontânea ou não. 31

Para WEITBRECHT 41:

  • As crises tipo grande mal que ocorrem ao despertar são de prognóstico favorável e geralmente não sobrevêm a demência, sendo a personalidade ágil e vivaz.
  • As crises que geralmente se apresentam durante o sono (epilepsia morféica) se tratam de uma forma quase sempre idiopática com tendência a apresentar evolução desfavorável com demência e alterações de personalidade no sentido epiléptico clássico com viscosidade, pedantismo, egocentrismo, prolixidade, assim como disforia abúlica, tudo isto seguido por descarga explosiva.
  • As crises de grande mal que se apresentam indistintamente durante o dia ou a noite constituem a forma sintomática mais freqüente. Nela se observam alterações de personalidade semelhantes às que geralmente se apresentam como seqüelas de outras lesões cerebrais não acompanhadas por ataques convulsivos. Como em outras doenças cerebrais orgânicas, podem existir torpeza, irritabilidade e pode haver diminuição do rendimento intelectual, sendo geralmente algo mais freqüente um curso mais favorável que a evolução para a deterioração intelectual e a demência.

Das pessoas que apresentam epilepsia, 70% a 80% obtêm remissão das crises com a farmacoterapia antiepiléptica e 20% a 30% apresentam o problema crônico. 42 . Os fatores que favorecem a remissão incluem uma forma idiopática (ou criptogenética) de epilepsia, achados normais ao exame neurológico e início no começo ou em meados da infância (exceto pelas convulsões neonatais). Os fatores prognósticos desfavoráveis incluem convulsões parciais, um eletroencefalograma anormal e retardo mental ou paralisia cerebral associados. 38 Assim, são considerados fatores de mau prognóstico nas epilepsias:

  • Início precoce da doença;
  • predominância das grandes crises sobre as crises abortadas;
  • tendência das crises a se produzirem em série;
  • existência de status epilepticus;
  • distúrbios graves da consciência no período pós-crise;
  • freqüência e gravidade dos estados crepusculares nos períodos intercrises;
  • crises tanto de da como de noite.

Nas crianças a epilepsia tem uma evolução mais grave e compreende alterações significativas na personalidade. As crianças epilépticas são muito excitáveis, caprichosas e exigentes. O que caracteriza a epilepsia infantil são as crises de excitação psicomotora com gritos, agressividades e atos de destruição.

O prognóstico pode ser desfavorável, não somente no que tange à degradação da personalidade no sentido da demência, como quanto à perspectiva de vida do paciente. A morte pode sobrevir durante um status epilepticus, num acidente durante a crise (queda na água ou no fogo) e suicídio durante uma disforia ou estado crepuscular.

A epilepsia do lobo temporal é, em geral, um tipo grave de doença convulsiva. Há, contudo, casos relativamente leves, com boa resposta à terapêutica. As crises psicomotoras (parciais complexas) podem evoluir para uma epilepsia morféica porém, em  uma pequena porcentagem dos casos, se transformam em epilepsias difusas e de vigília, podendo conduzir a graves transtornos de personalidade e de conduta,a desinibições e perseverações dos instintos e, não raramente, a uma deterioração intelectual. 41

A mortalidade é maior em pessoas com epilepsia, mas o risco afeta principalmente os casos sintomáticos, em que mortalidade mais elevada está relacionada basicamente à doença subjacente e não à epilepsia. Entretanto, mortes acidentais, como quedas e acidentes, em especial por afogamento, são mais comuns em todos os pacientes com epilepsia. O suicídio é cerca de 5 a 14 vezes maior nesta população. 42 A morte súbita sem explicação é quase 25 vezes mais comum em pacientes com epilepsia que na população geral. As estimativas das taxas de incidência variam de 1 em 500 a 1 em 2.000 por ano. Epilepsia grave e convulsões generalizadas não controladas são fatores de risco. 38

FATORES ETIOLÓGICOS

A epilepsia está relacionada à predisposição genética e à lesões cerebrais congênitas e adquiridas. O termo epileptogênese é aplicável em dois contextos distintos. Um refere-se ao processo de "gênese" ou "formação" de um tecido capaz de gerar crises epilépticas. O outro está relacionado ao conceito de início da crise epiléptica propriamente dita. 34

A epilepsia é uma doença de etiologia variada e nem sempre clara, que tende a evoluir para a cronicidade. As causas variam com a idade.38 A classificação etiológica clássica das epilepsias é:

  • epilepsia sintomática 34 – produzida por determinadas causas conhecidas; o processo de epileptogênese depende do tipo de lesão, da região cerebral afetada e da resposta tecidual; esta, por sua vez, é dependente das duas primeiras (tipo de lesão e região afetada), além das características genéticas do individuo e da faixa etária na qual ocorreu a lesão. 34
  • epilepsia essencial, genuína ou idiopática 34 – sem fatores etiológicos conhecidos e com antecedentes hereditários; entende-se que, neste caso, o processo de formação de um tecido epileptogênico depende, basicamente, de expressão e repressão de genes ao longo da formação e desenvolvimento do cérebro; embora a participação do meio ambiente não possa ser completamente excluída, ela não parece ser decisiva. 34
  • ambas

A maioria dos autores critica esta classificação etiológica. Para o russo KERBIKOV 14, o mais certo seria isolar a doença epilepsia da epilepsia sintomática, que seria uma "síndrome epileptiforme" sobressaindo sobre o fundo de uma outra doença. MATTHES 18 sugere o termo epilepsias de etiologia não esclarecida para a epilepsia essencial e procura estabelecer para as demais um diagnóstico etiológico grupal da seguinte forma:

I – Epilepsias como conseqüência de transtornos cerebrais definitivos e de disgenesias cerebrais (epilepsias residuais)

  • lesões pré-natais (por exemplo, toxoplasmose, malformações vasculares);
  • lesões perinatais (por exemplo, traumatismo crânio-encefálico no nascimento, anóxia, kernicterus);
  • lesões pós-natais (por exemplo, meningite, traumatismo, angiopatias).

II – Epilepsias situadas no quadro dos transtornos processuais do sistema nervoso central

  • transtornos neuro-metabólicos (por exemplo, fenilcetonúria, lipidoses);
  • processos expansivos (por exemplo, tumores, abcessos);
  • displasias neurocutâneas (esclerose tuberosa cerebral);
  • doenças degenerativas cerebrais;
  • transtornos inflamatórios crônicos do sistema nervoso central (esclerose múltipla, pan-encefalite).

III – Epilepsias hereditárias

Epilepsias com indícios na anamnese e/ou exames clínicos e/ou eletroencefalográficos de fatores genéticos dominantes.

IV – Epilepsias de etiologia ignorada com e sem lesão orgânica cerebral.

ETIOLOGIA DA EPILEPSIA 38

MATTHES 18 classifica à parte as reações epilépticas agudas ou convulsões ocasionais, que ocorrem no quadro de transtornos agudos ou subagudos de natureza inflamatória, tóxica, metabólica ou traumática, como distúrbios do metabolismo do cálcio, fósforo, hipoglicemia e hiper-hidratação.

A forma da convulsão epiléptica é determinada pelos seguintes fatores principais:

- localização da área cerebral envolvida,

- idade do paciente; e

- condição epiléptica básica (geralmente determinada pela idade).

Por outro lado, a etiologia da doença convulsiva (por exemplo, tumor, trauma, lesão residual) tem pouca ou nenhuma influência no tipo de convulsão. A epileptogênese pode ser aguda (após o fator desencadeante) ou crônica (surge após um período de tempo variável depois do fator desencadeante ter ocorrido). 42

Embora distúrbios genéticos definidos sejam responsáveis por apenas cerca de 1% dos casos de epilepsia, os fatores hereditários são importantes. Gêmeos homozigóticos apresentam uma concordância muito maior para a epilepsia que os dizigóticos. Por volta dos 25 anos, quase 9% dos filhos de mães com epilepsia e 2.4% dos filhos de pais doentes vem a apresentar epilepsia. A razão para este maior risco de convulsões em filhos de mulheres com epilepsia não é conhecida. 38

Algumas formas de epilepsia são mais passíveis de transmissão hereditária que outras. Filhos de pais com crises de ausência, por exemplo, têm maior risco de vir a apresentar epilepsia (9%) que os filhos de pais com outros tipos de crises generalizadas ou crises parciais (9%). 38

São considerados fatores de risco para a epilepsia:

  • história familiar de convulsões;
  • traumatismo crânio-encefálico militar grave;
  • traumatismo crânio-encefálico civil grave;
  • traumatismo crânio-encefálico moderado;
  • traumatismo crânio-encefálico leve;
  • acidente vascular encefálico;
  • doença de Alzheimer;
  • encefalite por vírus;
  • meningite bacteriana;
  • meningite asséptica;
  • esclerose múltipla;
  • uso de álcool;
  • uso de heroína; e
  • uso de maconha. 38

FATORES PREDISPONENTES

Na maioria dos pacientes, as convulsões ocorrem sem um fator precipitante. Em casos isolados, contudo, os ataques podem se relacionar a um estímulo específico e, em muitos outros, um ataque ocasional pode ser atribuído a algum fator precipitante. Isto não surpreende quando lembramos que as anormalidades na atividade do córtex cerebral de pacientes epilépticos podem ser ativadas por uma larga variedade de estímulos, inclusive drogas, sono, sons, luzes (geralmente intermitentes) e outros. Nestes casos, tem sido aplicado o termo epilepsia reflexa. 40

Embora a prevalência da epilepsia não seja maior em mulheres, a epilepsia em mulheres pode ser especialmente afetada por alterações nos esteróides reprodutivos. O estrogênio é uma droga proconvulsivante em modelos animais de epilepsia, enquanto a progesterona e seus metabólitos têm efeitos anticonvulsivantes. Os hormônios esteróides ovarianos agem na membrana neuronal e sobre o genoma, produzindo efeitos imediatos e duradouros sobre a excitabilidade. O estrogênio reduz a inibição mediada por GABA, enquanto a progesterona aumenta os efeitos do GABA. O estrogênio também potencializa a ação de neurotransmissores excitatórios em algumas regiões cerebrais e aumenta o número de sinapses excitatórias. Essas alterações dinâmicas e significativas na excitabilidade neuronal são observadas com as alterações nas concentrações de estrogênio e progesterona semelhantes àquelas observadas no ciclo menstrual humano. 38

As crises podem ser favorecidas pelo ciclo menstrual, nas proximidades da menstruação (epilepsia catamenial). Aproximadamente 1/3 das mulheres com epilepsia relatam padrões de ocorrência de convulsões relacionadas a fases do ciclo menstrual, provavelmente em decorrência de alterações hídricas e eletrolíticas. 40. As mulheres com crises catameniais revelam que as convulsões são mais freqüentes, ou mais graves, imediatamente antes da menstruação e durante o período de fluxo menstrual. Em algumas mulheres, as convulsões também aumentam a ovulação. Estas são ocasiões no ciclo menstrual em que os níveis de estrogênio estão relativamente altos e a concentração de progesterona se encontra relativamente baixa. Vários pequenos ensaios clínicos descreveram benefícios pela terapia crônica com progesterona, em mulheres com padrões de crises catameniais. 38

A puberdade pode coincidir com o aparecimento de episódios do tipo grande mal ou tipo parcial, bem como marcar o final dos episódios de pequeno mal. A menopausa e a gravidez desempenham um papel capital, reduzindo ou suprimindo completamente as crises. As alterações nas convulsões relacionadas a puberdade e a menopausa não foram bem esclarecidas. 38

Independente da causa subjacente da epilepsia, certos fatores podem aumentar a probabilidade de que as crises ocorram como diminuição da saúde física por qualquer causa, deprivação do sono ou fadiga extrema, desnutrição ou hipoglicemia, mesmo em graus leves, anóxia transitória episódica, uso de álcool e drogas (anfetaminas, fenotiazinas, antidepressivos tricíclicos, intoxicação por chumbo e inseticidas organoclorados), transtornos emocionais estressantes, absorver-se intensamente com algum problema mental. 40

Em alguns pacientes, um ato volitivo direto pode estar envolvido como esvaziando a mente, prestar intensa atenção em um ponto do campo visual ou concentrar-se em uma emoção como tristeza ou culpa. Nestes casos, a função mental particular que serve como precipitante para a crise pode não ser sempre se comprovada com segurança. Por outro lado, alguns pacientes descobrem que podem impedir ou abortar uma convulsão antes que ela se inicie através de alguma forma de atividade mental ou corporal. Estas manobras inibitórias são descobertas espontaneamente pelo paciente. 40

INCIDÊNCIA E PREVALÊNCIA

A epilepsia é uma doença crônica, com elevados índices de incapacitação e prejuízo funcional. 43 É problema de saúde cuja prevalência está entre 5 e 10 casos para cada 10.000 pessoas nos países desenvolvidos, podendo ser maior nos paIses em desenvolvimento. Embora em grande parte das vezes seu prognóstico seja favorável, a epilepsia é a segunda causa de incapacidade mental, particularmente em pacientes jovens, comprometendo a saúde mundial de forma similar ao câncer de mama em mulheres e de pulmão em homens. 34
Há poucos dados epidemiológicos precisos sobre a epilepsia no Brasil. Se for considerada hipoteticamente a prevalência como sendo 16,5/1.000, semelhante à cidade de Porto Alegre, e levando em conta os dados demográficos oficiais, o Brasil teria, em agosto de 2000, em torno de 2.800.000 pacientes com epilepsia. Considerando estatísticas norte-americanas, mesmo com tratamento adequado, cerca de 20% dos caos, ou aproximadamente 560.000 brasileiros, seriam refratários ao tratamento medicamentoso, necessitando, portanto, de tratamento de referência. 34

A taxa de incidência é estimada entre 26 e 70/100.000 pessoas/ano 43, com a distribuição etária apresentada no Quadro 2. A epilepsia se inicia precocemente: 20% dos casos antes dos 10 anos de idade, 50% antes dos 20 e somente 15% depois dos 50%. Os ataques tardios têm uma probabilidade maior de estarem associadas com lesões cerebrais orgânicas significativas. Somente 28% das convulsões em recém-natos e crianças ocorrem na ausência de infecções agudas ou de evidências de lesão cerebral orgânica.

QUADRO 2: INCIDÊNCIA DE EPILEPSIA POR GRUPOS ETÁRIOS

MENORES DE 05 ANOS

152 / 100.000

DE 20 A 60

20 / 100.000

MAIORES DE 80 ANOS

74 / 100.000

Há uma maior incidência 1,1 a 1,5 vezes em homens que em mulheres 38, possivelmente relacionada à maior freqüência de traumatismos cranianos nos primeiros.

Não existem diferenças significativas raciais ou geográficas.

