Volume 7 - 2002
Editor: Giovanni Torello

 

Novembro de 2002 - Vol.7 - Nº 11

Artigo do mês

Transtornos bipolares na prática

Fernando Portela Câmara,
Psiquiatra -
Instituto Pavloviano do Rio de Janeiro

A observação de que a grande maioria das pessoas que apresentavam episódios maníacos também desenvolviam episódios depressivos, levou à designação deste transtorno como loucura circular, ciclofrenia, e depois psicose maníaco-depressiva. Atualmente, ele é melhor classificado como transtorno bipolar, para salientar seu caráter de alternância entre dois polos (maníaco ou hipomaníaco e depressivo maior ou menor). O episódio maníaco é a chave para o diagnóstico do transtorno bipolar (doravante referido como TB), acompanhado ou não de história pregressa ou familiar de bipolaridade, e se o episódio depressivo é visto em primeiro lugar, deve-se investigar se é doença bipolar usando-se os critérios das classificações psiquiátricas atualmente disponíveis (DSM-IV e CID-10). Os critérios atuais de classificação dos TBs ainda não estão totalmente concluídos, e enquanto as bases neurobiológicas deste transtorno não forem plenamente compreendidas, serão necessárias revisões periódicas dos critérios para se adequar à experiência clínica e às evidências empíricas e experimentais da prática medica.

O DSM-IV aborda melhor a classificação dos transtornos bipolares, classificando-os em quatro categorias: bipolar I (pelo menos um episódio maníaco durando uma semana ou mais), bipolar II (pelo menos um episódio hipomaníaco durando quatro dias ou mais; a hipomania costuma alternar-se com depressões graves), ciclotimia (alternância de humor caracterizado por hipomania alternando-se com depressão menor há pelo menos dois anos) e o transtorno bipolar não especificado, que não preenche nenhuma das categorias satisfatoriamente (exemplo episódio hipomaníaco com duração de menos de quatro dias, cicladores ultra-rápidos, estados mistos atípicos, etc). Temos ainda a depressão pseudo-unipolar, depressão altamente recorrente com história familiar para transtorno bipolar e respondente ao tratamento com estabilizadores de humor. O DSM-IV não reconhece a condição de episódio maníaco emergente de tratamento antidepressivo (ver mais adiante), embora ela seja hoje aceita como um fato. Para uma visão mais abrangente dos transtornos bipolares recomendamos a leitura de Godwin e Jamison [13] que relaciona, inclusive, de sintomas e apresentações clínicas não referidas no DSM-IV e CID-10.

O transtorno bipolar cicla no máximo até quatro episódios maníacos num ano, mais que isso, temos os "cicladores rápidos".

Os chamados "estados mistos" preenchem critérios para mania e depressão maior, se associa à uma alta taxa de suicídio, e é comumente associada a transtornos por abuso de substâncias e alterações neurológicas devido a TCE. Os estados mistos são difíceis de diagnosticar porque se confundem freqüentemente com depressão agitada ou transtorno de personalidade borderline.

As formas clínicas do espectro bipolar evoluem com ou sem sintomas psicóticos, requerem hospitalização ou são razoavelmente adaptados ao convívio familiar e social, manifestam-se plenamente ou de forma frustra trazendo apenas desconforto. Evidentemente, o espectro bipolar deve ser diferenciado das esquizofrenias, transtorno esquizofreniforme, transtorno paranóide, TAD/H (especialmente em crianças), bem como de alterações cerebrais provocadas por fatores orgânicos (hipertireoidismo, AIDS, LES, etc) ou por abuso de substâncias (cocaína, anfetaminas, etc).

É importante considerar também que os transtornos bipolares podem ser precipitados pelo estresse prolongado, particularmente nos conflitos interpessoais. Também a redução voluntária do sono (por estresse, parto, viagem, trabalho) pode ser um fator precipitante. Por outro lado, estressores ambientais graves tais como abuso ou negligência prolongados podem promover desregulação do humor fenotipicamente semelhante ao transtorno bipolar II, em pacientes sem história familiar ou pregressa de transtornos afetivos. Neste último caso, não se trata de um bipolar verdadeiro ou endógeno, mas de uma "fenocópia bipolar II", que se evidenciará por sua história atípica, significativamente associada a situações de estresse prolongado e sem resposta aos estabilizadores de humor..

