Volume 8 - 2003
Editor: Giovanni Torello

 

Abril de 2003 - Vol.8 - Nº 4

No Paiz dos Yankees

Depressão e seus efeitos sobre o corpo

Dr. Erick Messias

A associação entre melancolia e maior morbidade e mortalidade tem sido notada desde épocas clássicas. Mas a hipótese principal tem sido de que a depressão seria o resultado dos problemas físicos. Nos decorrer do século XX começou a tomar forma a hipótese de que depressão talvez não seja somente o resultado final de dor crônica e de doença física, mas pode ser também um fator de risco para o desenvolvimento de certas condições clínicas, assim também como um fator de risco para uma maior mortalidade dessas mesmas condições. Num estudo de coorte finlandes, entre idosos, depressão estava associada a um maior mortalidade, mesmo depois de controlados os efeitos de uso de tabaco, problemas funcionais e doença física 1. No decorrer do século XX vários estudos mostraram uma associação particularmente forte entre depressão e doença cardio-vascular 2.

Depressão e doença cardio-vascular

A associação entre depressão e infarto é conhecida a bastante tempo. Pacientes se recuperando de infarto são vulneráveis a depressão e aqueles que a desenvolvem possuem um prognóstico pior. A grande questão que surgiu nesses estudos é se a depressão funcionava como um complicador tardio do processo patológico ou se era em si um fator de risco, potencialmente modificavel, para doença coronariana. Alguns estudos epidemiológicos iluminaram essa associação recentemente.

Essa associação tem sido notada em diversos estudos e em diferentes populações 2-5. Mais recentemente, estudos de incidencia estimaram o efeito de depressão maior sobre o risco de doença coronariana 6, 7. Uma revisão sistemática da literatura estimou que o risco relativo de doença coronariana sendo em torno de 1.64 7.

Possíveis mecanismos 8-10:

Pacientes deprimidos fumariam mais, sendo o fumo um fator de risco para doença coronariana e infarto - nesse caso a depressão seria uma variável confundidora (há de existir uma tradução melhor para confounder mas não conheço...)

Pacientes depremidos fariam menos exercício, ou seriam menos aderentes ao tratamento - aumentado assim o risco.

As possibilidades estritamente biológicas podem incluir alterações na atividade plaquetária - associada a distúrbios no sistema de coagulação. A atividade nervosa autônoma também pode estar alterado em pacientes deprimidos aumentando assim o risco de eventos cardíacos.

Depressão e risco de acidente vascular cerebral - AVC

Depressão tem sido associada também a um maior risco de AVC. Num estudo prospectivo baseado na amostra de Baltimore da Epidemiological Catchment Area (ECA) study, a presença de depressão maior DOBROU o risco de AVC no seguimento de 13 anos 11. Um estudo semelhante numa população rural de idosos no Japão, com um seguimento de 10 anos, estimou que depressão aumentava o riso de AVC isquemico em 2.7 vezes. 12. Aindo outro estudo populacional nos EUA revelou um risco relativo de AVC 1.7 vezes maior em pacientes com depressão 13. Mais interessante ainda, mudanças na sintomatologia depressiva parecem sinalizar para um risco aumentado de eventos cardiovasculares, com AVC e infarto 14.

Depressão & Diabetes

Sabemos que pacientes com diabetes tem um risco elevado de depressão 15 e aqueles com diabetes e depressão parecem ter o risco de complicações aumentado 16 assim como controle glicêmico mais difícil 17. Ainda assim há evidencia de que o caminho contrário pode existir, onde depressão aumenta o risco de diabetes 18, 19.

Alguns problemas com o estudos atuais

Inúmeras variáveis confundidoras podem ser responsáveis pela associação entre depressão e morbidade em geral. Entre esses confundidores se incluem uso de tabaco - maior em pacientes com depressão e associado a vários quadros - nível de atividade física - menor em pacientes deprimido - nível de saúde global - que pode influir no risco de depressão, assim como menor aderência ao tratamento em pacientes com depressão. Suicídio é outro fator que pesa na morbidade de pacientes com depressão. A maioria dos estudos revisados acima não controla para esses fatores, e aqueles que o fazem raramente são capazes de ajustar para os múltiplos fatores e interações propostas 20. A maioria dos estudos mostrando associações também é baseada em amostras tipo caso-controle - com todas os vícios desses estudos ( que possuem muitas virtudes também!). Em geral esses estudos são adequados para levantar hipóteses, mas são limitados pela escolha dos controles, por viés de memória (recall bias) e pelo viés de Berkson. Por tudo isso esses estudos servem para levantar hipóteses e estimar efeitos. A fim de chegarmos a um teste de causalidade o melhor método seria um estudo de coorte, mas aí os problemas são de outra ordem, particularmente devido ao tempo e difiduldade de tocar estudos de longa duração. Ainda assim esses estudos serão necessários para se entender um processo tal complicado, onde um fator (depressão) funciona com fator de risco e como resultado de processos mórbidos.

Conclusão

Muitos estudos caso-controle têm mostrado uma associação entre depressão e várias condições clínicas. Doença coronariana, diabetes, hipertensão e AVC estão entre essas condições. Poucos estudos prospectivos tem sido realizados nesse tema, mas aqueles realizados parecem confirmar a associação. Possíveis variáveis confundidoras incluem cigarro, exercício, aderencia ao tratamento e apoio social. Nenhum estudo foi capaz até agora de controlar todos esses fatores.

Ainda assim é importante ter em mente essa relação visto que caso depressão seja confirmado como fator de risco para doenças clínicas, ela deverá ser considerada um fator de risco passível de modificação e compete a nós, modifica-lo.

Bibliografia

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