Cerca de 4% das pessoas que vivem até os 74 anos apresentam pelo menos uma crise não provocada. Se forem incluídas as crises provocadas (isto é, convulsões febris, ou aquelas relacionadas a uma doença aguda), a probabilidade de se ter uma convulsão até os 74 anos aumenta para pelo menos 9%. O risco de apresentar epilepsia  é de cerca de 3% por volta dos 74 anos. 38

Cerca de ¾ dos pacientes podem ter as crises controladas com a medicação nos países desenvolvidos. Nos países em desenvolvimento, 60% dos pacientes não recebem o tratamento adequando. 42

A prevalência de epilepsia em unidades de tratamento psiquiátrico agudo é de 9%. 42

ANTECEDENTES FAMILIARES

Nos anos quarenta foi observado, com base em achados eletroencefalográficos, que 55% dos pais de epilépticos apresentavam anomalias no ritmo cerebral, semelhante aos achados encontrados nos epilépticos e, posteriormente, que o padrão eletrogênico cerebral por si só, era largamente determinado por fatores constitucionais, sendo extremamente similar nos pares de gêmeos idênticos. Foi proposta, então, a teoria de base hereditária para as anormalidades na eletrogênese cerebral (disritmia cerebral), dependente de um gen autonômico dominante. Contudo, somente uma minoria destes casos apresenta as manifestações de epilepsia franca e, se isto ocorre, seria pela atuação de outros fatores, como os ambientais. O tipo de disritmia descrito nos pais de epilépticos não é de natureza específica e pode ser uma diferença mais quantitativa que qualitativa com a população normal. As normalidades estão largamente espalhadas na população e é estimado que 10% das pessoas as apresentem, sem por isto, obrigatoriamente, apresentarem epilepsia ou outras anormalidades clínicas.

Como as epilepsias são um grupo heterogênio de transtornos, nenhuma hipótese genética satisfatória pode ser considerada para enquadrar os fatos quando os sintomas epilépticos podem resultar de tantas formas diferentes de doença cerebral, algumas hereditárias, outras adquiridas. 40

Estudos com gêmeos mostraram uma concordância maior para epilepsia entre monozigóticos que em dizigóticos, especialmente quando focados nas epilepsias sem causa identificável. 40 A concordância entre gêmeos univitelinos com relação à epilepsia essencial é superior a 80%. Entre os filhos de pessoas portadoras de epilepsia essencial foi encontrada uma probabilidade de adoecer de epilepsia essencial de 4%, enquanto entre a população geral é cerca de 0,5%.

A incidência familiar da epilepsia é maior em pacientes cujas convulsões se iniciam mais tardiamente e em pacientes de sexo feminino.

DIAGNÓSTICO E EXAMES COMPLEMENTARES

O diagnóstico de epilepsia é eminentemente clínico, com base nas manifestações orgânicas, psíquicas e comportamentais. A anamnese completa com o exame neurológico e o exame físico, a pesquisa de antecedentes familiares e hereditários, dão a chave para a solução do caso. 37 A avaliação diagnóstica tem 3 objetivos:

  • determinar se o paciente sofre de epilepsia;
  • classificar o tipo de epilepsia e identificar uma síndrome epiléptica, se possível; e
  • definir a causa subjacente específica. 42

O diagnóstico preciso leva diretamente ao tratamento apropriado e à formulação de um plano racional de controle.

Uma anamnese completa e minuciosa pode ser colhida com o paciente, com um observador ou com ambos. Deve ser detalhado tudo o que ocorre antes, durante e depois da crise, os primeiros sintomas ou sinais, o comportamento pós-ictal, a duração da crise, a presença de estereotipias, a freqüência das crises, o horário das crises (sonolência, despertar, durante o sono), fatores precipitantes ou predisponentes, indagar sobre alterações da consciência, se o paciente percebe a crise, se responde durante a crise, se ocorrem automatismos, movimentos tônicos, clônicos e postura distônica, mordedura de língua, traumas e déficits pós-ictais. 42

Devem ser investigados antecedentes familiares, história da gestação e perto, antecedentes de convulsão febril, de outros tipos de crises, de infecções de vias aéreas superiores, do ouvido médio, de traumatismo crânio-encefálico, de abuso de álcool ou drogas, sintomas sistêmicos (aumento da pressão arterial com risco de acidente vascular encefálico, sinais de câncer metastático). 42

O exame físico visa buscar sinais de traumatismo crânio-encefálico ou de neurocirurgia prévia, sinais de traumatismos ou queimaduras, alterações morfológicas (hemiatrofia, microcefalia), alterações cutâneas e sinais de abuso de álcool ou drogas. 42

Com exceção do eletroencefalograma, os exames laboratoriais estão dentro dos limites normais de variação, na maior parte dos pacientes com convulsões de causa desconhecida. Os exames de tomografia computadorizada e ressonância magnética, tal qual o eletroencefalograma, não podem afirmar ou negar o diagnóstico de epilepsia, embora as anormalidades reveladas nestes exames possam reforçá-lo. 37

O eletroencefalograma é o exame complementar mais importante na avaliação de pacientes com crises convulsivas. O eletroencefalograma ajuda tanto em estabelecer o diagnóstico de epilepsia como em caracterizar síndromes epilépticas específicas. Os achados no eletroencefalograma também podem ajudar no prognóstico e no tratamento. 38 Não é útil para o prognóstico de recorrência de crises após a retirada de droga antiepiléptica e para esclarecer a etiologia da epilepsia. 42

O eletroencefalograma normal não exclui o diagnóstico de epilepsia, nem o achado de pequenas anormalidades confirma o diagnóstico. Anormalidades inespecíficas semelhantes àquelas encontradas nos intervalos das crises em epilépticos são também encontradas em 10% a 15% da população que nunca apresentou convulsões. 31 O eletroencefalograma anormal pode ser acompanhado por condutas normais e pessoas com anormalidades nesse exame podem não apresentar qualquer sintoma de epilepsia. Por isso, o eletroencefalograma pode ter um valor relativo no diagnóstico de epilepsia, sobretudo no diagnóstico pericial. Os casos falso-positivos (estimados em aproximadamente 1% 37 ou 5% 36) e os falso-negativos (mais ou menos a ¼ dos casos) comprometem muito a sua validade. Portanto, um eletroencefalograma sem grafoelementos anormais não exclui o diagnóstico de epilepsia, principalmente quando se considera a precariedade das condições técnicas em que esses exames são realizados. Além disso, muitas pessoas com impulsividade inconteste e outras características relacionadas a epilepsia (como sonambulismo, solilóquio e enurese) exibem eletroencefalogramas normais. 36 Também se deve ter em conta que uma evolução favorável do traçado eletroencefalográfico pode coincidir com a piora dos sintomas, o que levou CANDOLT a usar a feliz expressão normalização forçada. 37

Um diagnóstico de epilepsia não pode ser formulado ou negado com base em um eletroencefalograma interictal, embora o achado de anormalidade possa reforçar o diagnóstico. 37 Não deve ser feito um diagnóstico baseado em exames complementares alterados. O psiquiatra não se deve contentar com um eletroencefalograma único. 42

Os grafoelementos classicamente relacionados com o diagnóstico de epilepsia, as descargas epileptiformes 38, são as pontas, as ondas agudas e os complexos, em geral, ponta-onda, que têm elevada correlação com a susceptibilidade a convulsões e podem ser registradas no primeiro eletroencefalograma em cerca de 50% dos pacientes. Achados semelhantes são encontrados em apenas 1% a 2% dos adultos normais e em uma percentagem um pouco maior em crianças normais. Quando são realizados múltiplos eletroencefalogramas, anormalidades epileptiformes podem ser encontradas em 60% a 90% dos adultos com epilepsia, mas a ocorrência de estudos positivos não aumenta de modo significativo depois de 3 ou 4 exames. É importante recordar mais uma vez que 10% a 40% dos pacientes com epilepsia não apresentam anormalidades epileptiformes nos eletroencefalogramas de rotina e que um eletroencefalograma normal ou com anormalidades inespecíficas não exclui nunca o diagnóstico. Sono, hiperventilação, estimulação fótica e a colocação de eletrodos especiais são usados de rotina para aumentar a probabilidade de se registrar anormalidades epileptiformes. 38

Discute-se a relação das pontas positivas de 14 e 6 Hz e das pontas-ondas de 6 Hz com a epilepsia

No pequeno mal as crises são caracterizadas pela ocorrência de complexos bilaterais, síncronos e regulares, em geral com predomínio nas projeções fronto-rolândicas, formados por ondas arredonda das de alta voltagem, na freqüência de 3 Hz, precedida por uma ou, ocasionalmente, duas ondas agudas sobrepostas a cada onda.

No grande mal o eletroencefalograma se caracteriza pelo desenvolvimento rápido ou súbito de pontas de alta voltagem (polipontas) com uma freqüência de 20 a 30 Hz. Durante a fase clônica, a voltagem diminui, mas a freqüência aumenta. Após a convulsão, o traçado quase sempre se chata, com pequena ou mesmo sem evidências de atividade cortical.

As crises psicomotoras apresentam ondas trapezóides lentas, de alta voltagem, com freqüência de 2 a 4 Hz. Comumente, ondas rápidas, de baixa voltagem, se sobrepõem na crista das ondas lentas. O mais característico são as descargas em ponta no lobo temporal, principalmente durante o sono.

Além das alterações episódicas descritas acima, o eletroencefalograma de pacientes com epilepsia pode mostrar outras anormalidades nos intervalos entre os ataques. Podemos encontrar variações na freqüência e voltagem do traçado. Embora estas anormalidades não sejam específicas da epilepsia, sua recorrência é uma indicação de instabilidade na atividade cortical e são, portanto, de algum valor diagnóstico. 31

Durante as crises, as anormalidades no eletroencefalograma podem envolver a todas as porções do córtex. No intervalo entre as convulsões, estão presentes anormalidades focais em uma alta porcentagem dos pacientes portadores de lesão focal na córtex e são importantes para estabelecer o diagnóstico de lesões cerebrais resultantes de trauma, infecções, tumores ou acidentes vasculares. As anormalidades focais nos lobos temporais são relativamente comuns nos pacientes com episódios tipo psicomotor, se os registros forem feitos durante o sono. A presença. de um foco em uma região do córtex não indica, necessariamente, que esta área cortical é o local da descarga neuronal original (inicial). 31

Pode ser obtido um traçado anormal em quase todas as crianças que apresentam ataques freqüentes de pequeno mal, se o registro for feito algumas horas após as crises ou se o paciente faz hiperpnéia voluntária. Por outro lado, registros normais são obtidos em 50% dos pacientes portadores de grande mal ou de episódios psicomotores pouco freqüentes, quando se realiza um único registro com o paciente acordado. 31

A ressonância magnética deve ser realizada em todos os pacientes com mais de 18 anos de idade e em crianças com desenvolvimento anormal, achados anormais ao exame físico ou tipos de crises convulsivas que podem ser manifestações de epilepsia sintomática. A tomografia computadorizada freqüentemente deixa passar despercebidas lesões epileptogênicas, tais como esclerose do hipocampo, displasia cortical e malformações cavernosas. Como a tomografia computadorizada é muito sensível na detecção de calcificações cerebrais, uma tomografia computadorizada não contrastada (além da ressonância magnética) pode ser útil em pacientes em risco de neurocisticercose. 38

A aquisição de imagens de rotina não é necessária em crianças com epilepsia idiopática, incluindo as síndromes de epilepsia focal benigna. Embora mais dispendiosa, a ressonância magnética cerebral é mais sensível que a tomografia computadorizada na detecção de lesões potencialmente epileptogênicas, como displasia cortical, hamartomas, tumores gliais diferenciados e malformações cavernosas. Devem-se obter imagens tanto no plano axial como no coronal, com seqüências tanto T1 como T2. 38

A aquisição de imagens no plano coronal, perpendicularmente ao eixo longo do hipocampo, e outras variações na técnica melhoraram a detecção da atrofIa e gliose hipocampal, achados que têm elevada correlação com a esclerose têmporo-mesial e um lobo temporal epileptogênico. Uma medida ainda mais sensível da atrofia hipocampal é a medida com a ressonância magnética do volume do hipocampo. A medida do volume do hipocampo num paciente isolado pode então ser comparada àquelas de indivíduos-controle normais. 38 Na epilepsia temporal a tomografia por emissão de pósitrons revela hipometabolismo temporal e o eletroencefalograma mostra pontas temporais unilaterais ou bilaterais. 36

Os exames de sangue de rotina raramente são úteis, do ponto de vista diagnóstico, em crianças ou adultos sadios. Eles são necessários em recém-nascidos e em pacientes de idade mais avançada com doenças sistêmicas agudas ou crônicas, para se detectar valores anormais de eletrólitos, glicose, cálcio ou magnésio ou função hepática ou renal alterada que possam contribuir para a ocorrência de convulsões. Na maioria dos pacientes, os eletrólitos séricos, provas de função hepática e um hemograma completo são úteis principalmente como estudos basais antes de se iniciar o tratamento com drogas antiepilépticas. 38

A dosagem sérica de prolactina pode ser de valor para caracterizar um ataque epiléptico genuíno, uma vez que, após uma crise tônico-clônica epiléptica, a prolactina sérica se eleva a um pico em 20 minutos, voltando a seus valores basais (100-360 mU/l) cerca de uma hora depois, o que não ocorre em pacientes histéricos. Nas crises parciais a elevação é menos pronunciada, principalmente nas crises parciais simples, onde o exame não tem valor. O fenômeno parece estar relacionado à estimulação central do eixo hipófise-hipotálamo durante a crise convulsiva, uma vez que elevações equivalentes de prolactina, de outros neuro-hormônios e de cortisol são encontradas em pacientes não epilépticos após eletroconvulsoterapia realizada com relaxamento muscular total e anestesia. 40 Qualquer suspeita de meningite ou encefalite torna obrigatória a punção lombar. Convém ser realizada a avaliação toxicológica da urina ou do sangue se ocorrerem crises generalizadas de inIcio recente sem nenhuma outra explicação. 38

O líquido cefalorraquidiano está normal na maioria dos pacientes com convulsões de causa desconhecida mas, em uma pequena porcentagem dos casos, estão presentes leves desvios da normalidade, com pleiocitose (4-10 células por mm3), aumento das proteínas e uma pressão entre 200 e 330 mm H2O. A pleiocitose e o aumento das proteínas provavelmente estão relacionados com a presença de pequenas áreas de contusão e laceração cerebral resultantes de quedas em convulsões recentes, o que pode ser comprovado com a repetição do exame algumas semanas depois, quando o líquor deverá estar com seus valores normais. O aumento da pressão está relacionado, na maioria dos casos, com a incapacidade do paciente relaxar durante a medida tensional. 31

O teste de Rorschach mostrou, como traço mais típico, a perseveração e os sinais sugestivos de organicidade. Há sinais positivos no eletroencefalograma de 70% dos pacientes e os exames se completam reciprocamente. 31