Importa não apenas ao psiquiatra, mas também ao médico geral na sua prática de atendimento e de emergências, reconhecer que o diagnóstico do episódio maníaco é feito a partir de um quadro exacerbado de humor disfórico, expansivo e/ou irritável, onde os seguintes elementos estejam presentes em maior ou menor grau há pelo menos uma semana (fórmula mnemônica "DIGFALI"):

  • Distraimento – sem concentração, atenção desviada para os múltiplos estímulos ao redor do paciente.
  • Insônia – dorme muito pouco e não sente necessidade de sono?
  • Grandiosidade – ego inflado, auto-estima exacerbada, pode tudo, tudo dará certo para ele, suas idéias são revolucionárias.
  • Fuga de Idéias – sensação de que os pensamentos passam rápidos, por isso muda de assunto em conformidade com o que vê ou ouve.
  • Atividade elevada – atividade exagerada nas coisas que costuma fazer ou freqüentar.
  • Linguagem acelerada – muito falante, necessidade de continuar falando.
  • Irresponsabilidade – comportamento de risco em atividades prazerosas como compras desenfreadas, operações financeiras irresponsáveis, viagens freqüentes e desnecessárias, direção perigosa, comportamento sexual indiscreto.

Estes são os critérios do DSM-IV para o episódio maníaco (também encontrados no CID-10), sendo positivo quando pelo menos três deles estão presentes concomitantes com um humor elevado ou expansivo, ou quatro se o humor for apenas irritável. Outro recurso simples para diagnosticar a mania é o Questionário para Transtorno de Humor de Hirschfeld et al. [15], de uso fácil e eficiente. A figura 1 mostra o questionário, que procurei adaptar para nossa linguagem comum.

 

Ao se examinar o paciente, a primeira coisa a se notar é a sua aparência, geralmente extravagante. O afeto é lábil, apesar do humor eufórico, expansivo ou irritável. O pensamento de autoestima e de grandiosidade é encontrado com freqüência, e pode ser delirante ou não. A incoerência do pensamento é apenas aparente, pois, notar-se-á que isto se deve ao curso acelerado que leva à fuga de idéias. A concentração está prejudicada, devido à distratibilidade, mas a memória está intacta, entretanto, o juízo crítico está perturbado, o que leva a atos e decisões irresponsáveis. Também pode-se notar o uso freqüente de neologismos, que é devido à associações por assonância. Por tudo quanto dissemos, percebe-se que o transtorno bipolar está caracterizado por alterações mentais, cognitivas, comportamentais e afetivas.

O transtorno bipolar começa em idade jovem mas não é ainda suficientemente reconhecido em crianças e adolescentes. As crianças com transtorno bipolar podem ser erroneamente diagnosticadas como portadoras de transtornos de conduta ou esquizofrenia. Elas geralmente apresentam humor lábil, pensamento anormal e comportamento perturbado.

Embora o diagnóstico de doença bipolar seja feito na presença de um episódio maníaco, é preciso estar alerta para doença bipolar quando a condição que se apresenta é uma depressão importante num adulto jovem (até cerca de 30 anos), adolescente ou criança, devendo a história pregressa orientar o diagnóstico e o tratamento. Pacientes com episódios depressivos sem história de alternância com mania ou hipomania, mas com história familiar de transtorno bipolar, deverá ser considerado a princípio como bipolar, embora a ausência de história familiar não seja critério de exclusão. A depressão bipolar geralmente é vista num paciente com personalidade pré-mórbida ciclotímica, com recorrências e início em idade jovem. Os pacientes com depressão bipolar tendem a apresentar sintomas psicóticos, hipersonia, grande "falta de energia", sendo suas depressões geralmente paralisantes, fazendo-os ficarem presos ao leito.

 

Figura 1: Questionário para Transtorno do Humor (Hirschfeld et al., 2000) [15]

1

Você alguma vez já se sentiu fora do seu modo normal de ser e...

 
 

...se sentia tão bem e "prá cima" que levou as pessoas a pensarem que você não estava em seu normal ou, então, isto lhe trouxe problemas?

...ficava tão irritado que gritava com as pessoas ou começava uma briga ou uma discussão sem motivo justificado?