A evidência mais direta e convincente de uma base epiléptica para os sintomas episódicos de um paciente é o registro de uma descarga convulsiva eletrográfica durante um ataque comportamental típico. Esse registro é particularmente necessário nos casos em que a história é ambígua, os eletroencefalogramas são repetidamente normais ou inespecificamente anormais e o tratamento adequado não foi bem-sucedido. Como a maioria dos pacientes apresenta crises pouco freqüentes, o eletroencefalograma de rotina raramente registra um ataque. O monitoramento prolongado possibilita o registro eletroencefalográfico por um período mais longo, aumentando assim a probabilidade de se registrar convulsões ou descargas epileptiformes interictais. Estão disponíveis atualmente dois métodos de monitoramento prolongado: o monitoramento simultâneo por televisão em circuito fechado e eletroencefalograma e o eletroencefalograma ambulatorial. Ambos melhoraram muito a precisão diagnóstica e a fidedignidade da classificação das convulsões e ambos proporcionam o registro contínuo por um ou mais ciclos de sono-vigília completos e capturam episódios críticos. Cada um deles tem outras vantagens e desvantagens específicas. O método usado depende das questões levantadas por um paciente em particular. 38

O monitoramento prolongado usando monitoramento simultâneo por televisão em circuito fechado e eletroencefalograma geralmente numa unidade hospitalar destinada especificamente a isso, é o procedimento de escolha para se documentar crises psicogênicas e eventos paroxísticos não epilépticos. Pode estabelecer também correlações eletroclínicas e localizar focos epileptogênicos para a cirurgia de ressecção. A ênfase nas unidades de monitoramento é geralmente em eventos comportamentais, não na atividade eletroencefalográfica interictal. A disponibilidade de uma equipe técnica ou de enfermagem em tempo integral assegura registros de alta qualidade e possibilita o exame de pacientes durante eventos clínicos. As drogas antiepilépticas podem ser suspensas com segurança para facilitar a ocorrência de convulsões. Programas de detecção computadorizada são usados para examinar o eletroencefalograma continuamente quanto a anormalidades epileptiformes e convulsões subclínicas. 38 O outro método de monitoramento prolongado se destina ao uso extra-hospitalar, em casa, na escola ou no ambiente de trabalho do paciente. O eletroencefalograma ambulatorial muitas vezes é particularmente útil na pediatria, porque as crianças geralmente ficam mais à vontade em seu ambiente doméstico, já conhecido e sem restrições. As principais limitações do monitoramento ambulatorial são a cobertura limitada das áreas corticais, qualidade técnica variável em conseqüência da falta de supervisão por especialistas, distorção freqüente dos dados eletroencefalográficos por contaminantes ambientais e a ausência de documentação em vídeo das alterações de comportamento. O monitoramento ambulatorial é mais útil na documentação da atividade interictal, nos casos em que os eletroencefalogramas de rotina foram repetidamente negativos, ou no registro de descargas críticas durante eventos comportamentais típicos. Atualmente, porém, o eletroencefalograma ambulatorial não substitui o monitoramento simultâneo por televisão em circuito fechado e eletroencefalograma, especialmente quando crises psicogênicas são um problema, ou os pacientes estão sendo avaliados para uma cirurgia de epilepsia. 38

DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL

Muitos eventos não epilépticos podem ser confundidos com convulsões, dependendo da idade do paciente, da natureza dos sintomas e das circunstâncias das crises (Quadro 3). As convulsões epilépticas, ao contrário da síncope, nunca têm uma relação consistente com a postura da cabeça ou do corpo. Nas crises parciais complexas, o comprometimento ou a perda da consciência geralmente é acompanhado por automatismos ou outros movimentos involuntários. As quedas são incomuns, exceto se a convulsão se tornar generalizada. A incontinência urinária e a confusão ou letargia pós-ictal são comuns nas convulsões. Ambas são raras na síncope. Da mesma forma, sensações premonitórias descritas como desfalecimento ou atordoamento são incomuns nas convulsões e, ao contrário da seqüência de eventos na síncope, a diaforese pré-ictal é rara. As crises atônicas, que podem ser confundidas com a síncope, são mais freqüentes em crianças e adultos jovens, e tendem a ser muito mais vigorosas, até mesmo propulsivas, que a queda sofrida na síncope. 39

 

QUADRO 3: DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL DAS CRISES CONVULSIVAS 39

Recém-nascidos e lactentes

Abalos e mioclonias benignas

Apnéia

Ataques de estremecimento

Refluxo gastresofágico

Crianças pequenas

Crises de perda de fôlego cianótica

Sincope infantil

Parassonias

Vertigem paroxística benigna

Tiques e espasmos por hábito

Ataques de birra

Adolescentes e adultos

Distúrbios do movimento

Mioclonias

Coreoatetose paroxística

Enxaqueca

Confusional

Vertebrobasilar

Sincope e arritmias cardíacas

Síndrome de hiperventilação

Ataques de pânico

Narcolepsia e apnéia do sono

Síndrome do comportamento automático

Cataplexia parcial

Amnésia global transitória

Ataques isquêmicos transitórios

Estados confusionais agudos

Crises psicogênicas

São evidências significativas para que se pense em crise uma crise convulsiva não epiléptica:

  • ausência ou perda de resposta às drogas antiepilépticas, respostas paradoxais, remissão espontânea;
  • atipia, multiplicidade, inconsistência ou mudança no padrão das crises;
  • exames complementares normais (eletroencefalograma, ressonância magnética) duvidosos;
  • início das crises após a ocorrência de evento vital ou estressor psico-social, traumatismo crânio-encefálico leve;
  • história de abuso ou trauma;
  • história de somatizações;
  • adaptação anômala à doença (resposta emocional exagerada, indiferença, comportamento de busca de doença, negação veemente de aspectos psicológicos);
  • transtorno dissociativo conversivo;
  • co-morbidade com transtorno depressivo.

Na pseudoconvulsão histérica, o que caracteriza os pacientes é o seu comportamento afetado, teatral, com reações emotivas superficiais. Em unidades para monitorização de epilepsia, as crises psicogênicas representam cerca de 30% das internações. 39 A crise histérica geralmente se inicia sobre o fundo de uma situação traumatizante, sem transtornos profundos da consciência. O paciente não costuma sofrer quedas da própria altura, evitando se ferir e, desta forma, não apresenta lesões corporais. Não existem sinais neurológicos como Babinski, reações pupilares nem alterações no eletroencefalograma. Não ocorrem mordeduras da língua nem incontinência urinária. Não ocorre aura precedendo os episódios e estes podem durar mais de 5 minutos, sem a sucessão de fases encontrada na epilepsia, e sim convulsões caóticas e desordenadas. A crise pode ser interrompida por um examinador paciente ou mesmo por um grito dirigido ao paciente. Em geral, os histéricos apresentam amnésia seletiva com ênfase dramático, enquanto os epilépticos apresentam amnésia e despreocupação.

O diagnóstico definitivo de crises psicogênicas geralmente não é possível com base apenas em dados da história clínica. Entretanto, o diagnóstico pode ser sugerido quando ataques atípicos ocorrem após fatores precipitantes consistentes, como um choque emocional ou psicológico, história de abuso sexual na infância ou incesto, ou uma história pessoal ou familiar de doença psiquiátrica. Eletroencefalogramas interictais repetidamente normais na presença de crises freqüentes e refratárias ao tratamento clínico também aumentam a possibilidade diagnóstica de crises psicogênicas. 39

Agitação violenta dos braços e das pernas, principalmente quando os movimentos são assincrônicos ou arrítmicos, e arremetidas da pelve para frente são considerados como sinais sugestivos de crises histéricas, mas fenômenos semelhantes podem ser encontrados nas crises parciais complexas com origem no lobo frontal. A preservação da consciência na presença da atividade motora persistente dos braços e das pernas é rara em epilepsia. Ate mesmo observadores experientes não conseguem distinguir as crises epilépticas das psicogênicas em mais de 50% a 80% dos casos. Por este motivo, para muitos pacientes, só se consegue fazer um diagnóstico seguro de crise psicogênica por monitorização com registros simultâneos de vídeo-eletroencefalograma com o paciente internado. A análise cuidadosa do comportamento do paciente durante um ataque típico e a correlação do comportamento com a atividade de eletroencefalograma cronologicamente relacionada permitem a caracterização da maioria dos episódios (Quadro 4).

A situação, porém, pode ser mais complicada, pois é freqüente que as crises psicogênicas de tipo dissociativo e epilépticas coexistirem no mesmo paciente em 50% dos casos, pois os diagnósticos não são excludentes. 39,41,40,42 Estima-se que 5% dos pacientes genuinamente epilépticos apresentem também pseudoconvulsões em algum momento de sua evolução. 40 ALONSO FERNÁNDEZ particulariza a histeroepilepsia 1,40, onde há desestruturação da personalidade em epilépticos, levando à histerização dos mecanismos psicoreativos, alternando crises histéricas e epilépticas. Também pode ocorrer em uma personalidade pré-mórbida histérica, que posteriormente apresente uma epilepsia. 1 Portanto, o registro de ataques não-epilépticos em paciente com crises não controladas por si só não prova que todas as crises do paciente sejam psicogênicas. Antes de se chegar a uma conclusão final nestas circunstâncias, deve-se verificar com o paciente e a família se os eventos registrados são típicos das crises habituais e incapacitantes apresentadas em casa. 39

A determinação dos níveis séricos de prolactina pode ajudar a caracterizar uma crise como psicogênica ou epiléptica, se o comportamento clínico incluir movimentos convulsivos bilaterais com duração maior que 30 segundos, e os níveis de prolactina forem obtidos dentro de 15 minutos do evento e comparados aos níveis basais interictais, obtidos em um dia diferente, no mesmo horário, e se os valores encontrados forem de uma significativa elevação. 39

Cerca de 40% das epilepsias refratárias não são epilepsias. 42

O tratamento preconizado seria uma boa relação médico-paciente, onde o médico mostre autenticidade, empatia e conhecimento, a comunicação do diagnóstico, manejo de fatores causais, predisponentes, precipitantes e perpetuantes, redução gradual das drogas antiepilépticas, tratamento das co-morbidades. 42

A simulação de convulsão é mais difícil de ser diagnosticada pois, com a prática, o simulador pode se tornar bastante hábil. As suspeitas surgem diante de um ganho secundário evidente e, pelo exame neurológico com eletroencefalograma no momento das convulsões, podem ser evidenciados os únicos dados para se basear uma confrontação com o paciente.

A convulsão respiratória emocional ("se finar") ocorre em 2% a 4% das crianças em idade pré-escolar, desencadeadas por aborrecimentos, raiva, teimosia, susto ou dor. As crianças choram ou gritam, ficando cianóticas ou, mais raramente, pálidas. Quando a apnéia respiratória dura mais tempo, há perda de consciência e queda ao solo. Em geral, a musculatura está frouxa, mas pode haver hipertonia em opistótono. Pode ocorrer incontinência urinária. Aos paroxismos de duração mais prolongada, seguem-se exaustão e sono. É devida à hipóxia cerebral pela apnéia resultante de distúrbios neuróticos. O eletroencefalograma intercrítico é normal e o eletroencefalograma durante a crise apresenta ondas lentas generalizadas.

    QUADRO 4: CARACTERÍSTICAS DIFERENCIAIS DAS CRISES PSICOGÊNICAS E EPILÉPTICAS

 

Crises epilépticas

Crises psicogênicas

Comparação de crise questionável com os tipos de crise conhecidos

Relativamente pouca variação nos eventos

Grande variedade de eventos, porém as mais comuns são bem descritos

Variedade extremamente grande de eventos com comportamento bizarro e incomum

Eletroencefalograma durante a crise

Anormal e alterado em relação ao pré-ictal

Quase sempre anormal e alterado em relação ao pré-ictal

Geralmente normal e inalterado em relação ao pré-ictal

Eletroencefalograma imediatamente após a crise

Quase sempre anormal e alterado em relação ao pré-ictal

Freqüentemente anormal e alterado com relação ao pré-ictal

Geralmente normal e inalterado em relação ao pré-ictal

Relação entre os ataques e o regime de medicação

Proeminente, principalmente em pacientes gravemente doentes

Geralmente relacionados

Geralmente não relacionados

Início

Geralmente paroxísticas, mas podem ser precedidas por crise de tipo diferente

Geralmente paroxísticas, mas podem ser precedidas por aura de apenas alguns segundos

Freqüentemente graduais, pode haver um período inespecífico prolongado de advertência

Ganho primário ou secundário

Raro; alguns pacientes usam as crises para ganho secundário

Incomum, mas alguns pacientes usam as crises para ganho secundário

Comum

Confusão, letargia, sonolência pós-ictais

Proeminentes

Quase sempre presentes e freqüentemente proeminentes, mas podem ser leves

Muitas vezes notavelmente ausentes; a paciente pode estar normal imediatamente após o ataque

Fenômenos motores tônico-clônicos grosseiros

Sempre

Raros; observados apenas em ataques secundariamente generalizados

Nenhum, mas a semelhança está relacionada com a sofisticação da imitação

Mordedura de língua

Freqüente

Rara

Rara

Incontinência urinária

Freqüente

Incomum, mas não rara

Rara

Sinais neurológicos anormais durante o sono

Podem estar presentes

Podem estar presentes

Nenhum

Ocorrência noturna

Comum

Pode ocorrer

Rara

Lesões sofridas

Comuns

Comuns

Raras, mas ocorrem ocasionalmente

Estereotipia dos ataques

Relativamente pouca variação

Os ataques podem ou não variar, mas geralmente têm alguns padrões consistentes

Os ataques podem ou não variar; algumas vezes os padrões podem ser muito divergentes

 

A síncope é um distúrbio da consciência (desmaio), de origem vegetativa, decorrente de isquemia e hipóxia cerebral, com diminuição da atividade bioelétrica no eletroencefalograma. Geralmente o paciente encontra-se na posição ereta. 42 As síncopes podem ser de origem vascular e de origem cardiológica.

As síncopes de origem vascular são:

    • ataques angiovagais recidivantes – ocorrem na idade escolar, desencadeados por fatores ortostáticos e emocionais (mudança súbita de postura, locais superlotados e mal arejados, susto ou excitação), sendo favorecidos pela fome, estafa e infecções;
    • síndrome do seio carotídeo – em idosos com excitabilidade anormal dos receptores de pressão do bulbo carotídeo, podendo ser desencadeada por compressão no pescoço, movimentos bruscos da cabeça e variações da pressão por riso ou tosse; e
    • síndrome vertebral cervical ou síndrome basilar – alterações pós-traumáticas ou degenerativas da coluna cervical, como arteriosclerose, provocando distúrbios intermitentes da circulação cerebral desencadeadas por movimentos extremos de flexão, torção ou inclinação da coluna cervical.

As síncopes cardiogênicas são provocadas pela síndrome de Stokes-Adams, caracterizadas por assistolias de paralisia e taquisistolias irritativas, levando à hipóxia cerebral com perda da consciência, podendo ocorrer convulsões epilépticas se os distúrbios do ritmo cardíaco perdurarem por mais tempo. Pode provocar episódios repetidos de comprometimento da consciência, com ou sem convulsões. É difícil de ser diagnosticada porque as alterações no ritmo cardíaco tendem a ser abruptas e transitórias. Contudo, geralmente o eletrocardiograma revela alterações na condução ou ritmos anormais entre os episódios. Do mesmo modo, a estenose aórtica pode levar a episódios súbitos de perda da consciência. 40

Alguns distúrbios do sono imitam crises convulsivas. Em crianças, a dificuldade diagnóstica é mais freqüentemente encontrada nas parassonias: falar no sono (sonilóquio), sonambulismo, terrores noturnos e enurese. Ocorre confusão com as crises parciais complexas porque todos esses distúrbios são paroxísticos, podem incluir maneirismos comportamentais automáticos, e tendem a ser recorrentes. Além disso, o paciente em geral não responde durante os ataques e tem amnésia posterior em relação a eles. As parassonias ocorrem durante o período de sono de ondas lentas, mais profundo, principalmente logo antes ou durante a transição para o primeiro período de movimentos oculares rápidos. Eles tendem a ocorrer na parte inicial da noite. As crises convulsivas são menos previsíveis, embora tendam a ocorrer logo após o adormecer ou ao amanhecer. Por fim, o ritmo dos movimentos observados nas parassonias geralmente é lento e assemelha-se ao do transe. A atividade motora não apresenta automatismos complexos, posturas estereotipadas e movimentos clônicos típicos das crises epilépticas. 39 Em adultos, a síndrome do comportamento automático pode resultar em períodos de alteração da função mental, consciência da passagem de "tempo perdido", comportamento distanciado, parecendo fora de sintonia com o ambiente e amnésia. Esta síndrome comumente está associada à sonolência diurna excessiva, sendo causada por episódios repetidos de microssono que prejudicam o desempenho e a vigilância. Os ataques devidos à síndrome de comportamento automático não possuem aura, alterações afetivas, automatismos oroalimentares, ou período pós-ictal. Além disso, ao contrário do que ocorre em uma crise convulsiva epiléptica, a estimulação geralmente faz cessar o episódio. 39

O ataque de narcolepsia é uma crise de sono imperativo por distúrbios no sistema reticular ascendente, com duração variável de 30 segundos a horas e/ou ataques de cataplexia, desencadeados quase sempre por afetos repentinos (como risos), sem estreitamento da consciência.

O ataque tetânico é caracterizado por contraturas distais das extremidades, sem perda da consciência.

A crise tônica posterior é devida à lesão baixa no tronco cerebral, com crises de descerebração, onde há predomínio da musculatura extensora.

Alguns eventos da enxaqueca podem ser confundidos com crises convulsivas, principalmente quando a cefaléia é leve ou pouco significativa. Na enxaqueca pode haver aura, com cefaléia hemilateral, foto e fonosensibilidade, náuseas, vômitos, com consciência conservada e duração de horas. Sua combinação com a epilepsia é incomum. A enxaqueca da artéria basilar pode apresentar confusão e desorientação episódicas, letargia, alterações do humor, vertigem, ataxia, distúrbios visuais bilaterais, e alterações da consciência ou até mesmo perda de consciência. Em crianças, a enxaqueca pode ocorrer como um estado confusional que se assemelha ao estado de ausência ou na forma de paroxismos de vômitos cíclicos com sinais de instabilidade vasomotora (rubor facial, palidez, midríase) e fotofobia. 39 Pode haver dificuldade nos raros ataques de enxaqueca que se associam com amnésia, durando por vezes algumas horas e, então, melhorando gradualmente. Eles podem se iniciar durante os ataques de distúrbios visuais e cefaléia ou como uma variante das crises clássicas. Foram relatados automatismos breves em certas enxaquecas. 40

Os ataques isquêmicos transitórios, quando breves, podem produzir sintomas bem semelhantes à epilepsia focal. Os ataques podem começar subitamente, progredir e regredir em minutos ou, por vezes, horas. 40 O diagnóstico às vezes é difícil quando um ataque isquêmico transitório se evidencia apenas por disfasia ou por distúrbio da sensibilidade de uma parte do corpo ou de todo um lado do corpo, ou quando a fraqueza muscular resulta em queda. Em geral, sintomas sensoriais focais relacionados à epilepsia mostram uma disseminação seqüencial de uma área do corpo para outra, enquanto que as parestesias devidas à isquemia não apresentam esta propagação segmentar, manifestando-se simultaneamente nas áreas afetadas. A ausência de atividade motora clônica e confusão é mais favorável à isquemia focal que à epilepsia. Além disso, a natureza "negativa" dos sintomas predominantes costuma ser um argumento contrário a epilepsia. 39 A paralisia é uma regra, enquanto os sintomas motores são típicos da epilepsia. Alguma incerteza pode surgir quando a fraqueza motora persiste depois de uma crise epiléptica focal (paralisia de Todd). Geralmente ela persiste somente por algumas horas. Quando permanece depois deste tempo, provavelmente é resultante de isquemia cerebral ou lesão estrutural localizada. 40

A hipoglicemia pode simular com perfeição a epilepsia. Os períodos de confusão e de comportamento anormal facilmente podem ser confundidos com automatismos epilépticos. Os sinais clínicos clássicos de fraqueza, sudorese, tremores ou tonturas devem alertar imediatamente o psiquiatra. Ocasionalmente podem ser provocados pequeno mal verdadeiro ou convulsões focais. 40

Os ataques de pânico e os ataques de ansiedade com hiperventilação freqüentemente não são reconhecidos pelos médicos. Em ambos os distúrbios, os sintomas podem imitar superficialmente crises parciais com sintomas afetivos ou sensoriais especiais. Nos ataques de pânico, os pacientes tipicamente descrevem uma sensação de sufocação ou "falta de ar", aceleração dos batimentos cardíacos ou palpitações, tremor ou agitação, sensações de despersonalização ou distanciamento, desconforto gastrintestinal e medo, principalmente de morrer ou "enlouquecer". Os episódios de hiperventilação podem ser semelhantes, e a hiperventilação pode não ser evidente, exceto se especificamente investigada. As queixas mais comuns são tonteira, sensação de flutuação ou levitação, sensações de ansiedade, desconforto epigástrico ou subesternal, abalos ou espasmos musculares (tetania), rubor ou calafrios e, algumas vezes, "sentindo como se a mente ficasse em branco". Quando suficientemente prolongada e intensa, a hiperventilação pode resultar em sIncope. 39,40

Os estados crepusculares pré-ictais são difíceis de diferenciar das disforias e podem preceder a crise convulsiva por dias ou semanas, embora os pródromos da crise propriamente dita sejam breves. 41

A coreoatetose paroxística é uma condição rara, por vezes familial, que parece incorporar características tanto de transtornos convulsivos como de discinesia extrapiramidal. A opinião está dividida entre ser ela uma forma de epilepsia reflexa ou ser um transtorno essencial do sistema motor extrapiramidal. Paroxismos curtos tônicos ou movimentos córeo-atetóicos são provocados por movimentos súbitos, como quando o paciente levanta rapidamente de uma cadeira ou acelera seus passos quando anda ou corre. Os ataques têm a duração de 1 ou 2 minutos, no máximo, podendo ser unilaterais ou generalizados, envolvendo membros, tronco e face. Um susto ou uma surpresa pode induzir os paroxismos. Os ataques podem ser precedidos podem ser precedidos por uma aura sensorial vaga ou sensação de compressão no membro afetado. Muitos episódios podem ser abortados se o paciente afrouxa o passo ou pára. A consciência permanece preservada durante todo o episódio. 40

A hiperplexia é outra condição rara, geralmente familial, caracterizada por uma resposta muito exagerada ao susto, mesmo a estímulos menores, a ponto de o paciente perder seu equilíbrio e cair. Não há comprometimento da consciência, mas o paciente freqüentemente se machuca, pois fica "congelado" enquanto cai, com ambos os braços duros, sem poder se proteger da queda. 40

TRATAMENTO

O tratamento ideal visa, sempre que possível, atuar sobre a causa etiológica, como seria a retirada de um tumor, a correção de um distúrbio metabólico ou erradicação de uma parasitose. Na maioria dos casos, todavia, temos que nos limitar ao uso de drogas com ação anticonvulsivante para o tratamento das crises. A terapia da epilepsia tem três objetivos: eliminar as convulsões ou reduzir sua freqüência no grau máximo possível, evitar os efeitos colaterais associados ao tratamento prolongado e ajudar o paciente a manter ou a restaurar o ajuste psico-social ou vocacional normal. Nenhum tratamento médico disponível atualmente pode induzir uma remissão permanente ("cura") nem impedir o desenvolvimento da epilepsia por alterar o processo da epileptogênese. 38

A decisão de instituir o tratamento com drogas antiepilépticas deve se basear em uma análise ponderada e bem informada dos problemas envolvidos. Crises isoladas pouco freqüentes, quer convulsivas quer não, provavelmente acarretam pouco risco médico para pessoas sadias sob todos os demais aspectos. Contudo, até mesmo convulsões relativamente de menor gravidade, em especial aquelas associadas a perda ou alteração da consciência, têm muitas ramificações psicossociais, vocacionais e de segurança. Finalmente, a probabilidade de recorrência das convulsões varia consideravelmente entre os pacientes, dependendo do tipo de epilepsia e de quaisquer problemas neurológicos ou clínicos associados. O tratamento farmacológico, por outro lado, tem um risco de efeitos adversos, que se aproxima dos 30% após o início do tratamento. O tratamento de crianças levanta problemas adicionais, especialmente os efeitos não conhecidos do uso prolongado de drogas antiepilépticas sobre o desenvolvimento cerebral, o aprendizado e o comportamento. 38

Não se trata pacientes com uma crise única isolada (exemplo, crise desencadeada pelo uso de antidepressivos tricíclicos em altas doses) nem crises febris e afins. 42

Essas considerações implicam em que, embora o tratamento medicamentoso esteja indicado e seja benéfico para a maioria dos pacientes com epilepsia, algumas circunstâncias exigem que as drogas antiepilépticas sejam postergadas, ou usadas apenas por um período limitado. Como regra prática, as drogas antiepilépticas devem ser prescritas quando os efeitos benéficos do tratamento superarem claramente seus possíveis efeitos adversos. 38

É importante ressaltar que só devem ser tratados os pacientes portadores de epilepsia confirmada. Um traçado de eletroencefalograma anormal em pessoas que nunca apresentaram crises não justifica o uso de drogas antiepilépticas. 31 Nas crises sintomáticas agudas são causadas por uma doença clínica ou neurológica aguda, ou se associam a uma dessas condições. Uma convulsão febril da infância é o exemplo mais comum de uma crise sintomática aguda, mas outras causas freqüentemente encontradas incluem encefalopatias metabólicas ou tóxicas e infecções cerebrais agudas. Na medida em que essas doenças se resolvam sem danos cerebrais permanentes, as crises geralmente são autolimitadas. O objetivo terapêutico primário nesses pacientes deve ser a identificação e o tratamento do distúrbio subjacente. Caso sejam necessárias para a supressão aguda das crises, as drogas antiepilépticas em geral não precisam ser mantidas depois dos pacientes se recuperarem. 38

Cerca de 25% dos pacientes com crises não provocadas procuram o médico após uma crise única, quase sempre uma crise tônico-clônica generalizada. A maioria dessas pessoas não apresenta fatores de risco para epilepsia, tem achados normais ao exame neurológico e apresentam um primeiro eletroencefalograma normal. Somente cerca de 25% desses pacientes vêm a apresentar epilepsia posteriormente. É questionável a necessidade de tratamento nesse grupo. Durante muitos anos, não houve dados convincentes indicando qualquer efeito benéfico do tratamento sobre a prevenção de recorrências. Em 1993, um grande estudo randomizado multicêntrico na Itália demonstrou, de maneira convincente, que as drogas antiepilépticas reduzem o risco de recidiva após a primeira crise convulsiva não provocada. Entre quase 400 crianças e adultos, o tratamento dentro de 7 dias de uma primeira convulsão foi seguido de uma taxa de recorrência de 25% em 2 anos. Em contraste, os pacientes não tratados tiveram uma taxa de recorrência de 51%. Quando se excluiu da análise os pacientes com "crises duvidosas" anteriores, o benefício do tratamento ainda foi evidente, mas a magnitude do efeito se reduziu a uma recorrência de 30% no grupo tratado e de 42% nos pacientes não tratados. Embora o tratamento de primeiras convulsões reduza a freqüência de recidiva até mesmo em pacientes de baixo risco, não há nenhuma evidência de que esse tratamento altere o prognóstico da epilepsia. O tratamento não deve, portanto, ser automático e a decisão de tratar deve ser tomada unicamente em consulta com o paciente, ou seus pais, após pesar-se as circunstâncias singulares colocadas por esse indivíduo. Na maioria dos pacientes com epilepsia idiopática, adiar-se o tratamento até a ocorrência de uma segunda crise é uma decisão razoável e freqüentemente preferível. 38

Algumas síndromes eletroclínicas se iniciam na infância e se associam a um desenvolvimento normal, achados normais ao exame neurológico e estudos neuroimagens cerebrais normais. Eles tem um prognóstico uniformemente bom quanto a remissão completa, em meados ou fim da adolescência, sem problemas comportamentais ou cognitivos duradouros, sendo chamadas de síndromes epilépticas benignas. A mais comum e mais bem caracterizada dessas síndromes é a epilepsia parcial benigna da infância, com ondas agudas centrais e temporais médias (epilepsia rolândica). A maioria das crises ocorre à noite, como convulsões secundariamente generalizadas. Crises focais ocorrem durante o dia e se caracterizam por abalos de um lado da face, anartria, salivação e parestesias da face e da parte interna da boca, seguidas de maneira variável por movimentos hemiclônicos ou posturas hemitônicas. Outras síndromes benignas incluem a epilepsia parcial benigna com pontas-ondas occipitais e a epilepsia benigna com sintomas afetivos. Devido ao bom prognóstico, o único objetivo do tratamento nesses casos é impedir a recorrência. Como muitas crianças, em especial as maiores, tendem a apresentar apenas algumas poucas crises, o tratamento nem sempre é necessário. As drogas antiepilépticas são geralmente reservadas para crianças cujas crises são freqüentes ou relativamente graves, ou cujos pais, ou as próprias crianças, estão angustiados com a perspectiva de episódios futuros. Tendo-se em mente essas considerações, somente cerca de metade das crianças com epilepsia parcial benigna requerem tratamento. 38

Dois estudos colaborativos norte-americanos, os Veterans Administration Cooperative Studies (1985 e 1992), compararam a eficácia das drogas antiepilépticas. No estudo de 1985, carbamazepina, fenitoína, primidona e fenobarbital foram igualmente eficazes no controle de crises parciais complexas e secundariamente generalizadas. No estudo de 1992, carbamazepina foi ligeiramente mais eficaz que o valproato no tratamento de crises parciais complexas, mas ambas as drogas foram igualmente eficazes no controle das crises secundariamente generalizadas. Esses estudos demonstraram também que, apesar de sua capacidade relativamente uniforme de suprimir convulsões, as drogas apresentavam riscos diferentes de efeitos adversos. Considerando tanto a eficácia como a tolerabilidade, carbamazepina e fenitoína são drogas de primeira escolha em pacientes com crises parciais e secundariamente generalizadas. O valproato também é eficaz em pacientes que apresentam predominantemente crises secundariamente generalizadas.