...sentia-se muito mais autoconfiante que o normal?

...tinha muito menos sono que o normal e não sentia falta disto?

...falava demais ou bem mais rápido que o normal?

...seus pensamentos eram muito rápidos e você não conseguia pensar mais calmamente?

...se distraia o tempo todo com as coisas ao redor e assim não conseguia se concentrar ou continuar no seu caminho (para casa, ou para o trabalho, ou para outro lugar)?

...se sentia com mais energia que o normal?

...era muito mais ativo e fazia muito mais coisas que normalmente faz?

...era bem mais extrovertido e procurava sempre os amigos, p. ex., telefonando para eles no meio da noite?

...era muito mais interessado em sexo que normalmente?

...fazia coisas que normalmente não faz e que as pessoas consideravam como loucura, arriscadas ou desmesuradas?

...gastava dinheiro sem controle trazendo problemas para você ou para sua família?

S ou N
 

S ou N


S ou N

S ou N

S ou N

S ou N


S ou N

 

S ou N

S ou N

S ou N


S ou N

S ou N


S ou N

2

Se você respondeu SIM a mais de uma das respostas acima, responda agora se elas aconteceram no mesmo período de tempo

S ou N

3

Quanto problema essas situações causaram a você, p .ex., incapacitação para o trabalho, problemas familiares, financeiros ou legais, envolvimento em brigas ou discussões? Assinale apenas uma resposta:

.Nenhum problema .Pequenos problemas .Problemas médios .Problemas sérios

 

 

 

 

Tratamento

Apesar do apuro para diferenciar as diversas foras do espectro bipolar, o tratamento é um só, isto é, não diferencia rigorosamente as condições do espectro. O famoso médico renascentista Paracelso ensinava a aprender primeiro o tratamento e só depois preocupar-se com a teoria. Paracelso defendia que as doenças deveriam ser classificadas segundo o tratamento que as curava ou remediava, e sabemos que os médicos que se destacam como melhores tratadores são aqueles que intuitivamente fazem esta associação ao ver e ouvir o seu paciente. Assim, é melhor aprender a tratar os transtornos e ter em mente ser isto o mais importante, e se ainda houver dúvidas quanto ao tratamento, fazer a prova terapêutica.

Os transtornos bipolares incidem em cerca de 1-2 % da população [13] e devem ser tratados, caso contrário, serão cada vez mais graves e perigosos, levando à perda do emprego, inadimplência financeira, complicações legais e comportamento sexual de alto risco. Na depressão bipolar, o risco de suicídio é muito alto [10, 28], na faixa de 25%, e é necessário intervir. Neste caso, e naqueles em que a agitação psicótica oferece riscos sérios, a hospitalização será necessária.

Os medicamentos utilizados no tratamento do transtorno bipolar são conhecidos com estabilizadores do humor. Tais medicações são usadas para controlar tanto a fase maníaca quanto a depressiva, previne os episódios e suprime ou reduz a ciclagem do transtorno. Via de regra, o tratamento considera a fase aguda (remissão dos sintomas), a fase de manutenção (manutenção da medicação por um período de segurança após a remissão dos sintomas) e a fase de profilaxia (redução da dosagem para níveis preventivos).

Na fase de manutenção o aconselhamento e a terapia cognitivo-comportamental serão de grande ajuda para o paciente e sua família. Na fase aguda da doença, nada é possível fazer neste sentido e aqui é importante lembrar de jamais confrontar o paciente (que se torna facilmente agressivo), mas apenas ressaltar as situações de risco em que ele se envolve e que eventualmente podem ameaçar os que estão junto a ele.

Há muitos medicamentos lançados recentemente no mercado, porém, sem, experiência clínica formada, de modo que ainda devemos nos ater ao que a medicina baseadas não apenas na evidência mas, sobretudo, na experiência clínica nos assegura. Assim, relaciono apenas os medicamentos que permanecem consagrados pela prática.

  1. Lítio.

O lítio é o estabilizador do humor de uso padrão. Ele é eficiente na estabilização dos episódios maníacos disfóricos, bem como na depressão bipolar [8, 14, 29], sendo pouco efetivo nas formas mistas e nos cicladores rápidos, ocasião em que se opta geralmente pela carbamazepina ou valproato. O lítio também tem sido também utilizado como potencializador de ADs no caso de depressão unipolar resistente.