Nenhum ensaio clínico abordou a eficácia relativa das drogas antiepilépticas contra diferentes epilepsias sintomáticas relacionadas à localização. Também há poucos dados a respeito da eficácia das drogas antiepilépticas mais recentes (aquelas aprovadas depois de 1993) em comparação as drogas mais antigas, ou umas com as outras. Estudos preliminares da Europa sugerem que a lamotrigina tem eficácia comparável à fenitoína e carbamazepina e que gabapentina tem eficácia semelhante à da carbamazepina no tratamento de crises parciais de inIcio recente. As drogas são, portanto, escolhidas de acordo com o tipo predominante de crise convulsiva apresentado pelo paciente. 38

QUADRO 5: DROGAS USADAS NO TRATAMENTO DE DIFERENTES TIPOS DE CRISES 38

Tipo de crise

Drogas

Parciais simples e complexas

Carbamazepina, fenitoína; valproato; gabapentina e lamotrigina como adjuvantes; primidona, fenobarbital

Secundariamente generalizadas

Carbamazepina, fenitoína, valproato; e gabapentina e lamotrigina como adjuvantes; fenobarbital, primidona

Crises generalizadas primárias
Tônico-clônicas
De ausência
Mioclônicas
Tônicas

Valproato; lamotrigina, carbamazepina, fenitoína; lamotrigina, etossuximida, valproato; clonazepam, valproato felbamato; clonazepam

Em geral, valproato é a droga de escolha para crises de início generalizado e pode ser usado vantajosamente como monoterapia, quando coexistirem vários tipos de crises generalizadas (Quadro 5). Lamotrigina e. provavelmente, topiramato são alternativas se o valproato for ineficaz ou não for tolerado. Fenitoína e carbamazepina também são eficazes em crises tônico-clônicas generalizadas, mas a resposta não é tão previsível quanto a do valproato. Carbamazepina, fenitoína, gabapentina e por vezes lamotrigina podem agravar crises mioclônicas; todas elas, exceto a lamotrigina. também exacerbam crises de ausência. Tiagabina pode agravar ou induzir crises de ausência. Etossuximida é tão eficaz quanto valproato no controle de crises de ausência e tem menos efeitos colaterais. Porém, a etossuximida é ineficaz em crises tônico-clônicas, de modo que seu principal uso é como uma alternativa ao valproato em pacientes que apresentam apenas crises de ausência. 38

Todas as drogas antiepilépticas apresentam efeitos indesejáveis em alguns pacientes. Embora haja variações entre os indivíduos, muitos dos efeitos adversos das drogas são leves e relacionados à dose. Muitos são comuns a praticamente todas as drogas antiepilépticas, em especial no início do tratamento. Esses efeitos incluem sedação, obtusão da mente, distúrbio da memória e concentração, alterações do humor, mal-estar gastrintestinal e tonteiras. Outros efeitos adversos são relativamente específicos de cada droga. 38

 

QUADRO 6: TOXICIDADE DAS DROGAS ANTIEPILÉPTICAS 38

Efeitos adversos relacionados à dose

Toxicidade sistêmica

    Gastrintestinal (dispepsia, náuseas, diarréia)

    Elevação benigna das enzimas hepáticas

    Leucopenia benigna

    Hipertrofia gengival

    Ganho de peso

    Anorexia

    Queda de cabelo, alterações na textura dos cabelos

    Hirsutismo

    Hiponatremia

    Traços faciais mais grosseiros

    Contratura de Dupuytren, ombro congelado

    Osteoporose

    Impotência

Toxicidade neurológica

    Sonolência, sedação

    Distúrbio da cognição (memória, concentração)

    Depressão e alterações do humor

    Irritabilidade, hiperatividade

    Insônia

    Tonteira / vertigem

    Nistagmo, diplopia

    Ataxia

    Tremor, asterixis

    Discinesias, distonia, mioclonias

    Disartria

    Cefaléia

    Neuropatia sensitiva

Reações idiossincráticas

Erupções cutâneas

Dermatite exfoliativa

Eritema multiforme

Síndrome de Stevens-Johnson

Agranulocitose

Anemia aplásica

Insuficiência hepática

Pancreatite

Distúrbios do tecido conjuntivo

Trombocitopenia

Síndrome de pseudolinfoma

 

Os efeitos colaterais relacionados à dose aparecem tipicamente quando uma droga é ministrada pela primeira vez, ou quando a dose é aumentada. Em geral se correlacionam, porém nem sempre, à concentração sanguínea da droga original ou seus metabólitos principais (Quadro 6). Os efeitos colaterais relacionados à dose são sempre reversíveis com a sua redução ou com a suspensão da droga. Os efeitos adversos determinam com freqüência os limites do tratamento com uma droga específica e têm uma grande influência sobre a aderência ao regime prescrito. Por serem até certo ponto previsíveis, os efeitos colaterais relacionados à dose são com freqüência a principal característica diferencial ao se escolher entre terapias fora isso igualmente eficazes. 38

Há um risco aumentado de ocorrerem malformações congênitas de 3 a 10%. 42

As reações idiossincráticas são responsáveis pela maioria das reações adversas graves e praticamente todas as reações com risco de vida que ocorrem com as drogas antiepilépticas. Todas as drogas antiepilépticas podem causar efeitos colaterais graves semelhantes (Quadro 5) mas, felizmente, eles são raros, com exceção das erupções cutâneas. Como exemplo. o risco de agranulocitose ou anemia aplásica induzida por carbamazepina é de aproximadamente 2 casos por 575.000 pessoas; no caso do felbamato o risco de anemia aplásica pode ser mais alto, de até 1 em 5.000. As reações idiossincráticas não são relacionadas à dose; originam-se, isto sim, de uma reação imunologicamente mediada à droga ou de fatores individuais insuficientemente definidos, em sua maior parte genéticos, que acarretam uma sensibilidade fora do comum à droga. Um exemplo do mecanismo genético é a hepatotoxicidade fatal induzida por valproato. Assim como a maioria das drogas antiepilépticas, o valproato é metabolizado no fígado, mas há diversas vias bioquímicas disponíveis para a droga. Dados clínicos e experimentais mostram que uma dessas vias produz um composto hepatotóxico, que pode se acumular e ocasionar esteatose microvesicular com necrose. O grau em que a via é envolvida na biotransformação depende da idade e é promovido pelo uso concomitante de outras drogas, que são eliminadas pelo fígado. Assim, a maioria dos pacientes que apresentavam hepatotoxicidade fatal tinha menos de 2 anos de idade e haviam sido tratados com politerapia. Além disso, a maioria apresentava uma epilepsia grave, associada a retardo mental, atrasos do desenvolvimento, ou anomalias cerebrais congênitas. Não ocorreram mortes hepáticas em pessoas com mais de 10 anos de idade tratadas exclusivamente com valproato. O risco de apresentar hepatotoxicidade com valproato é de 1:7.000 em monoterapia e 1:500 em politerapia para pacientes menores de 2 anos e 1:80.000 em monoterapia e 1:25.000 em politerapia para maiores de 2 anos. 38

Nenhum exame laboratorial, certamente o exame de sangue de rotina, não identifica os indivíduos que estão em risco especifico de hepatotoxicidade com o valproato ou qualquer outra reação idiossincrática relacionada às drogas. Os dados clínicos, todavia, possibilitam a identificação de grupos de pacientes em maior risco de reações adversas graves às drogas, incluindo pacientes com distúrbios metabólicos conhecidos ou suspeitados, uma história de reações anteriores a drogas e doenças clínicas comprometendo a hematopoiese ou a função hepática e renal. 38

 

QUADRO 7: DROGAS ANTIEPILÉPTICAS: DOSE E DADOS FARMACOCINÉTICOS 38

Droga

Dose adulta habitual nas 24 h (mg)

Meia-vida (h)

Concentração plasmática geralmente eficaz ( mg/ml)

Tempo até a concentração máxima (h)

Fração ligada (%)

Fenitoína

300-400

22

10-20

3-8

90-95

Carbamazepina

800-1.600

8-22

8-12

4-8

75

Fenobarbital

90-180

100

15-40

2-8

45

Valproato

1.000-3.000

15-20

50-120

3-8

80-90

Etossuximida

750-1.500

60

40-100

3-7

< 5

Felbamato

2.400-3.600

14-23

20-140

2-6

25

Gabapentina

1.800-3.600

5-7

> 2 a

2-3

< 5

Lamotrigina

100-500

12-60 b

1-4 a

2-5

55

Topiramato

200-400

19~25 b

2-25 a

2-4

9-17

Vigabatrin

1.000-3.000

5-7

NE

1-4

5

Tiagabina

32-56

5-13

NE

1

95

a – Não estabelecida; corresponde a faixa habitual em pacientes tratados com a dose recomendada.

b – Depende muito das drogas concomitantemente administradas.

NE – Não estabelecida.

O Quadro 7 apresenta um resumo das informações sobre doses necessárias, propriedades farmacocinéticas e faixas de concentração terapêutica para as principais drogas antiepilépticas disponíveis. Dos pacientes com epilepsia, 60% a 70% obtêm o controle satisfatório das convulsões com as drogas antiepilépticas atualmente disponíveis, porém, menos de 50% dos adultos obtêm o controle completo sem efeitos colaterais das drogas. Muitos pacientes continuam a ter convulsões freqüentes, apesar de uma terapia clInica ótima.

O tratamento deve se iniciar com uma única droga antiepiléptica, escolhida de acordo com o tipo de crise ou síndrome epiléptica, no menor número de tomadas diárias e depois pode ser modificada, se necessário, devido a efeitos colaterais, esquema de administração e custo. Fenitoína, fenobarbital e gabapentina podem ser administrados em doses altas agudamente. Na maioria dos casos, porém, as drogas devem ser iniciadas em doses baixas, para minimizar a toxicidade aguda e aumentadas de acordo com a tolerância do paciente e a farmacocinética da droga. A titulação deve ser gradual até que se obtenha o controle das crises ou surjam efeitos adversos significativos. 42 A dose alvo inicial deve produzir uma concentração sérica da droga na faixa terapêutica baixa a média. Aumentos adicionais podem ser então efetuados, de acordo com o progresso clínico do paciente, que é medido principalmente pela freqüência de crises e ocorrência de efeitos colaterais da droga. Uma droga não deve ser considerada ineficaz, a não ser que as crises continuem sem ser controladas a dose máxima tolerada, independentemente do nível sanguíneo. 38

Se os efeitos adversos ocorrerem antes do controle das crises, retroceder até a dose anterior e considerar a troca da droga ou a associação de droga antiepiléptica de 1.ª linha. Não se devem usar mais de 3 drogas. A associação de 2 ou 3 drogas antiepilépticas permite o controle somente em 10 a 15% dos casos. As drogas são consideradas:

- 1.ª linha: carbamazepina, valproato, fenitoína e oxcarbazepina;

- 2.ª linha: fenobarbital e primidona;

- Apenas em associação: clobazam, topiramato e lamotrigina. 42

Geralmente não se devem fazer alterações na dose até que os efeitos da droga tenham sido observados em concentrações de estado de equilíbrio estável (um período aproximadamente equivalente a cinco meias-vidas da droga). Se a primeira droga for ineficaz, deve-se substituí-Ia gradualmente por uma alternativa apropriada (Quadro 4). O tratamento combinado usando duas drogas deve ser tentado somente quando a monoterapia com drogas antiepilépticas primárias fracassar. A terapia combinada é por vezes eficaz, mas o preço do melhor controle das crises é com freqüência uma toxicidade medicamentosa adicional. Por vezes, a terapia combinada com drogas relativamente não sedativas (por exemplo, carbamazepina, lamotrigina, gabapentina ou valproato) é preferível a monoterapia em altas doses com uma droga sedativa (fenobarbital ou primidona, por exemplo). Quando usados juntos, carbamazepina e lamotrigina acarretam uma interação farmacodinâmica que produz neurotoxicidade com freqüência em doses que geralmente são bem toleradas quando qualquer dessas drogas é usada sozinha. 38

Os intervalos de administração devem ser geralmente inferiores em um terço à metade da meia-vida da droga, para reduzir ao mínimo as flutuações entre as concentrações sanguíneas máximas e mínimas. Grandes flutuações podem resultar em efeitos colaterais induzidos por pico de dose e retomo das convulsões nas concentrações baixas. Por vezes, porém, uma droga apresenta uma meia-vida farmacodinâmica relativamente longa, de modo que a administração duas vezes ao dia é razoável, ainda que a meia-vida farmacocinética seja curta. Isso ocorre tipicamente com valproato, tiagabina e, possivelmente, gabapentina. 38

O monitoramento de drogas terapêuticas melhorou o cuidado dos pacientes com epilepsia, mas as "faixas terapêuticas" publicadas são apenas orientações. A maioria dos pacientes que obtêm concentrações numa faixa terapêutica padrão geralmente consegue um controle adequado das crises com um mínimo de efeitos colaterais, mas há exceções notáveis. Alguns pacientes vêm a apresentar efeitos colaterais inaceitáveis a concentrações "subterapêuticas"; outros se beneficiam de concentrações "tóxicas", sem efeitos adversos. 38

O nível sérico não serve para nortear o tratamento, que deve ser feito pela clínica e sim para verificar a adesão ao tratamento, o controle da dose de drogas com farmacocinética complicada como a fenitoína e para controle da medicação na gestação. 42 A determinação das concentrações séricas da droga depois de se obter o controle das crises, ou quando aparecem efeitos colaterais, pode auxiliar em decisões futuras quanto ao tratamento. Os níveis da droga também são úteis para documentar a aderência e para avaliar a magnitude e a significância de interações medicamentosas conhecidas.ou suspeitadas. O monitoramento de drogas terapêuticas é um guia essencial para o tratamento de neonatos, lactentes, crianças pequenas, pacientes idosos e pacientes com doenças (insuficiência hepática ou renal, por exemplo) ou condições fisiológicas (por exemplo, gravidez) que alteram a farmacocinética das drogas. Embora as concentrações sanguíneas totais que são relatadas de rotina sejam satisfatórias para a maioria das indicações, as concentrações não ligadas ("livres") são úteis, quando a ligação a proteínas está alterada, como na insuficiência renal, gravidez, queimaduras de terceiro grau extensas, e na terapia combinada, usando duas ou mais drogas que se ligam firmemente às proteínas séricas (por exemplo, fenitoína, valproato, tiagabina). 38