A desvantagem do lítio é significativa, pois, além de seus efeitos colaterais desagradáveis, ele pode ser tóxico para a tireóide, causando hipotireoidismo em cerca de 20% dos casos e, e também pode causar insuficiência renal permanente. Recomenda-se monitorar a função destes órgãos a cada 6 meses. Entretanto, os seus benefícios superam sua toxicidade e, por isso, é importante saber usa-lo.

As diretrizes gerais para a terapia com lítio é a seguinte (note que as eventuais modificações devem-se apenas à experiência do autor deste trabalho, não sendo uma norma):

  1. Inicia-se o tratamento com 3 comprimidos de 300 mg em uma só tomada à noite (900mg/dia) podendo chegar a 1200 mg/dia. Tenho observado que a forma de liberação lenta (CR) é mais tolerada, devendo-se começar com 2 comprimidos de 450 mg, dose única à noite.
  2. Sendo o efeito terapêutico do lítio correlacionado à litemia, monitora-se este parâmetro que deve ficar entre 0,6-1,2 mEq/litro, evitando-se os efeitos tóxicos (>1,2 mEq/L) e estabelecendo o nível terapêutico recomendado. Na fase aguda, a litemia deve ficar próxima do seu limite máximo permitido, frequentemente na faixa de 0,9-1,2 mEq/L. Mantido este nível por 15 dias sem haver remissão dos sintomas, o paciente será considerado refratário ao lítio.
  3. A primeira litemia deve ser feita no sexto dia após o início do tratamento, colhendo-se o sangue 12 horas após a última tomada do lítio, a partir daí, se fará medidas semanais nos dois primeiros meses, espaçando-se gradualmente até se fazer a cada 3, 4ou 6 meses. É bom ter em mente que cada 300 mg de lítio ou 1/2 comprimido da forma CR (450 mg) aumenta cerca de 0,25 mEq/L na litemia, e que 800 mg resulta numa litemia média de 0,7 mEq/L.
  4. Uma vez estabilizado o quadro, o lítio será mantido por um período de pelo menos seis meses, dependendo do caso, e então será reduzido para uma dose profilática em torno de 0,5-0,8 mEq/L [8]. Na minha prática, muitos pacientes são mantidos em 0,5mEq/L sem necessidade de aumentar a dose.

A associação do lítio com antipsicóticos em pacientes agitados e com sintomas psicóticos típicos é muito eficiente e parece ter um efeito cooperativo [24] e deve ser utilizada sempre nestes casos até a remissão dos sintomas psicóticos, ocasião em que o lítio será mantido, a menos que os sintomas psicóticos persistam.

  1. Antiepilépticos.

A semelhança entre os cicladores rápidos e o kindling epiléptico sempre foi sugerida embora não se tenha nenhum dado objetivo que possa ligar essas duas condições a um mesmo modelo. O uso empírico, contudo, de antiepilépticos nos episódios maníacos e mistos que ciclam rapidamente têm tido relativo sucesso, embora sua eficácia não esteja comprovada no tratamento e prevenção da depressão bipolar, ocasião em que o lítio é considerado ainda o medicamento de escolha.

O valproato de sódio (sal do ácido valpróico) é hoje considerado tão efetivo quanto o lítio, e além de ter as mesmas indicações do lítio, sua ação também se estende para os estados mistos [3, 11, 12, 22] e aos cicladores rápidos [6]. É considerado mais eficaz que a carbamazepina e com menos efeitos colaterais que esta e o lítio. A janela terapêutica está na faixa de 50-125 ng/mL, que é atingida com a dose média de 1500-2000 mg/dia.

  1. Inicia-se o tratamento com 250 mg de 8/8 hs, aumentando-se lentamente em 250-500 mg a cada três dias (para monitorar efeitos colaterais) até 20-40 mg/Kg de peso. Pacientes entre 60 e 80 kg de peso tomarão um total de 1000-1500 mg/dia. Pacientes hospitalizados tomarão 500 mg pela manhã, 500 mg à tarde e 1000 mg à noite.
  2. Aguarda-se o efeito estabilizador em um mínimo de 10 dias para se avaliar a correta dosagem.
  3. Sendo um medicamento algumas vezes tóxico para o fígado e pâncreas, recomenda-se monitorar as funções destes órgãos regularmente.

Atualmente, um preparado mais tolerado, a formulação divalproex, está sendo utilizado [1, 2, 30], e todas as observações referidas para o valproato são também aplicadas aqui, com a aparente vantagem de poder aumentar a dose a cada dois ou mesmo um dia, uma vez que é melhor tolerado [16]. Uma indicação especial do divalproex têm sido as formas bipolares que evoluem com enxaqueca crônica.

A carbamazepina ainda é o estabilizador de humor mais usado após o lítio [23, 27], apesar das vantagens do valproato, e encontra as mesmas indicações, sendo a indicação de preferencial nos cicladores rápidos, ocasião em que o lítio não demonstra vantagem significativa ou seus efeitos colaterais indicam sua descontinuação. Alguns psiquiatras preferem instituir o tratamento com a carbamazepina como primeira opção, embora o valproato seja atualmente a melhor opção neste sentido..

  1. Inicia-se o tratamento com 200 mg de carbamazepina duas vezes por dia, aumentando-se lentamente (para monitorar efeitos colaterais, especialmente hipersensibilidade ao medicamento), à razão de 200 mg a cada três dias, até o limite de 600-1200 mg/dia ou mais. A janela terapêutica é de 4-12 ng/dL, porém os níveis plasmáticos não correlacionam com a atividade antimaníaca, e a dose deverá ser instituída empiricamente. Muitos pacientes estabilizam na dose de 600 mg/dia.
  2. Sua toxicidade (agranulocitose, anemia aplástica, hepatite), embora rara, pode ser um fator limitante, portanto, hemogramas com contagem de plaquetas a cada duas semanas nos primeiros dois meses de tratamento e depois a cada quatro meses, deverão ser requisitados para controle.

A lamotrigina é um medicamento promissor no tratamento da depressão bipolar e cicladores rápidos [4, 5, 17], tendo se mostrado efetiva também no tratamento dos episódios maníacos. Ela é especialmente efetiva no espectro "brando" (não maníaco) do TAB e tem sido utilizada também no tratamento do transtorno de personalidade borderline. A dose inicial deve ser de 50 mg/dia, aumentando-se lentamente para monitorar hipersensibilidade (rash), até 100-500 mg/dia.

  1. Benzodiazepínicos.

Dos benzodiazepínicos usados no TAB, temos o clonazepan, tradicionalmente utilizado como anti-epíléptico e mais recentemente como medicação antipânico [20], mas que também tem uso nas manias sem sintomas psicóticos. A dose varia de 1 a 10 mg/dia e não existe janela terapêutica, e o fator limitante aqui será apenas os efeitos colaterais indesejáveis. Na minha experiência, prescrevo-o com freqüência nos estados maníacos "brandos", e só passo para outra medicação se a resposta não é satisfatória. Algumas vezes o clonazepan induz agitação, e neste caso deve ser descontinuado imediatamente

  • Antipsicóticos.

Os antipsicóticos são utilizados para tratar a fase psicótica dos episódios maníacos. Entretanto, os antipsicóticos atípicos, como a risperidona [26] e a olanzapina [18], têm sido também identificados como estabilizadores do humor, sendo esta última considerada atualmente um estabilizador de humor com bom espectro de ação.

A olanzapina é bem tolerada e têm uma baixa incidência de sintomas extrapiramidais na dose terapêutica, bem como uma baixa incidência de discinesia tardia. Seu efeito colateral mais desagradável é o aumento de peso devido ao aumento do apetite, condição que se correlaciona ao efeito terapêutico, mas que responde bem às intervenções medicamentosas e comportamentais. Nas mania aguda e nas formas mistas inicia-se com 5-10 mg/dia até 10-20 mg/dia, sendo a dose mais comum a de 15 mg/dia. Nas formas mais brandas inicia-se com 2,5-5 mg/dia, sendo a dose mais comum de 5-10 mg/dia.