A fenitoína é singular entre as drogas antiepilépticas por apresentar eliminação não linear a concentrações séricas terapeuticamente úteis. Isto é, os sistemas enzimáticos hepáticos que metabolizam fenitoína apresentam saturação crescente a concentrações plasmáticas superiores a 10 a 12 mg/ml e a razão metabólica se aproxima de um valor constante em concentrações elevadas. Com doses crescentes, as concentrações plasmáticas de fenitoína elevam-se exponencialmente, de modo que a concentração no estado de equilíbrio estável a uma determinada dose não pode ser usada para a predição direta da concentração em estado de equilíbrio estável a uma dose mais alta. Clinicamente, isso toma necessário um ajuste cuidadoso dentro da faixa terapêutica, usando-se incrementos de dose de 30 mg para se evitar efeitos tóxicos. 38

A carbamazepina induz a ativação das enzimas que a metabolizam. Designado como auto-indução, o processo é temporalmente dependente. Ao se introduzir inicialmente a carbamazepina, a meia-vida aproxima-se de 30 horas. Com o aumento da depuração hepática nas 3 a 4 primeiras semanas da terapia, no entanto, a meia-vida se reduz a 11 a 20 horas. Em conseqüência disso, a dose inicial deve ser baixa, devendo ser aumentada gradualmente e a administração deve ser freqüente (3 ou 4 vezes ao dia). Formulações de liberação prolongada, recém-introduzidas, possibilitam a administração duas vezes ao dia. O principal metabólito é o carbamazepina-10,11-epóxido, que é farmacologicamente ativo. Em certas circunstâncias (por exemplo, quando co-administrado com valproato ou felbamato), o metabólito epóxido se acumula seletivamente, produzindo assim efeitos neurotóxicos, ainda que a concentração plasmática da droga original esteja na faixa terapêutica ou baixa. 38

O valproato se liga firmemente às proteínas plasmáticas, mas a ligação é dependente da concentração e não-linear. A fração que não está ligada aumenta com concentrações plasmáticas acima de 75 mg/ml, porque os locais de ligação nas proteínas tornam-se saturados. Dobrar a concentração plasmática de 75 para 150 mg/ml, por exemplo, pode ocasionar um aumento de mais de seis vezes na concentração da droga livre, de 6,5 para 45 mg/ml. Por esta razão, ao se aumentar a dose de valproato, os efeitos colaterais podem agravar-se com rapidez, devido à crescente proporção da droga não ligada. Além disso, os efeitos adversos podem variar no curso de um dia, ou de um dia para o outro, porque as concentrações da droga não ligada flutuam, apesar de alterações aparentemente pequenas nos níveis sanguíneos totais. Por outro lado, os ácidos graxos circulantes deslocam o valproato dos locais de ligação nas proteínas. Se os níveis de ácidos graxos estiverem altos, a quantidade de valproato não ligada aumenta. Lamotrigina e felbamato prolongam a meia-vida do valproato; é necessário usar uma dose reduzida ao se adicionar essas drogas. 38

A gabapentina necessita de um sistema de transporte intestinal de aminoácidos para sua absorção. Como o transportador é passível de saturação, a percentagem da droga que é absorvida após uma dose oral diminui com o aumento da dose. Portanto, esquemas com administração mais freqüente, usando quantidades menores, podem ser necessários para se aumentar os níveis sanguíneos. Quando são usadas doses acima de 3.600 mg/dia, os níveis sanguíneos podem ser úteis para demonstrar que um aumento na dose se reflete numa concentração sérica aumentada. Gabapentina não interage em grau clinicamente significativo com qualquer outra droga, o que o toma particularmente útil quando a politerapia com drogas antiepilépticas é necessária e em pacientes com doenças clinicas que também necessitam de tratamento farmacológico. Não é metabolizada no fígado, mas por ser excretada inalterada pelos rins, é necessário ajustar-se a dose em pacientes com insuficiência renal. 38

A lamotrigina é muito sensível à co-administração de outras drogas antiepilépticas. Drogas indutoras enzimáticas, como fenitoína e carbamazepina, diminuem a meia-vida de lamotrigina de 24 para 16 horas (ou menos). Em contraste, a inibição enzimática pelo valproato aumenta a meia-vida de lamotrigina para 60 horas. Por esta razão, a dose de lamotrigina depende muito dela ser usada como monoterapia ou em combinação a outras drogas antiepilépticas. A lamotrigina tem pouco ou nenhum efeito sobre outras classes de drogas. Erupções cutâneas ocorrem em cerca de 10% dos pacientes; são mais comuns em crianças e em raras ocasiões levam à síndrome de Stevens-Johnson. A incidência de erupções cutâneas pode ser reduzida a um mínimo com esquemas de ajuste lento. 38

O topiramato também é afetado por drogas antiepilépticas co-administradas. Carbamazepina, fenitoína e fenobarbital reduzem a meia-vida de topiramato, mas o valproato tem pouco efeito. O topiramato não afeta a maioria das outras drogas, embora os níveis sanguíneos de fenitoína possam aumentar em 25%. Efeitos adversos cognitivos limitam muitas vezes a dose, especialmente com dificuldades em encontrar palavras e distúrbios de memória. Eles costumam ser dependentes da dose e podem ser reduzidos a um mínimo por esquemas de ajuste lento. Doses acima de 400 mg/dia geralmente não ocasionam melhor controle das crises, mas se associam a uma incidência crescente de efeitos colaterais. 38

A tiagabina se liga muito às proteínas plasmáticas e portanto desloca outras drogas (por exemplo, fenitoína, valproato) que também se ligam à proteínas. As outras drogas não afetam significativamente o metabolismo de tiagabina. Efeitos colaterais gastrintestinais limitam os valores em que a dose pode ser aumentada. 38

O felbamato apresenta um risco muito maior de reações adversas graves que as outras drogas antiepilépticas. incluindo anemia aplásica e insuficiência hepática. Por esta razão, seu uso é restrito atualmente aos pacientes que são resistentes a outras drogas e nos quais o risco de convulsões continuadas supera o risco dos efeitos colaterais. O uso do felbamato também é limitado por outros efeitos adversos comuns, porém de menor gravidade, incluindo anorexia, perda de peso, insônia e náuseas e por numerosas e complexas interações medicamentosas. Apesar disso, o felbamato permanece útil em casos de epilepsia grave, como a síndrome de Lennox-Gastaut. 38

A farmacocinética de algumas drogas antiepilépticas pode complicar o tratamento da epilepsia em mulheres. Drogas antiepilépticas que induzem a atividade do sistema enzimático do citocromo P450 (carbamazepina, fenitoína, fenobarbital e, em menor escala, topiramato) interferem na eficácia dos anticoncepcionais hormonais a base de estrogênio. Nas mulheres em uso dessas drogas, o metabolismo e a ligação dos esteróides anticoncepcionais são estimulados, reduzindo assim a fração biologicamente ativa dos hormônios esteróides. A freqüência de insucesso das pílulas anticoncepcionais supera os 6% por ano em mulheres tomando drogas antiepilépticas indutoras de enzimas, em contraste com uma freqüência de insucesso menor que 1% por ano em mulheres aderentes ao regime medicamentoso sem epilepsia. As mulheres motivadas em evitar a gravidez devem considerar usar uma preparação anticoncepcional contendo 50 mg ou mais de um composto estrogênico, ou usar um método anticoncepcional adicional tipo barreira. Como alternativa, elas devem discutir com seu médico a possibilidade de selecionar uma droga antiepiléptica que não altere o metabolismo ou a ligação dos esteróides. 38

O tratamento se divide em tratamento da crise convulsiva e tratamento do período interictal. Como regra, durante a crise, o emprego de medicamentos é ineficaz, pois ela é autolimitada, terminando antes que a droga possa exercer sua ação. Os principais cuidados devem ser aqueles que visam à proteção do paciente das conseqüências da crise convulsiva, tais como:

    • posicionar o paciente cuidadosamente em locais protegidos, de modo a evitar que ele se machuque;
    • evitar fazer tentativas para restringir os movimentos convulsivos pela força, pois podem resultar traumatismos desnecessários;
    • usar gazes ou panos para evitar mordeduras da língua;
    • evitar colocar colheres ou outros objetos na boca do paciente, usando cânula plástica somente quando sua introdução puder ser feita sem provocar traumatismos;
    • manter as vias áreas pérvias;
    • colocar cateter intravenoso de grande calibre, colhendo sangue para dosar sódio, potássio, cloreto, bicarbonato, cálcio, glicose, magnésio, fazer provas de função hepática, uréia e creatinina (os seis primeiros devem ser feitos o mais rápido possível);
    • TYLER 33 preconiza a administração de 100 mg de tiamina e 50 ml de dextrose à 50% via intravenosa, bem como fenitoína intravenosa lentamente no cateter de soro fisiológico (precipita quando administrada com dextrose), na velocidade de 50 mg/min, com controle da pressão arterial e eletrocardiográfico na dose de até 15 mg/kg de peso (1 a 1,5 g em adultos), pois os pacientes que receberem a carga completa de 15 mg/kg de peso podem geralmente passar 24 horas antes de receber a primeira dose de medicação de manutenção; se o paciente já houver despertado da crise, pode receber a dose por via oral com 300 a 400 mg de 2/2 ou 4/4 horas em 3 tomadas.

Nas crises generalizadas do tipo grande mal, a primeira escolha é o fenobarbital, em doses de 5 a 10 mg/kg de peso/dia, em uma única tomada diária, com nível sérico ideal entre 20 e 45 mg/ml, lembrando seus efeitos colaterais de sonolência, reações paradoxais em crianças e velhos, impotência e algodistrofia ombro-mão. Também pode ser usada a primidona, com dose de 10 a 20 mg/kg/dia, fracionada em 2 ou 3 tomadas diárias, com nível sérico ideal entre 5 e 10 mg/ml, com efeitos secundários como sonolência, náuseas e vômitos. A fenitoína em doses de 5 a 10 mg/kg/dia em 2 tomadas diárias, com nível sérico ideal entre 8 e 15 mg/ml e efeitos colaterais de náuseas, vômitos, diplopia, síndrome cerebelar, hipertrofia gengival, hirsutismo, polineuropatia, leucopenia e anemia megaloblástica. E o ácido valpróico, em doses de 20 a 50 mg/kg/dia, em 2 ou 3 tomadas diárias, com nível sérico ideal entre 50 a 100 mg/ml e como efeitos colaterais as náuseas, vômitos, anorexia, queda de cabelos, trombocitopenia e hepatotoxicidade. Nas crises de ausência, a etossuximida e o valproato são igualmente eficazes no tratamento de crises de ausência, mas o valproato ou a lamotrigina são preferíveis, caso coexistam Crises tônico-clônicas generalizadas. O topiramato também pode ser eficaz nas crises de início generalizado. 38

Nas crises do tipo psicomotoras, a grande indicação é a carbamazepina em doses de 10 a 20 mg/kg/dia, fracionada em 3 tomadas diárias, sendo o nível sérico ideal de 5 a 10 mg/ml, com efeitos colaterais de fadiga, sonolência, náuseas, epigastralgia e ataxia, que pode ser associada à fenitoína ou ao fenobarbital. Outro esquema terapêutico pode ser a associação de fenitoína com primidona.

O estado de mal epiléptico convulsivo é uma emergência médica e não tratar o problema de modo oportuno e adequado pode ocasionar uma grave morbidade sistêmica e neurológica. Pelo menos 65.000 casos de estado de mal epiléptico ocorrem a cada ano nos Estados Unidos. Ele é diagnosticado se as crises durarem mais de 10 minutos, ou se ocorrerem duas ou mais crises em estreita sucessão, sem recuperação da consciência. 38

O estado de mal epiléptico pode ser convulsivo ou não-convulsivo. O padrão com major risco de vida. e que exige o tratamento mais urgente, é o estado de mal epiléptico convulsivo, que, assim como as convulsões e síndromes epilépticas. pode ser uma manifestação de epilepsia idiopática (isto é, não-focal), ou secundário à disseminação de um foco epileptogênico de uma região cerebral. O estado de mal epiléptico não-convulsivo ocorre como um tipo de estado crepuscular ou confusional, causado por crises de ausência generalizadas, ou crises parciais complexas contínuas. 38

O estado de mal epiléptico é mais freqüente em lactentes e crianças pequenas e em pessoas idosas, mas ocorre em todas as idades. Mais de 50% dos lactentes atingidos não apresentam história de epilepsia. Em cerca de 10% dos pacientes com epilepsia, o estado de mal epiléptico é a primeira manifestação, e aproximadamente 15% dos pacientes com epilepsia apresentaram um ou mais episódios de estado de mal em alguma ocasião. 38

 

QUADRO 8: CAUSAS DE ESTADO DE MAL EPILÉPTICO38

Diagnóstico

Crianças (%)

Adultos (%)

Acidente vascular cerebral

3

25

Mudança de droga / não-adesão

20

20

Álcool / outras drogas

2

1 5

Infecção do sistema nervoso central

5

10

Hipóxia

5

10

Metabólica

10

10

Tumor

<1

5

Trauma

3,5

5

Febre / infecção

35

2

Congênita

10

<1

 

Em 2/3 dos casos de estado de mal epiléptico, pode-se identificar uma causa aguda ou fator precipitante, como um distúrbio metabólico sistêmico, abuso de álcool ou outra droga, hipóxia, traumatismo craniano, infecção, ou uma lesão cerebral, como um acidente vascular cerebral ou um tumor. Por isso, faz parte da avaliação de emergência de pacientes em estado de mal epiléptico a determinação da causa provável (Quadro 8).