Atualmente, a olanzapina vem sendo considerada o novo estabilizador de humor de escolha, com vantagens em ter menos efeitos colaterais e aparentemente um maior escore de ação. Além das mesmas indicações para o lítio, sua ação também se estende para os estados mistos e para os cicladores rápidos. Uma excelente revisão sobre o estado da arte da olanzapina no transtorno bipolar foi recentemente revisada por Lacerda et al. [18].

Observações gerais

Os episódios maníacos que evoluem com sintomas psicóticos exigirão o uso de antipsicóticos típicos ou atípicos para controlar os sintomas. Descontinua-se o antipsicótico após cerca de 15 dias, período em que comumente a sintomatologia psicótica regridirá e se institui os estabilizadores de humor nesta fase. Entretanto, se a olanzapina for utilizada e também escolhida como estabilizador do humor, será melhor utiliza-la em monoterapia naquelas formas que evoluem com psicose, sendo apenas necessário controlar o aumento de peso.

Outra observação importante é que toda medicação deve ser monitorada com relação a efeitos colaterais e também com relação às interações medicamentosas, que devem ser cuidadosamente avaliadas.

Nas comorbidades (ex.: TB + TDAH), o tratamento será necessariamente combinado segundo o preconizado para cada condição mórbida.

Antidepressivos e TAB

O uso de AD num episódio depressivo em que um TAB não foi ainda diagnosticado pode induzir uma virada maníaca. Os ADTs induzem virada 3 vezes mais que os ISRSs, cerca de 11,2% contra 3,7%, respectivamente, num estudo com 15 mil pacientes [19]. O único antidepressivo que aparentemente não induz virada maníaca é a bupropiona [25], e os ISRSs que mais raramente induzem são a paroxetina e a fluoxetina [7, 21]. O lítio, em associação com um destes antidepressivos, será o tratamento de escolha na depressão bipolar [7, 21, 25]. Assim, é possível que pacientes bipolares cujo primeiro episódio seja depressivo venha ser tratado com AD antes de serem reconhecidos bipolares, e o psiquiatra deve estar ciente disto, principalmente se se trata de pacientes jovens (até cerca de 30 anos). A existência de história de TB familiar nestes casos será de ajuda.

Referências:

     