O estado de mal epiléptico convulsivo origina estresses metabólicos e fisiológicos que contribuem para danos cerebrais permanentes, incluindo hipertermia, hipóxia, acidose lática, hipoglicemia e hipotensão. Os níveis plasmáticos de catecolamina elevam-se agudamente durante os ataques e podem desencadear arritmias cardíacas fatais. A morte decorre geralmente do problema subjacente e não do estado de mal epiléptico propriamente dito. Apesar disso, a morte pelo estado de mal epiléptico por si só ocorre em 2% a 3% das crianças e em 7% a 10% dos adultos. 38

Os objetivos do tratamento são eliminar toda atividade epiléptica e identificar e tratar qualquer problema clínico ou neurológico subjacente. O tratamento inicial é aquele de um paciente em coma:assegurar a via aérea e a oxigenação, obter acesso a circulação e manter a pressão arterial e monitorar a função cardíaca (Quadro 9). Deve-se obter uma amostra de sangue para dosar os níveis das drogas antiepilépticas, hemograma e bioquímica de rotina. A aquisição de imagens cerebrais deve ser realizada em todos os pacientes adultos com estado de mal epiléptico e em todas as crianças com estado de mal epiléptico não-febril. Os pacientes devem estar em condição estável e a tomografia computadorizada costuma ser suficiente para se excluir uma lesão cerebral aguda. A ressonância magnética deve ser realizada posteriormente, se a tomografia computadorizada for normal. A punção lombar deve ser realizada em todo paciente febril, mesmo que não estejam presentes sinais de meningite. Se houver fortes suspeitas de uma infecção cerebral, a necessidade da punção lombar é urgente e o procedimento deve ser efetuado de imediato. Se estiverem presentes sinais de hipertensão intracraniana, ou caso se suspeite de uma massa tumoral, deve-se administrar antibióticos sem perda de tempo e realizar primeiro uma tomografia computadorizada. 38

 

QUADRO 9: PROTOCOLO E ESCALA TEMPORAL PARA O TRATAMENTO DO ESTADO DE MAL EPILÉPTICO EM ADULTOS NO NEUROLOGICAL INSTITUTE DE NEW YORK, COLUMBIA-PRESBYTERIAN MEDICAL CENTER 38

Tempo (min)

Ação

0-5

Diagnosticar; dar O2; ABC; obter acesso intravenoso; começar monitoramento eletrocardiográfico; colher sangue para exames de sangue, Mg, Ca, hemograma completo, nível de drogas antiepilépticas, gasometria, avaliação toxicológica

6-10

Tiamina 100 mg intravenosa; 50 ml de glicose 50% intravenoso, a não ser que seja conhecido o valor da glicemia; lorazepam 4 mg intravenoso em 2 min; repetir uma vez em 8 a 10 min ou diazepam 10 mg intravenoso em 2 min; repetir uma vez em 3 a 5 min

10-20

Se o estado de mal persistir ou tenha cessado com diazepam, começar imediatamente fosfenitoína 20 mg/kg intravenosa a 150 mg/min ou fenitoína 20 mg/kg em bolus ou solução salina, lentamente 42, com monitoramento da pressão arterial e eletrocardiograma

20-30

Se o estado de mal persistir, dar mais 5 mg/kg de fosfenitoína 2 vezes (total 30 mg/kg)

30+

Se o estado de mal persistir, entubar e dar um dos seguintes (por ordem de preferência), preferivelmente com monitoramento eletrocardiográfico:

1. Fenobarbital 20 mg/kg IV a 50-100 mg/min diluído em solução salina 42. Doses maciças adicionais de 5 mg/kg podem ser dadas caso necessário; ou

2. Midazolam em perfusão continua, 0,2 mg/kg dose maciça lenta, depois 0,1-2,0 mg/kg/h; ou

3. Propofol em infusão continua, 1-5 mg/kg em dose maciça em 5 min, depois 2 a 4 mg/kg/h

ABC, via aérea, pressão arterial, função cardíaca

Se houver alguma dúvida quanto à história, deve-se dar glicose, precedida de tiamina, em adultos. Embora vários esquemas de drogas antiepilépticas sejam eficazes no tratamento do estado de ma! epiléptico, começa-se com lorazepam, 0,1 mg/kg, ou diazepam, 0,2 mg/ kg, seguido imediatamente de fenitoína (ou fosfenitoína), 20 mg/kg. Se não houver nenhuma resposta, deve-se administrar mais fenitoína (ou fosfenitoína), 5 mg/kg. Se o estado de mal persistir, o paciente deve ser entubado e anestesiado com pentobarbital ou midazolam. com monitoramento eletroencefalográfico, para se assegurar a supressão completa de toda atividade elétrica ictal. 38

A fosfenitoína é um éster fosfato pró-droga da fenitoína. Ao contrário da fenitoína intravenosa, a fosfenitoína é compatível com todas as soluções intravenosas em uso comum. Por ser muito menos alcalina, causa apenas uma irritação local mínima e pode ser perfundida com muito mais rapidez que a fenitoína. Depois de passar ao sangue, a fosfenitoína é convertida rapidamente em fenitoína por fosfatases no fígado e nas hemácias. As propriedades farmacológicas da fosfenitoína são idênticas às da fenitoína e ela é dosada em equivalentes de fenitoína. São efeitos colaterais peculiares as parestesias na região inferior das costas e na virilha, provavelmente por causa da carga de fostato. 38

Quando o quadro não cede, há indicação de anestesia geral e transferência para unidade de tratamento intensivo.

Depois do paciente estabilizado e suas convulsões controladas, deve-se instituir uma busca rigorosa de uma doença subjacente. 38

O estado de mal epiléptico não-convulsivo é um problema difícil de ser diagnosticado clinicamente e, com freqüência, não é reconhecido. Os pacientes são mais comumente de meia-idade ou idosos, e em geral não apresentam história pregressa de convulsões. O início costuma ser abrupto e todos os pacientes apresentam alterações da atividade mental e do comportamento, que duram. tipicamente dias a semanas. Os pacientes em estado de mal não-convulsivo mostram-se tipicamente conscientes (ainda que obtusos) e a ausência de torpor ou coma contribui com freqüência para o diagnóstico errôneo. Um problema psiquiátrico costuma ser o primeiro diagnóstico, caso a condição se evidencie por comportamento bizarro e alterações de humor, freqüentemente com alucinações, paranóia ou catatonia. Quando predominam distúrbio de memória, desorientação e alteração do humor, as possibilidades diagnósticas incluem demência, acidentes vasculares cerebrais, ou encefalopatia tóxico-metabólica. 38

Uma vez levantada a suspeita de estado de mal epiléptico não-convulsivo, o diagnóstico depende da demonstração de padrões ictais no eletroencefalograma quando o paciente estiver sintomático. A maioria dos pacientes apresenta uma atividade ponta-onda generalizada de 1 a 2,5 Hz ("ponta-onda atípica") contínua ou praticamente contínua. Nesses casos, o estado de mal epiléptico é presumido como sendo uma manifestação da epilepsia de início generalizado, semelhante ao estado de mal epiléptico de ausência em crianças. Vez por outra, a atividade ictal no eletroencefalograma é localizada, em geral nos lobos frontal ou temporal, indicando assim que nesses pacientes o estado de mal não-convulsivo é uma forma de atividade epiléptica parcial continua. 38

O diagnóstico do estado de mal epiléptico não-convulsivo é confirmado pela resposta ao diazepam (5 a 10 mg) ou lorazepam (1 a 2 mg) intravenoso. As anormalidades epileptiformes no eletroencefalograma desaparecem e o estado mental do paciente volta ao normal. O controle das convulsões a longo prazo é obtido com o uso de valproato, fenitoína ou carbamazepina. 38

Os exames laboratoriais geralmente são normais mas, vez por outra, mostram uma causa para o estado de mal epiléptico não-convulsivo, como hiperglicemia não-cetótica, distúrbios do equilíbrio eletrolítico, toxicidade de drogas (por exemplo, lítio) ou uma lesão cerebral focal (por exemplo, infarto do lobo frontal). 38

A duração do tratamento depende do tipo de epilepsia e do intervalo de tempo em que o paciente fica assintomático. Desta forma, no pequeno mal é comum o tratamento por 3 a 4 anos, período após o qual a medicação é suspensa. A retirada do anticonvulsivante deve ser lenta e jamais antes de um período de no mínimo 3 anos com o paciente assintomático. A suspensão brusca das drogas antiepilépticas pode provocar crises seriadas ou estado de mal epiléptico.

A dose inicial depende da forma clínica, da freqüência das crises, das alterações eletroencefalográficas, assim como do peso e idade do paciente. Com as doses habituais para cada droga, regula-se seu valor pelas respostas eletroclínicas. Os aumentos das doses devem ser realizados com controle do nível sérico do anticonvulsivante. Caso não possa ser realizado este controle, recomenda-se trocar de produto. Neste caso, a redução do primeiro medicamento só deve ser iniciada quando for alcançado o nível sérico do segundo. É importante avisar ao paciente que o efeito secundário do tipo sonolência é transitório, cedendo com o decorrer do tratamento na maior parte dos casos. Caso persista, podem ser associadas drogas estimulantes como a cafeína e a anfetamina.

Além do uso de medicamentos que devem ser tomados com regularidade, algumas instruções devem ser dadas aos pacientes para evitar a recorrência das crises, tais como não fazer uso abusivo de bebidas alcoólicas e manter um ritmo de sono-vigília regular. Os pacientes devem estar atentos para certas circunstâncias onde o aparecimento de uma crise possa ser perigoso, como condução de veículos, operar determinadas máquinas, freqüentar piscinas ou locais onde haja risco para sua vida.

Estudos epidemiológicos mostram que 60% a 70% dos pacientes com epilepsia ficam livres de convulsões por pelo menos 5 anos, dentro de 10 anos após o diagnóstico. Assim também, ensaios clínicos prospectivos de pacientes tratados, cujas crises estavam em remissão há 2 anos ou mais, mostraram que uma percentagem praticamente idêntica dos pacientes permanecia livre de crises após a retirada da droga. Esses estudos também identificaram fatores preditivos que possibilitam que os pacientes sejam classificados como em baixo ou alto risco de recidiva, após o término da farmacoterapia. O risco de recidiva era alto se os pacientes necessitavam de mais de uma droga para controlar as crises, se o controle das crises era difícil de ser estabelecido, se o paciente tinha uma história de crises tônico-clônicas generalizadas e se o eletroencefalograma estava significativamente anormal ao se considerar a retirada da droga. A ausência continuada de crises é favorecida por um intervalo livre de crises mais longo (até 4 anos) antes de se tentar a retirada da droga, poucas crises antes da remissão, monoterapia, eletroencefalograma e exame neurológico normais e nenhuma dificuldade no estabelecimento do controle das crises. 38

Todas as síndromes epilépticas benignas da infância têm um excelente prognóstico quanto a remissão permanente sem drogas. Em contraste, a epilepsia mioclônica possui uma freqüência elevada de recidiva ao se suspender os medicamentos, mesmo em pacientes que estão isentos de crises há anos. O prognóstico para a maioria das outras síndromes epilépticas, em sua maior parte, não foi determinado. 38

A causa mais comum de crises durante o tratamento é a desobediência ao esquema terapêutico prescrito. Somente cerca de 70% dos pacientes tomam as medicações antiepilépticas conforme prescritas. No caso da fenitoína ou da carbamazepina, a desobediência pode ser inferida quando os níveis sanguíneos seqüenciais variam mais de 20%, supondo-se amostras no mesmo horário, com doses inalteradas. Níveis de drogas antiepilépticas persistentemente baixos frente a doses crescentes também indicam baixa adesão. A cautela se justifica no caso da fenitoína. porém, porque até 20% dos pacientes têm níveis baixos em conseqüência de má absorção ou metabolismo rápido. 38

A desobediência é particularmente comum em adolescentes e pessoas idosas, quando as crises são pouco freqüentes ou não são percebidas como incapacitantes, quando as drogas antiepilépticas têm de ser tomadas várias vezes ao dia e quando persistem efeitos tóxicos A adesão pode melhorar com a orientação do paciente, simplificação dos esquemas medicamentosos e ajuste dos esquemas de administração as rotinas diárias do paciente. Aparelhos em caixas que alertam o paciente quanto ao horário da dose podem ser úteis. 38

A suspensão da farmacoterapia antiepiléptica em pacientes apropriados é razoável quando eles estão sem apresentar crises há pelo menos 2 anos. O argumento mais forte para se suspender os medicamentos antiepilépticos é a preocupação relativa pela toxicidade sistêmica e neurológica em decorrência do uso por longos períodos, que pode ser insidiosa e só se evidenciar muitos anos após uma droga ter sido introduzida. Por outro lado, há a preocupação do paciente ou de seus familiares quanto à recorrência das convulsões. Até mesmo uma única crise pode ter conseqüências psicossociais e vocacionais desastrosas, especialmente em adultos. Por esta razão, a decisão de retirar as drogas deve ser avaliada cuidadosamente à luz das circunstâncias individuais. Se for tomada uma decisão no sentido de suspender-se as drogas antiepilépticas, preferimos a retirada lenta, em 3 a 6 meses, mas essa recomendação suscita controvérsias por terem sido realizados poucos estudos dos diferentes tempos de retirada. 38

Ao se interromper o tratamento deve ser consultado o paciente, se avaliado o risco, levando em conta sua profissão e retirando-se uma droga de cada vez. 42

O tratamento cirúrgico deve ser considerado quando as convulsões não são controladas pelo esquema medicamentoso ideal e quando elas perturbam a qualidade de vida. A quantificação desses problemas, contudo, tem desafiado a definição rígida, talvez justificadamente, porque é claro que a intratabilidade é mais do que apresentar convulsões continuadas. Somente os pacientes sabem em que sua vida difere do que eles gostariam que ela fosse: o conceito de incapacidade inclui tanto componentes físicos quanto psicológicos. Alguns pacientes com crises refratárias apresentam pouca incapacidade; outros, por qualquer que seja a razão, vêem sua vida gravemente comprometida por ataques pouco freqüentes. Outros ainda, embora tenham suas convulsões completamente curadas pela cirurgia, ainda permanecem incapacitados e não conseguem ter um funcionamento produtivo. A determinação de quais pacientes são "medicamente refratários" e quais os que estão "satisfatoriamente controlados" sempre pode ser discutida do ponto de vista abstrato. Felizmente, costuma haver um consenso geral quanto aos pacientes que devem ser encaminhados para a avaliação cirúrgica. 38

Poucos pacientes se beneficiam de tentativas adicionais de tratamento clínico se as crises não forem controladas após dois períodos de monoterapia em doses altas, usando 2 drogas apropriadas e um período de terapia combinada. Esses esforços terapêuticos podem ser levados a cabo em 1 a 2 anos; os efeitos continuados das convulsões que não param ou da toxicidade das drogas justificam o encaminhamento a um centro especializado depois desse período. 38

Há poucas contra-indicações absolutas à cirurgia da epilepsia hoje em dia, embora pacientes apresentando doenças clínicas graves concomitantes e síndromes neurológicas progressivas sejam em geral excluídos. Alguns centros preferem não operar pacientes com psicose ou outros distúrbios psiquiátricos graves, aqueles com idade acima de 50 anos e os com QI abaixo de 70. Os pacientes nessas categorias. porém, devem ser considerados individualmente. Muitos dos pacientes que se submetem à secção do corpo caloso para crises atônicas associadas à síndrome de Lennox-Gastaut têm Ql abaixo de 70. Embora a cirurgia para epilepsia esteja sendo cada vez mais realizada em crianças, a ressecção funcional na infância permanece motivo de controvérsia, por diversas razões: a história natural incerta das convulsões em muitos desses pacientes; os efeitos não conhecidos da cirurgia no cérebro imaturo; e a falta de dados quanto aos resultados neurológicos. comportamentais e psicológicos a longo prazo. 38

Devido aos avanços científicos na aquisição de imagens e no monitoramento eletrofisiológico, a cirurgia de epilepsia não é mais automaticamente contra-indicada em pacientes com anormalidades epileptiformes interictais multifocais ou até mesmo focos nas proximidades de áreas da linguagem ou outras áreas corticais eloqüentes. 38