  1. Bowden CL, Brugger AM, Swann AC, et al. Efficacy of divalproex vs lithium and placebo in the treatment of mania. The Depakote Mania Study Group. JAMA.271:918-924, 1994.
  2. Bowden CL, Calabrese JR, McElroy SL, et al. A randomized, placebo-controlled 12-month trial of divalproex and lithium in treatment of outpatients with bipolar I disorder. Arch Gen Psychiatry. 57:481-489, 2000.
  3. Brennan MI, Sandyk R, Borsook D. Use of sodium valproate in the management of affective disorders. Basic and clinical aspects. In: Emrich HM, Okuma T, Muller AA, eds. Anticonvulsants in Affective Disorders. Amsterdam: Elsevier Science Publishers, p. 56-65, 1984.
  4. Calabrese JR, Bowden CL, Sachs GS, et al. A double-blind placebo-controlled study of lamotrigine monotherapy in outpatients with bipolar I depression. Lamictal 602 Study Group. J Clin Psychiatry. 60:79-88, 1999.
  5. Calabrese JR, Suppes T, Bowden CL, et al. A double-blind, placebo-controlled, prophylaxis study of lamotrigine in rapid-cycling bipolar disorder. Lamictal 614 Study Group. J Clin Psychiatry 61: 841-850, 2000.
  6. Calabrese JR, Delucchi GA. Spectrum of efficacy of valproate in 55 patients with rapid-cycling bipolar disorder. Am J Psychiatry. 147:431-434, 1990.
  7. Cohn JB, Collins C, Ashbrook E, et al. A comparison of fluoxetine imipramine and placebo in patients with bipolar depressive disorder. Int Clin Psychopharmacol. 4: 313-322, 1989.
  8. Coppen A, Peet M, Bailey J, et al. Double-blind and open prospective studies on lithium prophylaxis in affective disorders. Psychiatr Neurol Neurochir. 76:501-510, 1973.
  9. Denicoff KD, Smith-Jackson EE, Disney ER, et al. Comparative prophylactic efficacy of lithium, carbamazepine, and the combination in bipolar disorder. J Clin Psychiatry. 58:470-478, 1997.
  10. Dilsaver SC, Chen YW, Swann AC, Shoaib AM, Krajewski KJ. Suicidality in patients with pure and depressive mania. Am J Psychiatry. 151:1312-1315, 1994.
  11. Emrich HM, Dose M, von Zerssen D. The use of sodium valproate, carbamazepine and oxcarbazepine in patients with affective disorders. J Affect Disord. 8:243-250, 1985.
  12. Freeman TW, Clothier JL, Pazzaglia P, Lesem MD, Swann AC. A double-blind comparison of valproate and lithium in the treatment of acute mania. Am J Psychiatry. 149:108-111, 1992.
  13. Goodwin FK, Jamison KR. Manic-Depressive Illness. New York, NY: Oxford University Press; 1990.
  14. Goodwin FK, Murphy DL, Bunney WE Jr. Lithium-carbonate treatment in depression and mania. A longitudinal double-blind study. Arch Gen Psychiatry. 21:486-496, 1969.
  15. Hirschfeld RM, Williams JB, Spitzer RL, et al. Development and validation of a screening instrument for bipolar spectrum disorder: the Mood Disorder Questionnaire. Am J Psychiatry. 157:1873-1875, 2000.
  16. Hirschfeld RM, Allen MH, McEvoy JP, Keck PE Jr, Russell JM. Safety and tolerability of oral loading divalproex sodium in acutely manic bipolar patients. J Clin Psychiatry. 60(12):815-818, 1999.
  17. Ichim L, Berk M, Brook S. Lamotrigine compared with lithium in mania: a double-blind randomized controlled trial. Ann Clin Psychiatry. 12:5-10, 2000.
  18. Lacerda, ALT; Soares, JC; Tohen, M. O papel dos antipsicóticos atípicos no tratamento do transtorno bipolar: revisão da literatura. Ver. Bras. Psiquiatr., 24: 34-43, 2002.
  19. McElroy, SL, Keck, PE Jr, Strakowski, SM. Mania, psychosis and antipsychotics. J Clin Psychiatry, 57 (suip. 3):14-26, dsicussion 47-49, 1996.
  20. Nardi, AE. Clonazepan no transtorno de pânico. J. Bras. Psiquiatr., 50: 407-413, 2001.
  21. Nemeroff CB, Evans DL, Gyulai L, et al. Double-blind, placebo-controlled comparison of imipramine and paroxetine in the treatment of bipolar depression. Am J Psychiatry. 158:906-912, 2001.
  22. Pope HG Jr, McElroy SL, Keck PE Jr, Hudson JI. Valproate in the treatment of acute mania. A placebo-controlled study. Arch Gen Psychiatry. 48:62-68, 1991.
  23. Post RM, Berrettini W, Uhde TW, Kellner C. Selective response to the anticonvulsant carbamazepine in manic-depressive illness: a case study. J Clin Psychopharmacol. 4:178-185, 1984.
  24. Prien RF, Caffey EM Jr, Klett CJ. Comparison of lithium carbonate and chlorpromazine in the treatment of mania. Report of the Veterans Administration and National Institute of Mental Health Collaborative Study Group. Arch Gen Psychiatry. 26:146-153, 1972.
  25. Sachs GS, Lafer B, Stoll A, et al. A double-blind trial of bupropion versus desipramine for bipolar depression. J Clin Psychiatry 55:391-393, 1994.
  26. Segal J, Berk M, Brook S. Risperidone compared with both lithium and haloperidol in mania: a double-blind randomized controlled trial. Clin Neuropharmacol. 21:176-180, 1998.
  27. Small JG, Klapper MH, Milstein V, et al. Carbamazepine compared with lithium in the treatment of mania. Arch Gen Psychiatry. 48:915-921, 1991.
  28. Strakowski SM, McElroy SL, Keck PE Jr, West SA. Suicidality among patients with mixed and manic bipolar disorder. Am J Psychiatry. 153:674-676, 1996.
  29. Stokes PE, Shamoian CA, Stoll PM, Patton MJ. Efficacy of lithium as acute treatment of manic-depressive illness. Lancet. 1:1319-1325, 1971.
  30. Swann AC, Bowden CL, Morris D, et al. Depression during mania. Treatment response to lithium or divalproex. Arch Gen Psychiatry. 54:37-42, 1997.

TOP