A ressecção cerebral focal é o tipo mais comum de cirurgia de epilepsia. A ressecção é adequada se as crises começarem numa área cortical identificável e restrita, se a excisão cirúrgica abranger todo o tecido epileptogênico ou a maior parte dele e se a ressecção não prejudicar a função neurológica. Esses critérios são satisfeitos mais comumente por pacientes com epilepsia do lobo temporal, mas as ressecções extratemporais são cada vez mais comuns. 38

A corpo calosotomia, secção do corpo caloso interrompe a conexão entre os dois hemisférios e está indicada no tratamento de pacientes com crises atônicas ou tônicas não controladas, na ausência de um foco identificável passível de ressecção. A maioria dos pacientes encaminhados para coro calosotomia apresenta crises graves e freqüentes de múltiplos tipos, comumente com retardo mental e um eletroencefalograma gravemente anormal (a síndrome de Lennox-Gastaut). 38

Ao contrário da cirurgia de ressecção, a corpo calosotomia é paliativa e não curativa. Apesar disso, pode ser notavelmente eficaz nas crises generalizadas, com 80% dos pacientes apresentando a cessação total ou quase total de ataques atônicos, tônicos e tônico-clônicos. Esse resultado é com freqüência notavelmente benéfico, por eliminar quedas e as autolesões associadas. O efeito sobre as crises parciais, porém, é inconsistente e imprevisível. As crises parciais complexas são reduzidas ou eliminadas em cerca da metade dos pacientes, mas crises parciais, simples ou complexas, são exacerbadas em cerca de 25% dos casos. Por esta razão, apresentar somente crises parciais refratárias não é uma indicação de corpo calosotomia. Assim também, as crises de ausência, ausências atípicas e crises mioclônicas não se beneficiam ou mostram uma resposta inconsistente. 38

A hemisferectomia, remoção ou a desconexão de grandes áreas corticais de um lado do cérebro está indicada quando a lesão epileptogênica envolver a maior parte de um hemisfério ou todo ele. Por ocasionar hemiplegia permanente, hemianestesia e, geralmente, hemianopsia, a hemisferectomia só pode ser considerada em crianças com uma lesão estrutural unilateral que já tenha causado essas anormalidades e que tenham convulsões unilaterais refratárias. Exemplos de doenças candidatas a hemisferectomia incluem síndromes hemiplégicas neonatais, doença de Sturge-Weber, síndrome de Rasmussen e graves anomalias unilaterais do desenvolvimento, como a hemimegalencefalia. Em pacientes bem indicados, os resultados são dramáticos. As convulsões cessam, o comportamento melhora e o desenvolvimento se acelera.

A estimulação nervosa vagal é um novo tratamento não-farmacológico para crises parciais clinicamente refratárias. Assim como a corpo calosotomia, a estimulação nervosa vagal é um procedimento paliativo, porque muito poucos pacientes acabam por ficar livres de crises. A estimulação nervosa vagal é aplicada por um cabo estimulador ligado diretamente ao nervo vago esquerdo. O gerador de estímulos é implantado na parte superior do tórax esquerdo. 0 aparelho costuma ser programado para emitir um pulso elétrico de 3 segundos a cada 5 minutos, embora os parâmetros de estimulação possam ser ajustados para as necessidades de um paciente individual. Em pacientes com aura, pode-se usar uma varinha magnética para aplicar a estimulação nervosa vagal quando necessário, que pode abortar a crise. Cerca de 30% a 35% dos pacientes apresentam uma redução de pelo menos 50% na freqüência de crises, que se compara favoravelmente a eficácia de novas drogas antiepilépticas. Os efeitos adversos crônicos incluem rouquidão e dificuldade de deglutição, ambas as quais aumentam por ocasião da estimulação. 38

São fatores preditivos de intratabilidade:

    • Idade de início muito jovem (<2 anos);
    • Crises generalizadas freqüentes;
    • Controle não obtido prontamente;
    • Evidência de lesão cerebral;
    • Causa especifica para as convulsões;
    • Anormalidade grave ao eletroencefalograma;
    • QI baixo; e
    • Crises de ausência atípica atônicas. 38

O tratamento da depressão começa pelo tratamento ótimo do distúrbio epiléptico. Drogas barbitúricas e succinimidas podem afetar adversamente o humor, induzindo sintomas que simulam a depressão endógena. Embora os antidepressivos tricíclicos reduzam o limiar convulsivante em modelos experimentais de epilepsia, esta não é uma preocupação na prática, porque só raramente eles desencadeiam crises ou aumentam a freqüência de convulsões em seres humanos. Os inibidores da monoamino-oxidase nem induzem convulsões, nem aumentam a freqüência de crises. A eletroconvulsoterapia moderna não agrava a epilepsia. Autores já usaram tanto sertralina como fluoxetina, sem exacerbar as convulsões. 38

A relação entre psicose e epilepsia suscita controvérsia. Não há evidências convincentes mostrando que as psicoses interictais são uma manifestação de epilepsia, mas algumas características demográficas estão excessivamente representadas em pacientes com epilepsia. 38

As drogas antipsicóticas provocam alterações eletroencefalográficas sem repercussões clínicas em aproximadamente 7% dos usuários sem histórico prévio de epilepsia e crises convulsivas em 05, a 1,2% desses indivíduos. A maioria das ocorrências foi associada a doses elevadas das drogas, ou a seu aumento rápido. Entre as drogas antipsicóticas típicas, os de baixa potência, como as fenotiazinas são os que apresentam maior propensão para diminuir o limiar epileptogênico. 38,43

Nos casos de psicose de normalização forçada, o uso de drogas antipsicóticas de baixa potência reduziria o limiar convulsivo, aumentando a excitabilidade neuroquímica cerebral sem provocar crises epilépticas, levando a uma melhora do quadro psicótico. 43

O haloperidol seria uma das drogas antipsicóticas mais seguras para tratar as psicoses na epilepsia, uma vez que diminui pouco o limiar epileptogênico. 43

Das drogas antipsicóticas atípicas, a risperidona poderia ter alguma ação sobre os sintomas disfóricos da epilepsia que podem acompanhar as psicoses na epilepsia. Também pode ser útil nos casos de retardo mental ou nos transtornos de personalidade com sintomas agressivos e risco de psicoses. Em testes clínicos, a incidência de crises em indivíduos não epilépticos relacionada ao uso de risperidona foi de 0,3%. 43

Testes clínicos com a olanzapina apontaram a ocorrência de crises convulsivas em 0,24% dos pacientes sem epilepsia. A segurança relativa da olanzapina quanto às crises pode ser decorrente de sua ação sobre alguns neuroesteróides, particularmente a alopregnenolona, que possui propriedades ansiolíticas e anticonvulsivantes. 43

Nenhuma diferença na incidência de crises convulsivas foi observada nos indivíduos epilépticos tratados com quetiapina e placebo., porém é recomendada uma maior atenção nos casos de história prévia de crises convulsivas, como com as demais drogas antipsicóticas. 43

A quetiapina e a olanzapina podem ser indicadas para todos os tipos de psicoses na epilepsia. Todavia, efeitos colaterais como ganho de peso e sedação devem ser considerados, principalmente na utilização concomitante de drogas antiepilépticas que também podem ocasionar estes efeitos como o valproato e a vigabatrina. 43

A amissulprida tem eliminação essencialmente renal, o que poderia prevenir algumas interações farmacocinéticas relacionadas ao sistema hepático. 43

A clozapina está entre as drogas antipsicóticas com maior potencial para provocar crises convulsivas, mesmo em indivíduos não epilépticos. Seu uso na epilepsia está reservado aos casos de psicoses graves e refratárias aos demais neurolépticos. A ocorrência de crises parece ser desencadeada por uma introdução muito rápida e por ser dose-dependente (aumentando em 0,7% para cada 100 mg de droga). O uso concomitante com carbamazepina deve ser evitado, devido ao risco de supressão da medula óssea, em adição ao risco de agranulocitose induzida pela clozapina. O valproato pode ser a droga antiepiléptica mais segura e mais bem tolerada neste caso. 43

CONSIDERAÇÕES FORENSES

Para FRANÇA 35, a capacidade civil dos epilépticos deve ser preservada. Devem poder se casar, testar, testemunhar, contratar, votar, gerir seus negócios e exercer suas profissões, desde que essa atividade laborativa não ponha em risco a vida própria ou alheia. A incapacidade civil não pode ser aplicada aos epilépticos, nem mesmo como relativamente incapazes. Já PALOMBA 37 justifica a interdição total na psicose epiléptica e parcial nas formas condutopáticas com atos lesivos contra o próprio patrimônio, dissipação de bens e prodigalidade. A incidência de criminosos entre os que padecem de epilepsia é muito menor do que entre os não-portadores desse mal. 35

Um motorista embriagado é muito mais perigoso que um epiléptico. 35 Os epilépticos são aptos para a condução de veículos somente para a categoria B, não remunerados, não podendo conduzir caminhões ou ônibus ou operar máquinas perigosas. 42

Convém recordar as características essenciais atribuídas ao ato epiléptico, segundo BONNET citado por MIRANDA SÁ JR 36 e PALOMBA 37:

    • ausência de motivo e de premeditação;
    • subitaneidade da ação, execução automática, pequena duração e terminação brusca;
    • ferocidade de execução;
    • multiplicidade de golpes;
    • ausência de dissimulação e de remorso;
    • amnésia ou reminiscências confusas e parciais dos fatos ao tempo de seu cometimento e logo após (mas deve-se recordar que não é necessário ser um grande ator para simular esquecimento);
    • comprometimento somatopsíquico global da personalidade durante a realização do ato estudado (ainda que isso pareça inaparente para os circunstantes);
    • ausência de cúmplices ou de co-participantes em sua realização;
    • presença de fenômenos vaso-motores característicos (como a palidez da face) e olhar desviado; repetição fotográfica ou estereotipada do ato em outras oportunidades (periodicidade da ação);
    • duração relativamente curta da crise; e
    • sonolência ou sono profundo imediatamente depois de realizada a conduta epiléptica.Qualquer ato praticado em estado crepuscular epiléptico não deixa recordação, senão muito rara e vaga, semelhante a um sonho. 36

O diagnóstico de epilepsia, principalmente com finalidade médico-legal, exige a criteriosa ponderação de todos os antecedentes e, principalmente, a avaliação das circunstâncias do ato e sua categorização como uma conduta epiléptica. Uma pessoa pode sofrer de epilepsia, apresentar o eletroencefalograma anormal, cometer um crime violento e, nem por isso, o crime deve necessariamente ser classificado como conduta patológica ou, no caso, conduta epiléptica. Para categorizar uma conduta como epiléptica, de modo a assegurar inimputabilidade ao seu autor, é necessário que, se não todas, ao menos uma grande parte das características de Bonnet, citadas acima, sejam identificadas, e haja uma correlação eletroclínica, ou seja, é necessário que exista uma correlação entre a anomalia eletroencefalográfica encontrada e a conduta estudada. 36

Segundo PAIM 26, aos pacientes epilépticos que praticam atos anti-sociais, cabe o princípio da inimputabilidade, visto que os mesmos são portadores de doença capaz de determinar ações impulsivas como verdadeiras descargas da tensão emocional, nestes casos podendo ser enquadrados no Artigo 26 do Código Penal Brasileiro 17. O fato de se admitir essa inimputabilidade não significa que estes pacientes devam ser postos em liberdade isentos de responsabilidade. Esses doentes estão sujeitos à medida de segurança e devem ser internados em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico, não só como medida de defesa social, mas principalmente para tratamento da doença mental de que são portadores. Com relação ao Direito Civil e Administrativo, a capacidade para reger a própria pessoa e bens, as medidas preventivas só deverão ser adotadas quando os impulsos violentos determinarem a possibilidade de atos delituosos.

PALOMBA37 afirma que os epilépticos que praticaram crimes violentos, normalmente são doentes de alta periculosidade e capazes de reincidir. Sua periculosidade vai depender diretamente da evolução da doença, periculosidade das crises, possibilidade de abordagem e sucessos terapêuticos, meio social no qual o paciente irá ser inserido, apoio familiar, morfologia do crime praticado, se houve reincidência, se beneficiou com o tratamento e demais circunstâncias.

Para GOMES13, a epilepsia anterior ao casamento e ignorada pelo cônjuge sadio é motivo de anulação de casamento, considerada como doença grave, capaz de pôr em risco a prole. Somente 1/3 dos pacientes informam diretamente ao futuro cônjuge sobre sua doença e 1/3 usam eufemismos como "desmaios" e "ataques". 42

Se o outro cônjuge tem um eletroencefalograma normal e não tem história familiar de epilepsia, e as crises do cônjuge epiléptico têm origem claramente adquirida, as chances de um filho vir a ser epiléptico provavelmente não é maior que 1:40. O risco de uma prole epiléptica aumenta a partir disto, dependendo da evidência de que a epilepsia de um cônjuge seja dependente de um fator genético (história familiar positiva, eletroencefalograma mostrando descargas ponta-onda com 3 c/s) até a posição oposta extrema, onde ambos os cônjuges são epilépticos e ambos mostram este tipo de descarga epiléptica nos seus eletroencefalogramas. 40

Para CHAVES8, a Responsabilidade Penal do epiléptico varia de acordo com as condições em que ele cometeu o ato delituoso. As condições em que estes atos podem ser realizados são:

    I .Espontânea e voluntariamente – Completa consciência dos fatos, o paciente goza das mesmas prerrogativas que as pessoas normais.

    II. Espontânea, porém impulsionado por sua personalidade patológica – Esses atos se caracterizam pela existência, ao exame psicológico, de traços psicopáticos e neuróticos; motivação ou exigência de relação causa-efeito; desproporção entre a causa e a reação; freqüência de transtornos de conduta e de personalidade cuja impulsividade é manifesta.

    III. Em estado ictal – Do ponto de vista forense, corresponde ao tempo que compreende a fase ictal propriamente dita, até a pós-ictal, sendo a forma que mais comumente produz problemas médico-forenses, a epilepsia temporal. Não existem sinais objetivos nem subjetivos que indiquem um estado ictal, havendo os sinais de presunção, a saber, existência de foco espicular temporal no eletroencefalograma, existência de episódios anteriores, circunstâncias que rodeiam o fato (falta de motivação perceptível, irracionalidade do realizado, características paroxísticas) e amnésia do acontecido (é o item de menor valor semiológico por ser difícil de discriminar e de eliminar na simulação).

Do ponto de vista da capacidade e responsabilidade civil, as I e II condições descritas acima tomam o agente imputável e na III condição, não há imputabilidade penal do agente.

Ainda segundo CHAVES 8, o paciente epiléptico, não tendo a priori a determinação de praticar um delito, pode vir a cometê-lo após ter uma exaltação de seu estado emocional por uma discussão. Se essa discussão foi provocada por culpa da vítima, exclusivamente, o paciente tem sua culpa diminuída. Se provocada exclusivamente ou em parte pelo paciente, a responsabilidade recai sobre ele. Neste caso, leva-se em consideração o risco que o paciente assumiu em correr.

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